Uma coisa a gente tem que admitir, estamos em uma ótima época para as animações desenhos como Steve Universe, Rick and Morty e o já finalizado Gravity Falls são ótimos exemplos de inventividade diversão e um senso de comunidade cada vez mais presente entre os seus telespectadores. Mas tem uma outra série que me agrada especialmente. .
. Bojack horseman. Na série a gente acompanha esse personagem narcisista, meio humano, meio cavalo, ex-estrela de um programa de sucesso chamado.
. . Bojack Horseman.
O mundo onde ele vive tem essa pegada comum em fábulas clássicas com humanos normais dividindo espaço e convívio social com animais antropomorfizados. Todas essas relações são recheados em críticas sociais e fortes noções de filosofia como o niilismo e o existencialismo, que inclusive é o que gera boa parte do conteúdo produzido em cima da obra. Os roteiristas de Bojack também tem total noção do potencial que esses temas e conceitos carregam e essa utilização dos animais é apenas mais uma forma de esfregar na nossa cara o quanto tudo uma grande metáfora.
Isso tá longe de ser um problema, na verdade da substância pra série. Mas o que mais chama a atenção são temas ainda mais tangivelmente. .
. humanos. Família, ansiedade, carinho, arrependimento, tudo isso nos aproxima daquele universo de uma forma genuinamente simples.
Ainda mais apaixonante é pensar no quanto aqueles personagens, mesmo que indiretamente, amam histórias. Histórias assim como as que contamos e assim como as que as pessoas por trás do desenho querem contar. Logo na primeira temporada o Bojack quer emplacar um novo programa e Diane, outra personagem que faz parte do núcleo principal, aparece querendo escrever a biografia do Bojack.
A mesma Diane, mais tarde na quarta temporada, faz parte de uma página na internet onde até se frustra por não conseguir contar e abordar os assuntos que ela gostaria. A Princess Carolyn é outra que, como gerente e agente do Bojack e outras estrelas, vive caçando boas histórias para contar e. .
. bom, produzir. E é essa personagem nessa temporada que protagoniza um dos episódios que mais me tocou até agora.
Durante toda temporada ela passou por problemas na tentativa de engravidar e ter filhos e o episódio 9 começa com a tataraneta dela, no futuro, contando pra turma um dia na vida de seu tataravó. Ela é firme, engraçada e conta como tudo deu certo no fim, isso já estabelece pra gente como telespectador que no final das contas a Princess Carolyn conseguiu ter filhos, mas no decorrer do episódio percebemos que tudo é um grande exercício de metalinguagem. O dia da gata não vai tão bem assim e ela termina contando para o Bojack que é isso que ela faz quando passa por dias muito difíceis.
Quando ela imagina sua tataraneta contando essas histórias por seus colegas de classe, ela pensa em como tudo vai dar certo, se não. . .
como ela contaria para os outros? É só uma invenção mas. .
. "Isso faz eu me sentir melhor. " De cara a primeira coisa que essa trama me lembrou foi um capítulo de Sandman chamado "Um sonho de mil gatos", já que todo um trecho do episódio dedicado aos ancestrais gatos que migram para os Estados Unidos e, mesmo sendo médicos e engenheiros, era difícil achar emprego por lá.
Eles também cantava uma música antiga torcendo para recuperar a glória dos dias antigos. Nessa história de Sandman, e todos sabemos que o Neil Gaiman é um incrível contador de histórias, uma gata começa a detestar sua vida subordinar aos humanos depois de seus donos afogarem seus filhotes que não queriam. Ela sonha com uma mudança e no mundo dos sonhos encontra Morpheus que diz que a realidade poderia mudar se mil gatos sonhassem com isso mesmo tempo.
Ela acaba não conseguindo já que ninguém conseguiria convencer mil gatos a fazer qualquer coisa ao mesmo tempo. Mas a parte mais bonita é que um dos gatos acredita no que a gata começou a espalhar entre todos de sua espécie e, verdade ou não, ele começa a sonhar todas as noites com o mundo melhor. Vocês percebem quantas camadas de histórias eu acabei de contar pra vocês?
São personagens inspirando outros personagens, dentro de histórias que inspiram pessoas. Isso me faz refletir sobre o porquê de contarmos tantas histórias e qual a importância delas para nós. Inventadass ou não, todas nossas histórias são muito reais, principalmente nossas ficções.
Em "Corto Maltese", quando o protagonista finalmente descobre que a cidade perdida de Mu, não passa de uma fábula. Em plena viagem de cogumelos ele conversa com Moais, essas cabeças de pedra que acreditam ser o que restou do reino de Mu e por isso olham para as estrelas, esperançosas pela volta de toda sua magnitude. Ele, de maneira bem cética, faz questão de apontar o quanto são apenas uma fábula, apesar de belíssima.
"Uma fábula? " eles respondem; "mesmo que fossemos, nós olhamos as estrelas". Essa é uma colocação tão pura, tão bonita, tão inocente, que definitivamente não precisaria ser explicarem em mais palavras, ou vídeos.
E por isso incomoda esse movimento que vem se manifestando cada vez mais entre o público de animação, essa tendência de conteúdo desvendando a filosofia por trás de tal coisa ou encontrando teorias de não sei o quê. Rick e Morty sofre mais com isso; Às vezes eu tenho impressão de que esse público se acho inteligente demais pra gostar das coisas realmente simples e bonitas presente nessas obras. Calma, eu não tô atacando todo e qualquer conteúdo desse tipo.
A gente mesmo tem um vídeo aqui no canal pontuando algumas bases filosóficas presentes em Rick and Morty, que inclusive termina em uma pegada bem sensível. E o Ludoviajante, um canal que a gente adora, tem um ótimo vídeo sobre Bojack Horseman. Esse tipo de coisa pode ser um exercício de interpretação bem interessante, o meu problema é quando isso acaba se tornando muito técnico, mecânico demais, alheio de qualquer sensibilidade, como uma espécie de mecanismo pra um público inseguro em meio a tanta informação nessa era digital.
Como algo que seja fácil o suficiente pra organizar em idéias claras e objetivas, mas que seja um pouco mais difícil pro telespectador casual localizar, legitimando uma suposta inteligência da comunidade engajada nessas séries. Eu tenho medo que essa necessidade de reafirmar o quanto essas sérias dizem que a vida não tem sentido acabe ofuscando o valor mais objetivo e sentimental que elas carregam. Às vezes vale a pena ser um pouco mais sensível.
Em Bojack Horseman um dos momentos mais climáticos são verdadeiramente simples, carinhosos e humanos. E essa viralização de teorias me parece ainda mais nociva e contraditória por tentar dar um grande sentido para tramas que seguidamente reafirmam o quanto todo aquele episódio não teve um grande propósito ou coisa do tipo. Isso acaba cerceando obras que poderiam transcender a mídia, e a vida não tem exatamente um ponto final.
Bojack chega a falar na primeira temporada, que fechamentos são coisas inventadas pelo Steven Spielberg pra vender ingresso. E vários episódios da série terminam com uma incômoda, mas revigorante ponta solta. O que eu sinto é que a ciência e a filosofia que estão sim presentes nesses desenhos, servem muito mais para a construção do mundo das personagens do que para justificar algum tipo de inteligência dos roteiristas.
Até porque ambas as séries ainda abraçam o absurdo que sempre foi presente nas animações, desde a parte física até a narrativa, como o Todd fazer parte da vida do Bojack por ter dormido um dia no sofá dele e nunca ter saído, até o Rick se transformando em um picles. Ser lógico demais é até uma espécie de limitação, já que o limite para as pessoas por trás de cada uma das animações sempre vai ser a imaginação. Todos são, afinal, apaixonado por contar histórias.
Mesmo que protagonizadas pela versão vegetal do seu personagem, ou um cavalo. Talvez a gente só fosse mais passivo ao absurdo dos desenhos das gerações anteriores por não ter uma ferramenta como a internet tão acessível. E como eu disse, os criadores tem total noção disso e jogam vários elementos nas séries pra instigar um público cada vez mais alienado e distante fisicamente, sedento por teorias que legitimem sua intelectualidade e um sentimento de comunidade.
Mas isso não os torna apenas sobre isso, apesar de ser só sobre isso que se fala, os desenhos mais antigos não eram menos inteligência também e eu fico imaginando a quantidade de vídeos desvendando 'Coragem, o Cão Covarde' seriam feitos ele tivesse lançado nos dias de hoje. Outro detalhe comum entre Bojack e Rick and Morty é o fato de ambos os protagonistas serem alcoólatras e viciados em drogas, acentuando ainda mais o contraste que esse caos constante dos personagens cria com os poucos, mas importantes, momentos de serenidade que permeiam as obras. Para boa parte do público isso só serve como algum tipo de prova do quanto são obras adultas e maduras e que por esse motivo não precisa se envergonhar de assistir elas.
Não é tão difícil detectar esse tipo de coisa porque nos super-heróis, por exemplo, essa já é uma característica criticada por vários autores. David Mazzucchelli diz que quando um desenho toma o rumo do realismo, cada detalhe vai lançar uma enxurrada de questionamentos que vão expor o absurdo que é central ao gênero - quanto mais realista for o super-herói, menos crível ele será. Grant Morrison também se coloca contra essa tendência de heróis cada vez mais pé no chão, e cada vez mais violentos para suprir a necessidade do público de quadrinhos que envelheceu, e se envergonha da inocência e o otimismo das primeiras histórias.
Num mundo sem o maniqueísmo da segunda guerra que começa a fazer cada vez menos sentido, as tramas buscam cada vez mais explicar os super poderes com um linguajar científico e teorias mais contemporâneas. O autor sempre defendeu os novos ícones como idéias, super-heróis são, principalmente, fortes idéias. O mais óbvio exemplo, o Superman, era resplandecente, espalhafatoso, otimista por completo, era a mais perfeita projeção de tudo o que poderiamos nos tornar nas nossas melhores versões.
Cresceu em nosso inconsciente coletivo como os mitos gregos já haviam crescido um dia. Enquanto alguns escreviam nos anos 50 que o Superman fazia com que as crianças questionassem a autoridade familiar e as regras de conduta que os prendiam no chão, incapacitando-as, no sentido figurado, de voar, fica claro que o herói representava. O que ele nos fazia questionar eram os nossos próprios limites.
E como ideia era invulnerável a qualquer dano, imune a desconstrução, e mais forte que qualquer dos nossos medos, sejam os nazistas, a radiação, a bomba nuclear, a diversidade ou o vazio existencial. O Todd é um ótimo exemplo de personagem que supera seus medos ao aceitar-se como assexual, e a série lida com muita naturalidade com o assunto, mostrando ele como um cara inventivo que sempre se ocupa de alguma forma e nem precisaria ser diferente, não tem nada de errado com ele. Bojack Horseman consegue ser inteligente, crítico, cheio de conceitos e mesmo com aqueles personagens meio humanos, meio animais, a série é PLENAMENTE humana, com um grande peso emocional.
Os momentos mais depressivos, de culpa e frustração (que não são poucos), só me fazem perceber ainda mais o coração que a série carrega, nos ensinando, nos confortando e provocando a nossa criatividade. E no fim é por isso que imaginamos nossos netos no futuro, sonhamos, escrevemos, atuamos. É por isso que queremos fazer vídeos, vestir roupas coloridas e continuamos olhando as estrelas.
Se existe algo de inegavelmente positivo nos deuses é que, existam ou não, quando procuramos por eles, estamos olhando pra cima. E é por isso que contamos histórias: porque elas nos inspiram, e algumas histórias são simplesmente divertidas, ou bonita demais, pra deixar passar. Meu nome é Henrique e.
. . bom, esse vídeo deu trabalho, mas foi uma ótima oportunidade pra falar de um monte de coisa que eu gosto.
Algumas dessas coisas tão com desconto na amazon, tipo Sandman que é simplesmente incrível, e você nos ajudam comprando pelos nossos links. Então vou deixar tudo lá na descrição. E já vou mandar um abraço pro nosso grupo de apoiadores que tá cada vez mais interessante, conversamos bastante sobre animação por lá antes do lançamento do vídeo.
Muito obrigado pela atenção e até a próxima!