A Nova Rota da Seda é um plano de investimentos trilionário e controverso, visto como mais um sinal da expansão do poder da China no planeta. E agora, o governo Xi Jinping quer que o presidente Lula coloque o Brasil no projeto. Sou Leandro Prazeres, da BBC News Brasil, e estou aqui em Xangai para acompanhar a visita de Lula à China.
Neste vídeo eu vou te contar o que é essa Nova Rota da Seda, por que a China quer o Brasil nela, os prós e contras e por que o governo brasileiro está dividido sobre se adere ou não. Vamos direto lá. O que é a nova rota da seda?
É um projeto gigantesco lançado pelo governo chinês em 2013. Ou seja, já está completando dez anos. Existem diferentes estimativas sobre quanto dinheiro já foi investido pelos chineses até agora.
Os valores oscilam entre 890 bilhões e 1 trilhão de dólares. O nome é uma alusão à antiga Rota da Seda, aquele fluxo de comércio que funcionou do século 2 antes de Cristo até o século 15, e que conectava Ásia e Europa Central. No começo, a Nova Rota da Seda previa investimentos na Ásia e em países mais próximos da China, só que com o passar dos anos o projeto foi ampliado pra outras regiões, como África, Oceania e América Latina.
Segundo o think tank americano Council on Foreign Relations, 147 países já aderiram ou manifestaram interesse em aderir. Eles representam dois terços da população mundial e 40% do PIB global. Na América Latina, pelo menos 20 países já fazem parte, entre eles a Argentina.
Analistas avaliam que a Nova Rota da Seda é um dos braços do projeto de expansão do poder econômico e político da China, que busca se impor em contraposição a potências como os Estados Unidos e a União Europeia. A China é a segunda maior economia do mundo e, até a pandemia de covid, havia estimativas que indicavam que poderia superar os Estados Unidos até 2028. E por que os chineses querem o Brasil na Nova Rota da Seda?
Por razões econômicas e políticas. A China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, quando passou os Estados Unidos Em 2022, por exemplo, o Brasil exportou 91 bilhões de dólares para a China, mais do que para Estados Unidos e União Europeia juntos. Projetos de infraestrutura no Brasil poderiam fazer com que os produtos brasileiros cheguem à China com mais facilidade e a custos mais baratos.
Mas analistas também avaliam que a adesão brasileira aumentaria a influência da China na América Latina. O Brasil é um dos poucos países da região que ainda não fazem parte da iniciativa. A adesão do Brasil seria vista em Pequim como um importante gesto político de apoio vindo da maior economia da América Latina, que é uma tradicional área de interesse e influência dos Estados Unidos.
Lembrando aqui que as relações entre chineses e americanos se agravaram bastante nos últimos anos, o que também se revela numa batalha por influência no mundo. Mas agora, quais as vantagens e as desvantagens de entrar na Nova Rota da Seda? Especialistas nas relações entre a China e o Brasil avaliam que uma adesão teria pouco efeito prático.
Ou seja, não resultariam em uma "enxurrada" de investimentos diretos no Brasil no curto prazo. Eles dizem que um aceno brasileiro à iniciativa teria um resultado mais político do que econômico. A professora Karin Vazquez é especialista em cooperação internacional e dá aula numa universidade chinesa.
Ela me disse que uma adesão formal do Brasil poderia abrir acesso a um fundo de US$ 40 bilhões em investimentos chineses. Mas complementou que a desaceleração da economia da China vem fazendo com que as condições para esses financiamentos já não sejam tão boas quanto eram no passado. Já o ministro da agricultura, Carlos Fávaro, é categórico.
Ele disse pra gente da BBC News Brasil que o país deveria, sim, entrar na iniciativa chinesa. Para ele, isso pode facilitar investimentos em logística que barateiem o frete dos produtos do agronegócio brasileiro. Abre aspas: “Eu defendo porque um dos principais gargalos da competitividade do agro brasileiro é a infraestrutura logística [.
. . ] Frete caro é sinônimo de perda de competitividade para produtos de exportação” Mas alguns analistas avaliam que o programa chinês vem criando uma situação insustentável para alguns países, especialmente nações mais pobres.
Isso aconteceria porque esses países estariam contraindo dívidas com a China ou com empresas chinesas e não estariam tendo condições de pagar essas contas. E esse é um ponto importante: não é que a China esteja investindo de graça em outros países. Os especialistas usam um termo em inglês para isso, que é o "debt trap", ou armadilha da dívida.
Em 2018, por exemplo, o governo do Sri Lanka transferiu o controle de um porto à China depois de não conseguir honrar suas dívidas com credores internacionais, entre eles a própria China. A China rebate esse tipo de crítica dizendo que tudo não passa de uma tentativa de manchar sua imagem no cenário internacional. O professor de geopolítica Pablo Ibanez me disse que outra crítica constante à Nova Rota da Seda é com relação às questões ambientais e sociais relacionadas aos projetos financiados pelos chineses – especialmente como tudo isso afeta populações indígenas ou tradicionais.
Agora o último ponto do vídeo: por que a adesão divide o governo brasileiro? A entrada formal do Brasil no programa chinês tornou pública uma divisão entre uma ala liderada por diplomatas do Ministério das Relações Exteriores, incluindo o seu chefe, o embaixador Mauro Vieira, e uma ala mais próxima ao presidente Lula, que inclui seu assessor especial para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim. De um lado, o Itamaraty afirma que o Brasil não precisaria aderir ao projeto porque o Brasil já é alvo de parte significativa dos investimentos internacionais chineses.
Olha o que me disse o ministro Mauro Vieira: "Temos uma parceria estratégica que vai muito além da Rota da Seda. Não é uma coisa que estejamos apressados nem de um lado e nem de outro. É uma coisa que faz parte de contatos e conversas, mas não é uma decisão premente".
Nos bastidores, essa ala defende que o Brasil tente manter boas relações tanto com a China quanto com os Estados Unidos nesse momento de acirramento das tensões entre os dois países. Mas nas últimas semanas o Celso Amorim, de quem aliás Mauro Vieira é muito próximo, deu declarações ligeiramente diferentes das dele. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Amorim disse: "Não tem razão para o Brasil não entrar [.
. . ] Não tenho preconceito e não vejo nenhum dano político” Ele repetiu algo parecido ao jornal Folha de São Paulo.
"Vários países europeus e muitos da América Latina, especialmente da América do Sul, são parte do projeto. Não vejo razão para o Brasil ficar de fora" O professor Pablo Ibanez explica a diferença de abordagens entre o comando do Itamaraty e o entorno presidencial assim: “De um lado você tem o PT, Lula e Celso Amorim, que são conhecidos por valorizarem o crescimento das relações do chamado sul-global [. .
. ] Já o Itamaraty tem uma ala mais pragmática que acredita que a adesão pode trazer represálias dos Estados Unidos” Diante de tudo isso, uma das principais expectativas aqui em Xangai é justamente para saber se Lula vai anunciar ou não a adesão do Brasil à Nova Rota da Seda. Vou continuar acompanhando essa viagem e volto quando tiver mais novidades.
Obrigado pela audiência e até a próxima.