Vocês sabiam que o pintor Michelangelo era tão obcecado com aperfeiçoar sua arte que ele matou pessoas para estudar o corpo delas? Eu espero que não, porque o que eu acabei de falar é uma fofoca. E não é uma fofoca recente.
É uma fofoca do século XVI, que é quando Michelangelo ainda estava vivo. Michelangelo nunca matou ninguém, pelo menos até onde sabemos. Ele estudava a anatomia humana usando cadáveres, como os estudantes da anatomia fazem até hoje.
E Michelangelo não é nem de perto a única figura histórica cercada de fofocas. Catarina, a grande, a Czar-Russa, era cercada de fofocas sobre comportamentos bem desagradáveis por parte dela. Fofocas que talvez tenham sido inventadas pelo seu próprio filho, ou pelo menos isso que me mandaram no zap.
Até mesmo a morte da Catarina não livrou ela das fofocas. Ela teve um infarto, mas não é isso que você ouviria nas ruas da Rússia no século XVIII. Aqui você talvez pense que essas fofocas são frutos de inveja, ou de raiva, ou de outras motivações que não são nada nobres.
E você provavelmente está parcialmente correto. Mas tem mais nessa história. A fofoca talvez seja mais importante pra humanidade do que parece em um primeiro momento.
Fofocar talvez seja literalmente parte dos nossos genes. Então por que os seres humanos gostam tanto de fofocar? Vocês não vão acreditar.
O hábito de falar da vida dos outros pode ser tão antigo quanto a humanidade, e a razão pode ter a ver com sobrevivência. Como animais sociais que andam em grupos, humanos precisam trocar informação de forma eficiente para sobreviver. A mesma linguagem que pode alertar de perigo iminente ou ser usada para pedir ajuda ou comida de um companheiro também pode ser usada para fofocar.
As origens dos comportamentos que iriam virar fofoca datam de cerca de 1,8 milhões de anos atrás, quando o homerectus evoluiu um cérebro grande o suficiente para a criação de sociedades um pouco mais complexas. Sociedades mais complexas significam mais indivíduos envolvidos na comunidade, com papéis sociais mais diversos. Mais complexidade é mais informação, o que exige uma capacidade maior de linguagem.
E, por consequência, desenvolver um cérebro maior para ser capaz de entender e comunicar mais informação era uma vantagem evolutiva. É possível que o nosso cérebro e a nossa capacidade de comunicação tenham evoluído lado a lado para aumentar a capacidade de sobrevivência de comunidades humanas. Uma indicação disso é a importância do neocórtex na comunicação, que também é uma das regiões que apareceu mais recentemente no cérebro.
É por causa de um neocórtex grande que nós podemos escrever, fazer arte e contar histórias no melhor estilo homo sapiens sapiens. E memes. A gente não pode esquecer dos memes.
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Só que só vai durar esse mês, então se eu fosse você, eu não demorava. Clique na descrição, olha as regras e pega duas camisetas por esse preço incrível. Você já ouviu falar em catação?
E não se preocupe, eu não vou mandar vocês catar. Eu ainda tô falando sobre fofoca. Catação é a prática de afagar a pele ou os pelos e catar ectoparasitas.
Isso é muito comum entre diversos mamíferos, especialmente os primatas, como o macaco de Gibraltar. O antropólogo britânico e psicólogo evolucionista Robin Dunbar estabeleceu uma relação entre o hábito de catação entre primatas e o hábito de fofocar entre seres humanos. As duas atividades, de acordo com ele, geram pertencimento, conexão e prazer.
E aí tem um negócio muito curioso. Dentro desse mesmo estudo, do mesmo antropólogo, existe também um outro conceito que ficou conhecido como o número de Dunbar. Basicamente, o Dunbar argumenta que existe uma relação entre o tamanho do nosso cérebro e o tamanho do grupo com o qual nós nos relacionamos e mantemos contato frequente.
Assim, cada um de nós seria capaz de conhecer e se relacionar com até 150 pessoas. Ou seja, você ter mil seguidores no Instagram não significa nada e a sua vida é uma mentira. De acordo com o Dunbar, se um grupo tiver um número maior do que 150 integrantes, é improvável que dure muito tempo ou que ele seja coeso.
Ou seja, o seu cérebro não só evoluiu para fofocar e se comunicar, mas também existe um limite mental para o número de relacionamentos que você consegue manter. Nessa mesma linha, o Dunbar defende que o nosso círculo social mais próximo seria formado por apenas 5 pessoas. Entes queridos realmente queridos, seguido por sucessivas camadas de 15 bons amigos, 50 amigos, 150 contatos, 500 conhecidos e 1.
500 pessoas que você pode reconhecer em algum momento, mas que você não liga. Tô brincando, você pode talvez ligar, porque eu quetsonei essa parte. Só é importante lembrar que esses números representam médias, e não vão valer da mesma forma pra todo mundo.
Mas a ideia de existir um limite pra quanta informação social você consegue guardar faz muito sentido. Até porque ganhar e manter intimidade com alguém toma tempo. Provavelmente é por isso que ninguém responde as minhas mensagens no Whats e meus convites pra jogar Dota.
Se você tem mais de 150 amigos em alguma rede social, isso certamente envolve as camadas externas do seu círculo social, tipo os seus colegas de ensino médio com quem você não conversa há anos. Inclusive, oi Greg, você ainda não me devolveu aquele livro sobre como voltar a gravar podcasts. É importante apontar que existem discordâncias sobre o papel central da comunicação na evolução do cérebro humano.
Alguns pesquisadores atribuem o desenvolvimento do cérebro a outras funções, como controle motor fino, que inclusive vale um vídeo próprio. Clica em curtir se você gostaria de um vídeo sobre isso. Mas hoje nós estamos focando na hipótese do cérebro humano como uma ferramenta social.
E não é só o cérebro que afeta a sociedade. A sociedade em que você habita afeta como você pensa. E essa é justamente parte da função da fofoca.
Te dar as informações que você precisa para se conectar à sociedade. Por exemplo, com a internet as formas de socializar ganharam uma dimensão nova. Jovens que cresceram socializando na internet talvez sintam menos necessidade de proximidade física para construir intimidade.
A internet hoje fornece novas formas de se comunicar que humanos do passado não tinham acesso, mas mesmo com essas novas formas de comunicação, os humanos parecem usar a internet principalmente para manter o tipo de conexão que eles têm ou gostariam de ter fora da internet. A internet mudou como os humanos se comunicam, mas ela não mudou tanto assim com quem eles se comunicam ou sobre o que, mas existe uma coisa que está mudando com quem humanos se comunicam, inteligências artificiais, mais especificamente e as que geram textos. A inteligência artificial está tão bom em se passar por humanos via texto que existem aplicativos dedicados a permitir que você faça amizade com inteligências artificiais que você mesmo cria ou que replicam comportamento de celebridades ou personagens de ficção.
Existe até uma rede social single player, em que todo mundo é uma inteligência artificial menos você. As IAs inclusive até mandam um DM pra puxar papo. Essa é a primeira vez na história que humanos estão buscando conexão humana fora de humanos.
A única constante é que humanos ainda estão buscando conexões sociais, seja através de fofoca ou através de jogos online. Se a fofoca produz satisfação em humanos de forma análoga à catação nos primatas, então é fácil de compreender por que elas acontecem com tanta frequência, incluindo na internet. Humanos têm um desejo inato de socialização, conexão e informação, e a fofoca meio que preenche todos esses desejos.
Esse estudo apontou que a fofoca pode até mesmo controlar a ansiedade e o estresse ao elevar níveis de hormônio como a serotonina, que é conhecido como o hormônio da felicidade. Parece que a fofoca faz tão parte da natureza humana que a gente nem nota. Tem programas de rádio e TV dedicados só a fofocar.
Todos gostamos de histórias. E fofoca não é nada senão um tipo de história intimamente conectada com o nosso contexto. Não é só um hábito desagradável da sua vizinha.
Se a nossa curiosidade pelas outras pessoas fosse zero, nós não seríamos animais sociais. Nós não seríamos o que nós somos. Mas isso não quer dizer que fofocar só tem lados positivos.
Existem exemplos de fofocas estragando vidas e não são poucos. Para definir de forma mais precisa, fofoca sempre envolve falar sobre alguém que não esteja presente, seja o seu colega de trabalho que bebeu demais na festa da empresa ou a sua prima que engravidou. E até os dicionários deixam claro que o ato de fofocar não é exatamente bem visto.
O dicionário Oxford define fofoca como dito maldoso, mexerico, disse-me-disse. Esse último inclusive é o meu favorito. A origem mais provável da palavra fofoca é africana, nascida numa das línguas do grupo banto, que inclui o angolano e o congolês.
Fofoca vem de fuka, que significa revolver, remexer. E às vezes remexer na vida dos outros pode ter efeitos bem perversos e difíceis de prever. Inclusive o exemplo que eu tinha na cabeça pra dar aqui é tão pesado que eu tirei ele do vídeo.
Fofoquem nos comentários sobre qual caso vocês acham que era. Acontece que histórias, mesmo inventadas, acabam mexendo com a imaginação das pessoas, que muitas vezes querem porque querem achar um culpado para determinados acontecimentos da vida. Fofocas são tão poderosas que serviços de inteligência mundo afora já usaram fofocas e boatos como uma ferramenta para manchar a imagem de outros países.
Durante a Guerra Fria, a KGB comprovadamente espalhou que os Estados Unidos teriam criado vírus da AIDS, algo comprovadamente impossível. A mente humana gosta de encontrar respostas e padrões que explicam o que acontece no mundo a nosso redor e fofocas podem fornecer tanto as perguntas quanto as respostas que a nossa mente tanto gosta. E é por isso que uma história, mesmo mal contada, pode ser tão poderosa.
Se ela encaixar com o que nós já pensamos sobre o mundo, nós vamos acreditar na fofoca se não pensarmos duas vezes. E, spoiler, já é difícil pensar uma vez, imagina duas. O que nós pensamos sobre o mundo afeta como nós interpretamos o que acontece ao nosso redor, incluindo as fofocas que nós ouvimos e também acreditamos e espalhamos.
É natural focar no que nós consideremos importante e ignorar o resto, só que o nosso critério de importância não representa fielmente o mundo ao nosso redor. E a fofoca certa pode ser encaixada na nossa mente como uma chave abrindo uma fechadura. Boatos são extremamente poderosos para mudar o que e como nós pensamos.
E como consequência eles mudam como nós vemos e agimos no mundo. Tanto é que tem gente usando isso na internet para se dar bem de toda forma. A fake news talvez seja a evolução digital da fofoca.
Fake news foi eleita a palavra do ano em 2017 pelo Collins Dictionary. E em 2017 o uso do termo aumentou 365% em relação ao anterior. E a propagação de informações falsas costuma mirar em uma emoção especialmente forte em seres humanos.
O medo. É da natureza humana compartilhar coisas preocupantes ou interessantes. É daqui que surge a fofoca.
E mesmo quem não tem a intenção de espalhar uma mentira, pode acabar fazendo. Movido por sentimentos como ansiedade e preocupação por algo que nem sequer aconteceu. A mesma natureza humana que busca por conexão e socialização, acaba sendo explorada por terceiros que querem espalhar boatos por uma razão ou por outra.
Fofocas e boatos sempre tiveram um lado negativo, mas esse lado foi muito amplificado pela internet. Tecnologias de comunicação desfazem as fronteiras entre quem produz, quem consome e quem faz a mensagem circular, criando uma cadeia de compartilhamentos sistemáticos da desinformação. Se boatos de vizinhança já podiam machucar pessoas, às vezes boatos em escala global têm capacidades muito mais assustadoras.
Fofoca é algo tão poderoso que é uma arma de serviço de inteligência. E agora com a internet e inteligências artificiais capazes de gerar textos realistas, fabricar fofocas é mais fácil do que nunca. Você nem precisa mais de pessoas para espalhar a fofoca que você quer espalhar.
É só usar bots para operar milhares de perfis falsos em redes sociais. Inclusive as redes sociais já estão tendo que lidar com o fato que tem bots se passando por humanos para replicar essas fofocas. No livro Tratado Geral sobre a Fofoca, uma análise da desconfiança humana, o psiquiatra brasileiro José Ângelo Gaiarsa fez uma análise sociológica, filosófica e psicológica da fofoca.
Ele afirma que quando nós falamos de alguém, nós colocamos naquela pessoa uma expectativa que está dentro de nós. E em algum nível, a forma como nós percebemos o mundo reflete que tipo de histórias, mitos e fofocas nós carregamos dentro de nós. Histórias e fofocas mudam humanos.
E humanos mudam o mundo. Então fofocas meio que mudam o mundo. E agora nós estamos encarando um novo desafio.
Fofocas criadas artificialmente, usando inteligência artificial para convencer pessoas dessa fofoca. Uma das principais razões pelas quais pessoas acreditam em boatos na internet é porque essas pessoas acreditam que o boato veio de outro humano. Outro humano com preocupações e uma visão de mundo similar a dela.
Nós somos feitos para confiar nas preocupações uns dos outros. E na internet a curiosidade e preocupação natural do ser humano está sendo explorada. E isso é realmente preocupante.
A fofoca errada pode acabar machucando alguém mesmo sem você querer. Vale pensar duas vezes antes de sair fofocando. Especialmente informações que você só viu na internet.
Dizem que Sócrates, o filósofo, recomendava uma técnica para aplicarmos quando pensarmos em fofocar. São três perguntas. O assunto é verdade?
É bom para alguém? Ele é útil de alguma forma? Eu acredito que essa história que eu contei para vocês hoje tenha sido verdade, boa e útil.
Muito obrigado e até a próxima! Mentira! É sério que ele fez isso?