Imagine que você conhece um homem educado, sofisticado, aparentemente inofensivo. Ele sorri, discursa com elegância e parece compreender o mundo com uma lucidez invejável. Mas por trás desse verniz esconde-se um espírito corrosivo, um olhar cético que vê o ser humano como um animal ridículo, patético em suas pretensões de grandeza.
Você confiaria nesse homem? Pior, e se esse homem fosse você? A alma não tem segredo que o comportamento não revele.
Grande ironia de Machado de Assis é que ao ler suas obras, você não está apenas observando personagens, você está se olhando no espelho. Seu talento era brutal. Ele sabia que a natureza humana é uma dança entre vaidade e fraqueza, entre ambição e autossabotagem.
Sua genialidade consistia em desmontar, peça por peça, a ilusão que cada um de nós constrói sobre si mesmo. Ele nos despia de nossas máscaras sociais com uma precisão cirúrgica, expondo a hipocrisia latente que permeia nossas ações mais banais. Veja memórias póstumas de Brasubas.
O protagonista, um defunto autor, narra sua vida sem o menor pudor moral. Não há tentativa de redenção, nem um vestígio de remorço. Pelo contrário, Brascuba se orgulha de suas falhas, trata sua mediocridade com ironia refinada e expõe suas ambições frustradas como se fossem conquistas.
Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. Ele diz no fim do livro. É uma confissão cínica, mas ao mesmo tempo uma das verdades mais cortantes sobre a existência humana.
Porque no fundo, o que somos senão passageiros de um jogo sem regras fixas, tentando de alguma forma deixar um vestígio que justifique nossa passagem pelo mundo. Mas a ironia mais cruel desse romance não está apenas no protagonista, está no leitor. Você se identifica com Brascubas, você ri com ele, você o acompanha em sua jornada egocêntrica, talvez até concordando com algumas de suas observações ácidas sobre a sociedade.
E é nesse momento que Machado de Assis lhe aplica um golpe certeiro. Essa risada que você deu não é uma risada de superioridade, é um riso nervoso, um desconforto disfarçado de humor, porque no fundo você percebe que também tem um pouco desse personagem em si. Quantas vezes você já tomou decisões motivadas pelo orgulho?
Quantas vezes manipulou os outros sem perceber ou justificou atitudes egoístas com um verniz de racionalidade? É exatamente aí que a literatura machadiana se torna um campo minado. Você caminha por suas páginas, achando que está apenas apreciando uma boa história, mas de repente se vê envolvido em um dilema moral que o coloca contra a parede.
Se você estivesse na posição de Brascubas, faria diferente? Ou melhor, se você tivesse poder suficiente para agir sem medo de represalhas, ainda manteria intactos seus princípios. Hann Arent, ao analisar o fenômeno do mal banal, observou que os piores crimes podem ser cometidos não por monstros, mas por pessoas absolutamente comuns que simplesmente deixam de refletir sobre suas ações.
E Machado, mais de meio século antes, já apontava para esse abismo. A pergunta que ele nos impõe não é simples. Não se trata apenas de questionar se seríamos corruptos, cínicos ou oportunistas se tivéssemos a chance.
O que ele nos força a encarar é a fragilidade da nossa própria moralidade. Será que somos íntegros porque, de fato, possuímos uma ética inabalável? Ou será que apenas nunca estivemos na posição de sermos testados de verdade?
Niets, em além do bem e do mal, diz que todo homem tem o direito de conhecer até que ponto pode descer. Machado, sem precisar afirmar isso diretamente, já demonstrava o mesmo princípio. Ele compreendia que o ser humano não é bom ou mau por essência, mas um amálgama caótico de impulsos contraditórios, sempre oscilando entre a conveniência e a virtude.
E é por isso que suas histórias continuam tão vivas. Por, ao contrário das narrativas convencionais que oferecem heróis e vilões bem definidos, Machado nos entrega personagens que poderiam ser qualquer um de nós. E isso é perturbador.
Ler memórias póstumas de Brascubas não é apenas um exercício literário, mas um convite a encarar a própria consciência. O livro não nos permite o conforto da neutralidade. Ou você admite que já se comportou como Brascubas em algum momento da vida ou mente para si mesmo?
Então, sejamos honestos. Se você tivesse o poder de fazer tudo sem consequências, você seria diferente de Brascubas? Ou será que o que nos impede de sermos tão mesquinhos quanto ele não é um senso moral elevado, mas apenas o medo do julgamento alheio?
É uma pergunta que incomoda, mas que precisa ser feita. Afinal, de que adianta passar pela vida sem filhos, sem deixar um legado e ainda assim transmitir adiante o pior da natureza humana? O ser humano é uma criatura obsecada por certezas.
Gostamos de acreditar que sabemos distinguir o certo do errado, que conseguimos separar a verdade da ilusão. Mas e se, no fim das contas, estivermos apenas prisioneiros das nossas próprias interpretações? E se aquilo que chamamos de realidade for apenas um reflexo distorcido do que queremos enxergar?
Essa é a grande armadilha de Dom Casmurro. Machado de Assis não entrega respostas. Ele nos obriga a caminhar pelo terreno pantanoso da dúvida, a encarar o fato de que nossa percepção pode ser tão falha quanto nossas emoções.
Mas esse não é o único aspecto da natureza humana que Machado nos presenteia com sua narrativa. A história de Bentinho e Captu é um experimento cruel sobre os limites da subjetividade. Bentinho é um homem consumido pela insegurança, um prisioneiro de sua própria mente paranoica.
Ele nos conta sua versão dos fatos. Uma narrativa marcada por um ciúme corrosivo e uma necessidade desesperada de controle. Mas será que podemos confiar nele?
Será que sua visão não está distorcida pelo medo de ser traído, pela angústia de perder aquilo que acredita possuir? Freud nos ensinou que projetamos nossos próprios medos nos outros, que aquilo que condenamos no próximo muitas vezes é apenas um reflexo do que não conseguimos aceitar em nós mesmos. E se Bentinho não foi traído, mas sim vítima do seu próprio delírio?
E se Capitu for inocente, uma mulher forte e independente, destruída pelo olhar possessivo do marido? A genialidade do romance está no fato de que nunca saberemos a resposta. Machado não nos entrega a verdade de bandeja, porque a verdade em si é um conceito nebuloso.
Como dizia Niet, não há fatos, apenas interpretações. O que importa não é se Capit traiu ou não, mas sim o que essa dúvida diz sobre nós. Porque a questão real não está no livro, mas na forma como o leitor reage a ele.
Se você acredita cegamente em Bentinho, talvez seja porque reconhece nele algo de si mesmo. Se desconfia da culpa de Capitu, talvez seja porque já sentiu na pele o peso de um julgamento injusto. E se você oscila entre uma versão e outra, então parabéns.
Você entendeu que o mundo não se divide entre verdades absolutas e mentiras evidentes, mas entre percepções subjetivas, todas contaminadas por emoções, desejos e traumas. O ciúme de Bentinho não é apenas uma insegurança romântica. Ele é um sintoma da nossa necessidade de controle, da dificuldade de aceitar que o outro é um ser independente, com desejos e vontades próprias.
A sociedade sempre tentou domesticar as mulheres, impor a elas papéis rígidos, transformá-las em espelhos onde os homens pudessem se admirar. Capitu, com seus olhos de ressaca, desafia essa lógica. Ela não é uma donzela passiva, não se encaixa no molde da mulher submissa, que aceita seu destino sem resistência.
E talvez seja exatamente isso que a torna tão perigosa para Bentinho, porque ele não quer apenas o amor de Capit. Ele quer a garantia absoluta de que ela pertence a ele, de que nunca o enganará, de que nunca o abandonará. E essa garantia, meu amigo, simplesmente não existe.
E se pensarmos bem, Capitu foi julgada não apenas por Bentinho, mas por toda a sociedade ao seu redor. Seu crime não foi comprovado, mas a suspeita foi suficiente para destruí-la. E quantas vezes isso já aconteceu na história?
Quantas mulheres foram condenadas sem provas? Apenas porque desafiaram as expectativas alheias? Quantos homens como Bentinho preferiram destruir aquilo que amavam a viver com a angústia da incerteza?
E agora eu lhe pergunto: Você já se viu nessa posição? Já teve medo de perder alguém a ponto de criar paranóias em sua própria mente? Já desconfiou de algo sem nenhuma prova concreta?
Apenas porque o ciúme sussurrava em seu ouvido? Ou pior, já foi vítima desse tipo de julgamento? já teve sua reputação manchada por boatos e suspeitas enfundadas.
A verdade é que todos nós somos Bentinho em algum momento da vida. Todos já nos deixamos consumir por dúvidas, já enxergamos traições onde talvez só houvesse coincidências. E todos em algum nível já fomos captu também, acusados, incompreendidos, reféns da versão que os outros criaram sobre nós.
E se a grande lição de Dom Casmurro não for sobre fidelidade, mas sobre a incapacidade humana de lidar com a ambiguidade, sobre o medo visceral que sentimos diante da incerteza, Machado de Assis nos força a encarar um dilema cruel. O que é mais insuportável? ser enganado ou nunca ter certeza da verdade.
O mundo não é regido pela bondade, mas pela força. Essa é uma verdade incômoda, cruel, difícil de aceitar, mas Machado de Assis nunca teve interesse em pintar um retrato cor de rosa da realidade. Em Quincas Borba, ele nos apresenta uma filosofia de nome cômico, mas de implicações brutais.
O humanitismo. Um sistema de pensamento onde a vitória é o único critério de justiça e o fracasso é a prova de que alguém não era digno de sobreviver. Parece absurdo, pois olhe ao seu redor.
O mundo que habitamos não é essencialmente o mesmo que o cão Quincas Borba ladrou ao seu mestre. O sucesso exalta o vencedor. Não importa o caminho que ele percorreu.
O fracasso condena o derrotado, independentemente das circunstâncias que o levaram até lá. Rubião, o ingênuo herdeiro do filósofo enlouquecido, é um estudo de caso sobre como a inocência e a falta de astúcia são sentenças de morte em uma sociedade onde os mais espertos devoram os mais fracos. Ele acredita na amizade, confia cegamente nas intenções alheias e se entrega ao jogo da vida sem perceber que está cercado por predadores.
E então, pouco a pouco, o vemos ser destroçado. Seus supostos amigos não hesitam em explorá-lo, manipulá-lo, sugá-lo até que não reste nada. É uma lição dolorosa.
O mundo pertence aos dissimulados, aos que compreendem que a moralidade é um vé frágil que se rasga diante do desejo de poder. E o mais perverso é que, no fundo, todos sabemos disso. Apenas fingimos não saber, porque admitir essa verdade nos tornaria cúmplices dela.
Niets escreveu que o homem de ação não se atormenta com a moralidade. Ele impõe sua vontade ao mundo. e Machado de Assis, décadas antes, já expunha esse princípio de maneira brilhante.
Os vencedores não se preocupam em justificar seus atos, porque a própria vitória já os justifica. Napoleão, Alexandre, César, todos os grandes conquistadores da história, foram ao mesmo tempo heróis e tiranos, amados por aqueles que se beneficiaram de suas façanhas, odiados pelos que pereceram em seu caminho. Mas qual deles?
foi julgado pelos livros de história como um fracassado. Nenhum, porque o fracasso não tem direito à narrativa. Só o vencedor escreve sua versão dos fatos.
E você, onde se encaixa nisso tudo? Você se vê como Rubião, um ingênuo jogado às feras, ou secretamente admira aqueles que jogam o jogo com frieza, estratégia e desapego. Talvez você queira acreditar que é possível vencer sem pisar em ninguém, que existe um caminho nobre para o sucesso e talvez até haja, mas sejamos realistas.
Quantas pessoas que chegaram ao topo o fizeram apenas com boas intenções? No tabuleiro da vida, os peões são os primeiros a cair e não se iluda. O mundo não recompensa a pureza, mas a habilidade de jogar conforme as regras invisíveis que realmente governam a sociedade.
E o humanitismo, essa teoria absurda que transforma a competição em um princípio sagrado, realmente soa tão distante da nossa realidade? Olhe para o mercado de trabalho, para a política, para a cultura das redes sociais, onde a busca por status transforma pessoas em personagens, moldando suas vidas para caber no espetáculo da aprovação pública. O que vale mais?
Ser talentoso ou saber se vender? Ser justo ou ser forte? E no fim, o que diferencia um homem que sobe na vida de um que desmorona no caminho?
Seria mérito, esforço ou simplesmente a sorte de ter nascido com um instinto afiado para o jogo da sobrevivência. Rubião perdeu tudo porque acreditou que o mundo seguia uma lógica moral. Acreditou que gentileza seria recompensada, que confiança era um valor seguro, que as pessoas ao seu redor compartilhavam de sua ingenuidade.
Mas a verdade é que a selva social não tolera os desarmados. E então pergunto a você, quando foi a última vez que alguém o enganou? Quando foi a última vez que acreditou em promessas que nunca se cumpriram?
Ou pior, quando foi que percebeu que a bondade por si só não era suficiente para protegê-lo? Machado de Assis nos lança um dilema desconfortável. Para sobreviver, precisamos abandonar a ingenuidade.
Mas ao fazer isso, o que nos resta? Se nos tornamos frios e estratégicos, ainda somos humanos? E se nos recusamos a jogar o jogo, será que não estamos fadados a ser apenas mais um rubião tragado pelo mundo sem piedade?
O destino de um homem não é escrito pela sorte, mas pelas suas escolhas e muitas vezes pelas escolhas que os outros fazem por ele. Machado de Assis compreendia como poucos a forma sutil, quase invisível, com que o meio esculpe os indivíduos, definindo quem acende e quem é condenado à insignificância. Mas a pergunta que persiste em sua obra é ainda mais cruel.
E se aquilo que chamamos de livre arbítrio não passar de uma ilusão conveniente? Se os caminhos que tomamos forem apenas respostas automáticas aos fios invisíveis que nos manipulam desde o nascimento? Em Esaú e Jacó, ele desconstrói a noção romântica do destino como algo grandioso e transcendental.
Acompanhamos os irmãos Pedro e Paulo, gêmeos que desde a infância encarnam forças opostas. Um conservador e pragmático, o outro revolucionário e inquieto. Poderia ser um drama épico sobre grandes ideias e embates filosóficos, mas Machado, em sua ironia afiada, revela a verdade incômoda.
Essa dualidade não nasce da essência dos personagens, mas das circunstâncias. Eles não são opostos por convicção, mas porque foram jogados em lados distintos de um tabuleiro cujas regras eles nunca entenderam completamente. E o mais irônico, no fundo, são idênticos em sua mediocridade, reféns do mesmo jogo de vaidade tão previsível.
É impossível ler essa obra sem lembrar da famosa frase de Schopenhauer: "O homem pode fazer o que quer, mas não pode querer o que quer. " Nossas paixões, nossas inclinações políticas, nossos desejos mais íntimos, tudo isso pode parecer resultado de escolhas racionais. Mas será que realmente é o ambiente em que crescemos, as pessoas que nos cercam, as ideias que absorvemos sem perceber moldam cada decisão que tomamos?
E no fim passamos a vida nos convencendo de que somos autores da nossa própria história, quando na verdade talvez sejamos apenas personagens secundários de uma peça escrita muito antes de nascermos. E não se engane. Você também carrega dentro de si essas amarras invisíveis, suas opiniões políticas, sua visão de mundo, seus sonhos e ambições.
Quantos deles foram realmente escolhidos por você? E quantos foram herdados sem questionamento, aceitos como verdades? absolutas, simplesmente porque lhe foram apresentados desde cedo.
Essa é a tragédia humana que Machado expõe com precisão cirúrgica. Acreditamos ser donos do nosso destino, mas na maioria das vezes estamos apenas seguindo um roteiro já escrito. Pedro e Paulo lutam como se suas ideologias fossem grandiosas, mas no fundo são apenas dois homens presos a um conflito que os ultrapassa, que existiria com ou sem eles, que já estava em movimento antes que pudessem entender sua própria existência.
Se essa constatação o incomoda, ótimo, porque deveria incomodar. Significa que talvez haja uma chance de escapar dessa armadilha. Mas para isso é preciso um nível de lucidez que poucos alcançam.
A capacidade de questionar cada certeza, de desconstruir cada pensamento confortável, de admitir que aquilo que acreditamos ser nossa identidade pode não passar de um reflexo do meio que nos moldou. Como diria Fou, o primeiro castigo imposto a um prisioneiro é fazê-lo acreditar que a prisão é sua casa. Quantas dessas prisões invisíveis você carrega dentro de si?
Quantas decisões você já tomou achando que eram suas quando na verdade eram apenas ecos de influências externas que nunca parou para analisar? A grande provocação de Esaú e Jacó não é apenas sobre política, dualidade ou conflitos ideológicos. é sobre a própria natureza da liberdade.
Porque se tudo o que somos é produto do meio, se nossas escolhas são apenas reflexos de forças que mal compreendemos, então o que significa de fato ser livre? Será que liberdade é apenas uma ilusão necessária para que não enlouqueçamos diante da realidade de que somos manipulados o tempo todo? Ou existe em algum lugar um espaço de autonomia genuína, um momento em que podemos romper essas correntes invisíveis e decidir verdadeiramente quem somos?
E agora eu lhe pergunto: quantas das suas certezas são realmente suas? E se amanhã você acordasse e descobrisse que tudo o que acredita sobre si mesmo foi apenas um produto das circunstâncias, você continuaria vivendo da mesma maneira ou finalmente começaria a questionar cada escolha que já fez? Mas talvez a mais cruel das constatações machadianas seja esta.
Não importa o quanto tentemos nos libertar das correntes invisíveis que nos aprisionam, há sempre uma força maior, uma estrutura oculta que nos molda e nos conduz sem que sequer percebamos. O que chamamos de identidade, de essência, de vontade própria, pode não ser mais do que uma ilusão refinada, uma peça de teatro bem ensaiada, onde desempenhamos papéis que nos foram atribuídos antes mesmo de termos consciência de nós mesmos. A pergunta que Memórias Póstumas de Brascubas lança contra o leitor é essa: o que sobra do homem quando arrancamos dele todos os véus da hipocrisia, do orgulho e da vaidade?
O que restaria de você se tudo aquilo que acredita ser fosse, na verdade uma construção artificial? Brascubas é o narrador de sua própria vida, mas sua voz não é a de um homem arrependido, nem a de um sábio que aprendeu grandes lições ao longo de sua existência. Pelo contrário, ele ri da própria mediocridade, zombando de si mesmo e de todos ao seu redor.
Sua narrativa é um testamento do fracasso humano, mas um fracasso sem dor, sem melodrama. é a constatação fria e irônica de que viveu sem propósito, sem ter realmente conquistado nada de substancial e ainda assim acha graça disso. Ele não busca redenção, não espera simpatia, apenas expõe, com um cinismo quase cômico, a falta de sentido de sua trajetória.
E essa é a grande sacada do romance. Brascubas é a antítese do herói tradicional. Ele não sofre uma grande transformação, não se ilumina no fim da jornada, não encontra um significado profundo para sua existência e, no entanto, ele nos obriga a nos olhar no espelho e nos perguntar: será que somos tão diferentes?
Será que não passamos a vida acumulando ambições vazias, correndo atrás de status, de reconhecimento, de pequenas vitórias que, no fim das contas, não significam absolutamente nada? Como dizia Pascal, toda a infelicidade dos homens provém de uma única coisa, não saber ficar em repouso dentro de um quarto. Precisamos da ilusão de que estamos indo a algum lugar, de que nossas conquistas importam, de que há um sentido maior por trás de tudo.
Mas e se não houver? E se a existência for apenas um desfile de futilidades, um teatro onde cada um se esforça para parecer mais importante do que realmente é? A ironia de Machado é devastadora, porque nos força a encarar essa possibilidade sem nos dar nenhum consolo.
Em memórias póstumas, não há destino glorioso, não há justiça cósmica, não há aprendizado edificante. Há apenas um morto que narra sua vida sem nostalgia, sem arrependimento, sem sequer um pingo de romantismo. E talvez esse seja o golpe mais duro, perceber que o mundo não precisa de grandes dramas para continuar girando.
As pessoas morrem, as histórias terminam e o tempo segue indiferente. Ele nos joga na cara a ideia incômoda de que talvez a única maneira de escapar da dor da existência seja não deixar rastros, não prolongar o sofrimento para as próximas gerações. E se formos honestos, teremos que admitir, há algo de libertador nesse niilismo, porque se nada realmente importa, então não há obrigação de corresponder a expectativas, de seguir regras arbitrárias, de se curvar as pressões sociais que nos sufocam.
Mas ao mesmo tempo há algo de aterrorizante nisso. Porque se nada tem sentido, qual a razão de continuar? Por que levantar da cama todas as manhãs?
Por que insistir em amar, em construir, em sonhar? Kirkegard dizia que o desespero supremo é o homem perceber que é livre, porque essa liberdade radical o obriga a criar seu próprio significado. E talvez seja exatamente isso que Machado nos empurra a encarar.
Se não há um propósito absoluto, então cabe a nós inventarmos um. E agora eu lhe pergunto: o que te faz continuar? O que te impede de ser mais um Brascubas?
rindo do vazio da existência? Será que você encontrou um significado real ou apenas está se agarrando às mesmas ilusões que ele zombava? Se tudo fosse arrancado de você agora, status, ambições, identidade, o que restaria?
Alguma coisa? Ou apenas a constatação de que no fim sempre fomos personagens de uma história que nunca esteve sob nosso controle? Se você quer continuar desvendando os segredos da mente humana e da filosofia por trás da literatura, inscreva-se no canal e ative as notificações.
E agora me diga qual personagem de Machado de Assis mais te incomoda, ou melhor, qual deles você teme que seja o seu reflexo? Ah.