A boa parte dos católicos atuais, incluindo os conservadores e até uma parte dos católicos mais tradicionais, enquadram-se naquilo que o Padre Álvaro Caldeir chama de católicos sociais. O que é o católico social? É aquele que não vê condições de a Igreja sobreviver sem apoio do Estado ou da sociedade.
Não nos confundamos: a cristandade do Medievo cristão foi grande justamente porque foi a etapa mais gloriosa da Igreja, quando as nações passaram a fazer parte dela. Este é o estado ideal da Igreja, mas daí a concluir que, sem isso, a Igreja não existe, é uma falácia. Uma falácia é um erro, é um equívoco daninho que leva à criação de sucedâneos de cristandade.
Na cristandade, os Estados são efetivamente cristãos e efetivamente membros da Igreja. Neste sucedâneo que os católicos sociais criam, ao contrário, eles fazem com que a Igreja seja parte dos Estados, numa inversão satânica e diabólica. Lembremos que, se a cristandade foi o estado perfeito da Igreja, talvez o período mais glorioso da Igreja tenha sido aquele em que ela foi perseguida duramente durante três ou mais séculos pelo Império Romano.
Foi uma idade de ouro. Por quê? Porque foi a idade que mais nos deu santos e mártires.
Mas esta consideração passa ao largo da mente do católico social. Já fiz aqui dois vídeos criticando a postura dos católicos conservadores que sonham em pré-cristã com Trump e Bolsonaro: ilusões nefastas. Mas deixei ainda por criticar outra vertente minoritária.
Que vertente é esta? Bem, minoritária é a vertente de católicos sociais que julgam que devemos apoiar o fascismo. É minoritária, é, mas existe e já trouxe consequências terríveis para a mesma Igreja.
Nem vou falar do comunismo, não é? Um que se diga comunista é só com 3 milhões de aspas que se pode dizer católico. Então decidi gravar aqui este vídeo: o fascismo e os católicos, fundado num opúsculo meu que saiu em meu livro "No Fragor da Batalha", intitulado "Se o Católico Pode Apoiar o Fascismo".
Vejam que esta era uma preocupação antiga minha. Então o que eu faria aqui é reproduzir este opúsculo com um ou outro acréscimo. Pois bem, de fato dizem alguns que o católico pode apoiar o fascismo.
Por quê? Porque afirma Pio XI em sua Encíclica "Non Abbiamo Bisogno", ou seja, não temos necessidade, afirma ele, por tudo o que acabamos de dizer. Nós, o Papa, não pretendemos condenar o partido e o regime fascistas de Mussolini como tal.
Esta é a base fragilíssima de atuantes católicos que julgam que o católico deve apoiar o fascismo. O católico, no entanto, não, absolutamente não o pode fazer, e por muitas razões, que são as seguintes. Em primeiro lugar, os que se fundamentam nesta frase de Pio XI para afirmar que o católico deve apoiar o fascismo agem como os modernistas, como pescadores de águas turvas; buscam fazer de uma frase descontextualizada uma pérola perdida, sem se dar ao trabalho de considerar nada mais.
Porque, se o fizessem, se considerassem outras coisas, acabariam por exibir sua própria tolice. Faço isto por eles: vou considerar o conjunto do documento de Pio XI e contextualizar a frase que esses católicos descontextualizam. Para entender a referida frase, devemos remontar ao tempo e lembrar que a Santa Sé havia assinado com Mussolini a concordata chamada de Latrão.
As concordatas, a não ser em casos excepcionais, como foi o caso da Espanha de Franco e talvez o de Portugal de Salazar, já desde Napoleão eram recursos de que a Igreja lançava mão como Cidadela sitiada. Com o fim da cristandade, na qual os Estados, como eu disse, as nações não só se ordenavam essencialmente ao poder espiritual, mas eram elas, a título de pessoas morais, membros da Igreja. Com o fim da cristandade e com o avanço tanto da Revolução Liberal quanto da Revolução Comunista, as concordatas eram para a Igreja um recurso de sobrevivência, assim como uma nação derrotada numa guerra cede ao vencedor um pedaço de seu território para sobreviver autonomamente.
Mas, dado o rumo dos acontecimentos, ou seja, a perseguição policialesca do regime fascista da Itália à Ação Católica e a todas as demais organizações católicas, já no início do documento "Non Abbiamo Bisogno", Pio XI escreve, como que em sinal de certo arrependimento por ter firmado a concordata de Latrão. Diz ele: "Se se quer falar de ingratidão, foi e segue sendo para com a Santa Sé a obra de um regime que, a juízo do mundo inteiro, tirou suas relações amistosas com a Santa Sé na nação italiana e fora dela, um aumento de prestígio e de crédito, e com respeito ao qual regime há muitos na Itália e no estrangeiro que pareceram excessivo o favor e a confiança que lhe foram dadas ao regime de Mussolini. " De nossa parte, da parte da Igreja de Pio XI, até porque, diz Pio XI, com um travo amargo mais adiante: "não obstante os julgamentos, as previsões e sugestões de que diversas partes eram dignas de consideração, nós sempre nos temos de aformis eit até chamos a ser possível e a debilidades e cooperações que a outros pareceram inadmissíveis".
Então, esta é uma confissão de certo arrependimento, com certo travo amargo. Mas, além disso, como pastor e pai, Pio XI preocupava-se com a sorte dos católicos que estavam vinculados ao partido fascista e escrevia ele, na mesma Encíclica, conhecendo as múltiplas dificuldades da hora presente e sabendo que a inscrição no partido fascista e o juramento de lealdade, acima de tudo, ao partido e ao regime de Mussolini, são para grande número a condição mesma de sua carreira, de seu pão e de seu sustento, nós buscamos um meio que desse paz às. .
. Consciências reduzindo ao mínimo possível as dificuldades externas ou exteriores. O meio para os que já estão inscritos no Partido poderia ser o seguinte: fazer diante de Deus e de sua própria consciência a seguinte reserva: "Salvo eu faço o juramento, salvo as leis de Deus e da Igreja, ou ainda salvo os deveres do bom cristão, com o firme propósito de DEC exteriormente esta reserva se a necessidade se apresentasse.
" Quiséramos, ademais, continuar a fazer chegar nosso rogo ao lugar de onde partem as disposições e as ordens; é rogo de um pai que quer cuidar das consciências de tão grande número de filhos seus em Jesus Cristo. Além de que esta reserva fosse introduzida na fórmula mesma do juramento, a não ser, atenção, a não ser que se faça coisa ainda melhor, muito melhor. Ou seja, que se omita o juramento, que é sempre um ato de religião e que não está certamente em seu lugar na ficha de inscrição de um partido.
Então, meus amigos, não se pode discutir, eh, não se pode discutir. Pode-se discutir — melhor, desculpe-me — podemos discutir se a Santa Sé deveria ou não ter assinado a concordata de Latrão com Mussolini. Pode-se discutir, mas não devemos perder de vista a referida situação de Cidadela sitiada em que se encontrava a Igreja nem o fato de que, mesmo depois, Mussolini e seu partido e seu regime mostraram as garras e sua verdadeira feição anticatólica.
Ainda restava, para Pio XI, a preocupação com os muitos católicos inscritos no Partido Fascista e com as próprias Ações Católicas, Juventudes Católicas, etc. Sem dúvida, no mesmo documento, Pio XI ainda acalentava certa ínfima esperança de poder atenuar a perseguição policialesca aos católicos na Itália e a dissolução de suas organizações. Por isso, o Papa ainda não julgava oportuno o momento para uma condenação formal do fascismo, ao contrário do que faria com o comunismo seis anos depois, e quanto ao comunismo, não se poderia acalentar nenhuma esperança, por mínima que fosse.
E então, terá sido um erro político o de Pio XI quanto ao fascismo? Suspendo o juízo, mas afirmo o seguinte: ainda que se tivesse tratado de erro, isso nem minimamente abalaria a impossibilidade de o Magistério autêntico da Igreja errar, segundo o definido pelo Vaticano I e por Pio XI. É que a assistência do Espírito Santo é dada ao Papa quanto aos costumes, à fé e a assuntos conexos, mas não necessariamente quanto a atos estritamente práticos, nos quais sempre a Igreja e seus doutores admitem a possibilidade de que ela incorra em equívocos.
Se, todavia, Pio XI, pelas razões aduzidas, não se sentia seguro para condenar formalmente naquele momento o fascismo, o fato é que ele o faz na mesma Encíclica. Não havia, portanto, mas que indiretamente, quase diretamente, e demos outra vez a Pio XI a palavra, e todos os que não tiverem má vontade verão claramente que quase nada mais haverá que acrescentar para mostrar o desatino dos atuais defensores católicos do fascismo. Diz, no mesmo documento, Pio XI: "E nós, aqui, diante de um conjunto de autênticas afirmações e de fatos não menos autênticos, que põem fora de dúvida o propósito já executado em grande parte de monopolizar inteiramente a juventude, desde a primeira infância até a idade viril, para a plena e exclusiva vantagem de um partido, de um regime que se baseia numa ideologia que explicitamente se resolve — atenção — se resolve numa verdadeira estatolatria, natural da Família, como se com os direitos sobrenaturais da Igreja propuser-se e promover tal monopólio.
" Perseguir, como se veio fazendo com esta intenção, de maneira mais ou menos dissimulada, a Ação Católica; desfazer, como se fez recentemente, as associações de juventude equivale, ao pé da letra, a impedir que a juventude vá para Jesus Cristo, já que isso é impedir-lhe que vá para a Igreja, e ali, onde está a Igreja, está Cristo. E chegou-se ao extremo de arrancar violentamente esta juventude do seio tanto da Igreja como de Jesus Cristo. Isto está no número 23 da Encíclica.
Pois bem, continua Pio XI e vejam aqui, eh, o que ele dirá de maneira inequívoca: "O Divino Mandato Universal que a Igreja recebeu do mesmo Jesus Cristo, de maneira incomunicável e exclusiva, estende-se ao eterno, ao celeste, ao sobrenatural; a ordem de coisas que, por um lado, é estritamente obrigatória para toda e qualquer criatura racional e aqui, por outro lado, por sua essência, devem subordinar-se, coordenar-se todas as demais ordens. Inclusive a ordem estatal, a ordem política, a ordem econômica, etc. , etc.
" Com isso, Pio XI não faz senão relembrar a doutrina infalível, explicitada magnificamente por ele mesmo na Encíclica "Quas Primas", ou seja, esta Encíclica que é como a Carta Magna da cristandade, foi escrita e publicada em 1925, e segundo ela, toda a humanidade — família, artes, ciências, economia, política, estado, leis — tudo deve ordenar-se essencialmente à Igreja e a Cristo-Rei. É a doutrina da realeza social de Cristo. Mas prossegue o nosso Papa: "Uma concepção que faz pertencer ao Estado, às gerações juvenis, inteiramente, sem exceção, desde a idade primeira até a idade adulta, atenção, atenção, é inconciliável para um católico com a verdadeira doutrina católica.
" E não é menos inconciliável com o direito natural da família. Para um católico, é inconciliável com a doutrina católica o pretender que a Igreja, o Papa e o Papa devam limitar-se às práticas externas de religião, à missa e os sacramentos, enquanto todo o restante da educação pertence ao Estado. Depois disso, eh, insisto, quase nada mais há que acrescentar para mostrar a incompatibilidade entre catolicismo e fascismo.
O que, no entanto, ainda é preciso acrescentar é breve e diz respeito a algo que passa longe da mente dos que irresponsavelmente querem fazer penetrar o fascismo entre os católicos: é a chamada "analogia da fé", segundo a qual deve haver coerência e harmonia interna entre todos os dogmas ou definições de fé. Passagens mais obscuras das sagradas escrituras devem entender-se pelas mais claras e em consonância com estas. Mais claras, assim também, "mutatis mutandis", se dá com magistério; razão pela qual encíclicas como a "Abamo Bonho", escrita sob a pressão de acontecimentos aflitivos, devem ser entendidas segundo a clareza de documentos da Igreja escritos sobre o mesmo assunto, mas sem tal pressão dos acontecimentos.
Pois bem, pelo menos a epístola do ossun de São Gelásio I, o documento de excomunhão e de deposição de Henrique VI de São Gregório VI, a Encíclica "Cott Universitates" de Inocêncio X, a bula "Unan Sanctam" de Bonifácio VIII, a constituição "L. doin" erros de Marcílio de Pado e de João de Jandun sobre a constituição da Igreja de João XXII, a Encíclica "Immortal Dei", a Encíclica "Rerum Novarum" de Leão XIII, a Encíclica "Veni Creatoris", a Encíclica "Communion Rerum", a Encíclica "Jucunda S", a Encíclica "Pente", a Encíclica "Supremi Apostolatus", a Encíclica "Infirmo Proposito", a Carta sobre a ação social de 1907, a Encíclica "Ad On", a alocução "Gravíssimo", a Encíclica "Not Apostolica" de São Pio X, a Encíclica "Ubi Arcano", a Encíclica "Comas primas", a Encíclica "Divini Illus Magistri", a Encíclica "Quadragesimo Anno", e a Encíclica "Firms Sima" Constância de Pio XI, e a Encíclica "Summ Pontificatus", a Encíclica "Nostra Aetate", e o discurso aos juristas católicos italianos, e a exortação apostólica "Mente Nostra" de Pio XII. Pelo menos estes muitos documentos definem cada um por si ou em conjunto e de modo infalível, ou extraordinário, ou ordinário aquilo que podemos traduzir pelas seguintes palavras e que não me canso de repetir: ou as nações se põem sob o olhar de Cristo Rei ou inevitavelmente se tornam carniça para os demônios, como com efeito se deu com a Itália sob o fascismo.
Muito obrigado pela atenção e até nosso próximo vídeo.