O dia em que QUASE encontramos VIDA em MARTE

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Ciência Todo Dia
Encontrar vida fora da Terra é um dos grandes objetivos da ciência moderna (e da humanidade). Faz se...
Video Transcript:
Existe vida em Marte? Essa é uma pergunta fascinante, porque nos últimos anos nós fizemos descobertas surpreendentes sobre o nosso planeta vizinho. Água congelada na superfície, evidências de água líquida escorrendo na superfície e a descoberta de um grande reservatório de água líquida subterrânea estão entre elas.
Mas parece que sempre que nós estamos perto de finalmente encontrar a vida fora da Terra, a nossa esperança é imediatamente bloqueada. Até porque todo mundo sabe que nós nunca encontramos sinais de vida em Marte. Descontando aquela vez em 1976 com o programa Viking.
Pera, que? Essa é a história da vez em que nós quase encontramos vida em Marte. Então senta que lá vem a história.
A história de como nós quase encontramos vida em Marte começa na era de ouro da exploração espacial, logo após o sucesso extremo das missões Apolo que levaram a humanidade para a Lua pela primeira vez. O programa espacial Viking tinha como objetivo proporcionar fotos de alta resolução de Marte, como essa aqui. Isso dá composição da atmosfera e da superfície do planeta, além de buscar sinais de vida em Marte.
E para realizar os seus objetivos, o programa Viking fez dois lançamentos no ano de 1975. Cada lançamento enviou um satélite que ficava em órbita do planeta e um veículo que pousava na superfície, um Lander. As missões são conhecidas como Viking 1 e Viking 2, com os veículos de pouso sendo os Viking Landers 1 e 2.
Os Landers de mais de meia tonelada pousaram em Marte em 1976, e cada um carregava uma bateria nuclear para alimentar instrumentos científicos e de comunicação, incluindo quatro experimentos biológicos dedicados a buscar sinais de compostos químicos orgânicos e possivelmente vida em amostras do solo de Marte. E o resultado de dois desses experimentos são debatidos até hoje, quase 50 anos depois da missão Viking ser concluída. O primeiro experimento combinava cromatografia de gás e espectrografia de massa.
Esse experimento é o cromatógrafo de gás traço, espectrógrafo de massa, ou pela sigla em inglês GC-MS. O objetivo desse experimento era procurar pela existência de moléculas orgânicas na superfície de Marte. E aqui é importante deixar bem clara a diferença entre sinais de vida e sinais de moléculas orgânicas.
Moléculas orgânicas são moléculas à base de átomos de carbono ligados com átomos de hidrogênio em ligações covalentes, que é um tipo bem específico de ligação química. Na Terra, moléculas orgânicas são a base da vida. O seu corpo inteiro é formado basicamente por moléculas orgânicas e água, e é por isso que carbono é considerado a base da vida.
A vida como nós conhecemos é baseada em carbono. Mas moléculas orgânicas não são sinônimo de presença de vida. Existem processos não biológicos que produzem essas mesmas moléculas.
Nós já encontramos moléculas orgânicas nas nuvens de Vênus, em Júpiter e até em nuvens de poeira interestelar. Moléculas orgânicas são bem mais comuns do que a vida. A função do experimento GC-MS era buscar esse tipo de molécula precursora da vida em Marte.
Um resultado positivo indicaria que Marte tinha pelo menos os ingredientes básicos para a vida. E se fosse negativo, o resultado indicaria que não existem as moléculas básicas para a vida em Marte. Além do GC-MS, o segundo experimento crucial para este vídeo é chamado em inglês de Labelled Release, ou liberação rotulada, se meu inglês ainda estiver em dia.
O experimento de liberação rotulada tinha como objetivo detectar a presença de metabolismo em Marte. Metabolismo é o processo biológico que transforma moléculas orgânicas em energia. E isso é algo que só a vida é capaz de fazer.
O seu corpo metaboliza carboidratos, proteínas e gordura, usando oxigênio, para produzir energia. E no processo, libera gás carbônico. É esse mesmo tipo de metabolismo que o experimento de liberação rotulada estava buscando em Marte.
E para isso, o experimento usava uma sopa de moléculas orgânicas que poderia servir de alimento para possíveis micróbios marcianos. Só que as moléculas da sopa estavam rotuladas, ou seja, marcadas com átomos de carbono 14, que são radioativos. Normalmente, as moléculas orgânicas usam carbono 12, que é um tipo de carbono não radioativo.
Mas o carbono 14 é quimicamente idêntico. E criar moléculas orgânicas usando o carbono 14 permitia o experimento monitorar o que acontecia com essas moléculas. A ideia é que se um micróbio marciano metabolizasse uma dessas moléculas marcadas com carbono radioativo, esse carbono seria transformado em algum gás e escaparia do experimento.
E aí a radiação total diminuiria e a gente poderia medir. Essa diminuição de radiação indicaria a transformação de moléculas orgânicas em gás. Mas para esse processo ser uma evidência de metabolismo, ainda existia uma segunda etapa do teste.
Depois de um teste com solo marciano em temperatura quase ambiente, o solo era esterilizado a 160°C e uma segunda injeção de sopa radioativa era feita. A ideia dessa etapa final era matar todos os possíveis micróbios marcianos. Para comparar a evolução da quantidade de radiação com o solo marciano não esterilizado da primeira etapa, se os resultados do solo esterilizado e do não esterilizado fossem o mesmo, isso indicaria que o solo não tinha nada que gerava metabolismo, ou em outras palavras, não tinha seres vivos.
Já se houvesse uma diminuição de radiação no solo não esterilizado em comparação com o solo esterilizado, isso indicaria que alguma coisa foi destruída pela alta temperatura, o que representava um sinal positivo para a presença de metabolismo e, consequentemente, vida em Marte. Nenhum desses dois experimentos sozinhos seria determinante para a existência de vida em Marte. Os dois precisavam ser avaliados em conjunto.
O GC-MS poderia ser verdadeiro ou falso para a existência de moléculas orgânicas em Marte, e a liberação rotulada poderia ter resultado positivo ou negativo para indicadores de metabolismo. Se os experimentos fossem falsos, tanto para a presença de moléculas orgânicas quanto de metabolismo, isso indicava que Marte não tinha vida e nem tinha ingredientes básicos para a vida. Agora, se tanto a presença de moléculas orgânicas quanto de metabolismo fossem confirmadas, isso seria um resultado positivo para a vida em Marte.
O resultado mais esperado era de que o GC-MS desce positivo para moléculas orgânicas, mas que a liberação rotulada desce negativo para o metabolismo, indicando que Marte tem os ingredientes para a vida, mas não tem vida propriamente dita. E qual desses três cenários aconteceu? Ouvem os tambores.
♪ Nenhum! Vocês talvez tenham notado que com dois experimentos, com dois resultados possíveis, existem quatro combinações de resultados finais. Mas a quarta combinação era tão estranha que ninguém esperava que ela acontecesse.
Eu me refiro ao cenário no qual o GC-MS dá resultados negativos para moléculas orgânicas, mas em que a liberação rotulada encontra sinais positivos para o metabolismo. E o que isso significa? Boa pergunta!
Porque sem sinais de moléculas orgânicas, não faz sentido ter vida em Marte. Mas se não tem vida em Marte, como é que um resultado positivo para o metabolismo, que depende da vida, poderia acontecer. E um detalhe muito importante, esse resultado não foi uma falha de equipamento, porque as duas Lander's deram resultados consistentes nos dois experimentos em vários testes, mesmo separados por milhares de quilômetros.
Esse quarto resultado é o que a gente poderia chamar de um resultado inconclusivo, em que não é possível concluir se Marte tem ou não vida se baseando apenas nesse conjunto de informações, ou, pelo menos, não usando esse conjunto de informações sozinhas. Quase toda vez que o nosso entendimento sobre Marte avança, alguém faz uma revisão dos resultados desses experimentos biológicos na missão Viking. E o que eu vou discutir agora são as duas formas mais populares de interpretar os resultados que nós obtivemos.
E uma delas é muito legal. Interpretação 1. Não achamos vida em Marte.
O argumento para dizer que nós não achamos vida em Marte é o seguinte. Marte não tem um campo magnético, e a superfície do planeta fica exposta quase constantemente à radiação ultravioleta do Sol, bem mais do que à superfície da Terra. A presença de radiação ultravioleta pode produzir radicais superóxidos, químicos extremamente reativos, reativos o suficiente para destruir moléculas orgânicas, como a do experimento de liberação rotulada.
Se Marte realmente tem quantidades significativas de radicais superóxidos, o experimento GC-MS estava certo ao não detectar a presença de compostos químicos orgânicos em Marte. E como consequência, o que o experimento de liberação rotulada detectou não foi metabolismo transformando moléculas orgânicas em gás, e sim radicais superóxidos fazendo isso. Ou seja, um falso positivo para a presença de metabolismo.
Inclusive, experimentos com superóxidos conseguiram reproduzir parte dos resultados obtidos pelo experimento de liberação rotulada aqui na Terra. Mas não todos. Esse vídeo não para de ficar interessante.
Interpretação 2 Achamos vida em Marte Depois da primeira rodada de testes, redado resultados positivos para a presença de metabolismo, algumas variações do experimento foram realizadas para reforçar esse sinal positivo. Por exemplo, foi determinado que aquecer a amostra a 50 graus Celsius reduzia a quantidade de moléculas orgânicas destruídas. Um bom indicativo de que isso estava matando parte dos supostos micróbios marcianos no solo.
Superóxidos são sensíveis à temperatura, mas ainda não está claro se eles são sensíveis o suficiente para explicar esse resultado. E além disso, amostras de solo marciano guardadas e isoladas por meses com as lenders davam resultado negativo para o metabolismo, mais uma vez consistente com a morte dos supostos microbes marcianos. E isso também não é facilmente explicado pela hipótese de superóxidos.
Mesmo assim, ainda é preciso explicar a falta de moléculas orgânicas no experimento GC-MS. O que não é impossível! Em 2008, a Lander's Phoenix detectou concentrações significativas de perclorato na superfície de Marte.
Essa substância tem a capacidade de destruir moléculas orgânicas e poderia explicar o porquê do experimento ter resultado em um falso negativo. E se esse for o caso, é possível que nós encontramos vida em Marte em 1976. Ou talvez não.
Eu vou ser sincero que encontrar vida em Marte seria a pior notícia que a humanidade poderia ter. E se você quiser entender o porquê, é só assistir esse meu vídeo do Grande Filtro. Mas a conclusão mais honesta e científica que nós podemos obter através dos resultados da missão Viking é que os resultados são inconclusivos.
Até hoje. Nós simplesmente não sabíamos o suficiente sobre Marte para criar experimentos que realmente fossem capazes de responder se Marte tem vida. O resultado positivo da liberação rotulada não é confiável devido à possível presença de superóxidos e o resultado negativo do GC-MS não é confiável por conta da presença de perclorato.
Ninguém tinha levado em conta considerar os efeitos do perclorato ou da radiação ultravioleta na superfície antes desses experimentos. E quanto mais descobrimos sobre Marte, mais entendemos os nossos erros em missões passadas e mais preparados nós ficamos para missões futuras. Quando lançamos uma missão para descobrir vida em Marte, nós encontramos tudo menos do que esperávamos.
Marte é um planeta surpreendente e que surpreendeu a humanidade de novo e de novo por séculos. Então não é chocante que nós fomos novamente surpreendidos pelo Planeta Vermelho. E se vocês quiserem um documentário surpresa falando tudo sobre o Planeta Vermelho, respondam nos comentários.
Se você descobrisse um micróbio marciano, qual nome você daria para ele e por quê? Muito obrigado e até a próxima!
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