Queridos irmãos, durante o tempo do Natal, nós vamos acompanhando os textos da primeira carta de São João, que são textos muito, muito importantes; são textos fortes e que nos ajudam também a entender o seu evangelho. A Igreja faz isso justamente porque São João nos descreve de maneira maravilhosa tanto a divindade de Cristo quanto a sua humanidade: o Mistério da Divina Encarnação. A primeira leitura é um trecho do capítulo 2 da primeira de João, em que aparecem três estrofes que se repetem mais ou menos.
Ele sempre começa dizendo: "Eu vos escrevo". Então ele diz: "Eu vos escrevo, filhinhos" (em grego, "paidos", criança); "eu vos escrevo, pais"; "eu vos escrevo, jovens". É muito interessante essa tríplice nomenclatura.
Eu mesmo sempre fiquei um pouco curioso com ela. Hoje, estava lendo o comentário do padre Raymond Brown, que é uma das maiores autoridades sobre São João, e ele dava uma explicação que me pareceu muito interessante sobre esse texto. Ele diz o seguinte: "Filhinhos" é o modo como São João chama todos os membros da sua comunidade.
A comunidade do discípulo amado é tratada por ele como filhinhos, como crianças. Mas, dentre as crianças, dentre os filhinhos, existem aqueles que são mais experientes, que têm mais tempo na comunidade. Esses são chamados de pais, e aqueles que começaram agora, que ainda estão nos rudimentos da fé, são os jovens.
Então, essa sequência "Eu vos escrevo, filhinhos; eu vos escrevo, pais; eu vos escrevo, jovens" se repete no versículo 14: "Já vos escrevi, filhinhos; já vos escrevi, pais; já vos escrevi, jovens". O texto do lecionário, como segue a Vulgata, omite a segunda menção aos pais, mas essa segunda menção está presente nos melhores textos gregos e nos ajuda a entender que são duas tríades. Faz mais sentido uma composição de cinco em que apenas dois elementos se repetem.
O elemento central não se repete; fica assimétrica. Então, aqui nós temos uma composição simétrica: "Eu vos escrevo, filhinhos: os vossos pecados foram perdoados por meio do seu nome; eles foram batizados em nome de Cristo, portanto, seus pecados estão perdoados. Eu vos escrevo, pais: vós conheceis aquele que é desde o princípio".
Esses já têm mais tempo na caminhada, conhecem mais a Deus. "Eu vos escrevo, jovens: vós vencestes o maligno". Vencestes o maligno porque, batizados, já não pertencem mais ao maligno.
De novo: "Já vos escrevi, filhinhos: vós conheceis o Pai". É muito interessante esse binômio "filhos-Pai". Filhinhos e Pai: vocês já conhecem o Pai, ou seja, vocês já entendem a sua identidade de filhos de Deus, Pai em Cristo.
Mais uma vez, "Eu vos escrevi, pais: vós conheceis aquele que é desde o princípio". "Já vos escrevi, jovens: vós sois fortes; a palavra de Deus permanece em vós e vencestes o maligno". Mais adiante, na própria primeira epístola de São João, ele vai dizer que esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.
É basicamente a mesma ideia: a palavra de Deus permanece em vós, a fé permanece em vós e, como a fé permanece em vós, vós não sois mais dominados pelo mundo; vós transcendeis ao mundo porque estáis na dimensão do Espírito. E é exatamente disso que trata a segunda parte, o que vem na sequência: "Não ameis o mundo nem o que há no mundo". É importante que nós entendamos que, quando São João fala aqui sobre o mundo, nós estamos diante de uma acepção de São João sobre o mundo.
Existe uma outra que é positiva; por exemplo, em João 3:16: ele diz: "Deus de tal modo amou o mundo que entregou seu filho unigênito", etc. Deus amou o mundo porque o mundo foi criado por Ele. Ora, nós só vamos entender o que ele está querendo dizer aqui exatamente na sequência.
Ele diz: "Não ameis o mundo nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai". "Pois tudo que há no mundo: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida não vem do Pai, mas do mundo".
Portanto, quando São João fala aqui de não amar o mundo, ele está falando mais exatamente de não amar determinada presença que nós podemos ter no mundo. Uma presença em que nós somos sequestrados pelos nossos sentidos, em que nós vivemos dominados pelas coisas exteriores, em que nós somos agitados pelas circunstâncias; ou seja, amar o mundo, amar aquilo que vem pelos sentidos, amar a exterioridade é incompatível com a vida espiritual em que nós aprendemos a mergulhar em Deus e, portanto, em algo que não está aqui fora, que não pode ser visto, que não é tangível. É muito interessante que ele utiliza aqui uma linguagem que depois vai se tornar clássica na teologia: as chamadas três concupiscências ou tríplice concupiscência.
Essa palavra "concupiscência" é uma palavra um pouquinho difícil; a gente não usa todo dia, né? Ninguém chega no trabalho e diz: "Eu tô com uma concupiscência de comer chocolate". Ninguém diz isso.
Mas a palavra "concupiscência" significa apenas desejo. "Cupira" em latim é desejar, "com Cupira" é desejar realmente com força. Em grego, se chama "epi temia", o mesmo conceito: é o desejo, o desejo da carne.
Ou seja, tudo aquilo que a carne apetece: o prazer, o conforto. A concupiscência dos olhos, ou seja, são os bens exteriores que nós desejamos para atraí-los a nós mesmos. E a soberba da vida: vida aqui não é "vida zoé", que no Evangelho de São João é a vida sobrenatural, mas a vida "bios".
Ou seja, é o orgulho, é o orgulho dessa vida. Essas três concupiscências são a causa de toda a nossa desgraça. Os autores espirituais dizem que todas elas se resolvem no chamado amor próprio.
Isso significa que o amor próprio é uma espécie de monstro de três cabeças que nos faz sempre desejar os bens, mais ou menos, nessa ordem: os bens exteriores pela concupiscência dos olhos. . .
Olhos os bens, digamos, epidérmicos: a concupiscência da carne e os bens interiores, a soberba da vida, o orgulho. Ou seja, é uma espécie de tríplice degrau para baixo, começa do lado de fora pelo desejo das coisas exteriores, até que esse desejo termine em mim e vai até o meu ego, inflando, tornando, por assim dizer, o centro de toda a minha vontade. São João conclui, dizendo: "O mundo passa e também a sua concupiscência", e é a pura verdade.
Quando nós morremos, nós não levamos nada conosco; os bens exteriores ficam aqui, os prazeres já ficaram para trás há muito tempo, porque eles são evanescentes, eles passam, e não existe defunto orgulhoso: ele vai apodrecer debaixo da terra. A morte nos iguala a todos; pode ser um rei ou um plebeu, tanto faz, todo mundo vai pro mesmo buraco. Como dizia o famoso poema de Horácio, "Eo pulsat pedes", a morte pisa sobre todos igualmente; ela nos rebaixa a todos.
O mundo passa e a sua concupiscência, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre. Ou seja, aquele que, ao invés de ficar cativo das coisas exteriores, mergulha na espiritualidade, deixa-se elevar por Deus a um nível que está sobre o nível da natureza, esse está investindo realmente naquilo que é definitivo. Isso é muito importante; nós nos preocupamos tanto com essas coisas: "Ah, eu quero comprar isso, eu quero comprar aquilo, eu quero ter isso, eu quero ter aquilo, quero ganhar dinheiro".
Como diz essa musiquinha de fim de ano, né? Acho que hoje nem se canta mais: "Muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender". O pessoal quer essas coisas.
Quer prazer. Saúde para quê? Só para obter prazer?
Para obter conforto? E tudo isso, por quê? Porque o ego é o grande Deus a quem se serve.
Se nós deixamos isso para lá e começamos a amar Cristo de verdade, a nos unir a Ele de todo o nosso coração, a fazer com que a nossa alma tenha contentamento apenas em Cristo, unindo-se a Ele pela fé, pela palavra que permanece em nós, então nós vamos aprendendo a desacar das coisas do mundo para viver em Cristo. A palavra d'Ele permanece em nós e nós permanecemos na palavra d'Ele. Como Ele diz no Evangelho de São João: "Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.
" Ou seja, mergulhe na fé, porque a fé é o nosso ponto de contato com o Verbo encarnado, com Cristo. Nós nos unimos a Ele na Santíssima Eucaristia e também nos unimos a Ele pela fé, na oração. Se isso se torna o mais importante para nós, e nós passamos a nossa vida toda buscando permanecer conectados em Cristo, desprezando tudo aquilo que é exterior, mesmo os prazeres, mesmo a nossa própria vaidade, tudo isso nós começamos a viver a vida de Deus, ou seja, essa vida que não tem princípio nem fim, que é a vida eterna.
Como diz Jesus na oração sacerdotal, no capítulo 17 de São João: "A vida eterna é esta: que conheçam a Vós, ó Pai, e a Jesus Cristo que enviaste. " Que nós tenhamos essa mesma disposição e então, queridos irmãos, nosso Senhor vai nascer no nosso coração de verdade. O Natal produzirá a presença do Verbo encarnado em nós, o que ultrapassa toda e qualquer vontade humana, porque é fruto único e exclusivo da Graça de Deus que nos leva à união com seu Filho.