Direção Espiritual: A Prudência

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Padre Paulo Ricardo
O que de tão especial possui a virtude da prudência que motivou Santo Tomás de Aquino a dizer que se...
Video Transcript:
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Inspirai, ó Senhor, as nossas ações e ajudai-nos a realizá-las, para que em vós comece e para vós termine tudo aquilo que fizermos.
Por Cristo Senhor Nosso. Amém. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Muito bem, estamos aqui para falar um pouco de direção espiritual.
Então, o problema que a gente mais encontra na questão de direção espiritual hoje em dia é exatamente o fato de que as pessoas não têm direção, ou seja, as pessoas não têm rumo na vida. Não têm uma finalidade clara na sua vida. E isso não é assim uma coisa, ah, porque pobrezinho do fulano, ele não teve uma formação adequada.
Não. É uma epidemia. Não é só o pobrezinho do fulano.
É uma epidemia. A Igreja como um todo parece que está doente com esta falta de direção. Por quê?
Bom, entre as várias coisas que a gente pode dizer é que existe nos tempos atuais uma imanentização do fim último da nossa vida. Explico essa palavra difícil: o que é imanente? Imanente quer dizer aqui neste mundo.
A imanentização da finalidade da minha vida, ou seja, a finalidade da vida humana como nós vimos quando nós tratamos da vocação, ela precisa estar fora desta vida, ou seja, a finalidade da história está na meta-história, a finalidade do mundo está fora do mundo, a finalidade desta vida está na vida eterna. Só que ninguém mais fala disso. Ninguém mais fala de vida eterna porque a vida eterna, por causa da acusação dos marxistas, tornou-se uma coisa alienante.
Falar de vida eterna e de céu é falar de alienação. Porém, esta falta de rumo de direção, de finalidade última destrói a vida espiritual como um todo e até mesmo as virtudes que você tenta colocar no lugar se tornam absolutamente malucas por falta de rumo, por falta de direção. Aqui está o problema e é por isso que nós precisamos tratar daquela virtude que põe as coisas em ordem.
A virtude da prudência. Deixa eu explicar pra você o que que esta palavrinha "prudência" tem a ver com o que eu acabei de falar pra vocês. A palavra prudência para nós hoje em dia, numa linguagem comum, popular, é uma espécie de cautela, uma espécie de esperteza, macaco velho que não põe mão em cumbuca fria.
Mas, não é isso. A prudência na tradição da filosofia perene, na filosofia de Santo Tomás de Aquino, a prudência é a virtude que dispõe os meios para alcançar o fim. Então, vejam só.
O ser humano, no seu agir, tem uma finalidade. Nos temos direção. Nós não somos como as vacas.
As vacas não têm finalidade. Para a vaca, quando amanhece, ela espera anoitecer, quando anoitece, ela espera amanhecer, ela não tem outra coisa para fazer da vida. Ela não tem uma meta, ela não tem um porquê.
Não tem ninguém esperando por ela. Para a vaca não existe um chamado, não existe uma vocação, não existe um para onde. Mas o agir humano tem isso.
E veja, você não precisa acreditar em mim. Olhe para dentro de você, dentro de você, você vê isso. Você tem sede, esta ânsia de uma finalidade, de uma realização.
Então, quando você escolhe o fim, você então começa a determinar os meios, os passos que você precisa dar para chegar lá. Agora, quando de repente, você está num ambiente de igreja em que ninguém mais fala do céu, ninguém mais fala "buscai primeiro o reino de Deus", o reino dos céus, na outra vida, quando ninguém mais diz "salva a tua alma", mas todo mundo diz "não, vamos trabalhar para fazer uma sociedade mais justa, um mundo melhor". Você compreende que mudou o fim?
Quando muda o fim, atenção, todo o edifício moral cai por terra, toda a espiritualidade cai por terra. Santo Tomás de Aquino é bastante radical nisso daqui. Quero ler pra vocês uma frase de Santo Tomás que se encontra na introdução escrita pelo Jean Lauand, professor da USP de São Paulo, fez esse livrinho que, na verdade, é uma introdução e notas, tradução, introdução e notas de Jean Lauand, "A prudência: a virtude da decisão certa".
é na verdade, são pequenos trechos da Suma Teológica, naquela parte que fala da prudência. Nós vamos daqui a pouco citar um dos artigos da Suma Teológica, mas na introdução dele,o Jean Lauand diz o seguinte: "Olha, para Tomás de Aquino, sem a prudência não há nenhuma virtude. " A coisa é grave, ou seja, se você não tem a virtude da prudência as outras virtudes nem sequer são virtudes e ele cita Santo Tomás numa frase chocante.
Olha o que ele diz, essa frase é tirada do Comentário às Sentenças: "Sem a prudência, as demais virtudes quando maiores fossem, mais dano causariam. " O negócio aqui é sério. Ou seja, ser casto: ótimo, mas se a sua finalidade última não é o céu, você não é casto.
A sua castidade não é virtude. É cosmético, não sei, é boas maneiras, é o que vc quiser, mas não é virtude de verdade. Vamos, assim, esclarecer.
Vamos supor que, ao invés de escolher o céu, você escolhesse que a finalidade de sua vida é ser rico. Então, muito bem, eu vou ser rico, essa é a finalidade da minha vida. É uma finalidade ridícula por quê?
Porque o dinheiro por si mesmo nunca pode ser finalidade de uma vida. O dinheiro, pela sua própria definição, ele é meio. Todo mundo quer dinheiro para alguma coisa.
Você quer dinheiro para comprar alguma coisa, para ter poder, para ter prazer, para ter sucesso, sei lá, alguma coisa motiva você a ter dinheiro, mas o dinheiro em si ele não pode ser finalidade. Ele é, por definição, meio. Então você resolve ser rico, aí porque você resolve ser rico, você diz assim, não, mulher dá trabalho, eu vou ter que depois dividir o dinheiro com ela, eu vou ter que deixar herança com os meus filhos, não quero mulher, eu vou ser celibatário, eu vou ser casto.
E você, de fato, então, se torna uma pessoa casta. Eu sou casto, mas porque eu quero ser rico. Esta castidade, meus senhores, não é virtude.
Se você colocou a finalidade errada, este ato, aparentemente virtuoso de você não ter relações sexuais, não pensa em mulher, não se masturba, não vê pornografia, nada disso, aparentemente você é uma pessoa virtuosa, casta, isso não é virtude. Isso é boas maneiras, isso é cosmético, isso é estética, isso é o que você quiser, por quê? Porque você não escolheu o fim verdadeiro.
A finalidade verdadeira. Então você compreende a tragédia espiritual que nós estamos vivendo na Igreja Católica. O silêncio a respeito do céu, o silêncio a respeito da salvação eterna, então, o sujeito chega para a direção espiritual, ele não quer ouvir falar de céu.
Não, padre, o seguinte, eu queria que o senhor me ajudasse aqui a resolver o problema com a minha mulher, porque aí a gente na nossa família, nós queremos ter uma família legal, nossa família precisa estar em harmonia. . .
Meu irmão, ou a família é um meio para você alcançar o reino dos céus ou então esqueça. É melhor viver como os bichos. Tá entendendo?
Porque você não está sendo humano no sentido pleno da palavra. Você não está realizando a virtude que você deveria ter. Então, sei lá, porque você é rico você resolve nunca mentir, você quer ser rico, mas você não quer enganar as pessoas porque você já viu outros ricos mentiram e se deram mal e perderam o dinheiro deles.
Então você vai ser uma pessoa sincera, você não vai mais falar mentira. Sincero. Você resolver ser honesto, aí você também resolve que não vai gastar o seu dinheiro em festas, em orgias, etc.
, você vai ser sóbrio, e assim por diante. . .
você pode por aqui as virtudes que você quiser, se você encontrou uma má finalidade, uma finalidade inadequada, você não vai ter a virtude. Então, Na Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino, nos diz na questão 47, artigo 13, a questão pergunta o seguinte: "pode haver prudência nos pecadores? " Então Santo Tomás responde assim e é muito importante pra nós porque isso resume um pouco a situação que nós estamos tentando explicar, ele diz: "A prudência pode ter sentidos".
A palavra prudência pode significar o seguinte: a prudência pode ser falsa. Uma prudência falsa é a prudência dos pecadores. O sujeito escolheu uma finalidade totalmente inadequada para a vida dele.
Ele escolheu como finalidade que ele vai fazer sexo. Entendeu? Então, a finalidade da vida dele é ser um Don Juan, um conquistador.
Então ele conquista muitas mulheres, etc e tal, então você pode usar a palavra prudência nesse sentido falso de que o cara é um bom conquistador, ele está conseguindo fazer as coisas, ele conquista as mulheres então ele é um ótimo sedutor. Ou então, você pode dizer nesse sentido que um sujeito é um bom ladrão, por quê? Porque ele consegue roubar bastante, que beleza!
É capaz de roubar bastante coisa, então, essa é a falsa prudência. Existe a prudência imperfeita. O que que é a prudência imperfeita?
A prudência imperfeita é aquela que uma pessoa escolheu uma finalidade que é boa, mas essa finalidade não é a finalidade última, a finalidade geral da vida dela. Ela é simplesmente uma finalidade de uma parte, de uma secção da vida, é uma finalidade seccionada, naquela área, então, vamos supor, aqui o sujeito que quer ser rico. Tudo bem, as pessoas podem querer ser ricas, ter dinheiro não é um problema.
O problema é o seguinte é que aquilo lá não é o fim último seu. Aquilo lá é um meio, você parou numa área, ou seja, você resolveu seu problema econômico, mas e as outras áreas de sua vida? Isso não é o fim último da sua vida.
Então essa é uma prudência, que você usou de prudência para ser rico, mas é a prudência imperfeita, porque você não escolheu a finalidade última. Esta é a epidemia. A epidemia atual é de prudência imperfeita.
Então Santo Tomás diz com toda clareza, uma prudência pode ser imperfeita por duas razões. Primeira, porque escolheu o fim inadequado. Veja só, vou ler aqui para vocês: "Primeiro, porque este bem que ela toma como fim não é o fim comum de toda vida humana, mas é de alguma coisa especial.
Por exemplo, Aquele que descobre os caminhos apropriados para o comércio ou navegar, é chamado de negociante ou marinheiro prudente. " Então ele escolheu um fim último, negociar, navegar, ser rico, construir uma sociedade melhor, ser um bom político, a transformação social, numa sociedade mais justa. Tudo isso são coisas boas, mas não é o fim último.
É um fim próximo. É um fim de uma parte, não é o fim do todo. Então, porque o fim é inadequado.
Fim parcial. A segunda razão pela qual a imprudência pode ser imperfeita, diz Santo Tomás é porque você comanda de forma ineficaz. "O segundo motivo é que falta aqui o ato principal da prudência.
É o caso daquele que delibera com acerto - ou seja, você escolheu o fim último, eu quero ir pro céu. Escolheu, que legal, parabéns, escolheu o fim último - é o caso daquele que delibera com acerto, julga exatamente, mesmo a respeito daquilo que concerne à vida inteira, mas não comanda eficazmente. " Ou seja, O preceito, esse mando, então, não há.
. . um é o fim parcial, a outra é que não comanda.
Pessoa é meio mole. Ela quer ir para o céu mas não tem pegada, tá entendendo? Não diz VOU!
Eu quero! E fica por aí. E, finalmente, nós temos então a prudência no sentido correto que é a prudência perfeita.
Santo Tomás de Aquino, ao comentar a prudência perfeita, diz assim: "A terceira prudência, verdadeira e perfeita, ao mesmo tempo, é aquela que delibera, julga e comanda retamente, em vista do fim bom da vida toda, esta somente é chamada prudência, de modo absoluto. " Essa prudência de quem escolheu o céu não pode se encontrar no pecador, diz Santo Tomás. Só a que se encontra no pecador é a falsa, porque você escolheu um fim falso.
Já a prudência imperfeita pode se encontrar tanto no pecador como no justo. "Quanto à prudência perfeita, ela é comum aos bons e aos maus, sobretudo aquela que imperfeita em razão do seu fim particular, pois a que é imperfeita por deficiência de ato principal também só se encontra nos maus", ou seja, quando nós, você, não tem a determinação, você não comanda, então isso daqui de certa forma torna você mau, mas pode ser que você tenha aí um fim parcial e isso faz com que você seja ainda uma pessoa boa. Bom, uma pessoa boa sim, porém, acontece que a sua vida, se você não tiver esse fim perfeito, último, todos os seus atos ficam fora do rumo, então, vejam só, nós vamos sentar para fazer direção espiritual.
Muito bem, você vem com, geralmente a pessoa que vem para fazer direção espiritual, ela vem com problemas específicos, ela vem com problemas que dizem respeito a isto aqui. . .
as finalidades mais próximas. As pessoas vêm com problema no casamento, as pessoas vem com problema de discernimento vocacional, as pessoas vem com um problema no emprego, um problema na faculdade, etc e tal, com a namorada, com o namorado, etc. Muito bem, mas se a gente só resolve topicamente aquilo ali, as virtudes, até mesmo as virtudes que a gente quer gerar, se você não tem o fim último que é o céu, a sua santidade, o servir a Deus, as virtudes que você dispõe não são verdadeiramente virtudes.
Então a prudência é importantíssima. Antes de nós concluirmos esta reflexão gostaria de acrescentar uma coisa, uma distinção importante que vocês podem encontrar no famoso livro do Padre Garrigou-Lagrange, "As três idades da vida interior", eu tenho aqui a edição italiana. Nós estamos aqui no volume 03, no capítulo VIII, ele diz assim: "A prudência e a vida interior" e ele distingue que é importante distinguir a prudência adquirida, da prudência infusa.
Qual é a diferença? Veja só. Bom, vamos colocar aqui.
Uma prudência verdadeira, uma pessoa que realmente é prudente, ele quando escolhe o fim último da sua vida, ele coloca como fim aquilo que se diz na filosofia clássica, o fim honesto, e não o fim útil. O fim útil, o que é? Ah, eu quero, sei lá, dinheiro ou eu quero o praze ou eu quero um carro, são todos fins úteis.
Mas se você coloca esses fins úteis como sendo o fim da sua vida, a sua vida não é prudente. Você precisa daqulo que é chamado fim honesto. O fim honesto é aquele fim da sua vida, a finalidade que você consegue alcançar.
Quando você pensa a respeito desse fim honesto a partir da sua razão, com a luz da razão humana, você então tem a virtude da prudência adquirida, a virtude humana. Essa virtude adquirida não é ruim, é importante, é necessária, porque, afinal das contas, nós somos seres humanos. Então você vai e incentiva, faz com que ela cresça, mas a razão não é a única fonte que nós temos de conhecimento para saber o nosso fim último.
Existe também a Revelação. Portanto, através das luzes da fé e da graça você consegue então enxergar melhor certas coisas, por exemplo: os filósofos como Aristóteles, Platão, etc. , todos eles conseguiram chegar ao fim honesto racional.
Este fim honesto racional se promove como? Aqui o Garrigou fala com toda clareza que as primeiras coisas que você procura pra ter um fim honesto e racional, uma pessoa na virtude da prudência humana é que ela seja humilde, casta, paciente, se ela tiver essas três coisas você vai vendo que ela vai sendo prudente no deliberar, no escolher as coisas, etc. Isso tudo faz parte da prudência.
veja, nós não estamos descartando isso, tudo isso é importante, só pra fazer link, aqui quando a gente fala de humilde, casto e paciente, está dizendo aqui que você tem que, na realidade, usar a sua inteligência para por em ordem os apetites. O apetite concupiscível com a castidade, o apetite irascível com a paciência e o apetite racional que é a vontade com a humildade. Os apetites ficam em ordem, ótimo, você consegue ser prudente, você está indo, não está decidindo as coisas de forma apaixonada, os cavalinhos não estão, digamos assim, fora das rédeas, mas isso não basta.
Quando você conhece a caridade, quando você conhece a Cruz de Cristo, o amor com que Deus nos amou, então você começa a ver que existe uma outra prudência, uma prudência que me diz que o meu fim último, a minha finalidade última não é somente aquilo que a minha razão alcança, mas um amor que a razão não alcançaria, mas que foi revelado e então, a partir da virtude da caridade a sua prudência vai crescendo de uma forma extraordinária. É a caridade dos santos, é a prudência dos santos, de tal forma que a prudência então se torna aqui, princípio de agir, de ação, enquanto a falsa prudência que a gente vê hoje em dia, faz com que as pessoas não decidam nada. Ah, não vou me meter nesse negócio aí não, isso aí vai dar bode, isso aí vai dar problema, vou ficar com o pé atrás.
Existe uma falsa prudência. Enquanto a verdadeira prudência, principalmente a prudência infusa que é iluminada pela fé que faz com que o meu coração, com que eu esteja vivendo em sintonia com a caridade com o amor de Cristo, essa prudência faz com que eu cada vez mais me doe, me entregue como os santos faziam, de tal forma que aos olhos humanos, certas coisas que os santos faziam pareciam imprudêntes, mas na verdade, era a verdadeira prudência, conforme Jesus disse: "Quem quiser se salvar, vai se perder, mas quem se perder por amor a mim, esse vai se salvar. " Essa é a verdadeira prudência.
Deus abençoe a você. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.
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