Os sentidos da Escritura

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Carlos Nougué Tomismo
Fundo-me neste vídeo em parte de um escrito meu, "O significado da frase 'Rasgou-se o véu do Templo'...
Video Transcript:
Mostra Santo Tomás, em sua Suma Teológica e artigo 10 da primeira questão da primeira parte, que o autor da Escritura é Deus. Mesmo para significar algo, Ele pode empregar não somente palavras — o que também nós, homens, podemos fazer — mas as próprias coisas. Só a Escritura tem como próprio que as coisas significadas pelas palavras também possam significar algo por si.
Então, a primeira significação, ou seja, aquela segundo a qual as palavras significam algo, constitui o sentido literal ou histórico das Escrituras. A significação pela qual as próprias coisas significadas pelas palavras designam, por sua vez, outras coisas é o que se chama sentido espiritual. Este segundo sentido, o sentido espiritual, se funda, se fundamenta no próprio sentido literal e o supõe; ou seja, o sentido literal é o principal.
O sentido espiritual subdivide-se, como diz São Paulo na Epístola aos Hebreus: a lei antiga é figura da lei nova, enquanto a lei nova é figura da Glória futura. Na lei nova, além disso, o que se cumpriu na cabeça — ou seja, em Cristo — é figura do que devemos fazer. Então, quando nas Escrituras as coisas da lei antiga, do Antigo Testamento, significam as da lei nova, tem-se o sentido chamado alegórico.
Quando, por outro lado, as coisas sucedidas com Cristo, ou naquilo mesmo que Cristo representa, são sinal do que havemos nós de fazer, tem-se então o sentido chamado moral. E, por fim, quando estas mesmas coisas significam as coisas da glória eterna, da vida eterna, então se tem o sentido chamado anagógico. Mas o sentido literal é justamente o sentido que o autor quer, sobretudo, significar.
E, como repito, o autor das Escrituras é Deus, que intelige, que entende simultaneamente, ao mesmo tempo, todas as coisas. Não há inconveniente algum em que, como diz Santo Agostinho, em um mesmo texto da Escritura se encontrem vários sentidos, além do sentido literal ou histórico, sempre, no entanto, ordenados a este mesmo sentido literal ou histórico. Mas, o que é literal?
O que é exatamente sentido literal? Literalmente falando, sentido literal quer dizer a letra, "A concase AD liter", em latim, ou seja, segundo a letra. Mas a letra também pode ser de alguma analogia de proporcionalidade imprópria, ou seja, de alguma metáfora ou de alguma figura aparentada, como metáfora, metonímia, símile, sinédoque, hipérbole etc.
É o que se chama sentido parabólico, que, como diz Santo Tomás no mesmo lugar, está contido sob o sentido literal, porque pelas palavras podemos significar algo em sentido próprio ou em sentido figurado. Neste último caso, o sentido literal não designa a própria figura, mas aquilo mesmo que ela figura ou representa. Então, quando as Escrituras falam do braço de Deus, o sentido literal não indica absolutamente que haja um membro corporal em Deus; indica o que é significado por este membro, ou seja, a virtude operativa divina.
E isto mostra, evidência que o sentido literal das Sagradas Escrituras, segundo São Tomás, não pode nunca padecer de nada, absolutamente nada falso. E de fato, se se excluem casos eventuais de defeito de cópia, como parece ser o caso do Apocalipse, quando se relacionam as tribos de Israel, "Né A Didan" não está ali; isto é muito provavelmente devido a um erro de cópia — coisa que explicarei em outro vídeo. Então, afora casos eventuais de defeito de cópia, as Sagradas Escrituras não podem conter erro algum, justamente porque Deus é seu autor; e, sendo Deus, é inerrante, enquanto o agora, ou escritor sagrado, não é senão o instrumento de que se vale Deus.
De modo, repito, inerrante, sem erro. Mas o dito — o que eu disse antes — deve prevenir-nos contra um exagero interpretativo, no qual nunca incorrem os Padres, nem Santo Tomás, nem muito menos o Magistério da Igreja. Que erro, esse exagero interpretativo, é este?
É o considerar que o sentido literal nunca pode ser metafórico e, assim, julgar que as palavras das Escrituras têm caráter de uma espécie de tratado científico, embora, claro, nenhuma conclusão científica possa contrabalançar a fé. Por quê? Porque Deus é o autor tanto da fé como da razão e é incapaz de contradizer-se a si mesmo.
Mas vejamos alguns exemplos. Embora o Gênesis contenha todos os principais caracteres metafísicos da criação do mundo, a saber: criação no tempo e de nada, exilo a partir de nada, a ordem mesma da criação, a culminação da criação no homem, no Gênesis, Deus, por instrumento do ágrafo Moisés, fale de imagens sensíveis. E isso é assim porque, como diz Santo Tomás de Aquino, como dizia São João Crisóstomo, como disse Leão XIII na Providentissimus Deus, o Gênesis foi escrito para um povo rude que, no entanto, precisava educar-se na fé para ser aquele povo, aquela carne, de onde nasceria o Messias.
É por essa razão que Santo Tomás de Aquino, ao tratar na mesma Suma Teológica dos dias da criação, suspende o juízo quanto ao número dos dias da criação e apenas expõe as diversas interpretações dos Padres. Hoje, autorizou-se, no São Pio X e na Comissão Bíblica, a considerar que os dias da criação sejam períodos indeterminados de tempo. Mostrar algo mediante imagens sensíveis não equivale a valer-se de erros, porque, em seu mesmo âmbito, e especialmente quanto a seu objeto próprio, o objeto próprio da visão é a cor, o da audição é o som, etc.
Então, os sentidos nunca se enganam essencialmente; os sentidos conhecem, de fato, claro que sensivelmente, embora não possam saber — saber é algo que é próprio do intelecto, não dos sentidos. Além disso, não há erro algum no dito em Jó 20:28, ou seja, que a víbora mata pela língua; trata-se de perfeita metáfora. Assim como não há erro algum em dizer que o grão ou semente da mostarda é a menor de todas; trata-se de hipérbole.
Repita-se no intento que não. . .
Haja que não há, nem pode haver, erro algum nas escrituras; isto, porém, não implica que estas tenham um caráter científico. Por outro lado, entretanto, não se conclua daí que, por exemplo, a cronologia das escrituras ou a idade longeva dos homens pré-diluvianos sejam, de algum modo, linguagem figurada. É como eu já disse em outro vídeo: o homem não pode estar na terra mais de cerca de 7.
000 a 8. 000 anos; e a longevidade dos pré-diluvianos pode explicar-se, segundo esta mesma razão, ou seja, pela idade do homem na terra e sua necessidade de procriação. Para que se confirme quão despropositado e indevido é dar exegese contrária à dada pela Igreja e pelos Padres da Igreja, eu vou ler aqui dois decretos dogmáticos sobre a interpretação das escrituras.
O primeiro é de Trento. O Concílio de Trento decreta também, com a finalidade de conter os ingênuos insolentes, que ninguém, confiando em sua própria sabedoria, se atreva a interpretar a Sagrada Escritura em coisas pertencentes à fé e aos costumes que visam à propagação da doutrina cristã, violando a Sagrada Escritura para apoiar suas próprias opiniões contra o sentido que lhe foi dado pela Santa Igreja Católica, da qual é de exclusividade determinar o verdadeiro sentido e interpretação das sagradas letras, nem contra o sublime consentimento dos Santos Padres da Igreja, ainda que, em nenhum tempo, se venham dar ao conhecimento tais interpretações. Isto foi na sessão quarta do Concílio de Trento.
Agora, é um decreto do Concílio Vaticano I: já que o salutar decreto dado pelo Concílio de Trento sobre a interpretação da Sagrada Escritura foi erradamente exposto por alguns, nós, o Concílio Vaticano I, renovando o mesmo decreto, declaramos que seu sentido é que, nas coisas de fé e de moral pertencentes à estrutura da doutrina cristã, deve ter-se por verdadeiro sentido da Sagrada Escritura aquele que foi e é mantido pela Santa Madre Igreja, a quem compete decidir quanto ao verdadeiro sentido e à interpretação da Sagrada Escritura. E que, por conseguinte, a ninguém é permitido interpretar a mesma Sagrada Escritura contrariamente a este sentido, nem contra o consenso unânime dos Santos Padres. Este é um dos decretos dogmáticos do Concílio Vaticano I, em seu capítulo 2.
Muito obrigado pela atenção e até nosso próximo vídeo.
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