Os interesses por trás de obras sobre Independência do Brasil

Você já deve ter ouvido falar que o quadro Independência ou Morte, esse daqui, a representação mais conhecida da independência do Brasil, não reflete exatamente o que aconteceu no 7 de setembro de 1822. As evidências históricas apontam que Dom Pedro não estaria montado num cavalo, mas muito provavelmente numa mula; que ele e sua comitiva não vestiam uniformes militares - e pararam no córrego do Ipiranga porque o príncipe tinha dor de barriga. Era uma parada de emergência, digamos assim.

Eu sou Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil, e neste vídeo falo sobre as histórias e interesses por trás dessa e de outra obra que registrou a independência do Brasil - e que é, aliás, completamente diferente do quadro que acabou ficando no imaginário coletivo. E para quem já estiver se perguntando: sim, o autor do Independência ou Morte, Pedro Américo, sabia que o 7 de setembro não tinha sido a apoteose militar que ele pintou. Em um pequeno livro publicado em 1888, ao falar sobre a obra, ele escreveu: “A realidade inspira, e não escraviza o pintor” Mais à frente, ele diz: “.

. . sabendo que D.

Pedro na tarde de 7 de setembro sofria de um incômodo gástrico que o obrigou a separar-se da sua Guarda de Honra, não deveria o artista alterar desfavoravelmente os traços do augusto moço naquele momento solene; porque se tal ocorrência foi com efeito real, e até mereceu atenção do cronista, ela é indigna da história, contrário à intenção moral da pintura, e por consequência imerecedora da contemplação dos pósteros”. Pois é. A história do Independência ou Morte é um exemplo de como a memória e a história são construções sociais.

Nesse caso específico, do esforço de São Paulo para reivindicar seu espaço na História do Brasil. As evidências históricas mostram que o 7 de Setembro foi um dos eventos que aconteceram no processo de independência, Um evento que não foi tão foi relevante no momento em que ele aconteceu A ideia de ruptura do 7 de Setembro como o grande evento da Independência vai ser uma construção feita posteriormente E bem posteriormente, diga-se de passagem. O quadro do Pedro Américo é de 1888, um ano antes de o Brasil virar República.

É a segunda representação pictórica do que foi a independência do Brasil. A primeira foi essa: o quadro A Proclamação da Independência do Brasil, do francês François-René Moreaux, de 1844. Que foca em algo completamente diferente.

A imagem de coesão, a imagem de união, a imagem de integração aparece nesse quadro Esse quadro retrata a independência como uma confraternização. Não há conflito, não há embate. Nós temos ali vários segmentos da população da sociedade brasileira, nem todos os segmentos ali representados, né?

Faltam os indígenas faltam os negros, né. Mas é uma tentativa de apresentar a independência do Brasil como uma festa Por que as representações são tão diferentes? A resposta está no momento histórico em que cada uma delas foi produzida.

O quadro de Moreaux, o primeiro, foi pintado 22 anos depois do evento, a pedido do Senado Imperial, quando o Brasil ainda lidava com as turbulências do processo de independência, que foi longo e marcado por conflitos internos. Nesse período nós estávamos passando é por uma situação de pacificação, ou seja, as províncias que se insurgiram e declararam a separação do Estado Nacional Brasileiro precisavam ser, digamos assim, controladas – a imagem de coesão, a imagem de União Já o quadro do Pedro Américo foi pintado em 1888, às vésperas da proclamação da República, quando o jogo de forças era bem diferente. Inicialmente proposta pelo próprio pintor, a obra foi financiada pelo governo paulista para decorar o edifício do Monumento do Ipiranga - hoje o Museu do Ipiranga.

O esforço de São Paulo para reivindicar uma posição de destaque na história do Brasil remonta aos primeiros anos da independência. A ideia de construir um marco na região do Ipiranga é de 1823 Com algumas décadas de atraso, ele sai: em 1885, quase no fim do 2º Reinado, começa a ser construído um edifício pensado para celebrar a independência. Um edifício-monumento, que posteriormente vira museu - o Museu do Ipiranga.

E São Paulo, que aos poucos estava se tornando uma província rica, está também tentando se inserir nesse campo simbólico, na história, e reivindicando o fato do 7 de setembro, de ter sido aqui, construindo de fato a importância do 7 de Setembro O momento do grito, ele vai transformar esse evento que talvez fosse banal num evento épico, e destacando São Paulo - seja no riacho que aparece no quadro, seja até nas caixas que o carroceiro leva que tem em São Paulo, então de alguma forma, ele está vinculando o 7 de Setembro a São Paulo É nesse contexto que Pedro Américo propõe fazer o quadro em 1886. Àquela altura, ele já era um artista conhecido, já havia feito obras importantes, como o quadro Batalha do Avaí, e tinha trânsito fácil nos altos círculos da monarquia. Aliás, foi o imperador que bancou a viagem dele para estudar em Paris.

Ele se revezava entre o Brasil e a Itália - foi em Florença que o Independência ou Morte foi pintado. Não por acaso, o quadro está cheio de referências a obras de artistas europeus. A primeira referência é do Ernest Meissonier, que é um artista francês que faz uma série de pinturas de batalha do Napoleão Bonaparte, e ele vai fazer um quadro que é a composição geral que é muito parecido com esse, que é 1807, Friedland, que é um quadro que tá no Metropolitan de Nova York Aquele membro da comitiva que está no cavalo branco, ele tem uma pose que aparece numa série de pinturas Tá vendo aquele guarda que está montando no cavalo ali no cantinho, então tem dois ali, né?

É, um deles eu achei no Giovanni Fattori uma coisa parecida e o outro tá no Vernet também. Tá vendo nesses membros da comitiva, o segundo da esquerda para direita. É o Pedro Américo, né?

Ele tinha um pouco essa coisa de se retratar nos quadros A monarquia acaba em 1889, mas não a carreira do Pedro Américo. Também é dele outro quadro famoso desse período, esse aqui, Tiradentes Esquartejado, que estampou muito livro de História do Brasil. Eu fico por aqui, obrigada e até a próxima!