Maria e a distrofia muscular de Duchenne - Podcast Segredos de Família | genomaUSP

2.54k views4697 WordsCopy TextShare
genoma USP
Neste episódio, conheça a historia de Maria, que tem dois irmãos com distrofia muscular de Duchenne,...
Video Transcript:
Olá, eu sou a Mônica Teixeira e este é o podcast  Segredos de Família, produzido pelo Canal Genoma. Aqui os segredos são aqueles que estão nos genes  que pais e mães transmitem a filhos e filhas e que levam famílias a buscar o apoio de geneticistas  para tomar decisões importantes sobre a prole. Comigo no podcast estão Rodrigo Mendes, professor de biologia do ensino médio.
Oi Rodrigo. Oi Mônica. E Regina  Mingroni, do Instituto de Biociências da USP e uma das cientistas do Centro de Estudos do Genoma Humano e células-tronco.
Olá Regina. Olá Mônica. Olá Rodrigo.
Olá todo mundo que está nos escutando. Hoje nós vamos conversar sobre o dilema da Maria. Maria é uma adolescente de  15 anos que está grávida e procurou um serviço de aconselhamento genético para saber se o bebê que vai nascer poderia nascer com distrofia muscular de Duchenne, como dois dos irmãos de Maria.
A distrofia muscular de Duchenne é uma doença hereditária que acomete meninos e provoca perda progressiva de musculatura. Quem sofre de distrofia acaba perdendo a capacidade de andar e de movimentar braços e mãos. Faz sentido a preocupação da Maria, Rodrigo ?
Mônica, faz todo sentido. Porque apesar da Maria não ser uma mulher doente, ela pode ser portadora do cromossomo que contém o gene alterado da distrofina, que é uma proteína muito importante para a estrutura das células musculares. A mãe da Maria transmitiu esse cromossomo para os irmãos dela e pode ter passado  também para a Maria.
Agora, é interessante a gente pensar porque a Maria não é doente. A Maria tem dois cromossomos X. Ela recebeu um cromossomo X do pai dela e um cromossomo X da mãe dela.
O do pai não tendo essa alteração no gene da distrofia, garante que a Maria não tenha a doença. Mas a mãe, tendo passado essa alteração para ela, pode ter então agora uma chance dela passar isso para uma criança. Faz todo o sentido ela se preocupar com isso.
Já os irmãos dela não, receberam do pai o cromossomo Y e aí só tem aquela versão que a mãe mandou com um problema. Então ele já manifestam a doença, né? Por isso é importante ela procurar o serviço de aconselhamento genético para saber quais são os riscos de ela vir a ter uma criança com essa doença.
Bom, a Maria e a família da Maria, que é composta  da mãe, dois irmãos com a distrofia de Duchenne (como o Rodrigo falou) e o pai, vivem em uma zona muito modesta na zona rural. A mãe não pode mais trabalhar, o que complicou mais a situação financeira da família para cuidar dos dois filhos doentes. Como é que a Maria é recebida em um serviço de aconselhamento genético?
A Maria se for uma moça que deseja ter filhos ou eventualmente até estiver grávida. . .
A coisa mais importante que a gente tem que fazer no primeiro momento é saber se Maria herdou o mesmo gene alterado da distrofina que está presente nos irmãos dela que têm a doença. Então como um geneticista raciocina nessa situação? Dado que a mãe de Maria teve dois meninos  igualmente afetados pela distrofia muscular de Duchenne, a gente deduz que a mãe é uma heterozigota.
Ou seja, ela é uma portadora de uma versão do gene alterado da distrofina em um dos seus cromossomos X. No outro cromossomo X, ela deve ter uma versão normal, uma cópia normal do gene que codifica a distrofina ( que é essa proteína importante para o músculo) Por isso que a mãe de Maria não é doente. E nem Maria.
Então a mãe de Maria tem 50% de probabilidade de ter transmitido o cromossomo X que contém a versão do gene alterado da distrofina, e 50% de chance de ter transmitido à Maria uma versão normal. Então em uma primeira etapa, o que um serviço de genética tentaria fazer? Por meio de testes genéticos, tentar rastrear exatamente qual é o tipo de alteração que tem no gene da distrofina (na família de Maria) e testar se Maria tem essa alteração na forma heterozigota, ou seja, se Maria é portadora heterozigota dessa alteração.
Então seria a primeira etapa de avaliação genética dessa família. Aí, se ela é heterozigota, o que acontece? Ela é heterozigota.
Vamos partir do princípio que Maria de fato herdou a versão do gene alterado. (do gene da distrofina) Ela é uma heterozigota. Então, o que ela tem?
Ela tem um cromossomo X com a versão correta do gene, que codifica a distrofina. E ela tem um cromossomo X que contém na versão alterada, que não codifica a distrofina, ou a distrofina é muito anormal. Então dos filhos que Maria vier a ter, acontece a mesma coisa.
Ela tem 50% de chance de transmitir a versão alterada do gene de distrofina, para os seus filhinhos, ou 50% de chance de transmitir a versão correta, tanto para os homens como para as mulheres. Só que como as filhas de Maria serão XX, ou seja, se elas herdarem  a cópia do gene alterado, elas terão herdado do seu pai uma versão do gene correta, capaz de produzir distrofina em uma quantidade suficiente, que previne que a doença distrofia muscular de Duchenne apareça entre as filhas de Maria, ainda que elas herdem a versão do gene alterado. Então elas passam a ser portadoras heterozigotas igual à Maria, igual à mãe de Maria.
A coisa se complica se Maria, que tem 50%  de chance de transmitir o cromossomo X alterado ou a versão normal do gene, passasse a versão alterada para um menino. Porque se ela tiver um bebê menino, ele herdou o cromossomo Y do seu pai, e o X com alteração que veio da Maria. Aí esse menino não tem uma segunda cópia do gene da distrofina para produzir a proteína.
Então esse menino não vai produzir praticamente nada da proteína distrofina, que é necessária para a manutenção da estrutura muscular. E esse menino então vai manifestar a distrofia muscular do tipo Duchenne pela incapacidade de produzir a distrofina nos seus músculos. Mas Regina, a Maria chegou grávida ao serviço de saúde.
Tem dois caminhos aí. Tem condições de se testar a Maria muito rapidamente. Por exemplo, se a alteração genética na família já fosse conhecida, ou usar marcadores moleculares que dariam uma resposta muito rápida.
Mas muitas vezes as moças já chegam grávidas ao serviço de genética em uma idade gestacional que é a aquela exata para a coleta de um exame de diagnóstico pré-natal. Por exemplo, um exame de Diagnóstico pré-natal que é usado com frequência em uma situação como essa é a coleta da biópsia da vilosidade coriônica. Então é um exame que é feito por volta da décima primeira, décima segunda semana da gestação.
Ele permitiria coletar uma amostra de tecido do qual se extrai um DNA. E neste DNA que é igual ao DNA do feto, se faz o mesmo tipo de análise molecular que poderia evidenciar se o feto herdou uma versão alterada do gene da distrofina. Ou não, se ele herdou a versão normal do gene da distrofina.
Em uma situação, o feto dá origem a uma criança que teria distrofia muscular de Duchenne. Se o exame molecular do material do feto der normal, isso é muito tranquilizador para Maria e para a família de Maria. Por que não vai nascer uma criança com distrofia muscular de Duchenne.
Feito isso o que foi descoberto a respeito do bebê da Maria, Rodrigo? Fizeram o exame e descobriram que era um menino e que ele não tinha herdado o cromossomo X com a versão alterada da distrofina. A mãe, a Maria, tinha esse cromossomo com a versão alterada, mas não passou esse para o filho.
Então ele não tem o risco de ter a doença. Mas o que aconteceu é que a assistente social procurou a pessoa que estava atendendo a Maria para falar de um boato que corria na cidade: de que o pai da criança não seria um namorado da Maria, mas sim o próprio pai da Maria. E isso traz uma série de questões para a gente, né Regina?
O que a gente teria que fazer? Tem risco de outras doenças além dessa? Então, aí a história fica bem mais complicada.
Por um lado, Maria teve uma boa notícia. No sentido de que o feto se revelou com o genótipo normal no gene da distrofina, logo ele não vai ter a distrofia muscular de Duchenne. Mas se for verdade o que a assistente social disse ou o boato for verdadeiro, a gente tem uma uma união consanguínea, né?
O que a gente chamaria na nossa sociedade de uma união digamos incestuosa, né? Do pai com a própria filha. Isto confere um  risco genético adicional, para a criança que Maria está gerando, muito alto.
Então, os geneticistas sabem de longa data, e mesmo até a população já sabe, que casamentos entre parentes, por exemplo, casamentos entre primos, casamentos tio e sobrinha, eles aumentam significativamente o risco de nascer criança com doença genética, principalmente da categoria das doenças genéticas de herança autossômica recessiva. Por exemplo, um casal de primos em primeiro grau quando se casa, tem uma chance estimada em cerca de 13% de gerar criança com alguma doença genética. Se for uma união tio e sobrinha, esse risco é maior.
Se for pai e filha, como o boato aí em questão está colocando, isso poderia ter um risco aí, essas estimativas não são muito precisa mas, da ordem de 40% até 50% de nascer criança com doença hereditária, doenças recessivas. E uma fração muito alta dessas doenças inclui deficiência intelectual. Então existe um risco apreciável.
Então realmente, além da distrofia de Duchenne que aparentemente foi resolvida por esse teste pré-natal, isso teria que ser alertado, que esta criança tem mesmo risco genético de doença aumentado. Você falou em doença autossômica recessiva. A distrofia de Duchenne é uma doença recessiva, não é?
O que quer dizer isso? O nosso material genético, o nosso DNA,  ele na verdade funciona como um livro de receitas para as células fabricarem todas as proteínas e  substâncias que a célula precisa para funcionar. Só que na verdade o nosso material genético não é um livro de receitas, né?
Ele é um livro de receitas duplo. Porque todo mundo herdou um enxoval, um livro de receitas que veio da família do papai e um livro de receitas que veio da família da mamãe. Então, a receita para fabricar cada substância da nossa célula na verdade está em dose dupla.
A gente tem duas cópias de cada receita, de cada proteína. Então o que acontece em muitas situações? Muitas vezes nós temos uma cópia da nossa receita que está errada, que está alterada.
Eu sequer fico sabendo que eu tenho essa cópia de receita danificada. Como os pais são ditos portadores heterozigotos desses genes alterados e não manifestam a doença, a doença está escondida, a doença está recessiva. Recessiva quer dizer escondido.
Todos nós temos muito provavelmente alguns genes com cópias erradas, alteradas, que não funcionam. E sequer saberemos disto. Muitas vezes nós só sabemos quando a gente vem a se casar com uma pessoa com uma cópia da mesma receita alterada e o nosso filho herda duas receitas erradas, incapazes de produzir uma substância e isto se traduz na forma de uma doença genética.
Então o que acontece no caso da distrofia muscular de Duchenne? Ela é dita recessiva porque a mulher que tem dois cromossomos X tem duas cópias do gene da distrofina. Se uma não funciona bem, a outra  cópia está lá; produz um tanto de distrofina que é o suficiente para garantir que essa mulher tenha saúde e não tenha a distrofia muscular de Duchenne.
Mas no aconselhamento genético, quando o exame  que detecta a presença ou não do gene alterado da distrofina, dá informação sobre quem é o pai da criança, Regina? Normalmente não. Normalmente se usam testes muito específicos para analisar o gene da distrofina e verificar se ele está na sua versão íntegra ou se ele tem alterações.
Então normalmente por meio desse teste genético não dá para inferir quem é o pai da criança. E se você soubesse? Você está na frente da Maria e você ouviu dizer esse boato de que o pai da criança da Maria é o próprio pai dela, o que você faria?
Vamos pensar. Eu primeiro ia tentar conversar em particular com a Maria, com essa mocinha de 15 anos. Porque se tal situação existe, muito provavelmente ela não vai querer revelar isso e conversar sobre isso na frente de parentes ou na frente da mãe dela.
Eu sei que é um assunto bem delicado mas eu tentaria, em particular, obter informação da Maria sobre quem é o possível pai da criança. Porque sendo um parente próximo, como é o caso do pai dela, faz parte do aconselhamento genético a gente ter que prevenir Maria a respeito do risco de todas as outras doenças que podem aparecer nessa criança que ela está gerando além da distrofia muscular de Duchenne que no caso foi afastada. Então realmente eu tentaria obter de Maria, em uma situação confidencial, essa informação para dar a devida orientação sobre risco genético para essa criança.
E se porventura for adequado, ou se a própria Maria achar que é adequado, eventualmente aí prosseguir com a análise de  DNA do feto, que possa me indicar a paternidade da criança, no sentido de averiguar essa hipótese de que a criança é filha do pai da Maria ou não, se Maria assim achar conveniente. Então realmente essa situação é muito delicada. Porque ela tem além das implicações do alto risco genético, tem outras implicações muito complicadas para a dinâmica da família, né?
Até que ponto isto foi uma coisa consentida? Até que ponto que Maria quer ou não quer que isto jamais chegue aos ouvidos das outras pessoas da família ou da própria mãe? E está acontecendo um crime aqui, né?
Ela pode estar sofrendo abuso, a gente não sabe disso. Como se deu essa relação? O que chama atenção nesse caso é a informalidade da assistente social.
Ela conta como um boato. E ela tem ferramentas no trabalho dela para tratar isso de uma maneira mais séria, né? Investigar de outras formas isso antes de trazer de um modo tão informal.
Agora, o que acontece? Fazem um teste. Identificam que o pai da criança que a Maria está esperando é o pai dela.
E aí vão contar para ela, vão falar para ela assim "Olha, tem risco de outras doenças. . .
". E aí ela comenta com quem está fazendo aconselhamento que ela não gostaria que ninguém soubesse disso. Para não destruir a família dela, ela fala que foi uma relação consensual.
Ela já tem uma relação consensual com o pai. E não está sofrendo abuso nenhum. Ela pede pra guardar segredo.
E aí eu queria saber de vocês, se vocês guardariam este segredo. Aí está uma questão que é muito debatida no meio dos profissionais de saúde, no meio médico, né? Porque existe o sigilo da consulta.
Existe o sigilo da  consulta médica, existe o sigilo da consulta dos outros profissionais de saúde. Eu acho que o importante é o profissional de saúde nesse caso se assegurar que Maria não foi vítima de nenhum tipo de violência, abuso, coação, chantagem. .
. Realmente que ela não esteja em nenhum tipo de situação de risco porque isso poderia requerer então que se mova uma ação, que se vá procurar uma delegacia da mulher uma coisa desse tipo. Mas esse seria o papel do profissional de saúde, né?
De assegurar de que Maria está, digamos assim, tranquila com essa situação e de que não foi vítima de nenhum tipo de violência. Se foi, ela deveria ser encorajada a procurar uma autoridade, uma delegacia da mulher e dar conta disso, né? Que eu acho que seria o correto.
Porque realmente a questão da quebra de sigilo é muito delicada em uma situação dessa. Mas isso é a Maria engravidou com 14 anos ou menos? Aí a coisa complica mais ainda.
Porque por exemplo, na lei brasileira apesar do incesto não ser considerado crime, o menor de 14 anos mantendo relação sexual é visto como estupro de vulnerável , né? Se não me engano. .
. Segundo a nossa lei atual, ela é vista como um crime. Mas por outro lado, uma quebra sistemática de sigilo de consulta médica no serviço de saúde, no serviço de genética, pode ter um efeito reverso.
No sentido de afastar esses jovens de procurar o apoio do serviço de saúde quando eles precisam fazer prevenção da natalidade, tratar doença sexualmente transmissível. . .
quer dizer, vai afastar o jovem por medo, do tipo "Se eu tiver menos que 14 anos não posso ir ao serviço de saúde e contar para o profissional de saúde que houve relação sexual porque isso é crime. ". Então é um assunto extremamente delicado,  muito debatido no meio dos profissionais de saúde e eu acho que de um modo geral, o profissional de saúde precisa ficar especialmente atento a situações realmente que são de violência, abuso no sentido criminoso, obrigar uma pessoa a fazer o que ela não quer, e não relações consensuais, que na minha opinião modesta são de uma categoria diferente.
Então realmente o assunto não é nem um pouco trivial. E eu acho que ele é um assunto quente, em que a gente vê discussão entre as pessoas que estão ligadas, digamos assim, aos advogados e os profissionais de saúde, que tem como obrigação preservar o sigilo. Desde que o sigilo preservado não coloque o paciente em questão em nenhum tipo de risco, de violência, ou coisa assim.
É uma questão interessante a gente também pensar como se dá a construção dessa ideia de consenso, né? Porque vamos supor que a Maria tivesse 16 anos e  falasse "Não, eu tenho relações com meu pai e são consensuais. ".
Como elas foram construídas? Para ela achar hoje, com 16 anos que ela topou aquilo, que ela quer aquilo. .
. A gente não sabe se não começou um abuso lá atrás. Porque a filha vai manifestar afeto pelo pai.
E o pai pode ter apresentado essa noção da relação sexual como base do afeto entre um pai e uma filha. E ela não tem outras "relações modelo" para achar isso algo problemático, para achar uma situação de abuso. Então é interessante nesse caso a gente pensar que a família já estava destruída.
Então não é esse segredo vindo à tona que vai comprometer as relações. Porque se é uma relação tão saudável, por que ela tem que acontecer em segredo? Por que não é dito isso, né?
Tem uma uma ideia eu acho de um abuso, mesmo a menina falando que é uma relação consensual. E aqui talvez seja um abuso nosso, né? De falar que a gente sabe mais sobre a relação dela do que ela.
Mas é porque é uma relação hierárquica de pai e filho, então tem outras camadas nesse consenso que vão deixando esse problema mais difícil. Você pode estar certo, que se configura uma situação esquisita, pela hierarquia de pai, que vai vindo de lá e que tem um monte de coisas na família que devem estar distorcidas e estão mesmo. Mas por outro lado, fazer denúncias pode ser dificílimo.
Você disse que a família está destruída, mas se o pai for embora ou se o pai bater em todo mundo e for embora, e os meninos com  distrofia muscular morrerem de fome porque Maria contou tudo para todo mundo, também é uma situação. Então pensa que essa intervenção, essa quebra de sigilo pode ter consequências ainda mais devastadoras  para a estrutura da família. Essas relações: dependência financeira, medo da violência doméstica, são coisas que estão presentes no dia a dia e que impedem muitas pessoas de denunciarem agressores, abusadores.
Então é uma discussão complexa. E ela extrapola a questão da genética, entendeu? Muita gente não denuncia quem pratica a violência doméstica, um abusador por medo de sofrer mais violência.
Então assim, a gente precisa pensar nisso também. Que a quebra de um sigilo, pode trazer para a pessoa, para a família, mais medo, mais insegurança, mais violência. E realmente está longe de ser um assunto trivial.
Tanto não é trivial que ele é discutido entre profissionais de saúde acaloradamente porque fica na mão do profissional de saúde essa sensibilidade de perceber que caminho tomar. E qual caminho eu preservo mais a integridade e a tranquilidade da pessoa que está ali, que é o paciente, entendeu? Se o profissional de saúde opta por um caminho que vai resultar em mais violência, mais problemas.
. . Então é super complicado.
Não tem uma receita de bolo em uma história desse tipo. Por isso Regina, uma ideia que eu acho muito interessante do aconselhamento é das equipes multidisciplinares. Que o profissional do aconselhamento possa trocar essas informações do caso com várias pessoas para não ficar em uma sobrecarga do indivíduo, né? 
"Então olha, ele tem que decidir. ". Não, a equipe toda pode.
E aí multidisciplinar, porque vai trazer informações de diferentes campos. Mas assim como a menina, pedir ajuda. Porque senão ela fica com a conta, né?
A conta da dificuldade financeira. . .
Ela vai continuar em uma situação talvez abusiva, com medo das consequências, como se ela fosse a responsável por aquilo. Aí o papel também da assistente social, né? Ela deveria ajudar a família e não só ficar em um boato.
Tratar de uma maneira leve isso. No modelo ideal teria que estar todo mundo conversando, né? Não é todo serviço que tem toda a estrutura ideal, que tem todos os profissionais que poderiam ter à mão.
Mas em uma estrutura ideal você teria que ter o assistente social conversando com o geneticista, conversando com o psicólogo da equipe, que está conversando com o ginecologista, que está conversando. . .
. Quer dizer, isso é o mundo ideal, que o caso fosse conduzido em equipe e que se chegasse a uma proposição que eventualmente não violasse a privacidade da Maria e não colocasse a Maria em uma situação de risco maior do que a que ela já está, né? O ponto técnico que eu frisei aqui.
Mas e se a Maria diz "Não. Eu não quero que faça nenhum teste que confirme ou desminta se meu pai é o pai do bebê. "?
Eu tenderia nessa situação a preservar a vontade da Maria, a não ser que haja uma denúncia ou um juiz pedisse esse exame. Agora vamos imaginar que independentemente de quem é o pai da criança, que o exame genético tivesse mostrado que a criança  que vai nascer é portadora do gene alterado da distrofina. Ou seja, que ela terá manifestação da doença distrofia muscular progressiva.
O exame deu que é um menino. E que a única cópia do Gene da distrofina que ele tem é a cópia alterada. O que acontece no aconselhamento?
Maria será devidamente informada disso. E Maria ao contrário da maior parte das pessoas, conhece o curso da doença muito bem. Porque ela já teve dois irmãos com  distrofia de Duchenne.
Dessa informação, que Maria já deve ter sido prevenida no momento a coletou exame pré-natal, ou seja, se ela coletou o exame pré-natal é porque ela tinha um desejo de fato de saber se o feto ia ter a doença ou não. Uma das possibilidades que deve ter passado na cabeça da família é não continuar essa gestação. Então vamos pensar do lado positivo.
Maria fazendo esse exame, tinha 75% de chance de ter uma boa notícia. Ela poderia estar gerando uma menina, com 50% de chance de que não iria ter a doença. E 25% de gerar um menino não doente.
25% de um menino com a doença. Então, ao fazer esse exame, Maria sabia que ela tinha 75% de chance de ter uma boa notícia e 25% de ter a notícia ruim, que é a de que o menino vai ter a distrofia muscular do tipo Duchenne. O que pode ser discutido com Maria, e aí é uma  questão altamente controvertida, porque tem todas as implicações éticas, religiosas e jurídicas, em cima de uma decisão de interromper a gestação.
Então a Maria pode dizer assim "Bom, paciência, teremos mais uma criança afetada por distrofia de Duchenne na família e nós vamos cuidar de mais um deles. ". Com ônus da dificuldade de uma situação rural, onde é difícil acesso a serviços de saúde e todos esses ônus.
Muito mais dramático, por exemplo, do que em um caso de hemofilia. Muito mais difícil. Porque a qualidade de vida de um hemofílico nos dias de hoje, comparativamente, é melhor do que a do menino com distrofia muscular, de um modo geral.
Porque esses meninos deixam de caminhar,  a partir de uma certa idade, que é variável, mas a gente vai ter provavelmente um cadeirante na família. E uma criança que vai ter uma série de problemas de cunho muscular, respiratório, que vai precisar de uma assistência médica mundo intensa. Então eu diria que o ônus para a família de cuidar de um menino com distrofia de Duchenne, nos dias de hoje, é muito  maior do que o de cuidar do menino com hemofilia.
Então Maria vai dizer "Vamos cuidar de mais um. Temos dois, vamos cuidar do terceiro. ".
Mas Maria pode dizer "Não. Não quero ter essa criança de modo algum. Eu quero interromper essa gestação, porque nossa família não consegue lidar mais com o fato de ter mais uma pessoa doente.
", por motivos financeiros, psicológicos, etc e tal. Aí, a gente tem um grande desafio. Porque na legislação do Brasil, a interrupção de gestação não é permitida em casos de doença genética, como a distrofia de Duchenne.
A gente tem pouquíssimas situações no Brasil, em que a interrupção de gestação é permitida. A gente tem no caso de estupro, devidamente registrado, né? A gente teria no caso de risco de vida materna.
E a gente tem autorizações agora, praticamente automáticas,  para interromper gestações em que há Anencefalia. Mas fora isso, não há permissão para interrupção de gestação, no caso de outras doenças genéticas. Então Maria teria que ser alertada de que se ela optar por uma interrupção de gestação, que infelizmente, se for essa escolha dela, ela vai fazer por meios ilícitos.
Dado que a nossa legislação não permite,  ao contrário de outros lugares, outros países, que têm legislação que permite o aborto generalizado, ou que permite interrupção em situações desse tipo. Por exemplo, de risco alto de doença na prole. Então é um assunto extremamente delicado e que tem que ser colocado para consulente  com delicadeza, com respeito.
Inclusive há valores  familiares, religiosos. . .
Então muitas pessoas têm convicções religiosas e acham que elas não devem interromper uma gestação em hipótese alguma. Tudo isso tem que ser conversado na sessão de aconselhamento genético, com muito respeito, com muita clareza, e além de tudo, jamais tentar induzir ou coagir Maria a qualquer tipo de escolha. Não é papel do geneticista, em modo algum, apesar de se dizer que é aconselhamento genético, não cabe ao geneticista aconselhar.
Cabe ao geneticista oferecer, dizer quais são as opções, esclarecer as vantagens e desvantagens de cada uma das opções e respeitar, acima de tudo, a vontade do consulente. Esse assunto é muito complexo. Ele é muito debatido entre profissionais de saúde, principalmente entre os médicos.
E para a gente poder fazer esse debate, eu contei com o apoio de alguns médicos que nos forneceram informações muito valiosas. Eu queria agradecer a doutora Rita Pavanello, geneticista do Centro do Genoma Humano, e ao Doutor Ivo Pavanello Filho,  por informações e artigos muito preciosos, que ele nos enviou para esse debate. Então acho que nós discutimos todas as possibilidades.
Até o próximo podcast. Tchau Rodrigo. Tchau Regina.
Tchau Mônica. Tchau Regina. Tchau pessoal.
Até a próxima. Essa foi mais uma edição de Segredos de Familia, o podcast do projeto de divulgação científica do Genoma USP. O podcast é coordenado por Eliana Dessen, com projeto audiovisual de Diana Zatz Mussi, edicao e mixagem de audio de Gil Fuser, layout e finalizacao de Daniel Cotrim.
Até a próxima edição.
Related Videos
The Groundbreaking Cancer Expert: (New Research) "This Common Food Is Making Cancer Worse!"
1:37:34
The Groundbreaking Cancer Expert: (New Res...
The Diary Of A CEO
3,132,864 views
Distrofia Muscular de Duchenne, Síndrome Congênita -Zika Vírus e Transtornos do Neurodesenvolvimento
21:09
Distrofia Muscular de Duchenne, Síndrome C...
Prof Mara Ribeiro
1,116 views
▶ Duchenne Timeline wmv
5:43
▶ Duchenne Timeline wmv
Dystrophy Annihilation Research Trust
12,936 views
Ambiente embrionário influencia o DNA na fissura labiopalatina | Epigenética 7
10:32
Ambiente embrionário influencia o DNA na f...
genoma USP
363 views
🔴 QUAIS ATIVOS COMPRAR PARA SUA CARTEIRA HOJE? Com Apex Capital | Podcast Genial Analisa
1:00:42
🔴 QUAIS ATIVOS COMPRAR PARA SUA CARTEIRA ...
Genial Investimentos
5,568 views
How CRISPR lets us edit our DNA | Jennifer Doudna
15:54
How CRISPR lets us edit our DNA | Jennifer...
TED
1,823,246 views
Guilherme Chrispim - presidente da ABGD | Papo Solar #70
1:14:03
Guilherme Chrispim - presidente da ABGD | ...
Canal Solar
5,345 views
Distrofia Muscular de Duchenne (DMD)
9:42
Distrofia Muscular de Duchenne (DMD)
Dr. Caio Bruzaca - Médico Geneticista
1,574 views
Biologist Explains One Concept in 5 Levels of Difficulty - CRISPR | WIRED
16:53
Biologist Explains One Concept in 5 Levels...
WIRED
4,182,744 views
ADD/ADHD | What Is Attention Deficit Hyperactivity Disorder?
28:15
ADD/ADHD | What Is Attention Deficit Hyper...
Understood
9,654,181 views
Como é o programa de Residência de Cirurgia Geral no Hospital Albert Einstein | Vida de Residente
41:15
Como é o programa de Residência de Cirurgi...
Estratégia MED
10,437 views
A “vida secreta” dos folículos, | Reprodução em Pauta EP 05 PARTE 1 TP 01
29:18
A “vida secreta” dos folículos, | Reproduç...
Clínica Originare
9,502 views
Entrevista com André Lion, da Ibiuna Investimentos | Vozes do Mercado
59:50
Entrevista com André Lion, da Ibiuna Inves...
exame
12,832 views
Inside a Dyslexia Evaluation
20:44
Inside a Dyslexia Evaluation
Understood
916,223 views
Oxigenoterapia: sistemas de baixo fluxo e de alto fluxo
8:43
Oxigenoterapia: sistemas de baixo fluxo e ...
Leticia Campos Fisioterapia
28,459 views
Enxaqueca - Pergunte-me o que quiser (Episódio #1)
38:13
Enxaqueca - Pergunte-me o que quiser (Epis...
Alexandre Feldman
21,766 views
Oportunidades em ações para 2023, segundo a Encore Asset | Skin In The Game #37 com João Braga
1:04:13
Oportunidades em ações para 2023, segundo ...
Nord Research
19,382 views
Aula # 2 - As 7 chaves essenciais para a saúde mental dos seus filhos
1:50:34
Aula # 2 - As 7 chaves essenciais para a s...
Leo Fraiman
17,306 views
O que é Distrofia Muscular de Duchenne?
3:26
O que é Distrofia Muscular de Duchenne?
Dra Ana Escobar
44,023 views
Francisco Jardim, cofundador e sócio-diretor da SP Ventures | Transformação Digital no Agronegócio
33:55
Francisco Jardim, cofundador e sócio-diret...
Alfa
8,921 views
Copyright © 2025. Made with ♥ in London by YTScribe.com