Bandeirantes: heróis ou vilões?

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Paulo Rezzutti
Nós estamos acostumados a ver os bandeirantes como aqueles exploradores heroicos que saíram percorre...
Video Transcript:
[Música] Oi, pessoal! Tudo bem? Bem-vindo a mais um vídeo aqui no meu canal.
Nós estamos acostumados a ver os bandeirantes como aqueles exploradores heroicos que saíam percorrendo a mata desconhecida, enfrentando perigos inimagináveis para expandir as fronteiras e aumentar a grandeza do Brasil. Eles acabaram se tornando um símbolo do Estado de São Paulo, com famílias inteiras que se orgulham de descender deles. Mas será que os bandeirantes eram tudo isso mesmo?
Eles foram os heróis que ampliaram as fronteiras brasileiras ou os escravizadores dos povos nativos? Heróis ou vilões, ou tudo isso junto e misturado? Fiquem até o final do episódio para vocês terem a sua opinião a respeito.
Os bandeirantes estão muito associados a São Paulo, porque a maioria das suas jornadas começavam a partir dessa cidade. E tem um motivo para isso: ela foi uma das primeiras do Brasil a ser criada longe do mar. Já que no início todas as povoações eram fundadas ao longo do litoral, isso não quer dizer que o interior fosse vazio; ele já era habitado por milhões de pessoas integrantes de centenas de povos originários, alguns dos quais tinham negócios com os portugueses.
Havia até alguns europeus que já viviam entre os nativos. Um bom exemplo é João Ramalho, um português que não se sabe quando chegou ao Brasil e que acabou indo morar com os Tupinambás na aldeia de Piratininga. Essa aldeia ficava onde hoje está o ABC Paulista e era liderada por Tibirissá.
Ramalho acabou se casando com Bartira, uma das filhas do cacique, e foi fundamental para fazer o contato entre os Tupinambás e os portugueses de São Vicente, a primeira vila do Brasil no litoral paulista. Ele foi o responsável por guiar os seus compatriotas pelo caminho que os povos originários usavam para atravessar a Serra do Mar, que formava uma verdadeira muralha natural entre o mar e o planalto. A partir desse contato, Tibirissá se tornou um aliado dos portugueses e acabou ajudando os padres jesuítas a se instalarem no planalto, onde eles fundaram um colégio no alto de um morro em 25 de janeiro de 1554, que é considerado um marco da fundação da cidade de São Paulo.
Por causa dessa posição geográfica, longe do mar, no alto da serra, num lugar de difícil acesso, São Paulo acabou formando uma cultura própria que misturava costumes portugueses e indígenas. Embora a elite fosse constituída por homens brancos que tinham posses, os chamados homens bons que podiam votar e ser votados para a câmara, a vasta maioria da população era formada por mamelucos, filhos de brancos com nativas. Afinal, quase não existiam mulheres brancas na vila de São Paulo.
Não é à toa que os paulistas eram vistos como selvagens pelo restante da população branca do Brasil. Sabe aquela imagem que a gente tem dos bandeirantes usando roupas bem feitas, capas e botas altas? Isso é uma invenção.
Os paulistas costumavam se vestir com roupas rústicas, muitas vezes farrapos pelo uso, feitas com tecido fabricado na própria colônia. Por cima, eles usavam uma espécie de colete de couro acolchoado para se proteger das flechas e, muitas vezes, também usavam calças de couro feitas com pele de animais. Botas eram um artigo de luxo que poucos tinham, e eles andavam descalços, até mesmo ao viajar pela mata.
Isso era uma coisa que os distinguia dos colonos de outras regiões, que normalmente usavam botas. Até a forma de se comunicar dos paulistas era diferente, já que, com o passar do tempo, o idioma mais usado por eles foi a língua geral paulista, que era uma mistura do português com a língua falada pelos Tupinambás. Com essa identidade diferente, alcançada por estarem praticamente isolados, os paulistas se sentiam como um povo à parte do resto da colônia, muitas vezes ignorando até mesmo as ordens da coroa.
Não é à toa que, em 1599, o governador do Brasil, Francisco de Souza, resolveu dar uma chegada; ele saiu da Bahia para ir a São Paulo para ver o que estava acontecendo lá, ainda mais quando ele ouviu notícias de que havia sido encontrado ouro na região. Realmente, foi lá no Pico do Jaraguá, mas a quantidade não era absurda como depois aconteceu em Minas Gerais. Foi do Francisco quem patrocinou a primeira expedição que saiu de São Paulo.
Ela foi liderada por um fluminense chamado André de Leão e foi a primeira a ultrapassar a Serra da Mantiqueira e chegar ao território que hoje conhecemos como Minas Gerais. Embora tenha se destacado pelo tamanho, antes dela já tinham sido organizadas várias outras viagens para explorar o sertão, como ele era chamado, os territórios desconhecidos além do litoral. As primeiras foram realizadas já na década de 1530, por ordem de Martim Afonso de Souza, o donatário da capitania de São Paulo.
O próprio Dom Francisco já tinha financiado outras expedições saindo da Bahia e do Rio de Janeiro, visando explorar o interior do Brasil em nome da coroa espanhola, que dominava a colônia na época da união ibérica. Para os historiadores, essas jornadas financiadas pelos governos eram chamadas de entradas; já as organizadas por particulares ficaram conhecidas como bandeiras. Mas, na época, não existia essa diferença, tanto que a expedição de André de Leão era chamada de bandeira.
Mas de onde vem esse termo? Bandeira. Em 1570, durante o governo de Dom Sebastião, de quem eu já falei aqui no canal, foi criada uma lei para organizar as forças militares nas colônias portuguesas.
Nela, ficou estabelecido que, nas zonas rurais, os militares seriam organizados em um tipo de companhia chamada bandeira. Como as expedições para o sertão também eram organizadas em termos militares, com o tempo os paulistas começaram a chamá-las de bandeiras. Já o termo "bandeirante" é bem mais recente e só passou a ser usado no século XIX.
Na época, eles eram chamados geralmente de sertanistas. Viajar na época, especialmente nessas regiões, era uma aventura perigosíssima; o sertão era literalmente tudo mato, não havia caminhos e, ainda por cima. .
. O risco de ser atacados por onças ou indígenas hostis, afinal, não dava para saber quem eles iam encontrar. Então, por que os paulistas se lançaram nessas aventuras malucas?
Acontece que São Paulo era uma região muito pobre; mesmo quando foi descoberto o ouro, havia muito pouco. Então, toda a economia era baseada principalmente na lavoura de subsistência. Sair pelo Sertão era uma maneira de conseguir riqueza.
Havia um outro motivo que ajudava São Paulo a ser um ponto de partida ideal para explorar o sertão: o rio Tietê, que corta a cidade. Ele não corre diretamente para o litoral santista; ele vai se juntar a outros rios até desaguar no rio da Prata. Dessa forma, o Tietê, correndo para o interior, acabou se tornando um caminho natural para a exploração do Brasil.
A primeira das riquezas procuradas pelos sertanistas era, politicamente, incorreta até para a época; eles buscavam seres humanos para escravizar. A escravização de indígenas brasileiros era tão mal vista que foi proibida na época de Dom Sebastião. A única exceção era para os casos de guerra justa contra os nativos hostis que atacassem os colonizadores.
Só que os paulistas simplesmente ignoraram essa proibição. Nesse caso, os indígenas eram escravizados para trabalhar nas lavouras de São Paulo. Mais tarde, os paulistas passaram a vender esses seres humanos para os engenhos de açúcar no Nordeste, que eram grandes produtores de riqueza no Brasil.
Isso aconteceu a partir de 1580, quando teve início a União Ibérica entre Portugal e a Espanha. Como a Espanha vivia em conflito com outros países, esses inimigos começaram a atacar suas possessões, inclusive no Brasil. Como eu contei nesse episódio sobre a invasão holandesa, isso acabou interferindo no tráfico de escravizados africanos, que se tornaram caros.
Por isso, os engenhos voltaram a recorrer à mão de obra indígena. Como a demanda por indígenas escravizados estava aumentando, os bandeirantes pensaram em um modo mais fácil e rápido de conseguir capturar povos nativos aptos para o trabalho. No sul do país, havia uma grande reserva de indígenas "amansados", que é o termo que eles usavam na época para povos originários que já estavam habituados aos costumes e ao trabalho europeu.
Esses indígenas viviam nas missões jesuíticas. Como eu contei no episódio sobre as missões, os bandeirantes começaram a atacá-las e capturar os moradores que não estavam preparados para se defender. Em 1633, uma bandeira liderada por Manuel Preto e Antônio Raposo Tavares destruiu quase todas as missões e escravizou milhares de pessoas.
Essa é uma das maiores expedições registradas, que reuniu 2. 000 sertanistas. Uma coisa interessante é que os bandeirantes, em geral, são retratados como homens brancos, mas nessa expedição havia pelo menos 100 dessa etnia, contra 900 mamelucos; os restantes eram indígenas, a maioria deles escravizados.
Outros nativos se aliavam aos bandeirantes, especialmente se estavam atacando uma tribo rival. Para os povos originários, os homens não precisavam de muito convencimento para ir à guerra, à caça e para explorar territórios, porque todas essas atividades eram consideradas masculinas. Já a agricultura, que os escravizados indígenas eram obrigados a praticar pelos brancos, era vista como uma atividade feminina.
Por isso, os homens indígenas resistiam a isso. De todos os bandeirantes, Raposo Tavares é o mais famoso, por ter tomado parte de uma das bandeiras mais importantes e a mais longa registrada. Mas essa já era um outro tipo; era uma bandeira de prospecção, ou seja, explorar um território e encontrar riquezas como ouro, prata e pedras preciosas.
Essa expedição saiu de São Paulo e o objetivo era procurar minas de prata, o mineral que já vinha sendo explorado na parte espanhola do continente. Com 1. 200 pessoas, divididas em duas companhias, Tavares acompanhou o rio Tietê até o Paraná.
Dali, subiu o rio Paraguai até sua nascente, na Chapada dos Parecis, no atual Mato Grosso. No mesmo planalto, nasce outro rio, o Guaporé, que pertence à bacia amazônica. Então, eles desceram até a foz do rio Madeira e, de lá, chegaram até o Amazonas.
Quando alcançaram o forte de Gurupá, no Pará, a expedição inteira estava reduzida a apenas 59 homens e alguns poucos indígenas que não foram contados. Todos estavam devastados pela fome, pelas doenças e pelos ataques de animais e de indígenas. Se diz até que Tavares não foi reconhecido pela família quando conseguiu voltar para casa depois de uma viagem pelo litoral.
Essa bandeira percorreu mais de 10. 000 km e, embora não tenha descoberto prata, ele encontrou a ligação entre as bacias do rio da Prata com o Amazonas, e também o caminho para as famosas Minas de Prata do Peru. Além disso, aumentou o conhecimento que os portugueses tinham da região mais a oeste, garantindo a posse de áreas que ficavam para lá da linha estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas.
Eu expliquei sobre essa divisão entre Portugal e a Espanha no episódio sobre os Reis Católicos. Uma boa parte dessa região já tinha alguma ocupação portuguesa, principalmente de paulistas. Isso porque, durante a União Ibérica, não existia mais a divisão entre os dois territórios, então não havia por que tentar restringir os avanços.
Por onde os bandeirantes passavam, foram criando povoados para servir de local de pouso para os outros sertanistas. Alguns desses pousos deram origem a cidades que existem até hoje. Também foram nomeados rios, serras e campos por onde eles passaram.
Boa parte desses lugares recebeu nomes em Tupi, justamente porque o idioma principal deles era a língua geral. Outra bandeira famosa foi a de Fernão Dias Pais, membro de uma das mais importantes famílias paulistas da época. Ele participou da bandeira de Manuel Preto contra as missões e organizou várias outras expedições de apresamento de indígenas, até que um dia ele entrou em contato com umas pedras verdes que outros bandeirantes trouxeram.
Fernão Dias achou que se tratava de esmeraldas e conseguiu autorização para realizar uma grande bandeira em busca dessas pedras. Ele partiu em 1674 com cerca de 600 homens, dos quais apenas 40 eram brancos. Mamelucos e viajou para o leste, embora não se tenha muita certeza da rota.
Acredita-se que ele desceu o Vale do Paraíba e depois atravessou a Serra da Mantiqueira, que era um caminho já conhecido. Mais para frente, Dias fundou pousos de bandeirantes que deram origem a povoações. Ele adotou como base o povoado de Sumidouro, hoje no município de Pedro Leopoldo, que fica bem pertinho de Belo Horizonte.
Ali, ele plantou uma lavoura para sustentar o seu grupo. Dali, Dias passou a realizar expedições, algumas vezes seguindo os rios e outras se embrenhando na mata. Ele teve problemas tanto com indígenas locais quanto com seus próprios companheiros, que começaram a duvidar da sua liderança e até chegaram a abandoná-lo.
Afinal, os anos foram passando e nada de esmeraldas. Houve até uma conspiração contra ele, liderada por um dos seus filhos, José Dias Pais, que acabou sendo morto pelo próprio pai. Depois de sete anos, em 1681, Fernão Dias conseguiu um guia nativo que afirmava que poderia levá-lo até o lugar onde existiam as tais pedras verdes.
O bandeirante quase não podia acreditar quando conseguiu recolher mais de 100 pedras que ele tinha certeza que eram as lendárias esmeraldas. Imediatamente, Dias mandou um portador levá-las para São Paulo para serem analisadas e começou a fazer o caminho de volta para Sumidouro. Mas, durante a viagem, ele foi atacado por uma febre e acabou falecendo antes de chegar.
No fim das contas, as pedras eram turmalinas, que não são tão valiosas assim perto das esmeraldas. Mesmo assim, Fernão Dias acabou entrando para a história como o caçador das esmeraldas. Foi só no século XX que realmente se descobriram esmeraldas em Itabira, não muito longe de onde ele procurou.
Depois da morte de Fernão Dias, a maior parte dos bandeirantes da expedição voltou para São Paulo. Quem ficou para trás foi o genro dele, Manuel Borba Gato, mas não totalmente por sua vontade. Em 1682, o governo português decidiu mandar um administrador chamado Rodrigo de Castelo Branco para a região explorada por Dias.
Logo no começo da viagem, ele se encontrou com Borba Gato, que estava voltando para São Paulo e pediu ajuda a ele. No caminho, os dois se desentenderam, e o bandeirante acabou assassinando Castelo Branco. Borba Gato, obviamente, fugiu e passou os 16 anos seguintes no sertão que hoje conhecemos como Minas Gerais, explorando toda a parte do Rio das Velhas, o maior afluente do Rio São Francisco.
Foi junto a esse rio que o bandeirante encontrou o ouro na atual cidade de Sabará, e não era pouquinho; como em Jaraguá, era o suficiente para deixar muitos homens ricos durante gerações. Borba Gato tratou de mandar a notícia para São Paulo, prometendo compartilhar a localização das minas em troca do perdão pelo seu crime, e deu certo. Em 1698, ele não só foi perdoado, como ainda recebeu o posto de Tenente-General para administrar a área que passou a ser conhecida como Distrito das Minas, atual Minas Gerais.
Daí por diante, uma multidão de aventureiros começou a chegar à região para tentar enriquecer, dando início à primeira corrida do ouro do mundo. Muitos vinham do Nordeste, onde a produção de açúcar estava começando a decair. Esse monte de concorrentes irritou os paulistas, que se consideravam os legítimos proprietários da região das minas.
Afinal, eles é que tinham descoberto tudo. Lógico que em alguma hora isso ia acabar gerando confusão entre eles, o que aconteceu em 1708 com o começo da Guerra dos Emboabas. Como eu expliquei no episódio sobre esse conflito, emboaba é como os paulistas chamavam os forasteiros.
Os bandeirantes levaram a pior, e as minas passaram a ser controladas diretamente pela coroa portuguesa. Isso não desanimou os paulistas, que começaram a levar as bandeiras de prospecção para outras bandas, como Mato Grosso e Goiás. Foi para essa região que se dirigiram as expedições de outro bandeirante famoso, Bartolomeu Bueno da Silva, mais conhecido como Anhanguera.
Em 1682, ele organizou uma bandeira que atingiu o Rio Araguaia, no atual estado de Goiás. Conta-se que, durante essa exploração, ele encontrou alguns membros do povo goiá e que as mulheres deles estavam usando enfeites com chapas de ouro. Bueno tentou pressionar os nativos para saber se eles tinham conseguido metal, mas eles se recusaram a falar.
O bandeirante, então, colocou um pouco de aguardente numa tigela, dizendo que era água, e pôs fogo nela. Ele prometeu que faria isso com todas as fontes se eles não revelassem o segredo. Por causa disso, os indígenas acabaram apelidando-o de Anhanguera, que quer dizer "diabo velho".
Mais tarde, o filho dele, que tinha o mesmo nome, se tornou Capitão-Mor dessas terras e fundou a cidade de Goiás. Nem sempre as relações entre os bandeirantes e o poder eram tensas, o que leva a um outro tipo de bandeira: bandeira de contrato. Essas expedições eram aquelas contratadas por um governo local, geralmente de outra parte do Brasil, para ajudar com alguma coisa que eles precisavam.
Geralmente, isso envolvia combater indígenas hostis, como os Carijós, ou lutar contra quilombos. Dos paulistas que atuaram nesse tipo de bandeira, o mais famoso é Domingos Jorge Velho. Ainda jovem, ele ficou conhecido como um exímio caçador de indígenas, embora ele mesmo fosse mameluco.
Por causa dessa fama, em 1671, Velho foi contratado, junto com outros sertanistas, para combater os povos originários que impediam a colonização de várias áreas do Nordeste. E por "combater", entenda-se massacrar e escravizar. Essa campanha ficou conhecida como a Guerra dos Bárbaros.
Velho foi tão efetivo nesse trabalho macabro que acabou sendo convidado para liderar uma expedição para acabar com um problema muito maior para os governantes portugueses: o Quilombo dos Palmares. Esse foi o maior quilombo já registrado da história do Brasil; ele ficava na Serra da Barriga, entre Alagoas e Pernambuco, e era habitado por cerca de 20. 000 pessoas, a maioria escravizados africanos que fugiam.
dos seus senhores, mas também havia indígenas e brancos pobres. O maior problema não era nem a quantidade de africanos e descendentes que enxergavam Palmares como um refúgio contra a escravidão. O quilombo comercializava a sua produção com as vilas próximas e tinha se tornado tão próspero que acabou se tornando praticamente um estado separado da administração portuguesa dentro do Brasil.
Óbvio que isso começou a incomodar a coroa. Além disso, Palmares era bem protegido e contava até com armas de fogo, tanto que 18 expedições militares fracassaram em destruir o quilombo. Assim, o governo local decidiu contratar uma grande força militar de paulistas, sob a liderança de Velho, que exigiu como pagamento terras para ele e para os seus homens e 1/5 dos indígenas capturados no caminho.
Em 1649, ele marchou contra Palmares, iniciando uma verdadeira guerra que só terminou mais de um ano depois, quando Zumbi, o líder do quilombo, foi morto em 20 de novembro de 1695. A cabeça dele foi cortada e mandada para Recife. Depois disso, o quilombo foi se desfazendo e acabou desaparecendo.
Domingos Jorge Velho ainda comandou expedições contra os e outros povos originários que viviam na região do Maranhão, Ceará e Pernambuco. Ele acabou se instalando na Paraíba, onde começou a criar gado. Assim como ele, muitos outros bandeirantes que participaram dessas bandeiras de contrato acabaram se estabelecendo no Nordeste, nas terras que ganhavam em pagamento pela sua participação nessas expedições.
Hoje em dia, muitos dos nomes que eu falei aqui até agora são muito conhecidos pelos paulistas, por exemplo, batizando praças, ruas e rodovias como a dos Bandeirantes, Fernão Dias e Raposo Tavares, além da Anhanguera. Tanto a Raposo Tavares como a Anhanguera seguem mais ou menos o traçado que esses dois sertanistas percorreram em suas viagens mais importantes. Além disso, existem vários monumentos em memória aos bandeirantes, entre eles a horrorosa estátua do Barbagato em Santo Amaro e o monumento ao Anhanguera na Avenida Paulista.
A mais importante dessas homenagens é o monumento às bandeiras, uma grande escultura de Vitor Brecher que fica do lado de fora do Parque do Ibirapuera. Até o Palácio do Governo do Estado de São Paulo tem o nome de Palácio dos Bandeirantes. Mas de onde veio esse culto dos paulistas aos bandeirantes, esses desbravadores?
Eles passaram a representar a identidade dos paulistas, especialmente a partir do século XIX, quando São Paulo deixou de ser uma vila caipira onde Judas perdeu as botas e começou a ganhar importância política por causa da riqueza do café. Nesse contexto, a figura dos bandeirantes começou a ser exaltada como sendo os heróis que estenderam as fronteiras do Brasil e garantiram a unidade da nação. Esse processo se acelerou depois da proclamação da república, especialmente a partir de 1894.
Nesse ano, o paulista Prudente de Moraes se tornou o primeiro presidente civil do Brasil. Para tomar posse, Moraes saiu de Itu e passou pela cidade de São Paulo antes de ir para o Rio de Janeiro. Na ocasião, foi fundado, numa sala na Academia de Direito do Largo de São Francisco, na presença do primeiro presidente paulista, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que já nasceu com o objetivo de promover a relevância cultural e histórica desse estado.
A partir de então, os historiadores paulistas começaram a construir uma imagem mítica dos bandeirantes, deixando de lado aquela visão do século X de que eles eram um bando de selvagens. Entre os historiadores que ajudaram a desenvolver essa imagem estão Alfredo Isís Júnior, Washington Luís, que nem paulista era, mas fez toda a carreira dele no estado de São Paulo antes de se tornar presidente da república, e Afonso de Scanoni Toné. O Toné foi o segundo diretor do Museu Paulista, que é mais conhecido como Museu do Ipiranga, e ele foi o autor da história geral das bandeiras paulistas, uma obra em 11 volumes que se tornou a principal referência sobre os acontecimentos ligados aos bandeirantes.
Ele teve acesso a documentos da época guardados tanto no Brasil quanto em Portugal e na Espanha e foi um dos maiores defensores do papel dos paulistas na formação territorial brasileira. Já Isís Júnior foi responsável por criar a visão de que a identidade diferenciada dos paulistas, ou da raça planaltina, como ele chamava, os tornava superiores aos outros brasileiros. Para eles, o povo dos bandeirantes era uma raça de gigantes.
Essas ideias racialistas de que havia povos superiores a outros eram bem comuns desde o século XIX e ganharam mais força no começo do século XX. Hoje, é claro que tudo isso já foi derrubado pela ciência. Até por causa dessas ideias, tudo que os historiadores desse período não faziam era comentar a respeito das atrocidades cometidas pelos bandeirantes contra os povos originários.
Afinal, eles eram considerados por esses historiadores uma raça inferior que, segundo o entendimento de muitos, precisava ser eliminada para abrir espaço para os colonizadores que traziam a civilização, mesmo ao preço dessa suposta civilização ser a violência, o assassinato, etc. Até hoje, tem gente que justifica toda essa violência com a alegação de que eles foram cristianizados, como se um bando de canibais tivesse sido cristianizado pelos portugueses e pelos bandeirantes, como se todos os povos originários fossem canibais. O pessoal se apoia nessa falácia para justificar essa questão toda.
Com o fim da República Velha e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, essa mitificação dos bandits não acabou, muito pelo contrário. Os paulistas passaram a se agarrar a essa imagem idealizada de que sempre tinham sido um povo trabalhador que levava o progresso para o resto do país. Assim, eles buscavam demonstrar que o estado desde sempre levou o Brasil pra frente.
O auge dessa tradição inventada — todas as tradições são inventadas, essas também — foi o Quarto Centenário da cidade de São Paulo, comemorado em 1954, justamente quando foi inaugurado o monumento das bandeiras do Brecher, uma escultura de 11 m de altura e mais de 40 de comprimento que representa um grupo de. . .
Homens com dois cavalos à frente, que arrastam uma canoa, numa referência às viagens pelos rios, dois vão atrás, empurrando, o que levou ao apelido popular do monumento "Deixa que eu empurro". Também foi nessa época que surgiu o apelido "4 cão" para se referir às famílias mais antigas de São Paulo, que descendem dos bandeirantes. Mas, recentemente, essa visão idealizada começou a ser questionada, especialmente por causa da violência contra os indígenas e os negros.
Não por acaso, há um movimento questionando essas homenagens aos bandeirantes nas ruas de São Paulo. As vítimas mais famosas foram a estátua do Borba Gato, que foi incendiada por ativistas em 2021, e o próprio "Deixa que eu empurro", que recebeu um banho de tinta durante um protesto em 2013. E você, o que acha agora dos bandeirantes?
Eles foram grandes heróis da unidade brasileira ou um bando de assassinos movidos pela ganância? Ou um pouco de cada coisa? Eu acho que foi um pouco de cada coisa.
Minha opinião é que essa questão do cancelamento, de destruir as coisas, quando você cancela, você evita. Você dá a sua opinião final sobre algo; você fala que a sua opinião é que importa e que nada mais pode ser conversado ou dito a respeito daquela coisa. Eu acho que isso, dentro de uma democracia, não funciona.
Então, eu tenho receio dessa espécie de política cancelada que coloca um tampão em cima de algo que não deve mais ser falado, né? Então, a gente também não vai mais falar sobre o nazismo, não vai mais falar sobre um monte de coisa. Bom, pessoal, deixem aí embaixo suas opiniões; eu quero ouvi-las.
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