A revolta contra condições ruins de trabalho que pode resultar em ‘CLT’ nos EUA

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BBC News Brasil
Economistas e empresários começam a olhar com atenção – ou preocupação – para o movimento antitrabal...
Video Transcript:
A revista de finanças Forbes define como “revolução dos trabalhadores”. O banco Goldman Sachs diz que pode ser um fenômeno de longo prazo. E economistas e empresários começam a olhar com atenção - ou preocupação - para o movimento antitrabalho, que parece ter ganhado força nos Estados Unidos durante a pandemia e pode estar por trás da falta de mão de obra no país.
Sou Mariana Sanches, correspondente da BBC News Brasil em Washington, e neste vídeo eu conto como a alta nas greves e nos pedidos de demissão em massa pode resultar na criação de uma espécie de CLT americana, uma mudança-chave no capitalismo que serve de modelo para o mundo. Isso porque centenas de milhares de pessoas têm se recusado a participar da força de trabalho na tentativa de forçar empresas a aumentarem salários e melhorarem as condições de trabalho. A mobilização já ameaça a lucratividade do período mais rentável para o varejo do país, que começou na Black Friday e vai até o Natal.
A história de Kit Stoll, de 21 anos, é um exemplo disso. Dias atrás, Stoll se demitiu do posto de barista em um café em Nova Jersey. A crescente insatisfação com o emprego, as frequentes broncas aos gritos da chefia, o excesso de trabalho e o salário baixo poderiam ter sido uma experiência quase solitária, mas centenas de milhares de pessoas acompanharam Stoll nos últimos meses, praticamente em tempo real.
Isso porque Stoll postou sua história - inclusive a demissão - em um fórum da plataforma Reddit batizado de Antiwork Movement (ou movimento anti-trabalho, em português). Stoll contou o seguinte: “Tirei meu avental e saí. Assustador no início, libertador depois”.
Relatos como o de Kit Stoll se acumulam aos milhares no fórum. São casos de pessoas que foram convocadas a trabalhar no dia do próprio casamento ou na hora do velório da bisavó. Trabalhadores que receberam advertências por irem duas vezes ao banheiro em cinco horas de turno ou que foram demitidos por chegarem atrasados após uma sessão de hemodiálise.
É gente que, mesmo precisando do dinheiro – caso de Kit Stoll, que vive com os pais e reduziu seus gastos ao mínimo – resolveu usar parte das economias e ficar fora do mercado de trabalho por ao menos um tempo. O fórum antitrabalho se tornou um sinal de um problema que tem sido apontado como grave e profundo na economia americana: tem vagas de sobra, mas não tem trabalhadores que aceitem as condições delas, com salário baixo e sem garantias trabalhistas. Estimativas apontam que existem algo em torno de 10 milhões de postos de trabalho em aberto no país.
Os Estados Unidos têm taxa de desemprego de 4,6%. No Brasil, o número passa de 13,2%. A falta de trabalhadores tem sido notada há quase um ano, mas boa parte dos analistas atribuía o fenômeno ao generoso auxílio a desempregados na pandemia, ao alto índice de casos de covid e ao fato de que crianças seguiam em aulas remotas, em casa.
Tudo isso, diziam, afugentava os trabalhadores do mercado de trabalho. Mas a tese se mostrou ao menos parcialmente falsa. Apenas em setembro, mês em que o auxílio pandemia acabou definitivamente, que as crianças retornaram a aulas presenciais e que a pandemia arrefeceu em boa parte do país, quase 4,5 milhões de pessoas pediram as contas.
Segundo o relatório do Goldman Sachs, “Um risco é que as preferências e estilos de vida de alguns trabalhadores podem ter mudado depois de um ano e meio fora da força de trabalho. A melhor maneira de medir essa mudança no gosto pelo trabalho é provavelmente por meio da mídia social. Como resultado, vemos algum risco de que alguns trabalhadores optem por permanecer fora da força de trabalho por mais tempo, desde que tenham condições financeiras para fazê-lo” Na mesma linha, a Forbes disse que o fenômeno é “um levante contra chefes ruins e empresas surdas aos seus funcionários, que se recusam a pagar bem e tiram vantagens deles”.
A carreira de 6 anos de Kit Stoll no setor de comércio e serviços nos EUA pode ser uma amostra disso. Stoll me contou que clientes irritados de supermercados chegaram a jogar produtos sobre seu corpo e rosto, sem que os superiores interviessem. E que quando a pandemia estourou, ninguém sequer avisou que seu trabalho em uma cafeteria universitária seria substituído por um totem eletrônico de produtos.
Quando apareceu para o turno, Stoll se deparou com a máquina em seu lugar. Para Alexander Colvin, especialista em leis e conflitos do trabalho da Universidade Cornell, os Estados Unidos passam por um momento-chave que pode alterar as características do capitalismo local, conhecido por seu mercado de trabalho com praticamente nenhuma regulação. Ele diz que não é só o movimento antitrabalho  que tem pressionado os patrões - os Estados Unidos também vivem uma alta histórica no número de greves.
Mais de 10 mil trabalhadores da fabricante de equipamentos agrícolas John Deere entraram em greve no começo de outubro pela primeira vez em 35 anos. Outros 1,5 mil funcionários das fábricas de cereal Kelloggs largaram os postos no mesmo período. E a aprovação popular aos sindicatos (68%) é a mais alta desde 1965, segundo uma pesquisa do Instituto Gallup divulgada em setembro de 2021.
Para Colvin, o que o relatório do Goldman Sachs aponta como algo potencialmente negativo para a economia, pode se mostrar um ganho social importante. Só para comparação, todos os direitos que Colvin citou são garantidos no Brasil a quem é contratado sob o regime de Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT. Nos fóruns antitrabalho, os trabalhadores tentam estimular uma espécie de boicote laboral das festas de fim de ano como forma de pressionar por mudanças.
O período que se inicia com a Black Friday costuma ser uma temporada aquecida de contratações no varejo e no comércio, graças à alta das vendas. Salários mais altos até são oferecidos para atrair esses trabalhadores, mas os benefícios e os contratos costumam ser temporários. Parte dos envolvidos no atual movimento trabalhista americano advoga que todos os trabalhadores que puderem fiquem em casa, o que forçaria perdas de lucros para as grandes empresas no período do ano mais rentável para elas.
É o que defende Steve Rowland, um ex-gerente de comércio com três décadas de carreira que acabou demitido durante a pandemia. Rowland afirma que a demissão e o tempo em casa o fizeram ver como o ambiente de trabalho que ele comandava era tóxico. Para compartilhar as experiências de trabalhadores e gerentes de serviços como ele próprio, Rowland criou o podcast “A zona de guerra do varejo”.
Parte das empresas do varejo têm tentado mostrar adequações às demandas da força de trabalho. Algumas têm chegado a oferecer US$ 17 por hora, ou bônus de contratação de US$ 3 mil. Outras oferecem auxílio-faculdade.
Outras ainda têm garantido folgas em feriados, como o Dia de Ação de Graças, uma novidade no setor. Mas nada disso tem sido o suficiente para reverter a tendência de falta de trabalhadores. A vida de Rowland é um exemplo disso.
Aos 51 anos, ele recebe com frequência convites para voltar a ser gerente em todo tipo de comércio. E diz que já nem os responde mais. Eu fico por aqui, pessoal.
Até a próxima. Tchau!
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