Os possíveis impactos da vitória de Donald Trump para o Brasil

166k views1564 WordsCopy TextShare
BBC News Brasil
O republicano Donald Trump conseguiu uma vitória eleitoral histórica e será, novamente, presidente d...
Video Transcript:
Quatro dias antes da eleição americana,  que teve como vitorioso Donald Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva  quebrou uma tradição da diplomacia brasileira. Rompendo com a neutralidade  habitual nos posicionamentos do país, Lula declarou apoio à  candidata derrotada Kamala Harris. O presidente brasileiro também criticou  Trump pelos acontecimentos de 6 de janeiro de 2021 - quando apoiadores do republicano  invadiram o Congresso dos Estados Unidos na tentativa de reverter a vitória  do atual presidente Joe Biden.
E agora que Trump venceu? Como fica  a relação entre os dois países? Sou João Fellet, repórter da BBC News Brasil em  São Paulo - e neste vídeo eu falo de possíveis consequências que a nova gestão de Trump terá  para o Brasil em 4 pontos - da relação com Lula, ao bolsonarismo, economia e política externa.
Primeiro, como fica a relação com Lula? Analistas entrevistados pela BBC dizem que, por  um lado, a relação entre Brasil e Estados Unidos é tão antiga e complexa que divergências pessoais  entre seus presidentes têm um alcance limitado. Para eles, os dois governos provavelmente vão  continuar convivendo e dialogando sobre temas de interesse comum - como projetos de cooperação nas  áreas militar e aeroespacial que estão em curso.
Por outro lado, eles apostam que  provavelmente Lula e Trump devem manter um distanciamento político. Os analistas acham, por exemplo, que o tom amistoso que existe hoje entre  Lula e Biden não vai se manter com Trump. Um dos motivos é a proximidade entre  Trump e o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é hoje o maior adversário político de Lula  e declarou apoio ao republicano na eleição.
Isso nos leva ao segundo ponto desse vídeo, o impacto da vitória de Trump no  bolsonarismo e na direita no Brasil. Trump é visto como uma espécie de bússola  da direita global - analistas dizem que a ascensão dele ao poder em 2017 fortaleceu  movimentos de direita em vários países, inclusive no Brasil. Não custa lembrar que Bolsonaro se elegeu presidente quando Trump  estava em seu segundo ano na Casa Branca.
Especialistas acreditam inclusive que  a nova vitória de Trump pode dar fôlego ao movimento que tenta reabilitar Bolsonaro  para a próxima eleição presidencial, em 2026. Bolsonaro hoje está inelegível até 2030, porque a  Justiça Eleitoral avaliou que ele cometeu abuso de poder político e espalhou informações falsas sobre  o sistema eleitoral brasileiro na última eleição. Mas existe uma articulação no Congresso  pra tentar reverter essa condenação.
Os cientistas políticos dizem que esse caminho não é tão simples - e há diferenças relevantes  nos universos jurídicos dos dois países. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte - que  é o órgão máximo do Judiciário - tem hoje uma maioria conservadora e tomou  decisões recentes favoráveis a Trump - inclusive garantindo que ele  pudesse concorrer à Presidência quando alguns Estados tentaram barrá-lo por causa  dos ataques ao Capitólio em 6 de janeiro. Já no Brasil o Supremo Tribunal Federal tem  tido uma postura mais dura com Bolsonaro - e vem chancelando decisões da Justiça  Eleitoral contrárias ao ex-presidente.
A eleição de Trump também pode impactar o  Brasil na economia – e de diferentes formas. Especialistas dizem que o Brasil  pode enfrentar sérios problemas se o republicano cumprir a promessa de  aumentar tarifas sobre produtos importados. Essa foi uma das principais bandeiras da campanha  de Trump - ele disse que pretende impor tarifas de 10% a 20% para a maioria dos parceiros comerciais  americanos - grupo que poderia incluir o Brasil.
Para produtos da China, um país que Trump  vê como inimigo, a tarifa seria de 60%. O republicano argumenta que esse "tarifaço"  incentivaria as empresas a produzirem mais nos Estados Unidos e a criar empregos no país. Os Estados Unidos são hoje o segundo maior comprador de produtos do Brasil, só atrás  da China.
E diferentemente da China, que compra do Brasil sobretudo matérias-primas  como soja e minério de ferro, os Estados Unidos compram muitos produtos industrializados  brasileiros, como aviões e máquinas. Esses itens têm alto valor agregado - e a venda deles para os Estados Unidos gera  empregos e receitas para o Brasil. Se Trump realmente impuser tarifas sobre  os produtos estrangeiros - incluindo os brasileiros - esses produtos vão ficar  mais caros para o público americano.
Uma consequência possível disso seria a diminuição das vendas desses itens - o que pode afetar  cadeias produtivas e industriais no Brasil. Mas a economia brasileira pode sofrer outros  impactos indiretos da política comercial de Trump. A China - que seria o principal alvo  do tarifaço americano - é hoje o país que mais exporta para os Estados Unidos.
Se as exportações chinesas forem afetadas e a economia chinesa desacelerar, a China  pode comprar menos produtos do Brasil. E isso pode também diminuir os preços globais  de commodities que o Brasil exporta em grande quantidade - como soja, e minério de ferro. Outra consequência indireta para o Brasil de medidas protecionistas de Trump viria dos efeitos  dessas medidas na própria economia americana.
Analistas dizem que os Estados Unidos  não são capazes de produzir todos os produtos que o país importa. Nesses casos,  o mais provável é que novas tarifas sobre produtos importados sejam repassadas  para os preços, alimentando a inflação. Acontece que, quando há  inflação nos Estados Unidos, o banco central americano - o Fed -  costuma aumentar as taxas de juros.
E esse movimento costuma fortalecer a  cotação do dólar frente a outras moedas, como o Real. Isso gera um efeito em cascata:  se o dólar sobe, a inflação também tende a subir no Brasil - porque muitos produtos  que o Brasil importa são cotados em dólar. E a inflação em alta, por sua vez, tende a forçar o Banco Central brasileiro a  aumentar as taxas de juros também por aqui.
Quando essas taxas sobem, sobem os custos de  tomar dinheiro emprestado no banco - o que afeta desde o planejamento de investimentos  de empresas até os orçamentos das famílias. E juros altos, por sua vez, tendem  a reduzir o crescimento da economia. Mas há um outro cenário possível.
No primeiro governo Trump, as medidas econômicas que ele adotou contra a China geraram temores  de que a economia americana pudesse esfriar. Isso fez com que o banco central americano  diminuísse os juros - em vez de aumentá-los. Mas analistas apontam que mesmo esse cenário  não seria positivo para o Brasil - porque uma desaceleração da economia americana poderia  esfriar a economia global como um todo.
Os especialistas dizem que a economia americana  também pode sofrer com outra proposta de Trump, que é deportar milhões de  imigrantes sem documentos. Isso porque essas pessoas hoje são a base  de importantes setores econômicos - como a construção civil e vários segmentos de  serviços que pagam salários mais baixos. A redução da mão de obra pode criar problemas para  esses setores - impactando a economia americana e gerando consequências na economia global.
Outro possível impacto da eleição de Trump para o Brasil, segundo os especialistas,  se daria no campo da política externa. Em seu primeiro governo, Trump  adotou uma postura isolacionista na política externa dos Estados Unidos. O isolacionismo é uma atitude que foca mais nos interesses do próprio país e menos na cooperação  internacional para lidar com temas comuns.
Um exemplo dessa prática ocorreu  em 2017, quando Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris - que  buscava frear as mudanças climáticas. Trump argumentou que o acordo custaria uma fortuna  e prejudicaria os americanos. O republicano já fez várias declarações questionando ou minimizando  as mudanças climáticas - apesar do consenso científico que aponta a gravidade do tema.
Para os especialistas, a postura isolacionista de Trump se contrapõe à do Brasil - que  historicamente dá importância aos foros internacionais e tenta ampliar  sua influência nesses espaços. O combate às mudanças climáticas, aliás, é um dos  temas em que o Brasil pode ser mais afetado pelo isolacionismo de Trump, segundo os analistas. Uma bandeira do Brasil nesse campo é a cobrança para que países ricos ajudem a financiar  ações de preservação em nações emergentes.
Se o governo Trump se opuser à causa – o que  hoje parece provável - , a costura de um acordo internacional com esse objetivo ficaria  bem mais distante, segundo os analistas. Já um tema em que as posições de  Brasil e Estados Unidos podem se aproximar num governo Trump é a guerra na Ucrânia. Sob o governo de Joe Biden, os Estados  Unidos enviaram bilhões de dólares em armas e assistência à Ucrânia para que  o país combatesse as tropas russas.
Para Lula, essa postura americana  estaria incentivando a guerra na região. Já Trump parece menos interessado  em se envolver no conflito - além de já ter feito comentários elogiosos sobre  o presidente russo Vladimir Putin no passado. Em suma: o Brasil pode ser impactado  em várias frentes por um novo governo Trump.
Mas os analistas apontam que a  dimensão desse impacto vai depender de como - e se - ele realmente vai executar as  promessas e de como os países vão reagir. Quantos imigrantes serão deportados? As tarifas  serão impostas sobre todos os setores econômicos, ou só alguns?
E como a China vai reagir? Nós seguiremos por aqui acompanhando os desdobramentos disso tudo. Você pode ler mais sobre os resultados da eleição americana no nosso site - bbcbrasil.
com,  no nosso canal no YouTube e nos nossos perfis no Instagram, Facebook e TikTok. Fico por aqui. Tchau.
Copyright © 2024. Made with ♥ in London by YTScribe.com