Nada melhor do que a terra natal. Fazia tempo que ele não voltava. Sinto também muita saudade também, né, da minha mãe, mas sempre estou falando com ela no [Música] telefone.
Minha mãezinha aqui, 16 anos sem sentir o primeiro abraço da vida. [Música] Demorou, meu acolhimento de mãe sempre dá força para lidar com perdas do passado. O Rio de Janeiro foi o destino escolhido pelo Alexandre em 1997, o da Janaína no ano 2000 e o da Damiana em 1961, quando se mudou da Paraíba com os pais.
No trajeto da vida deles, passou o ônibus 174. Lembro você agora. Ele me segurou assim pelo de cabelo, falou: "Levanta a cabeça".
Uma cena que não sai da minha cabeça foi que na hora que eu levantei, eu vi o bombeiro carregando a Gí. 12 de junho do ano 2000. Quando chegava na data, várias vezes eu levei flores.
Passei muitos anos isolado, fiquei isolado dentro do meu trabalho, falava nada, sempre ele na minha, calado, sempre cabeça [Música] baixa. Aqui é eu com ela no Jardim Botânico. Vocês novinhos, né?
Ela é Jeía Firmo Gonçalves, que tinha 21 anos, a única refém morta no sequestro. Alexandre e Jea moravam juntos na favela da Rocinha, no Rio. Ele tinha saído antes de Fortaleza.
Aí ela fez de tudo, fez de tudo. Eu vou. Aí eu, meu Deus do céu, Jeiza, Jeiza, então compra a passagem, vem.
Não, já comprei. Foi de o coração bateu e recebeu ela. Aí eu fui na rodoviária Novo Rio buscar ela.
Je era aquela menina, a menina mulher. Uma hora menina, uma hora mulher, uma pessoa responsável. A Je era uma pessoa maravilhosa.
A amizade entre elas tinha como elo o trabalho na mesma escolinha. A gostava de brincar de pique com os alunos. Aí a gente saí procurar já tava correndo nesse morro brincando de piqu.
Damiana foi a última pessoa próxima Jeía a vê-la com vida. As duas estavam dentro do 174. Depois daquele sequestro, eu não tive mais saúde.
Quantos derrames a senhora teve? Já tive nove derrame. Que que aconteceu na mão?
Eh, paralisou. Ela não abre mais. Damiana precisou se aposentar por causa dos problemas de saúde.
Aqui era meu quarto, mas como a estelha tá vazando demais, então não tem condições. Eu tô dormindo nesse sofá que você vê aqui na sala. Se a senhora tivesse continuado a atividade como professora?
Não, não estaria nessas condição. Não estaria. Eu dava aula na rua dois pela prefeitura e dava aqui no Curumim de artesanato junto com Jeísa.
Os jornais velhos guardam uma história que parece que foi ontem. Fotos, textos, a transmissão da TV. Como é que veio a ideia de usar o batom?
Foi dele. Ele tava mexendo na bolsa de uma pessoa e ele achou o batom e ele que me deu o batom. Agora não me pergunte porque que eu escrevi ao contrário.
Até hoje eu não sei. Acho que era uma coisa de brincadeira de criança, né, de escrever ao contrário. Escrever virou um ato de força e ela pensa até em publicar as lembranças.
O silêncio é quebrado pelo estampilho de alguns tiros, muitos gritos. Levanto-me rapidamente. Vou pra frente do pra parte da frente do ônibus.
A sangue na roupa dela, principalmente nos braços. Meu Deus, ela foi atingida. Janaína Xavier morava no Rio havia só três meses antes do sequestro.
Tinha vindo de Campo Grande para fazer faculdade de administração. Trancou matrícula, mudou o itinerário. Eu faço terapia até hoje, até para pros meus anseios, pros meus medos.
E com 33 anos eu fui fazer o caminho de Santiago. Foi um divisor de águas com relação a isso. E com 43 o meu filho já tinha nascido.
A Janaína de 2025 agora ela é uma mãe, né, do João Marcelo de seis aninhos, casada com o Marcelo e uma trabalhadora também, né? Depois de tudo que aconteceu, a vida seguiu. Há 25 anos, a vida de Jeaisa também seguia.
Na véspera do dia dos namorados, ela tinha feito um pedido pro Alexandre. 11 de junho. Aí ela: "Vamos casar".
Falei: "Não, Gisa, e nós vê, nós vê isso, nós vê, nós vê, nós casa, nós vê". O sequestro do ônibus 174 aconteceu no dia seguinte, dia 12. Sandro Barbosa, do Nascimento, sobrevivente da chacina da Candelária 7 anos antes, fez 10 reféns.
Depois de mais de 4 horas de negociação, ele desceu do ônibus com uma arma na cabeça de Jeiza. Um policial do Batalhão de Operações Especiais atirou e atingiu Jeiza. Sandro foi levado com vida para dentro de um carro da polícia e chegou morto ao hospital.
[Música] Tudo aconteceu exatamente nesse local a 25 anos. Um passado que o Alexandre está pronto para ressignificar. Ele refez o próprio caminho.
Todo dia sai da Rocinha e trabalha como porteiro em Laranjeiras, também na zona sul do Rio. Nunca recebeu indenização pela morte da ex-companheira. Se casou de novo, tem uma entiada.
O tempo presente está em paz. E revisitar Fortaleza é uma maneira de aceitar o passado. O campo do Fortaleza.
Aí a cor ali, olha o ó o Fortalezão. Eita muito afeto. Comida de mãe, encontros com antigos amigos.
Mas a viagem tinha também uma homenagem. É o jovem. E a pedido do Alexandre, nós o acompanhamos.
Fazia 16 anos que ele não voltava ao memorial, onde Geía está ao lado da mãe dela. Ficou lá por 10 minutos, se despedindo lentamente. Era uma pessoa de luz.
Jeiza era luz. Eu nunca lembro de ter visto a Jeiza chateada, com raiva. Quem chegava perto dela já sentia energia.
A professora que morreu jovem permanece através da educação. Essa aqui é a escola municipal Presidente Kennedy. Foi aqui que o Alexandre e a Jea se conheceram em 1995, quando eles ainda eram estudantes do ensino fundamental.
Do outro lado da cidade, ela própria teve o nome Homenageado e o Alexandre foi pela primeira vez a escola Geía Firmo Gonçalves. Bom dia, crianças. Bom dia.
Hoje a gente tá recebendo Alexandre, que é o esposo da Jea. Por qual motivo vocês foram pro Rio? Eu fui por uma qualidade de vida melhor.
Ele conheceu um monte de crianças curiosas. Do jeito que uma professora gosta, do jeito que Jeiza gostaria. Como era a moradia de vocês lá no Rio?
Qual era a profissão da Jeiza no Rio? O que a Geía mais gostava de fazer nos momentos de lazer? A escola Geía Firmo Gonçalves fica numa região perigosa de Fortaleza.
Eu acredito que a escola Jeisa Firmon Gonçalves, como a própria história da Jeísa, é um ponto de esperança. Todo educador tem esperança. Criou-se um símbolo, né?
Um símbolo de resistência. Entrar na comunidade todos os dias para dar aula e acreditar que você pode mudar aquelas vidas. É muita resistência.
De alguma maneira, o futuro interrompido de Jeiza recomeça no futuro desses alunos. A gente vai levar isso pra vida. A gente, tipo assim, a gente pode ser professora inspirada nela e tudo.
Qual foi a sensação ao entrar aqui na escola que carrega o nome da Jea? Quando eu cheguei de carro, eu vi o nome dela ali. A sensação para mim foi tão forte que quando eu vi lá o o nome dela, eu me emocionei.
Ela era uma professora e tem essa escola no nome dela, ela deixou um legado.