Neoliberalismo e sofrimento | Christian Dunker | Falando nIsso 254

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Christian Dunker
O quadro #FalandonIsso propõe uma conversa entre os diversos inscritos do canal #ChristianDunker e o...
Video Transcript:
[♫] Bem vindos ao nosso canal YouTchube nesse Falando nIsso de hoje, com a pergunta de lunabreeders. Oi, Christian! Uma pergunta: vejo que você trabalha muito com conceito de neoliberalismo e os sofrimentos que ele causa.
Mas esse conceito de neoliberalismo é muito discutido e recusado por muitos. Queria entender melhor como se justifica ou não o uso desse conceito e porque ele é importante pra fazer essa diferença em relação ao que seria o liberalismo clássico. É uma distinção que serve para qualquer contexto em que se discuta o liberalismo?
Olha, Luna, essa é uma pergunta extensa. Vou tentar te apresentar algumas razões pelas quais a gente trabalha com esse conceito e qual seria a sua serventia pra gente lá no Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP, o Latesfip. A gente desenvolveu a noção de forma de vida, ligando um polo ao desejo, um polo à linguagem e um polo ao trabalho.
E a gente desenvolveu essa noção pra entender melhor um conceito que nos parecia um pouco deflacionado ou ausente, que é o conceito de sofrimento. A psicanálise fala muito em sintomas, fala em mal-estar, mas a noção mesmo de sofrimento, ela era um pouco indeterminada. Então pra melhor determinar isso, a gente introduziu a ideia de forma de vida: trabalho, linguagem e desejo.
Como que a gente entende então a incidência do trabalho na formação da subjetividade? A gente teve que recuar aí e pensar que de fato a gente tem o entendimento do que vem a ser o sujeito, pelo menos o sujeito na modernidade, a partir de uma matriz que pode se chamar então de Liberalismo. É o que a gente vai encontrar no Locke, é o que a gente vai encontrar no Hill, é o que a gente vai encontrar no Jeremy Bentham, é o que a gente vai encontrar no Rousseau.
. . Ou seja uma série de autores que vão pensar o sujeito, por exemplo, dividido entre esfera pública e esfera privada, baseado na noção do indivíduo livre, capaz de fazer contratos, de vender sua força de trabalho.
Há uma grande narrativa teórica que vai construindo a noção de sujeito em conexão com essa ideia do Liberalismo, que encontra o seu apogeu, talvez no Kant, talvez no Hegel. Então você não pode dizer: "Esse é o sujeito do liberalismo. " Haveriam duas vertentes desse sujeito liberal clássico: uma vertente mais romântica, que vai apostar na dimensão mais expressiva do sujeito.
. . e uma vertente mais disciplinar, que vai apostar no entendimento mais representativo do sujeito.
Veja, essas duas noções, elas estão presentes na psicanálise. É um sujeito disciplinar nas sua relações com a lei, nas relações com o supereu e um sujeito o mais expressivo, ligado à potência de generalização da sua experiência singular. Então a gente tem é um liberalismo filosófico, que está em conexão com uma teoria econômica liberal.
Então vamos chamar essa. . .
marcar essa teoria com a ideia, com conceitos do Adam Smith. . .
do Mercado, da mão invisível. . .
Vamos associar esse entendimento liberal com o Ricardo. Vamos associar a crítica desse entendimento liberal da Economia no Marx, que escreveu O Capital. Você vê uma discussão interna ao Liberalismo Bom, num segundo momento, a gente vai chamar de Liberalismo as práticas que surgem na virada ou no fim de uma certa época marcada até pela Primeira Guerra.
. . pelo final da Primeira Guerra Mundial, a partir da ideia do Hobsbawm e a emergência de um de um outro entendimento de Liberalismo que têm que ver com a interveniência do Estado.
. . protetor.
O Estado como aquele que tem que ajudar os indivíduos a se emancipar. Então, é o Estado que tem que providenciar a educação, que tem que proteger o trabalhador, que tem que gerar bem estar para as pessoas. É um Estado que começa a funcionar em função de um novo fator político, que seria assim a felicidade do seu povo.
Essa é uma expectativa relativamente recente e tem que ver então com um segundo momento, com o segundo entendimento do que é o Liberalismo. Então, é um bom exemplo desse segundo entendimento é a teoria do Keines. .
. florescente depois da Segunda Guerra Mundial, muito importante no Plano Marshall, na reconstrução dos Estados, destruídos pela guerra, na reinvenção do Japão, na formação de uma sociedade de consumo e de massa nos Estados Unidos, na formação de uma sociedade baseada na propaganda, na opinião pública, na ocupação do espaço público como. .
. como política democrática. Então posto dessa maneira, a gente vai.
. . localizar, dentro dessa descrição, um projeto que é um projeto de crítica do Liberalismo e de radicalização do Liberalismo.
Esse projeto tem uma adaptação. . .
eu acho que um autor que nos ajuda muito aqui é o Foucault, em Nascimento da Biopolítica, onde ele vai fazer arqueologia do Neoliberalismo nesse sentido estrito, do von Mises, do Hayek, da Sociedade de Mont Pelèrin que era uma reação, na origem, à ascensão dos Estados totalitários. O nazismo na Alemanha, fascismo na Itália, stalinismo na União Soviética. Eles entendiam que isso só tinha sido possível dado uma certa intrusão do Estado na economia.
Então, um antídoto político e ao mesmo tempo uma forma de reforçar e fazer com que a economia flua de forma mais interessante seria a radicalização do Liberalismo em Neoliberalismo. Então a gente tem um neoliberalismo ligado ao Ordoliberalismo alemão, a gente tem o neoliberalismo ligado à Escola austríaca, a gente tem um neoliberalismo ligado à Escola de Chicago, que no fundo é a transposição dessas ideias que estavam ali florescentes em 38 e 40, na Universidade de Chicago. .
. nos anos 60, aí já com Milton Friedman, com Gary Becker, com outros teóricos da economia que entendiam que seria muito importante a gente afastar o Estado o máximo da sua interveniência na economia. Ou seja, uma espécie de retorno a Adam Smith.
. . mais radicalizado.
Argumentando que se a gente tira o Estado da educação, se a gente tira o Estado da saúde, se a gente tira o Estado da cultura, se a gente torna todas as áreas da ação humana estruturadas ao modo de uma empresa, ao modo de um negócio livre, a livre concorrência vai evitar a formação de monopólios. É uma teoria: ou seja, de que mais liberdade - daí neoliberalismo ou ultraliberalismo - vai produzir uma espécie de ajuste interno. Bom, por que que a gente estuda essa teoria?
Porque essa teoria permaneceu hibernando desde dos anos 30/40 e ela começou a ser aplicada a partir de 1973, lá no Chile de Pinochet, associado portanto a um golpe de Estado, que aplica as concepções de Chicago nesse Estado que é o Chile, e depois. . .
o Reagan nos Estados Unidos, Margaret Thatcher na Inglaterra. E este movimento, esta forma de pensar foi responsável ou está em estreita associação com o que a gente poderia chamar de globalização da economia. A redução de tarifas, o rebaixamento das proteções nacionais, dos subsídios.
. . Isso se tornou um modelo econômico.
. . seguido pelo Banco Mundial, seguido pelo FMI, seguido pelas instituições de regulação mundiais da economia.
Por que isso nos importa? Junto com isso, veio uma nova maneira de produzir. .
. junto com isso, veio uma nova maneira de a gente estar no trabalho. .
. junto com isso, veio uma outra forma de contar as nossas vidas. Não mais numa relação de troca com a empresa, mas numa relação que nós vamos nos pensando como uma empresa.
VOCÊ S/A. Que tem que dar lucro, que não tem mais, por exemplo, uma relação com a cultura de alto enriquecimento, mas tem uma relação de investimento, em que as relações amorosas passam a ser pensadas como um contrato de investimento. .
. juridicamente garantido. Em que as relações de troca de linguagem começam também a funcionar ao modo de um negócio.
. . mais ou menos como a Escola de Frankfurt descreveu para a Indústria Cultural.
A cultura começa então também responder a esse modo de funcionamento. Isso muda, ao nosso entender, a relação que a gente tem com o sofrimento. Se o Estado liberal clássico - espero que tenha entendido o que a gente está chamando por isso - protegia o trabalhador do sofrimento, o modelo neoliberal argumenta indiretamente o seguinte: "Vamos usar o sofrimento, vamos inocular sofrimento no trabalhador para que ele produza mais.
" "Vamos uberizar, precarizar. " "Vamos reduzir, por exemplo, sindicatos e proteções ao trabalhador. " "Vamos deixar que tudo funcione como um livre contrato.
" Mas nesse mercado livre, uns têm muito poder de troca, outros têm pouco poder de troca. E começam a acontecer alguns problemas como o que fazer com a quantidade de desempregados? Que começa a aumentar.
. . O que fazer com fenômenos, como a gente está vendo, e foram escritos, por exemplo, por Piketty de acumulação de muito capital entre poucas pessoas e a formação de massas dispensáveis massas que nem consomem nem produzem.
. . e que jamais entrarão no mercado.
O que fazer com a expectativa neoliberal de que haveria então um crescimento geral e que a pobreza e a desigualdade se reduziriam? Isso é discutível. A teoria então neoliberal não é só uma teoria econômica, é o que a gente poderia chamar de uma psicologia.
Ela envolve uma psicologia, ela envolve uma maneira de a gente lidar com as nossas relações de troca, ela envolve um certo entendimento do que que é posse, do que que é propriedade, do que que é bem comum, do que que é partilha. Tudo isso, vamos dizer assim, sobredeterminam experiências subjetivas. Tudo isso se relaciona com modelos e desejo e com formas de linguagem.
O neoliberalismo - nos parece fundamental entender o neoliberalismo nesses termos - parece fundamental pra gente entender, por exemplo, como um processo como as transformações sofridas pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais a partir de 1973, em que você começa a ter uma proliferação de diagnósticos, em que você começa a ter um discurso de que os transtornos mentais são transtornos cerebrais, em que você começa a ter, como diz a Susan McKinnon, A genética neoliberal, uma teoria genética sobre o sofrimento. Que o neodarwinismo que vai explicar as diferenças e justificar a emergência do sofrimento como uma. .
. como uma força produtiva. Mas isso vai nos levar então de um período que vai de 1973 até 2008 2008.
. . onde a gente começa a ver efeitos devastadores das chamadas políticas de austeridade.
Ou seja, a política básica era: "Olha você tem que, Estado, gastar menos. " "Você não pode gastar tanto em saúde, em educação. " "O Estado é um gordo glutão" "Vamos ter que reduzir o Estado" E produzindo então convulsões sociais, aumento de massas desempregadas.
Essa política de austeridade econômica, ela foi caminhando. . .
e de não intervenção estatal. . .
ela foi caminhando, foi se estabelecendo, ela foi produzindo uma financeirização da economia. De tal forma que o valor, por exemplo, de marca de uma empresa supera o valor da produção que essa empresa pode ter. Em que a produção de valor agregado gerada pelo mercado financeiro é maior do que aquela gerada pela produção e consumo direto.
Então isso começa a produzir um desequilíbrio no conjunto da economia. Debêntures, Bonds. .
. a perda do lastro bancário, do lastro em ouro. .
. Ou seja, o mercado começa a produzir valor mais além do que ele pode realmente entregar. O que que acontece em 2008?
A gente tem uma segunda fase do neoliberalismo. . .
Onde começa a ficar claro que este modelo, que nós estamos circunscrevendo bem. 1973 a 2008. .
. ela gera uma primeira crise, uma crise imobiliária inicialmente, mas que se alastra pra um conjunto sistêmico de bancos que estão em estado de ameaça, e depois Irlanda, Islândia, Grécia, uma crise que vai quebrando os Estados ao longo do mundo. Neste momento, o que a gente esperava - a partir do consenso de Washington, durante o governo Bush, que tomou a plataforma de Chicago como a linha mestra do entendimento da economia - o que a gente esperava é: bom, se está dando errado, deixa quebrar.
. . deixa quebrar porque o mercado vai resolver.
Não foi o que aconteceu. Então, a contrário a tudo o que se ouvia durante pelo menos 30 anos, o governo americano salva o Lehman Brothers e põe dinheiro no Mercado, tenta equilibrar o dólar e começa então uma outra fase do neoliberalismo. .
. Uma fase que está bem descrita neste livro do Gérard Duménil e Dominique Lévy, A crise do Neoliberalismo. Acho que um outro bom entendimento para o que a gente chama de neoliberalismo você vai encontrar no livro do Christian Laval e Pierre Dardot, A nova razão do mundo Onde eles vão tentar descrever esse sujeito neoliberal como uma forma de subjetividade não apenas um modelo econômico.
Também Chiapello no seu livro O novo espírito do capitalismo, que vai descrever esse trabalho que hoje. . .
hoje é um trabalho por projeto. . .
é uma cidade por projetos. Ou seja, não contratos longos, mas conexões precárias e provisórias para a formação de trabalho. Essa crise do neoliberalismo, ela se faz acompanhar de uma série de consequências no plano das formas fundamentais de sofrimento, que é o que a gente vem estudando então lá na USP e por isso acho que até deu um panorama geral de por isso [que] neoliberalismo é tão importante.
Eu recomendo também, pra você, um livro bastante compacto do Harvey, um geógrafo, sobre o neoliberalismo, que pode te ajudar a uma definição. . .
muito simples. . .
Eu não vejo muita dificuldade em definir essa oposição entre liberalismo clássico, liberalismo moderno e e liberalismo e neoliberalismo. São diferentes entendimentos [sobre] o papel do estado na economia. Então, pra ser mais fragmentos evolu-ativos, EBITDAs, neoliberais e de startups.
. . clique aqui no Aqueronta Movebo.
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