Para mim, o mais importante na vida é termos uma mente religiosa, porque, então, tudo o mais entra no correto estado de relação - tudo; ocupações, saúde, casamento, sexo, amor, e os inumeráveis problemas e tribulações que a vida nos oferece - tudo é compreendido. A mente religiosa não é uma coisa facilmente alcançável, mediante a leitura de uns poucos livros, a audição de uma série de palestras, ou por nos exercitarmos para uma certa postura. A mente, que inclui tanto o consciente como o inconsciente, é, como já observamos, um vasto campo de contradição.
Ela está toda envolvida em uma grande luta, dilacerada por muitos conflitos, batalhas, choques do desejo; e, em tais condições, a mente não tem possibilidade de compreender o que significa ser religioso. O que quer que se faça - se vai à igreja, se lê livros sagrados, ou se executa qualquer das demais coisas que costumamos fazer, em nossas pueris tentativas para descobrir se há Deus, se há vida futura, etc. essa mente nunca encontrará aquele extraordinário estado religioso.
Este é um problema muito complexo, e para o examinarmos necessitamos de uma mente que seja capaz de olhar, de observar, sem logo dizer: “O que estou vendo me agrada, gosto disso”, ou “Não me agrada, não gosto disso”. Necessitamos de uma mente “científica”, uma mente que não desfigure, que não dê colorido àquilo que vê. O importante é produzir uma transformação no mesmo processo de nosso pensar, na própria matriz, na própria composição da mente.
É necessária uma revolução - não revolução econômica ou social, porém revolução na consciência, no verdadeiro centro de nosso ser; e tal revolução só pode ocorrer quando se compreende esta questão do conflito. O conflito, em qualquer nível da consciência, superficial ou profundo, é o fator da deterioração. O Fim do Conflito.
Jiddu Krishnamurti. Observai, por favor, vosso próprio estado. Mas, de que maneira vos observais?
Observais como um observador que observa algo separado dele próprio, caso em que há uma divisão, uma contradição entre o observador e a coisa observada? Ou observais sem a presença do observador? Segue isto, por favor, porque é importante.
Quando estamos observando o processo extremamente complexo de nossa própria consciência, cuja vera essência é o conflito, devemos compreender o que entendemos por olhar, observar. Estou certo que a maioria de nós observa como alguém que o faz pelo lado de fora a olhar para dentro. Estais cônscios de vossos conflitos, e estais a observá-los como censor, como juiz, como observador separado da coisa observada.
É isso o que em geral fazemos, e é isso o que nos impede de compreender esta coisa tão complexa que se chama “conflito” - seu enorme peso e conteúdo, suas variedades. Quando observais como quem está de fora a olhar para dentro, criais, sem dúvida, conflito, não achas? Não estais compreendendo o conflito, porém, apenas, tornando-o maior.
Cônscio do conflito existente em si próprio, o observador diz: “Preciso alterar isto; não gosto de conflito. Gosto do prazer”. O observador, pois, tem sempre essa atitude de julgar, de censurar, e, quando se observa dessa maneira, não se está compreendendo o conflito; pelo contrário, ele está sendo multiplicado.
Tornei bem claro este ponto? Eu gostaria que percebêsseis este fato, de uma vez por todas, que percebêsseis sua verdade e beleza, pois saberias, então, o que significa olhar, não com olhos de censor, porém, olhar, simplesmente. Se olhardes com olhos de censor, ireis aumentar vosso conflito; mas, se observardes, sem ser de um centro, começareis a compreender esse “processo” extraordinário que se chama a consciência, que é a própria essência do conflito, da luta, que é um lutar incessante para “vir a ser”, reprimir, alcançar.
A mente, de modo nenhum, pode compreender a si própria por meio de análise, porque, na análise, há separação entre o analista e a coisa analisada, e, por conseguinte, conflito crescente e contínuo. Toda análise, todo esforço de sondagem, indagação, pesquisa, parte do centro, já condicionado, carregado das acumulações do tempo, que é o conhecido. Há, decerto, diferença entre percepção e análise.
Se se vê com certa clareza esta diferença, então, ficará também claro que a análise não produz nenhuma revolução. A análise poderá ajudar-vos a ajustar-vos à sociedade, a remover algumas de vossas peculiaridades, de vossas idiossincrasias, de vossas neuroses; mas não é disso que estamos tratando. Estamos falando de coisa muito mais fundamental do que o mero ajustamento a uma sociedade corrompida.
Análise supõe analista e coisa analisada. O analista é o censor, o juiz que examina, que interpreta, que condena ou aprova o que se está vendo, e, por conseguinte, cria mais conflito. Não é isso, absolutamente, o que estamos fazendo; estamos fazendo coisa completamente diferente, isto é, tratando de compreender o conflito existente, não só no exterior, no mundo, mas também em nosso interior.
Estou empregando a palavra “compreender” no sentido de “observar sem tomar posição”. Quando assim procedeis, já tendes um campo de observação em que não existe conflito. Não sei se estais percebendo a verdade disso.
Para o homem ou a mulher que deseja verdadeiramente compreender a beleza, o extraordinário significado de uma vida livre de conflito - e eu digo que essa vida é possível - a coisa mais importante é que se esteja totalmente cônscio de todo o conteúdo da consciência. Estar “totalmente cônscio” não significa analisar, porém, simplesmente, observar. E aí está nossa maior dificuldade, porquanto, através de um milênio de hábito, viemos sendo exercitados para julgar, para condenar, para comparar, para identificar-nos; esta é nossa reação instintiva e, por conseguinte, nunca observamos realmente.
Somos exercitados desde a infância para adquirir conhecimentos, competir; aprendemos uma técnica, especializamo-nos numa certa direção, a fim de termos um emprego e ganhar a vida. Nisso consiste toda a nossa educação, de modo que continuamos a viver na superfície Assim, podeis, vós que viveis num mundo feito de conflito, que mantém o conflito através de preenchimentos e frustrações, e que exige que também vivais em conflito, num estado de autocontradição - podeis, pela compreensão, pela sensibilidade a todo esse processo, ficar totalmente livres de conflito? Por certo, só a mente sem problemas, sem as cicatrizes do conflito, é inocente; e só a mente inocente pode conhecer o Imensurável.
Agora, um momento! Está-se ouvindo um zumbido aqui neste pavilhão. Aquele ventilador elétrico está funcionando e fazendo barulho.
De que maneira escutais isso? Se esse barulho vos está irritando, se é algo distinto de vós, então, consciente ou inconscientemente lhe estais resistindo, porque quereis escutar. Mas, se aquele barulho, o zumbido do ventilador, faz parte de vossa atenção, não há então resistência.
Vós sois aquele barulho. Com idêntico estado mental, podeis olhar todo o processo de vossa consciência, com suas contradições, desejos, ambições, impulsos, compulsões, preenchimentos. Vós sois tudo isso.
Não sois um observador que está olhando algo separado de si próprio; por conseguinte, não há resistência, não há conflito entre vós e essa coisa. Enquanto houver separação entre pensador e pensamento, haverá necessariamente conflito. Vede, por favor, que aí é que está a raiz dessa separação.
E toda forma de conflito embota a mente, gasta o cérebro; paralisa e insensibiliza o cérebro. Assim, para se produzir o estado livre de conflito, é necessário compreender essa divisão. Por favor, não aceiteis nada do que está dizendo este orador.
Olhai-o, sem aceitá-lo, nem rejeitá-lo, mas procurando perceber o fato, individualmente, pela observação de vós mesmo. Quando tiverdes apreendido realmente o profundo significado da observação, descobrireis que o próprio processo de observar, de ver, é o fim do conflito, porque se eliminou a separação entre o observador e a coisa observada; apagou-se completamente esta divisão e, por conseguinte, não estais observando o pensamento como entidade separada. Vós sois esse pensamento, e não um pensador que observa o pensamento.
Assim, se está compreendido isto, examinemos essa coisa complexa chamada “ego” - que é o “eu”, o campo da consciência. Sem autoconhecimento, o eterno não pode surgir. Apenas através da conscientização do que é verdadeiro de momento a momento se descobre aquilo que é infinito, o eterno.
Quando não conhecemos a nós mesmos, o eterno se torna uma simples palavra, um símbolo, uma especulação, um dogma, uma crença, uma ilusão para onde a mente pode fugir. Mas se a pessoa começa a compreender o “eu” em todas as suas várias atividades dia a dia, então nessa própria compreensão, sem qualquer esforço, o inominável, o eterno, surge. Mas o eterno não é uma recompensa para o autoconhecimento.
Aquilo que é eterno não pode ser perseguido; a mente não pode adquiri-lo. Ele surge quando a mente está quieta, e a mente só pode estar quieta quando é simples, quando não está mais armazenando, condenando, julgando, pesando.