Por que o cabelo é tão importante no movimento negro

O CABELO CRESPO DOS NEGROS É HISTORICAMENTE  ALVO DE COMENTÁRIOS RACISTAS, MAS TAMBÉM ARMA UTILIZADA PARA REFORÇAR O ORGULHO DE SER QUEM É. E COM ISSO, SEMPRE FOI PROTAGONISTA  NO DEBATE SOBRE RACISMO. MAS ESSA RELAÇÃO MUITO ÍNTIMA ENTRE  IDENTIDADE E FIOS DE CABELO NÃO É DE HOJE, NÃO SURGIU NO BRASIL E VAI BEM ALÉM DA ESTÉTICA.

SOU VITOR TAVARES, DA BBC NEWS BRASIL EM LONDRES, E NESSE VÍDEO EU TRAGO ALGUNS FATOS  HISTÓRICOS QUE EXPLICAM POR QUE O CABELO É (E SEMPRE FOI) TÃO IMPORTANTE  DENTRO DESSE MOVIMENTO CONTRA O RACISMO. A GENTE TEM QUE VOLTAR MUITO NO TEMPO, BEM  ANTES DE OS AFRICANOS SEREM TRAFICADOS PARA AS AMÉRICAS PELOS COLONIZADORES  EUROPEUS PARA SEREM ESCRAVIZADOS. DESDE O ANTIGO EGITO, QUE ERA UMA  CIVILIZAÇÃO DIVERSA E AFRICANA, ATÉ ALGUMAS COMUNIDADES CONTEMPORÂNEAS NA ÁFRICA,  TRANÇAS, CORTES, ADEREÇOS E PENTEADOS FAZEM PARTE DA LINGUAGEM SOCIAL E DA EXPRESSÃO CORPORAL.

ELES  PODIAM E PODEM REPRESENTAR ORIGENS, RELIGIÕES, STATUS SOCIAL E ATÉ ESTADO EMOCIONAL. CLARO, O CABELO ERA IMPORTANTE NÃO SÓ PARA AS SOCIEDADES AFRICANAS. MAS A DIVERSIDADE DE ESTILOS NA ÁFRICA IMPRESSIONOU ATÉ OS PRIMEIROS  EUROPEUS QUE CHEGARAM POR LÁ NA CULTURA WOLOF, POR EXEMPLO, NO ATUAL SENEGAL,  AS MENINAS TINHAM PARTE DOS CABELOS RASPADOS PARA DIZER QUE AINDA NÃO ESTAVAM PRONTAS PARA NAMORAR.

NO POVO KARAMO, ATUAL NIGÉRIA, MULHERES VIÚVAS DEIXAVAM DE CUIDAR  DOS CABELOS DURANTE O ESTADO DE LUTO. EM OUTRAS REGIÕES, O CABELO DESCUIDADO ERA  SÍMBOLO DE ALGUÉM QUE TINHA PERDIDO A "MORAL". PARA MUITOS POVOS, O CABELO TAMBÉM TINHA  FUNÇÃO ESPIRITUAL, POR SER O PONTO MAIS ELEVADO DO CORPO.

OU SEJA, A NOSSA PARTE  QUE ESTÁ MAIS PERTO DOS CÉUS E DOS DEUSES. ESSES E OUTROS EXEMPLOS ESTÃO NO APANHADO  HISTÓRICO DO LIVRO "SEM PERDER A RAIZ", DA PEDAGOGA NILMA LINO GOMES ELA CONTA QUE O SOBRENOME DE UMA PESSOA PODERIA SER DESCOBERTO APENAS AO OLHAR PARA  O CABELO, JÁ QUE CADA CLÃ TINHA UM ESTILO ÚNICO. AGORA AVANÇAMOS NO TEMPO, PARA O PERÍODO DE  OPRESSÃO E DOMINAÇÃO DO TRÁFICO DE ESCRAVIZADOS.

NO SÉCULO 16, ESSE SÍMBOLO DE IDENTIDADE  MUITAS VEZES ERA CORTADO. LITERALMENTE. OLHA ESSA FAMOSA GRAVURA NEGROS NO FUNDO  DO PORÃO, DO PINTOR ALEMÃO JOHANN MORITZ RUGENDAS.

AMONTOADOS, ALGEMADOS E NUS NOS  NAVIOS NEGREIROS, HOMENS E MULHERES ERAM RETRATADOS SEM CABELO OU COM ELE BEM CURTO. POR OUTRO LADO, VEJA A OBRA DE JEAN BAPTIST DEBRET,  QUE PINTOU NEGROS ESCRAVIZADOS DE  DIFERENTES NAÇÕES QUE VIERAM PARA BRASIL. DÁ PARA VER A DIVERSIDADE DE PENTEADOS  DE ETNIAS COMO MONJOLO, MINA E BENGUELA.

EM SEU LIVRO “O ESCRAVO NOS ANÚNCIOS DE  JORNAIS BRASILEIROS” DO SÉCULO 19, GILBERTO FREYRE DESCREVE COMO UMA ANÁLISE DOS CABELOS  PODIA DIFERENCIAR A PROCEDÊNCIA DOS AFRICANOS QUE VINHAM TRABALHAR FORÇADAMENTE NO BRASIL JÁ NO LIVRO “SER ESCRAVO NO BRASIL”, KÁTIA MATTOSO RELATA QUE AS CABEÇAS DOS AFRICANOS ERAM RASPADAS  À FORÇA NO MOMENTO EM QUE ERAM OFERECIDOS À VENDA. VEJA SÓ O QUE ESCREVEU A NILMA LINO  GOMES, QUE EU CITEI AGORA HÁ POUCO. “ESSE ATO (.

. . ) CORRESPONDIA A UMA  MUTILAÇÃO, UMA VEZ QUE O CABELO, PARA MUITAS ETNIAS AFRICANAS, ERA CONSIDERADO  UMA MARCA DE IDENTIDADE E DIGNIDADE" A SOCIÓLOGA ANITA PEQUENO SOARES, QUE PESQUISA  JUSTAMENTE A RELAÇÃO DE CABELO E NEGRITUDE, ME EXPLICOU QUE HÁ RELATOS DA PRÁTICA  DA RASPAGEM SENDO, ABRE ASPAS, "USADA ATÉ COMO FORMA DE TORTURA CONTRA  MULHERES NEGRAS", PELA SINHÁS BRANCAS.

ALÉM DE TODA ESSA VIOLÊNCIA, A ASSOCIAÇÃO  DA ESTÉTICA DOS AFRICANOS A ALGO PRIMITIVO E DISTANTE DAS IDEIAS EUROPEIAS  DE BELEZA E HUMANIDADE FOI UMA PRÁTICA RECORRENTE DURANTE TODO O COLONIALISMO. UMA DAS HISTÓRIAS MAIS CHOCANTES E ILUSTRATIVAS É DE SARAH BAARTMAN, LEVADA DA ÁFRICA  DO SUL AO REINO UNIDO PARA SER EXIBIDA COMO ATRAÇÃO EM ESPETÁCULOS DE CIRCO. MESMO APÓS O FIM DOS SÉCULOS DE ESCRAVIDÃO EM PAÍSES COMO ESTADOS UNIDOS E BRASIL,  O CABELO CRESPO CONTINOU SENDO USADO PARA TIRAR "A BELEZA" DOS NEGROS:   PARA MUITOS, ALISAR O CABELO OU RASPÁ-LO ERA UMA FORMA DE TENTAR SE INSERIR  SOCIALMENTE, UMA FORMA DE SE LIVRAR DO ESTIGMA SOCIO-RACIAL QUE PREVALECIA.

ALGUNS NEGROS DE PELE CLARA, INCLUSIVE, RASPAVAM OS CABELOS PARA TENTAR  SE PASSAR POR BRANCOS NOS EUA. MAS ENTÃO QUANDO COMEÇOU UM MOVIMENTO DE SE  ORGULHAR DAS CARACTERÍSTICAS FISICAS DOS NEGROS? CLARO, NÃO EXISTE UM MOMENTO  EXATO E COM CERTEZA MUITOS NUNCA DEIXARAM DE  SE ORGULHAR DE SUA NEGRITUDE.

MAS A ANITA SOARES ME CONTOU QUE EXISTEM ALGUNS MARCOS QUE SIMBOLIZAM ESSA TENTATIVA  DE MUDAR MAIS ESSA PERSPECTIVA EUROCÊNTRICA. UM DESSES MOMENTOS MARCANTES OCORREU EM 1858,  EM BOSTON, QUANDO O ABOLICIONISTA AMERICANO JOHN SWETT ROCK FEZ UM DOS PRIMEIROS DISCURSOS  CONHECIDOS QUE EXALTAVAM AS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DOS NEGROS. ELE DIZIA: "QUANDO EU COMPARO O SISTEMA MUSCULAR MAIS  FORTE, A BELA, RICA COR, OS TRAÇOS LARGOS E O CABELO GRACIOSAMENTE FRISADO DO NEGRO COM  A FRÁGIL ORGANIZAÇÃO FÍSICA, A COR PÁLIDA, AS FEIÇÕES FINAS E OS CABELOS LISOS DO BRANCO,  ESTOU INCLINADO A ACREDITAR QUE, QUANDO O HOMEM BRANCO FOI CRIADO, A NATUREZA ESTAVA EXAUSTA".

ESSE DISCURSO É CONSIDERADO UMA DAS BASES PARA O QUE VIRIA A ACONTECER NAS PRÓXIMAS DÉCADAS… NOS ANOS 1930, A TENTATIVA DE OLHAR DE MODO DIFERENTE PARA A BELEZA DOS DESCENDENTES  DOS AFRICANOS ESCRAVIZADOS FOI UM DOS FOCOS DO MOVIMENTO NEGRITUDE, PROMOVIDO PELO  ESCRITOR E POLÍTICO FRANCÊS NASCIDO EM MARTINICA AIMÉ CESARIE E PELO ESCRITOR  E POLÍTICO SENEGALÊS LÉOPOLD SENGHOR NA ÁFRICA DO SUL DO REGIME RACISTA DO  APARTHEID, O MOVIMENTO CONSCIÊNCIA NEGRA, LIDERADO PELO ATIVISTA STEVE BIKO,  TAMBÉM EXALTAVA A BELEZA PRETA. ELE FOI ESPANCADO ATÉ A MORTE NUMA PRISÃO,  MAS SEU PENSAMENTO DE EXALTAÇÃO DA AUTOESTIMA SE ESPALHOU, CHEGANDO ATÉ OS ESTADOS UNIDOS FALANDO EM ESTADOS UNIDOS, PASSOU A SER AMPLAMENTE UTILIZADA A EXPRESSÃO "BLACK IS BEAUTIFUL" ((OU  PRETO É BONITO). ERA UMA TENTATIVA DE IGUALAR NEGRITUDE À BELEZA, EM UM ATO CONTRA SÉCULOS  DE IMAGENS QUE MOSTRAVAM NEGROS COMO GROTESCOS.

OUTRO MARCO IDENTIFICADO PELA  SOCIÓLOGA É O MOVIMENTO RASTAFÁRI. NOS ANOS 1930, UM GRUPO DE JAMAICANOS PASSOU  A ACREDITAR QUE A COROAÇÃO DO IMPERADOR RAS TAFARI ERA O CUMPRIMENTO DE UMA PROFECIA E QUE ELE ERA O MESSIAS. ELES ACREDITAVAM QUE SERIAM LIBERTADOS PELO IMPERADOR, QUE OS TIRARIA DA POBREZA  NO CARIBE E OS LEVARIA DE VOLTA À ÁFRICA MAS PARA ALÉM DESSA CONOTAÇÃO RELIGIOSA, O  MOVIMENTO RÁSTAFARI SE RESPALDOU NA ESTÉTICA, QUE INCLUIA AS FAMOSAS ROUPAS COLORIDAS E OS  CABELOS COM DREADLOCKS, POPULARIZADOS PELO SEU SEGUIDOR MAIS FAMOSO, O CANTOR BOB MARLEY.

NOS ANOS 1960, NO MOMENTO DE LUTA PELOS DIREITOS CIVIS NOS EUA, TAMBÉM SURGIU O MOVIMENTO CHAMADO  "BLACK POWER" E O PARTIDO DOS PANTERAS NEGRAS, QUE DERAM AO CABELO AFRO PAPEL CENTRAL  NA ESTÉTICA DOS NEGROS AMERICANOS. AS PESQUISAS DA ANITA SOARES APONTAM QUE ESSES  MOVIMENTOS TAMBÉM TIVERAM REFLEXOS NO BRASIL. UM EXEMPLO É QUE OCORREU UM AUMENTO EXPRESSIVO  DOS CHAMADOS "SALÕES DE BELEZA ÉTNICOS", VOLTADOS PARA PESSOAS COM CABELOS CRESPOS.

O CHAMADO CABELO AFRO VIROU MODA E FOI AMPLAMENTE ADOTADO POR CELEBRIDADES  NEGRAS, REFLETINDO UMA POSTURA POLÍTICA E SOCIAL DE VALORIZAÇÃO DA NEGRITUDE. OUTRAS INICIATIVAS RELEVANTES FORAM O TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO (TEN), QUE INCLUIU A  ESTÉTICA NA PAUTA, COM CONCURSOS DE BELEZA, ALÉM DE MOVIMENTOS MUSICAIS COMO O BLACK RIO, QUE  DERAM VOZ A ARTISTAS COMO TIM MAIA E SANDRA DE SÁ. AO LONGO DE TODO ESSE TEMPO E CADA VEZ  MAIS, O CABELO DO NEGRO TEM SIDO UMA GRANDE FORMA DE EXPRESSÃO DE ORGULHO E AFIRMAÇÃO.

MAIS RECENTEMENTE, E TAMBÉM ACOMPANHANDO UM MOVIMENTO GLOBAL IMPULSIONADO PRINCIPALMENTE  PELA INTERNET, NEGROS E, SOBRETUDO, NEGRAS BRASILEIRAS PASSARAM A ADOTAR O  CABELO NATURAL COMO SÍMBOLO DE ORGULHO. A CHAMADA TRANSIÇÃO CAPILAR, EM QUE OS CABELOS  ALISADOS SÃO CORTADOS E TRATADOS PARA QUE AS QUÍMICAS USADAS FIQUEM PARA TRÁS, SE POPULARIZOU  PRINCIPALMENTE POR MEIO DAS REDES SOCIAIS. MAS A SOCIÓLOGA ANITA SOARES FAZ UM ALERTA:  "NÃO PODEMOS ENGESSAR O OLHAR SOBRE O ALISAMENTO E COLOCÁ-LO EXCLUSIVAMENTE  COMO UMA NEGAÇÃO DA NEGRITUDE.

AFINAL, CADA PESSOA DEVE USAR O CABELO COMO BEM ENTENDER” OBRIGADO POR CHEGAR ATÉ AQUI COMIGO NO VÍDEO. DEIXA AQUI EM BAIXO OS SEUS  COMENTÁRIOS.