Quem foi Melanie Klein? - Aula com Alexandre Patricio | Casa do Saber

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Olá, pessoal! Tudo bem? Meu nome é Alexandre Patrício de Almeida, eu sou psicanalista, mestre e doutor em Psicologia Clínica pela PUC de São Paulo, e vou lecionar para vocês esse primeiro encontro, esse curso introdutório sobre as ideias de Melanie Klein.
Foi uma autora que eu trabalhei durante o meu mestrado e que se tornou um livro chamado "Psicanálise e Educação Escolar: Contribuições de Melanie Klein". É uma autora pela qual tenho um apreço muito grande, então eu acho que compartilhar um pouco da vida dela, do pensamento dela e das contribuições que ela produziu para a psicanálise de forma geral é uma honra muito grande para mim. Então, vamos começar os nossos encontros falando da vida de Melanie Klein e do contexto cultural, social e político da época em que essa autora viveu.
A primeira coisa que eu tenho para dizer para vocês é que Klein é uma autora que era muito estudada antigamente no Brasil, principalmente nos anos 60 e 70, quando a psicanálise começou a ganhar forma, corpo e potência. Depois, com a entrada do lacanismo nos anos 80, pelos psicanalistas argentinos, Melanie foi sendo deixada de lado, ficando restrita somente a alguns institutos de psicanálise filiados à IPA, à International Psychoanalytical Association. Nesse sentido, ela deixou de ser estudada em diversas formações em psicanálise.
Penso que é um momento de resgatar esse pensamento e a tradição kleiniana, porque ela é fundamental para a clínica contemporânea. Foi uma autora que colaborou para pensarmos diversas formas de adoecimento psíquico, como as patologias psicóticas e os transtornos borderline que vemos com tanta frequência na clínica da atualidade. Por isso, acho que é o momento de revisitar a obra dessa autora e resgatar uma tradição que está muito perdida.
Tenho uma crítica a tecer nesse sentido, porque, por mais que a psicanálise pense a respeito do machismo, sempre surge a questão: será que Freud era machista? Será que Freud foi um homem do seu tempo? Ele poderia ter escrito mais coisas sobre o feminino?
Eu acho que, de alguma forma, esse pensamento em relação ao machismo dentro da psicanálise acaba acontecendo com os próprios psicanalistas, nesse movimento de ter dificuldade de trabalhar com as ideias de uma autora mulher que hoje em dia não é mais estudada como antes. E isso já começa pelas próprias publicações de Melanie Klein, que estão esgotadas há um bom tempo. Vocês encontram as obras completas dela para comprar em sebos, estante virtual, enfim, mas estão precificadas a um valor altíssimo, o que dificulta o acesso à leitura da autora.
Por isso, acredito que deveria haver um movimento de republicação dessas obras por parte das editoras. É uma crítica que coloco para começarmos a pensar um pouquinho sobre isso. A psicanálise é machista, nesse sentido, porque predomina tanto nos campos psicanalíticos o pensamento freudiano-lacaniano e tão pouco se fala sobre Melanie Klein, que é uma autora genial e que influenciou, inclusive, todos esses autores posteriores.
Klein foi uma grande influenciadora do pensamento de Bion e também de outros. Vamos lembrar que o Seminário I do Lacan é totalmente direcionado ao atendimento do caso clínico que Melanie Klein faz, tratando ali o primeiro caso de uma criança psicótica. Para nos situarmos nesse arcabouço tão rico, acho que vale a pena começar falando um pouquinho da vida dessa autora.
Começo com uma passagem da própria autobiografia de Klein, que vou comentar com vocês ao longo do encontro. Nessa autobiografia, ela diz assim: "Quando Melitta tinha três anos de idade, seis semanas depois de rãs nascer, meu marido conseguiu um cargo melhor como diretor de várias fábricas na Silésia e passamos a morar em Kratos, uma cidadezinha provinciana sem nenhum encanto. Eu me sentia muito infeliz; não encontrei ninguém com quem pudesse, ao menos, conversar.
" Já começamos a perceber que Klein tinha uma vida bastante atravessada por momentos de depressão, e isso começa desde a sua infância. A vida de Melanie Klein é marcada por perdas, por lutos, e esses lutos foram elaborados ao longo da própria escrita, da própria produção da sua obra. Todas as vezes que leciono sobre a obra de Melanie Klein na universidade ou em algum curso de formação psicanalítica, muitos alunos ficam admirados e alguns até emocionalmente mexidos diante dos episódios de luto e depressão que essa autora passou ao longo da vida.
Neste primeiro momento, pretendo, sem esgotar o assunto, apresentar uma breve descrição das perdas mais impactantes sofridas por Melanie Klein ao longo da sua existência. O propósito desta síntese biográfica é indicar, sobretudo, o modo como os autores são atravessados, direta ou indiretamente, pelas ocorrências de sua vida pessoal durante o processo de construção de suas ideias. No caso da psicanálise, as instabilidades da vida demarcam também o nosso fazer clínico, pois antes de sermos analistas, somos seres humanos erguidos sob a égide das delícias e das dores.
Aqui entra a importância fundamental da análise do analista, e Melanie Klein foi uma psicanalista que entrou na psicanálise através da sua depressão, quando ela busca uma cura para essa depressão; tratamento ao qual recorre, encontrando-se com ninguém menos que Sandor Ferenczi, que era um grande discípulo. Continuador, né, das obras do Freud contemporânea. Freud, bom clã, no dia 30 de março de 1882.
Ela era caçula de quatro filhos: Emily, 6 anos mais velha; seu amado irmão Emanuel, com quem ela tinha uma conexão muito profunda, cinco anos mais velho; e a terceira irmã, Sidoni, cerca de 4 anos mais velha. Em suas próprias palavras, Klein não tinha dúvidas de que não havia sido uma criança desejada. Ela era muito amada, como era caçula, né?
Encontrando a partida, Freud era o mais velho, o primogênito, e também super mimado, né? A mãe do Freud chamava ele de "meu signo de ouro". A Melanie, caçula, também era muito mimada.
Os dois tinham essa característica em comum. Na sua autobiografia, ela usa o termo alemão "vor Lautner", que é traduzido pela palavra atrevido ou atrevida, para definir o seu perfil de menina, né? "Vor Laut" significa, portanto, chamar a atenção.
Não admira que ela tenha usado essa palavra original em alemão para falar dela mesma, né? Era a língua materna dela, filha de uma mãe obsessiva e altamente controladora, chamada Libussadot, e de um pai admirado e bastante dedicado à família, que era Moritz Raves. A menina, desde os primórdios de sua existência, teve que aprender a lidar com as vidas interrompidas e inesperadamente pelo vigor impiedoso da morte.
Aos quatro anos de idade, passou por sua primeira perda significativa: Sidoni, sua irmã de apenas 8 anos, morreu de escrofulose, um tipo de tuberculose com alto grau de contágio. Esse foi o início de uma longa série de mortes que pontuaram a vida de Melanie Klein. E como eu falei para vocês, todas essas mortes possuem um impacto enorme no raciocínio dela.
Em 1900, faleceu seu querido pai, que era um herói para ela. O pai dela trabalhava como médico e dentista, uma profissão misturada na época, e ela tinha uma idealização gigantesca em relação a esse pai, né? Ele morreu oficialmente de pneumonia, mas como Melanie Klein qualifica, era senil.
Alguns anos antes, é provável que ele estivesse sofrendo da doença de Alzheimer ou de algum outro distúrbio semelhante. A gente encontra esses dados na biografia oficial da Klein, que é um texto maravilhoso e vocês ainda acham para comprar, publicado no livro "O Mundo e a Obra de Melanie Klein", assinado por Fílho, que foi o biógrafo oficial de Melanie Klein. Bom, lembremos aqui que ele já estava na casa dos 50 anos quando Klein nasceu.
Mesmo não sendo uma figura ativa durante a infância de Melanie Klein, ela narra uma forte admiração por ele, como o fato de ele ter feito todos os seus estudos médicos e ser pesquisador de uma significativa biblioteca pessoal. Ele tinha uma biblioteca pessoal e pesquisava os livros dele. Enfim, ele estava todo inserido nesse meio cultural, além de ter aprendido sozinho 10 idiomas, inclusive o hebraico, onde ele era um cientista e também pesquisador.
Isso fazia com que Klein cultivasse uma admiração enorme pela figura paterna. De qualquer maneira, sua morte desencadeou uma enorme crise sobre a família Raves. A situação financeira de todos ficou extremamente difícil, ao mesmo tempo que Klein se transformava numa moça cada vez mais bonita e atraente.
Por conta disso, todos os amigos do seu irmão Emanuel pareciam estar apaixonados por ela. Quando ela tinha apenas 17 anos, conheceu seu futuro marido, que na época já tinha 21 anos. Aí vem o sobrenome Raves, porque ela era Melanie Raves, um rapaz sério e comprometido que estava estudando para ser engenheiro químico na elitista Escola Técnica Federal da Suíça, em Zurique.
Arthur era, naquele momento, o melhor partido para a jovem Klein, pois, através do possível casamento com um homem bem-sucedido, ela poderia auxiliar a família financeiramente. No entanto, uma surpresa acontece aí no meio do caminho, né? Melanie Klein não queria casar cedo; ela queria fazer uma formação em medicina e, depois, uma especialização em psiquiatria.
Ela conservava todo esse desejo dentro dela, né? Mas o destino acabou mudando tudo. Em 2 de dezembro de 1902, ela é notificada sobre a morte do seu amado irmão Emanuel, por um telegrama, já que ele estava de viagem e faleceu dormindo na hospedaria em que passava a noite antes de seguir para a Espanha.
Provavelmente, essa foi uma das perdas que mais estremeceu as estruturas emocionais de Melanie Klein. A outra, como veremos adiante, foi a morte do seu filho Hans. Para se ter uma ideia, em sua autobiografia oficial, de 1959, que ela publica um ano antes de morrer, ela escreve: "Compartilho com vocês: a doença do meu irmão e sua morte precoce são mais um entre os outros lutos da minha vida que ainda permanecem vivos em mim.
" Eu disse que ele era uma criança bastante obstinada, embora pudesse ser extremamente gentil e gostasse muito de minha mãe e de mim. Tem uma bela carta dele também, uma das poucas coisas que guardei, na qual ele diz que espera que o destino lhe dê em anos o que ele privou em dias. Então, ele tinha uma consideração, um amor muito grande pela irmã, e querendo ou não, toda a vida dele, acadêmica, né?
De viagem, de independência, também serviam como um grande exemplo para Melanie Klein; ela tomava o irmão como modelo. Bom, em 31 de março de 1903, finalmente ela se casa com Arthur Klein, um casamento que seria marcado por inúmeros desentendimentos e episódios frequentes de depressão sofridos por ela. Em 19 de janeiro de 1904, nasce a sua primeira filha, Melitta, que tem um papel muito importante na vida da Klein, justamente por gerar ali uma certa confusão.
Recentemente, quando tem. . .
A sua primeira filha, ela está tomada pelo adoecimento depressivo, né? O que hoje a gente chamaria de depressão pós-parto. Então, essa filha guarda uma lembrança de uma mãe deprimida, ausente, desvitalizada, e todas essas questões influenciaram, influenciam bastante na relação de Melita com a mãe dela, né?
Elas terminam, assim, rompidas. A Melita, a gente vai ver mais para frente, ela se torna médica e psicanalista justamente para defrontar a mãe, né? Bom, algum tempo depois, em 1907, nasce o seu filho Hans, que é o filho do meio.
Neste período, a nossa autora enfrentava cada vez mais as agonias dilacerantes do adoecimento depressivo, principalmente quando a mãe ia lhe visitar e assumia as rédeas dos afazeres domésticos, interferindo inclusive na criação dos próprios filhos de Klein, já que ela estava, na maior parte do tempo, paralisada por conta da sua depressão. Em maio de 1909, suas crises de choro e desespero alcançaram tal ponto que ela foi para um sanatório em Sur, na Suíça, onde passou dois meses e meio a fim de ter um repouso total e uma mudança de ambiente. Vale destacar, novamente, que neste período de ausência, Le Busca, que era a mãe da Klein, tomava a frente da casa e cuidava da educação dos seus netos, né?
Então, era uma mãe bastante controladora. Então, a gente já percebe que existe aí um conflito mãe e filha, né? Dentro dessa família, né?
A Klein com questões com a própria mãe e depois a história se repete: Melitta com problemas de relacionamento com a própria Claire, e a Clara ficava muito incomodada com o autoritarismo da sua mãe, as incriminações, né? Esse controle que ela exercia na família quando ela estava ausente. Em 1910, para alegria de Melanie Klein, a família muda-se para Budapeste, já que, até então, eles vinham morando em cidades pequenininhas e pacatas da Europa, condições que agravam ainda mais o seu estado de apatia, depressão e desvitalização, né?
Então, nessas pequenas cidades, ela não fazia parte de um meio cultural, né? De um cenário artístico que ela gostava tanto. Não conhecia ninguém, então como ela acompanhava o marido, que trabalhava em diferentes cidades, ela abriu mão da própria vida pessoal, né?
Para acompanhar esse marido e pagou um preço muito alto por isso. Bom, em 1914, nasce seu último filho, o Eric, em 1º de julho. Esse será o seu filho mais próximo, responsável por lhe garantir a convivência com os netos e acompanhar Klein até os últimos dias da sua vida.
No dia 6 de novembro deste mesmo ano, ou seja, de 1914, morre a sua mãe, Le Busca, uma morte que também trará consequências estruturais para o pensamento kleiniano. Ainda nesse mesmo ano, ela toma contato com a obra de Freud, né? Ela está querendo entender um pouco mais sobre o mundo dela, o mundo interno, subjetividade, suas próprias dores e aí ela vai a uma livraria e pede uma recomendação.
E aí, indicam para ela o livro "Sobre Sonhos", do Freud, que é um resumo da "Interpretação dos Sonhos" que recomendo veementemente a leitura. Diga-se de passagem, vamos lembrar que "A Interpretação dos Sonhos" é um livro gigantesco, né? E "Sobre Sonhos" é um resumão que o Freud faz com a intenção de tornar suas ideias mais fluidas, né?
E fazer a psicanálise circular para um público mais amplo. Bom, ela fica apaixonada pelo Freud, né? Quem não fica?
Eu super me identifico, né? E ela se encanta com a psicanálise e decide, então, começar a sua análise pessoal. Gente, eu queria até fazer um comentário aqui, né?
Porque é justamente por essa via que a gente deveria começar a nossa formação em psicanálise. Geralmente, as pessoas perguntam: "Por onde começo a estudar? Quero ser psicanalista.
" Vamos tomar o exemplo da Klein e de diversos outros analistas tradicionais. A gente começa o nosso processo de formação através da nossa análise pessoal. Eu acho que nunca é demais relembrar esse aspecto, né?
Para ser analista, a gente tem que viver o processo de análise na própria carne. E aí ela começa a fazer análise com Ferenczi, né? Ela estava em Budapeste, então ela vai fazer análise com Sandor Ferenczi.
Como eu falei para vocês, e aí, na autobiografia dela, ela diz: "Compartilho com vocês que tenho muito a agradecer a Ferenczi. Uma coisa que ele me transmitiu e que fortaleceu em mim foi a convicção da existência do inconsciente e da sua importância para a vida mental. Também apreciei estar em contato com ele, um homem de talentos em comum.
Ele tinha um traço de gênio. " Além disso, fortaleceu em mim o desejo de me voltar para a análise de crianças, e de fato fez isso, contando Abra a respeito no Congresso de 1919, em Haia, né? Então, Ferenczi é o primeiro analista da Klein.
Ele percebe nela uma sensibilidade gigantesca e uma capacidade de trabalhar com a psicanálise. Então, aqui a gente também precisa parar um pouquinho e prestar atenção, né? No papel fundamental, né?
O papel de importância que tem um psicanalista na vida de alguém. Então, vamos lembrar que ela estava ali chateada com o casamento, depressiva, começa a fazer análise, e o analista dela, Ferenczi, que tem uma sensibilidade gigantesca também, né? Um tato enorme em relação aos pacientes.
Inclusive, essa é uma das características da clínica ferencziana, né? O tato, a empatia. Ele percebe que a Clara tinha uma vocação, um talento para a psicanálise, e ele fala: "Olha, eu vou te sugerir: atenda os seus filhos, né?
O seu filho menorzinho faz um relatório e apresenta para mim. Eu quero ver, você tem condições de entrar na psicanálise. " Vamos lembrar também que ela ficou em análise com Ferenczi por mais de cinco anos.
Então, por mais que alguns críticos falem que a maior influência do pensamento da Klein foi o Abra Cabra, que foi o seu segundo analista. Eu concordo e discordo em algumas partes. Eu acho que o Ferem, se ele tem um peso muito grande na concepção da clínica e da teoria craniana, principalmente alguns conceitos que a gente vai ver, né, que o Feren se criou, a Clarice apropriou e desenvolveu.
Bom, então, em 1918, no quinto Congresso Internacional de Psicanálise, Klein, encantada e motivada com os efeitos do seu próprio processo analítico, ela ouve atentamente Freud ler a conferência "Caminhos da Terapia Psicanalítica". É quando ela vê o Freud a primeira vez ao vivo, né? Ela fica encantada com a fala do Freud, mas, ao mesmo tempo, decepcionada, porque o Freud não dá muita atenção.
E está ali, no Congresso, uma série de figuras políticas. Vamos lembrar que isso está acontecendo durante a Primeira Guerra Mundial e o Freud foi convidado a fazer essa conferência em Budapeste pelo próprio Feren, falando dos caminhos da terapia psicanalítica. E, nessa conferência, o Freud vai dizer uma expressão muito bonita, né?
Ele vai primeiro falar da importância da psicanálise ganhar uma dimensão mais pública, né? Que todas as pessoas pudessem ter acesso a um tratamento psicanalítico. E, nesse sentido, a psicanálise deveria pertencer a um sistema de saúde público, né?
Ele fala isso para deputados, senadores e prefeitos que estão ali em Budapeste. E ele diz algo muito bonito, né? Ele fala assim: "Para a psicanálise ganhar uma dimensão mais pública, a gente poderia pensar, inclusive, em misturar o ouro puro da análise com o cobre da sugestão, até porque, né, nem todo mundo tem essa capacidade de associar livremente, essa capacidade, né?
Político que existia muito na elite europeia naquele tempo, que era o público que procurava psicanálise". Então, o Freud pensa numa alternativa de oferecer esse recurso para uma população mais vulnerável. E é curioso que a Melanie Klein presencia justamente esse momento da fala do Freud, né?
Momento em que a psicanálise poderia caminhar em direção a uma população mais vulnerável, com menos condições financeiras. A partir daí, né, a sua carreira no campo psicanalítico começa a decolar, né? Porque, em 1919, no ano seguinte, ela vai ler o seu primeiro artigo, que ela escreve, que é fruto da análise do filho dela, né?
E esse artigo é aclamado ali na sociedade de Budapeste. Todo mundo que está assistindo fala: "Nossa, encantador, que descoberta! ", né?
Ela vai ali para as profundezas do mundo psíquico. Claro, a gente sabe que tem toda uma investigação dela em relação ao filho, mas também um traço de escrita autobiográfica, né? Quando ela fala do filho, ela também está falando dela, das questões dela, dos lutos que ela vivenciou.
Por isso que é importante a gente percorrer o pensamento e a vida dessa autora ao mesmo tempo, né? Então, ela apresenta essa conferência e ela se torna membro da sociedade de Budapeste. A partir daí, sua carreira no campo psicanalítico começa a decolar, né?
Mas ela vai enfrentando uma série de resistências, porque a gente tem que lembrar que ela não tinha sequer formação universitária e, na época, a psicanálise era uma atividade predominantemente masculina, restrita a médicos. Então, quem essa mulher pensa que é para falar de psicanálise se nem formação universitária ela tem, né? Então, essa é a primeira resistência que as pessoas começam a ter em relação ao pensamento dela, né?
As produções dela, no início de 1921, Melanie Klein muda-se para a Alemanha, onde se tornará membro associado da Sociedade Psicanalítica de Berlim. Em 1923, ela é eleita membro pleno desta mesma sociedade. Ou seja, aí a gente já começa a perceber o potencial criativo, né?
E esse quê de genialidade dela. A cada conferência, cada palestra que ela dava, ela tinha, assim, né, os seus opositores, mas ela tinha também um público que se encantava com a sua fala. Em 1924, como ela está morando em Berlim e não mais em Budapeste, ela começa a sua análise com Cauã, que, além de ser o seu analista, será o seu grande protetor e aliado na Alemanha.
Melanie Klein também teve sorte; ela sobreviveu, né, a essa enxurrada de ataques machistas, porque ela teve grandes protetores homens ao lado dela: primeiro, Feren, depois, o Abraham. E, quando ela vai para a Inglaterra, a gente vai ver que o protetor dela é o Jones, né? Neste mesmo ano, em que ela começa a análise com Abraham, ela se divorcia do Arthur definitivamente, porque até então eles estavam separados de uma forma mais informal, né, em acordos.
Mas, nesse mesmo ano, ela efetiva o divórcio, né? Em 25 de dezembro de 1925, Abraham falece precocemente; mais um luto na vida da autora, deixando-a vulnerável aos ataques de seus opositores. E aí ela diz uma grande dor para mim e uma situação muito dolorosa de vivenciar, que foi a perda desse seu segundo analista.
Em setembro de 1926, Klein chega à Inglaterra, após ter realizado algumas conferências em Londres no ano anterior. Ela diz assim para nós: "Tive seis semanas para escrever seis palestras, que, na época, foram traduzidas para o inglês pela senhora Stretch, esposa do James Strachey, né, quem traduziu as obras do Freud do alemão para o inglês". Então, ela tinha contato simplesmente com essas pessoas, né, muito importantes, né?
Em 1925, ela fala: "Eu tive a experiência maravilhosa de falar para uma plateia interessada e compreensiva em Londres. Todos os membros estavam presentes na casa do doutor Stephan, que era ninguém menos que o irmão mais novo de Virginia. Porque, naquela época, não havia um instituto onde eu pudesse ministrar essas palestras", né?
Então, ela é muito bem recebida na Inglaterra pelos psicanalistas ingleses. Ela fica encantada com esse acolhimento e, com a morte do Abraham, não tem mais o que fazer em Berlim, né? Ele era o protetor dela lá na Alemanha.
Ela pensa: "Se o clima aqui está favorável para mim, vou embora". Então, ela vai embora definitivamente para a Inglaterra, né? Onde ela passa.
Toda a sua vida até a sua morte, né? Ela morre em Londres, bom, ainda em 26, né? Jones convidou Klein a passar um ano na Inglaterra para analisar os filhos de alguns colegas.
No início, tratava-se de seis crianças, incluindo, inclusive, os dois filhos do próprio Ernest Jones. O Jones, para quem não sabe, foi o cara que fez a primeira biografia do Freud, no ano de 1926. Ana Freud publica o livro "Introdução à técnica da Análise de Crianças", e aí começa o bate-boca entre as duas.
Ela vai criticar abertamente a Técnica do Brincar de Melanie Klein. Sua resposta, Ana Freud, se deu em maio de 27, no ano seguinte, com a apresentação do trabalho "Simpósio sobre Análise de Crianças", que está no livro "Amor-Cura: Recuperação e Outros Trabalhos". Elas divergiam em diversos aspectos, sendo o principal deles, né?
Vou pontuar aqui alguns: Ana Freud falava que as crianças muito pequenas não estabeleciam uma relação transferencial com o analista e, outra, Ana Freud tinha uma formação pedagógica. Então, ela acreditava que as crianças tinham que passar por um processo pedagógico antes de começar a análise, tipo um treinamento, o que a Klein era totalmente contra. A Klein dizia assim: "Eu analiso meus pacientes pequenininhos, crianças, do mesmo modo que Freud analisa os adultos.
A diferença é que as crianças não deitam no divã para contarem os seus sonhos; elas brincam, e eu analiso a brincadeira". Então, isso é para vocês verem o quanto o pensamento das duas era bem diferente. Em 27, ela é eleita membro pleno da Sociedade Britânica de Psicanálise.
Em 32, ela publica o seu primeiro livro, "Análise de Crianças", que é considerado um verdadeiro marco histórico para a análise de crianças pequenas, material obrigatório até os dias de hoje, diga-se de passagem, para quem pretende se tornar analista de crianças. Porém, uma outra questão: muitas pessoas que não têm o contato profundo com a obra de Klein costumam dizer que ela é uma psicanalista só de crianças. Nada mais errado, né?
Isso é uma grande ausência de compreensão. Melanie Klein realizou descobertas muito impactantes para a clínica psicanalítica, ampliando o tratamento que antes era restrito somente a neuróticos, também para pacientes psicóticos, esquizoides e borderlines, né? Então, toda a sua investigação clínica amplia os limites de atuação do psicanalista que, na época do Freud, ficava restrito apenas aos adoecimentos neuróticos.
Então, essa é uma das grandes colaborações dela. É importante a gente saber um pouco de todo esse contexto pessoal, histórico e cultural que atravessou, né, a vida dessa autora e que inspirou-a a criar suas teorias, né? Como a gente faz com Freud, com Lacan, com Hino, é fundamental a gente saber quais são as vivências desses autores para poder entender a obra deles de forma geral.
Ok? Então, na segunda metade da década de 30, ela já estava lá em Londres, né? Escolheu a Inglaterra como residência fixa.
Ficou muito bem caracterizada uma divergência entre freudianos de Viena e de Berlim. Melanie Klein se dizia totalmente freudiana, ela fala assim: "Estou aqui defendendo as ideias de Freud". Né?
Essa divergência entre freudianos de Viena e de Berlim é que haviam fugido de seus países por conta do nazismo, né? E os psicanalistas ingleses, como a Elaine Klein à frente, acabaram resultando em uma série de discussões que a gente vai ver. No entanto, a ideia de expurgar a psicanálise inglesa, como antes fizeram com outros dissidentes, né?
Como Adler, Jung e, mais tarde, se faria com o próprio Lacan, era inviável, né? O Freud tinha que fazer a psicanálise sobreviver, e a Inglaterra era um ponto de crescimento da psicanálise. Então não tinha mais como derrubar isso, né?
Eles precisavam aceitar que as ideias estavam ganhando outras dimensões e não dava para simplesmente expulsar a Klein antes, porque ela já tinha uma série de admiradores ali da sociedade psicanalítica britânica. A situação política colocava a Inglaterra, colocava na Inglaterra o futuro e a sobrevivência da psicanálise. Uma intervenção de Freud com a finalidade de eliminar uma dissidência kleiniana seria, portanto, catastrófica.
Iniciou-se então um período de confrontos, nos quais vários inimigos de Melanie Klein se juntaram para atacá-la em termos pessoais e teóricos. Aqui a gente vê o quanto a vida pessoal e a teoria se amarram. De um lado, sua filha Melitta e o marido, aliados ao psicanalista inglês Eduardo Glover, que era o analista de Melitta, foram um dos mais indignados com a pretensão de Melanie Klein meta-se pelos temas da psicose.
E, do outro lado, unidos a esses opositores, vinha a turma vienense sob a liderança de Anna Freud. A vida de Klein até este momento havia dado uma importante reviravolta, né? Ela superou seus estados depressivos ao passo em que iniciou o seu processo de análise, né?
Conferem-se, depois, com Abraham, começou a produzir uma significativa obra escrita. Ela tinha um potencial criativo muito grande, embasada em minuciosas observações clínicas. Então, a Klein, assim como Sandor Ferenczi, ela é uma psicanalista eminentemente clínica.
Todas as suas descobertas partem da clínica. A Klein não vai buscar referências na filosofia, em outras disciplinas. Ela se orienta pela arte, pela cultura e pela clínica, fundamentalmente.
Então, uma característica dos textos kleinianos, que vocês vão perceber ao longo dos nossos encontros, é que todos eles trazem um recorte clínico, e isso torna a linguagem muito fluida. A linguagem da Klein não é uma linguagem de difícil compreensão. Muito pelo contrário, é uma linguagem que incomoda, porque ela é uma autora visceral.
Ela tem um traço ali meio Clarice Lispector que a gente vai ver um pouquinho mais para frente. Então, ela começou a criar uma série de artigos e produções teóricas, né? E ela estava sendo cada vez mais reconhecida como um nome muito importante do campo psicanalítico de sua época.
Entretanto, né, como diz nossos avós, nem tudo na vida são flores, né, gente? Em abril de 34. .
. Uma das maiores perdas da sua vida: a morte do seu amado filho, Hans. Cito aqui um trecho de sua biografia escrita por filhos grossos, que elucida com precisão os detalhes dessa tragédia.
Abre citação: "Hans estava trabalhando numa fábrica de papel fundada pelo avô, não muito longe de Romsonderok. Ele adorava fazer caminhadas nos Montes Estátra, que haviam constituído o cenário de sua vida. Quando o menino, mas num passeio, o caminho de repente cedeu sobre os seus pés, fazendo-o mergulhar na parte lateral do precipício.
" O enterro foi realizado em Budapeste, onde Eric, o filho mais novo dela, estava visitando sua tia Jolan. Arthur Klein veio de Berlim, mas Melanie Klein ficou tão abalada que ela não conseguiu sair de Londres. Eric Klein afirma que a morte de Hans foi para ela uma fonte de pesar pelo resto de sua vida, até porque a gente sabe da dor imensurável que é você ter de enterrar um filho.
A reação imediata de Melitta, filha mais velha de Klein, que tinha uma relação extremamente complicada com a mãe, foi dizer que havia sido suicídio, boato que logo ganhou força no campo psicanalítico. Contudo, por falta de provas documentais, todas as minúcias que dizem respeito a esse episódio de Hans permanecem perturbadoramente obscuras e mal resolvidas até hoje. A gente não sabe se foi suicídio ou se de fato foi uma tragédia.
Klein, por sua vez, fez questão de nunca faltar às reuniões científicas da sociedade. Só conseguiu aparecer em público no dia 6 de junho. Ele é o filho dela, morre em abril, e ela só volta às atividades em junho; ela fica dois meses estagnada.
Bom, pelo resto de sua vida, nossa autora voltaria sua atenção para as questões da perda, do pesar e da solidão, experiências que, obviamente, fundamentavam a base central da sua existência. O sofrimento faz parte da vida e, segundo Nitz, é parte natural de uma crise necessária ao ser humano. Entretanto, Melanie Klein, sob a colher da dor, colheu os frutos da sua criatividade.
Sua teoria começou a se solidificar, ganhando forma e contorno muito bem delineados, alcançando uma dimensão talvez nunca imaginada, nem mesmo pela própria autora. Nos anos de 1935, 1936 e 1937, Melanie Klein publicou três artigos, um por ano: "Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos", que vamos trabalhar ao longo do curso; "O desmame e o amor—culpa e reparação", que é um dos artigos mais profundos dela; e, por fim, em 1940, ela publicou um grandioso trabalho: "O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos". O artigo de 1935, que se chama "Uma contribuição à psicogênese dos estados maníacos-depressivos", é considerado por muitos estudiosos uma continuação de "Luto e melancolia", de Freud.
Junto com o ensaio de 1940, esses dois trabalhos apresentam um conceito fundamental: a posição depressiva, que vou trabalhar com vocês mais para frente. Só para termos uma mínima dimensão de como a morte de Hans afetou Melanie Klein, no texto sobre o luto de 1940, quando a autora analisa e interpreta os sonhos de uma tal senhora — que é ninguém menos que ela mesma — somos convidados a acompanhar, através de sua densa narrativa, o dificultoso trabalho de recuperação dessa perda, na esperança de poder recriar internamente, ou seja, no mundo interno subjetivo, a presença do filho e dos pais perdidos até ser capaz de sentir que a vida havia começado a fluir novamente dentro dela e no mundo ao seu redor. Aliás, essa é uma característica da teoria kleiniana: a capacidade da gente se reconciliar com os nossos objetos que foram projetados ao longo da vida, desfazendo ali o ódio, o ressentimento e a inveja.
São questões que John Steiner, um grande kleiniano, tratará com muita profundidade. Ele fala que o luto representa um grande paradoxo, porque o enlutado deve permitir, de alguma forma, que o objeto parta, mesmo que esteja convencido de que ele próprio — ou seja, o sujeito — não vai sobreviver a essa perda. Klein escreveu este processo vividamente na paciente que ela chamou de "senhora A", que perdeu o filho.
E após a sua morte, começou a separar as cartas, guardando as dele e jogando fora as de outras pessoas. Em princípio, ela não chorou muito, e as lágrimas não trouxeram alívio que trariam mais tarde. Ela se sentia entorpecida e fechada.
Ela também parou de sonhar, como se quisesse negar a realidade de sua perda. Realmente, os sonhos a pusessem em contato com esse sentimento. Ela sonhou então que via uma mãe com um filho; a mãe estava usando um vestido preto e sabia que o filho tinha morrido ou estava para morrer.
Este sonho a coloca diante de uma série de elaborações, inclusive a perda do seu próprio irmão, Emanuel, que ela também não tinha elaborado. Mais tarde, ela teve um segundo sonho em que estava voando com o filho, e este desaparecia. Ela sentiu que aquilo significava a morte dele, que ele tinha se afogado.
Ela sentiu que estava para se afogar também, mas então fez um esforço, afastando-se do perigo e voltando à vida. Esse é um relato dela que ela chama de "paciente A", mas ela está contando a própria experiência de luto após a perda do filho. Podemos ver que a capacidade de reconhecer a realidade da perda é o que leva à diferenciação entre o eu e o outro, entre o self e o objeto.
É o ponto crítico que determina seu luto, que pode prosseguir até uma conclusão normal. Isso envolve a tarefa de abandonar o controle que temos sobre o objeto. A vida só segue quando a gente abre mão desse controle.
Esse é um dos fatores cruciais para a elaboração de um processo de luto. Cabe aqui um parêntese: em 1939, Klein muda-se para Cambridge, fugindo dos bombardeios em Londres ocasionados pela Segunda Guerra Mundial. Vamos lembrar que em 1939.
. . Freud morre em 23 de setembro, também em Londres.
Em Cambrid, Klein analisa Richard, o menininho de 10 anos que estava sofrendo de ansiedades, hipocondria e fobia social. Os sintomas culminaram no corte abrupto de saída da escola. Foram 93 sessões realizadas em quatro meses.
Gente, isso era muito comum na época, né? As sessões psicanalíticas aconteciam de cinco a seis vezes por semana. Então, Aclara realiza com esse menininho 93 sessões em quatro meses e ela registra detalhadamente cada encontro.
Alguns críticos de literatura dizem que o calibre dessa obra da Klein, desse registro, se aproxima da grandeza da obra "Guerra e Paz", do Tolstói. Para vocês terem noção da dimensão desse escrito, esse texto foi publicado postumamente; ele é o volume 4 das obras completas da Klein e se chama "A Narrativa da Análise de uma Criança". É lindo!
A gente observa de perto como Aclara conduzia o tratamento, seguido de várias notas de rodapé em que ela explica seus conceitos teóricos. É um livro extremamente rico e didático, que apresenta a maturidade do pensamento kleiniano. Em 41, ela retorna a Londres e, entre 41 e 45, no auge da Segunda Guerra Mundial, aconteceram as famosas controvérsias Freud-Klein.
É um livrão gigantesco! Se vocês procurarem, vão achar que tem um registro de todas essas discussões entre Ana Freud, o grupo freudiano, e Melanie Klein e o grupo kleiniano. Gente, essa discussão aconteceu durante a Segunda Guerra, e alguns biógrafos escrevem que, enquanto as bombas caíam em Londres, as bombas também caíam dentro da sociedade britânica de psicanálise.
Inclusive, existe uma passagem em que as duas estão lá brigando, batendo boca, e o N4 está na plateia. Aí ele vira e fala assim: "Com licença, desculpa atrapalhar a discussão de vocês, mas nós estamos sendo bombardeados; precisamos partir para uma evacuação aqui. " Então, para vocês terem noção da intensidade dessa discussão intelectual.
Em 1945, Milita, sua filha, muda-se para os Estados Unidos. Mãe e filha não se reconciliaram. Melanie Klein falece em 1960, e Melita não vai ao enterro.
Enfim, a ligação com seu terceiro filho, Eric, e seus netos permaneceu, trazendo realizações até o final da vida de Klein. Em 46, ela publica um dos seus artigos mais importantes, que é "Notas sobre Alguns Mecanismos Esquizoides", em que ela apresenta para nós o conceito de identificação projetiva. Esse conceito é considerado, pela própria International Psychoanalytical Association, como um dos cinco conceitos centrais da psicanálise.
Três deles têm origem freudiana e dois são da Melanie Klein. Então, isso é para vocês verem a importância do trabalho dessa autora e como é fundamental que a gente retorne a ela. Em 57, ela publica "Quando Ninguém Esperava Mais Nada de Novo da Psicanálise: O Postal em Vez de Gratidão".
E aí a coisa pega fogo, né? Porque ela aumenta, aliás, suas hipóteses, e expande os conceitos através das experiências clínicas. Ela vai falar de algo que é uma pedra no sapato para todo mundo: a inveja, dando um sentido muito mais amplo do que o Freud tinha dado em sua obra, que ele só falava da inveja do pênis; uma conotação, diga-se de passagem, um pouco machista.
Klein fala da inveja como um todo e que esse sentimento está presente desde o nascimento do bebê. A gente vai ter uma aula só para falar de inveja e gratidão. Em 59, em Copenhagen, ela faz uma conferência sobre o sentimento de solidão, porque já estava se aproximando do final da vida.
Ela se sentia sozinha. Era uma senhora extremamente ativa, participando de eventos, conferências, viajando e passando as férias nas casas de amigos que moravam em outros países da Europa. Ela tinha uma vida muito vibrante e, aos 59, escreveu um texto lindo chamado "Sobre o Sentimento de Solidão", que ela não consegue arrumar para publicação.
Quem organiza o texto e publica é o Instituto Melanie Klein Trust, que existe até hoje em Londres. Inclusive, vocês podem acessar o site para ter conhecimento de fotografias, arquivos e documentos pessoais da Klein que ficam disponíveis nesse site. Ok, curiosidades: em uma supervisão clínica, em um encontro clínico, Clarice afirmava ser extremamente freudiana.
E aí, a Beth Josep, que era uma grande aluna dela, diz: "Eu acho que agora é tarde demais; você já é uma kleiniana. " Isso demonstra que o pensamento dela já tinha se tornado consistente dentro da sociedade britânica de psicanálise. Também existe uma relação de amor e ódio, uma relação muito ambivalente, entre Winnicott e Klein.
Vamos lembrar que Winnicott fez supervisão com Klein por quase seis anos. Não me lembro ao certo, mas acho que foram seis anos. E ele diz que Klein tinha uma memória assustadora.
"Eu chegava para contar os meus casos, e ela lembrava deles melhor do que eu mesmo. " Eu sou muito grata a Melanie Klein, mas para mim foi muito difícil, da noite para o dia, passar da posição de professora e profissional para aluna. Então, havia uma certa resistência para seguir o pensamento kleiniano.
Ela inspirou também um dos conceitos que Winnicott utiliza. Antes de falar dos próximos autores, um dos conceitos fundamentais da Klein que Winnicott usa é o conceito de posição depressiva. Ele fala que é um conceito tão fundamental para a psicanálise quanto o complexo de Édipo para Freud.
Ela inspirou analistas contemporâneas, como Bion. Dizemos que ele é um kleiniano sofisticado. Ele vai se debruçar sobre as ideias da Klein e desenvolver algumas ideias bastante originais.
Thomas, que é um analista contemporâneo, vive até hoje, assim como Antonino Ferro. Que é um analista italiano também? Vivo que bebe muito das fontes cranianas, né?
E Bionianas. E o André Grimm, né? Que é considerado um dos maiores analistas da contemporaneidade, que faleceu, né, alguns anos atrás e que se debruça totalmente sobre o pensamento craniano para formular a sua teoria.
A gente tem uma publicação hoje assim que faz um compilado das ideias penianas, né? Mas, infelizmente, esse livro também está esgotado. É um livro chamado "Dicionário do Pensamento Craniano", publicado pelo Robert, né?
Que é um grande estudioso da obra dela. Recentemente, Elizabeth Spillius, junto com outros cranianos, organizou um novo "Dicionário do Pensamento Craniano". Ele está disponível para compra somente em inglês; ele ainda não foi traduzido para o português.
Em agosto de 49, agora vamos falar um pouquinho da relação da Klein, que é uma relação de inveja e gratidão, também dos bastidores aí das fofocas. Em agosto de 49, durante o décimo sexto congresso da IPA, da International Psychoanalytical Association, em Zurique, Lacan conheceu Melanie Klein e pediu-lhe autorização para traduzir para o francês a obra dela "Psicanálise de Crianças". Ela ficou encantada quando Lacan abordou, nessa ocasião, e concordou.
Rudnescou, que é uma história da psicanálise, diz para nós abrir a citação. Quanto a Melanie Klein, ela não estava interessada no que Lacan tinha a dizer; ela achava difícil de entender, intraduzível e de pouca utilidade para ela. Ela estava muito ciente, no entanto, da ajuda que Lacan poderia ser para ela na França, pois ela tinha uma grande intenção de publicar as obras dela na França e sabia o quanto ele era admirado por uma geração mais jovem de psicanalistas.
Lacan, por sua vez, ainda estava determinado a obter o apoio dela na promoção da ideia do progresso da psicanálise. Então, os dois tinham interesses compartilhados. Então, Lacan começa a tradução, mas depois ele deixa de lado.
A gente não encontra explicações para isso. Aí ele pediu a Renê de Actine para continuar, que na época era o seu paciente. Quando o Renê acabou, ele entregou para Lacan, e Lacan nunca mais devolveu essa tradução da primeira parte do livro da Klein.
Ele perdeu! Olhem que curioso: infelizmente, era a única cópia francesa que existia naquela época. Dois anos depois, em um congresso em Amsterdam, Jackie Channell contou a Klein o que havia acontecido, e ela ficou muito chateada.
Françoise Roudinesco e seu marido canadense, Jean Baptiste, seguiram com a tradução, mesmo com Lacan perdendo a primeira parte. Klein participou ativamente desse processo: eles mandavam para ela, ela mudava as palavras que não concordava, e ela mandava de volta para eles. No entanto, em 54, Françoise Roudinesco faleceu precocemente, aos 34 anos de idade.
Bonnet retomou a tradução um ano depois, e a publicação em francês de "Psicanálise de Crianças" só saiu em 1959, sendo que Klein morre em 1960. Foi uma das grandes conquistas para ela antes de falecer. Uma outra história de bastidores aqui, né, cultural: quando aconteceram as controvérsias, ali, né, a briga, o bate-boca entre Melanie Klein e Anna Freud, elas terminaram assim, né?
Se apaziguando, se resolvendo, né? Elas fecharam um acordo. A gente costuma dizer que acharam um acordo, né?
O Acordo das Grandes Damas. Esse acordo terminou formando três grupos na Sociedade Britânica de Psicanálise: o grupo de freudianos, o grupo de kleinianos e o grupo independente, ou "middle group", grupo do meio, que era o grupo do Winnicott. Ele não toma partido nem de Freud nem de Klein; ele ficou no meio do muro.
E aí é interessante, porque recentemente eu estive em Londres fazendo uma pesquisa, e até hoje é assim: você entra lá na Sociedade Britânica de Psicanálise e tem os freudianos, os kleinianos e o middle group. Mas agora estamos colocando mais um diálogo, fazendo produções em conjunto, e isso é o que favorece a psicanálise, né? Esse diálogo constante e essa troca de ideias.
Nada de fragmentações, né? Isso é muito primário, é muito infantil. Bom, então, no próximo encontro, a gente vai começar a mergulhar na teoria da Klein, focando no primeiro momento da obra dela.
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