Documentário | Jornalista alemão experimenta vida na favela da Rocinha

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DW Brasil
Todo mundo acha que sabe algo sobre favelas, por exemplo, que são controladas por traficantes, que a...
Video Transcript:
Para mim, isto vai ser um experimento. Eu já fiz muitas reportagens em favelas no Brasil. Mas, desta vez, eu vou morar alguns  dias na maior favela do Rio de Janeiro.
Vamos ver como é morar aqui,  mesmo que seja só por alguns dias. O que eu vou ver do dia a dia, das  drogas, da violência, da criminalidade? Estamos entrando em ruas perigosas, onde drogas  são vendidas.
Por isso, precisamos prestar bastante atenção às regras: abaixar a câmera,  senão eles podem se irritar e perder o controle. Como a violência afeta  realmente a vida dos cidadãos? Para mim, o Rio é a cidade mais bonita  do mundo.
Eu vivo aqui há quase 5 anos como correspondente da ARD. O que notei desde o  primeiro dia é que aqui faz uma grande diferença se você é rico ou pobre. A desigualdade é  muito evidente.
Principalmente nas favelas. Já gravamos muitas vezes em favelas. Eu  sei como se vive ali, mas só de forma superficial.
Em geral, sempre ficamos pouco tempo  e logo vamos embora. Como é viver de fato numa comunidade e como os moradores se sentem?  Isso eu não sei e gostaria de descobrir.
Rocinha, a maior favela do Rio. Esse  é o meu endereço nos próximos dias. Uma coisa é certa: aqui não podemos andar sozinhos com a câmera na mão.
Eu preciso de um  guia que conheça as regras do jogo. Eu conheço o Vagner e o Marcelo de gravações  passadas. Eles conseguiram a permissão dos traficantes que controlam o local e agora  me explicam no que preciso prestar atenção.
É assim, que temos que baixar a câmera  algumas vezes? Não se pode filmar tudo, como falamos. Ou como é?
Sim, nem tudo. Dentro de qualquer  comunidade de bairro periférico, não só do Rio de Janeiro como do mundo  todo, existe isso. Mas eu tenho certeza que a gente vai conseguir, sim,  ter total liberdade para gravar.
A partir de agora, Vagner e  Marcelo são meu seguro de vida. Pelas estatísticas, um quinto da população do Rio mora numa favela, muitas vezes, porta  a porta com traficantes de drogas. Estima-se que 200.
000 pessoas morem aqui na  Rocinha. Mas ninguém sabe ao certo o número exato. Aqui é realmente extremo: há cheiros diferentes  por toda a parte.
Ali parecia fritura, aqui é carne grelhada e, lá atrás, era de esgoto  não tratado. Com este calor, é mesmo extremo. E de vez em quando volta o cheiro de maconha.
. . No alvoroço, um homem despertou minha  atenção: Adauto Aparecido Santana.
Parece que ele transporta  um monte de coisas por aqui. Adauto me disse que faz mudanças, transporta  material de construção e tudo mais que aparece. Eu estou no meio do escritório ao  ar livre dele, na rua principal da Rocinha.
Aqui eu considero como o meu escritório, onde eu fico esperando trabalho. Aqui  na entrada da Rua Um, a minha cadeirinha do lado do florista. Aqui que eu pego os  trabalhos para fazer dentro da comunidade.
Queremos acompanhá-lo, mas o caminho atravessa um ponto de venda de drogas. Antes de  seguir: instruções de segurança. Escutem, nossas gravações agora vão  ser em lugares.
. . a gente vai adentrar becos agora.
Quando a gente for entrar  num beco, deixa que eu vou na frente, está bem? Eu vou na frente e já vou avisando:  "galera, vai passar aqui uma câmera e tal, tal, tal. .
. " Se for retrucar, vai  retrucar comigo e eu vou falar com eles. Os olheiros dos traficantes já  nos notaram há um bom tempo.
Eles observam tudo o que acontece aqui  e passam adiante para deixar claro quem está entrando. Segurança aqui é o que não falta. E como reconhecê-los?
São aqueles que ficam parados por aqui, olhando,  vendo o que se passa, estão encostados nos postes. Os olheiros controlam se a polícia está  chegando ou outros visitantes indesejados. Após poucos metros, já  temos que desligar a câmera.
É perigoso demais. Passamos pelo posto de controle do Comando  Vermelho. De relance, vejo sujeitos fortemente armados.
Uma mesa com pequenos  pacotinhos contendo um pó branco: cocaína. Para mim, é algo ameaçador. Para Adauto,  isso faz parte dos trajetos diários.
E de repente, esta vista. Adauto, na Rocinha, você carrega essas coisas. Isso, para qualquer lugar do morro.
A Rocinha cresce a cada dia, ou não? Todo dia. Por quê?
Está perto de tudo para você trabalhar, entendeu?  O pessoal da Baixada prefere mudar para cá, porque está perto de tudo. A Zona  Sul que.
. . é padeiro, é para garçom, então todos preferem estar aqui no centro,  porque está perto de tudo.
Aqui você pega uma condução só. Na Baixada, às vezes, tem que  pegar três, quatro conduções para chegar aqui. E você também gosta de estar  aqui?
Ou, às vezes, você acha que tem muitas armas e que isso é uma  coisa ruim para você e sua família? Eu vou falar para você: na minha concepção,  eles vivem a vida deles e nós vivemos a nossa. Entendeu?
Desde que você ande certo é igual.  Andando certo, eles não entram no teu caminho. É tão simples assim?
Eu gostaria  de conversar com os traficantes. Mas primeiro temos que chegar ao nosso alojamento. Não é fácil pernoitar aqui.
Poucos têm espaço  para hospedar uma equipe de filmagens inteira. Vagner, nosso guia, encontrou uma  solução e ela fica embaixo deste bar. A mãe de Vagner aluga apartamentos. 
Ela liberou a própria casa para nós. Bom dia, bom dia, desculpe. Um  bom dia, como vai?
Tudo tranquilo? Esse aqui é o Matthias. É, perfeito.
O banheiro é lá? E tem o banheirinho. É, perfeito.
Ótimo. Tudo certinho. Sinta-se em casa.
Seja bem-vindo. É, muito obrigado. Estamos morando aqui agora.
No meio de tudo. Parece tranquilo, mas eu sei que na favela  isso pode mudar num instante. Em geral, quando a polícia do Rio investe  duro contra as facções criminosas.
Já estou no Brasil há quatro anos e nesse  tempo aconteceram as operações policiais mais violentas, com muitas mortes. E isso  não causou nenhum protesto da população. Julho de 2022: 19 mortos numa batida  policial no Complexo do Alemão.
Um total de 1. 327 cidadãos morreram por violência  policial no estado do Rio de Janeiro, em 2022. Também houve tiroteios na Rocinha.
Então, aqui a morte é parte do  dia a dia para algumas pessoas? Na verdade, viver na comunidade é viver  um dia de cada vez. Não sabes se tu vais estar vivo amanhã.
É que nem eu falo:  a gente está fazendo um trabalho, só que aqui a gente não sabe se vai estar bem,  ou se vai estar mal. Amanhã, se isso vai ter. .
. Por exemplo, a gente está conversando aqui  agora, pode vir uma bala de um lado e pum, pegar em alguém. Conheço um cara que morreu com  um tiro no peito, porque foi estender uma toalha.
Foi estender uma toalha e o cara tum. . .
matou.  E o BOPE, cara, o BOPE é um dos que mais mata. Percebo que há grande  desconfiança em relação à polícia.
E me pergunto: como é a segurança à noite? Marcelo e Vagner saem comigo. Parece que a vida noturna da Rocinha é lá  embaixo.
Na Via Ápia. Vamos ver, vamos descer! A esposa de Marcelo, Adriana, também veio junto.
Mas você, como mulher, se  sente segura aqui ou não? Sim, sim. Mas como?
Existem outros lugares mais perigosos. Onde? Centro da cidade.
No Rio? No Rio. Mas, por quê?
Por exemplo, se hoje eu for em Copacabana,  à noite, eu não me sinto segura. Por que ali e não aqui? Tem muito ladrão.
Aqui eu ando  tranquila e não vou ser assaltada, não corro o risco de ser estuprada  ou violentada de alguma forma. É bom saber. Eu percebi outra coisa.
Mesmo sendo comunidade. Mas é um lugar seguro. A  nível de estupro, assalto, violência, é tranquilo.
Eu pensei ao contrário. Não. Pensava.
Não. Hoje existem aqui bares badalados, frequentados por gente de todo o  Rio, inclusive dos bairros ricos. Em poucos minutos, Marcelo  e Adriana entram no clima.
Mas como é possível festejar com  criminosos a poucos metros de distância? Nós, como alemães, não podemos  imaginar como é a sensação de vocês ao morar porta a porta com alguém que faz  cocaína ou outra droga e vende isso. .
. Está me provocando. Não, ela quer falar, ela quer entender  isso: como é morar lado a lado?
É difícil falar disso para a gente.  Acho que a gente pode sempre falar do lado bom que a comunidade tem. Que é o que falei: 99,9% das pessoas que vivem aqui são  pessoas de bem.
Elas querem trabalhar, querem ter um futuro melhor. Eu convido os alemães  para virem aqui na Rocinha, para visitar e ver com seus próprios olhos como a comunidade é uma  comunidade receptiva e que abraça a todos. Eu gostaria de falar também com aqueles que detêm  o poder aqui.
Mas não é fácil chegar até eles. Vagner me leva até a porta do meu alojamento. Vamos ver se vou conseguir dormir.
Então, quando em algum momento música  lá do clube parou, devo dizer que ficou bem silencioso. Muito mais do que eu  pensava. Como agora, ótimo para dormir.
Você quer participar ali da Palavra do Senhor? Que coisa? É, a Palavra do Senhor!
Está  ali, todo mundo, você quer ir? Sim, vamos gravar isso em 30  segundos. Em 30 segundos vou passar.
. . .
no céu, na terra e debaixo da  terra. . .
Bom dia, seja bem-vindo! Metade da vizinhança está  rezando. Vagner e sua mãe também.
Eu estou de ressaca e, de  algum modo, impressionado com este culto religioso no meio da rua. Eu sei como é grande a expansão das igrejas evangélicas no Brasil, graças  a este tipo de trabalho missionário. A Rocinha - uma cidade dentro da cidade.
Muita coisa é improvisada. A maioria das casas são ilegais, mas de algum modo estão conectadas às  redes públicas. Se constrói onde há espaço.
Marcelo me conta que é comum 3 ou 4  famílias viverem sob o mesmo teto. Com vista para um dos bairros mais  ricos do Rio de Janeiro, bem ao lado. O que você acha quando vê ali as casas  de luxo, que foram feitas para poucos, enquanto aqui vivem 200.
000, provavelmente? É um contraste, como a gente fala,  muito grande. Ali existe um poder aquisitivo altíssimo.
E aí mostra como  a divisão do Brasil é totalmente errada. Por quê? É, a gente também pergunta o porquê, não é?
Porque  eu acho que, infelizmente, não são todos, claro, mas a corrupção no nosso país, ela traz hoje essa  desigualdade. Poucos com muito e muitos sem nada. Então você olha dentro de uma comunidade  e vê a precariedade no saneamento básico, na educação, na infraestrutura.
Na Rocinha, uma a cada quatro famílias  vive na extrema pobreza. Isto é: com menos de 100 reais por pessoa ao mês. No bairro rico ao lado, muitos  moradores são milionários.
A desigualdade é ainda mais  evidente quando se olha a idade: Na Rocinha, as pessoas vivem  em média 52 anos. Ao lado, no bairro nobre de São  Conrado, a média é de 75 anos. Voltando para Adauto.
Ele conseguiu  um novo serviço. Uma mudança. Daqui de baixo até o alto do morro, na rua principal.
Adauto é do interior do Brasil. Ele veio  para a Rocinha aos 19 anos e trabalhou duro até se tornar proprietário da empresa  de transportes mais importante da favela. Ele ganha por mês cerca de 3.
800 reais.  Quase três vezes mais que o salário mínimo, que constitui a renda básica  de muitos moradores da Rocinha. Adauto, você sabe quantos quilômetros  você faz a cada dia, trabalhando?
Mais ou menos uns 50 km. Uns 50. Porque tem  vezes que nós subimos o material lá para cima: cada metro de material é 26  sacos.
Então são 13 viagens. 13 viagens andando mais ou menos  1 km. Então, cada viagem é 1 km.
E você está orgulhoso, você gosta  do trabalho que faz na Rocinha? Gosto. gosto.
Porque tudo que eu tenho eu  consegui nisso. O que eu tenho consegui nisso, trabalhando assim, entendeu? Tenho uma  casa, tenho uma loja, tenho três quitinetes.
Um trabalho pesado. O de sua esposa, Josiane, é mais delicado.  Ela tem um salão de beleza ambulante.
Primeiro porque é uma área que a  pessoa vai ter dinheiro sempre. Todas as crises mundiais que têm, a  área da beleza continua lá, entendeu? Mulher não deixa de se cuidar.
Não deixa de se cuidar, que é o caso  de Fabiana. Fabiana é toda vaidosa, ela faz o cabelo, faz sobrancelha. É importante para você?
Ah, é. Porque a gente cuidar  da beleza é fundamental. Aqui as meninas são muito vaidosas.
Adoram salão, fazer unha, cabelo. É verdade, na  Rocinha, as meninas são muito vaidosas. Estamos no início do mês.
Como muitos outros, Bianca Ferreira está indo  receber o auxílio social. O pagamento é feito na lotérica. Ela recebe 600 reais por mês.
Como seria viver sem isso, sem o apoio do Estado. É uma coisa importante para você  e para muitos moradores também? Sim é.
Ajuda muito a gente isso  aqui. Porque. .
. não ajuda o mês todo, mas dá para segurar. Devagarzinho,  devagarzinho.
. . Comprar um pouquinho de coisas, de pouquinho em pouquinho.
. .  É o que dá, porque as coisas estão caras.
O auxílio social foi aumentado durante  a campanha eleitoral em 2022. Porém, para ela, o dinheiro só dura até a metade do mês. É por isso que eu ando tudo.
Vou  ali onde estiver mais barato. Ali está R$ 10,00. .
. eu vou ali que está  R$ 5,00. Andar mais um pouquinho que acha.
Porque um vende a um preço,  outro vende a um outro. Eu ando para lá e para cá e eu acho. Entendeu?
Por exemplo, lá em cima a sandália é R$ 20,00. Aqui é R$ 10,00. Lá eu  compro uma, aqui eu compro duas.
Bianca mora aqui com seus dois  filhos: João Miguel e Maria Eduarda. Cozinha, banheiro e um quarto,  tudo em 15 metros quadrados. Carne só tem raramente.
O aluguel  consome metade do auxílio social. Vamos desligar o telefone para almoçar.  Eu faço assim: eu vou ali e peço se alguém quer um favor.
Sento ali e, às vezes,  a pessoa já me vê e já sabe que eu vou mesmo, aí um me dá R$ 5,00, outro me dá R$ 10,00. . . 
aí eu compro já para de tarde. Porque como eles vão para a escola, eu não me preocupo  muito com o almoço. Porque eu, tipo assim.
. . Eles comem na escola?
Eles comem. Eles almoçam. Às vezes, eu  não tenho nada aqui e vai para a escola para almoçar mesmo, também.
Porque eu  já sei que pelo menos no almoço estão alimentados. Aí eu vou correndo atrás da janta. E você?
Eu, às vezes, não como. Eu, assim. .
. tem vezes. .
.  quando tem, tem. Quando não tem, não como.
Eu fico muito triste. Já chorei. Eu já chorei. 
Aqui mesmo. Recente que a gente está aqui, mas eu já chorei. Porque eu não tinha.
. . Pensar: eles vão chegar da escola e não tem nada. 
"Mãe, não tem um Danone? . .
. Mãe, não tem. .
. " E eu, sabe, chorar, porque não tinha.  E eu baixava a cabeça e falava: meu Deus, me desampara não.
. . Entendeu? 
Mas, no outro dia, Deus me dava. . .
ai, chego a me emocionar, porque são coisas que  eu passei. Eu não tenho vergonha de dizer, mas Deus me levantou. Sempre.
Eu  caio, caio, mas Deus me levanta. A filha de Bianca, Maria Eduarda, me  leva até sua escola. Todos os dias, o ônibus atravessa um dos  bairros mais ricos do Rio.
Os filhos dos ricos frequentam  escolas particulares e caras, as crianças da favela estudam em escolas públicas. Elas têm uma má reputação no Brasil. A educação pública é subfinanciada.
Não tem muita educação. E também não tem muita, como se fala, organização. Para fazer alguma  coisa, eles não têm muita organização.
Não tem televisores ou materiais? Às vezes, não tem. Sim, como o material de música. 
A professora de música não tem os materiais. Não tem os instrumentos? Ela não tem instrumentos.
Ela tem um livro e só. As escolas públicas não dispõem de muitas  TVs ou computadores. Os professores são mal remunerados e atendem geralmente  turmas grandes, com mais de 40 alunos.
É um ciclo que se repete, porque  aqueles que estão na base da pirâmide, sempre vão ficar na base da pirâmide,  não é? E aí, no final das contas, os alunos sempre vão passar por uma situação  de subjugados, de empregados. Eles nunca vão alçar um lugar melhor.
Infelizmente,  não existe uma formação adequada. Nunca ouvi isto de forma tão clara: para  quem vive aqui, como Bianca e seus filhos, as chances de ascensão social são menores. E isso se deve também às estruturas.
Não é surpresa que gangues e o mundo do  crime sejam tão atraentes para muitos. No Rio, várias facções criminosas  lutam pelo poder. As duas principais são o Comando Vermelho e o Terceiro  Comando, como se apresentam na internet.
Como pensam aqueles que mandam aqui? Recebemos um telefonema. Parece que podemos encontrar  um membro de uma facção.
Não na Rocinha, mas em outra  favela, na zona norte do Rio. Temos uma pessoa de contato que queremos  encontrar. Ele disse que podemos entrevistar um integrante de uma quadrilha de traficantes.
Não  sabemos se vai funcionar. Foi muito espontâneo. Vamos ver se vai dar certo.
Houve tiroteios  por lá há alguns dias. A questão é: é seguro e eles não vão dar para trás? É  sempre muito difícil prever.
Numa estrada, encontramos nossos contatos. Nós os conhecemos de gravações passadas.  Eles não querem ser reconhecidos.
Seguimos juntos. Para onde, exatamente, não podemos  mostrar. Isso nos colocaria em perigo.
Agora vamos entrar, desligue a câmera, por favor! Vai Matthias, vai, vai. Bom dia.
Matthias. E aí? Pode entrar.
Pode ficar à vontade. . .
Está bom lá? Mas. .
. Aqui, aqui. Senta aí.
Carlos é como devemos chamá-lo. Ele é membro  da maior facção do Rio, o Comando Vermelho, que atualmente também controla a Rocinha. Bom, podemos falar um pouco sobre a sua  biografia.
Como foi o começo? Para entender, para que na Alemanha se entenda. Foi também  por necessidade ou por que começou com 15 anos?
Para ajudar minha coroa. Como eu te falei, ela  era sozinha. Era eu, ela e meus irmãos.
Faltava bagulho dentro de casa também,  faltava comida para nós. Meus irmãos, pequenos. Tive que entrar para essa vida mesmo. 
Única forma de ganhar dinheiro era aqui dentro. E como é o seu dia a dia como  soldado do tráfico? Como é, para que na Alemanha se entenda  isso, como funciona o dia a dia?
5 horas sai a paz, 5 horas da manhã. Vai  ficar na atividade, ver se eles entram ou não. A polícia só entra nessas horas assim, como  eu te falei, quando o povo vai para trabalhar, tá entendendo?
Se eles entrarem na  madrugada a gente desce para cima deles. Você tem horário? Como funciona esse  trabalho?
A remuneração, o dinheiro? Tem o plantão, né. .
. 7 da noite às sete da  manhã. Pego às 7 da noite para deixar mais fortão ainda o paizão aí.
Tá ligado?  Ele não deixa faltar nada. Se precisar de trabalho é só chegar num mano, qualquer  bagulho é só ir nele que ele vai fortalecer, tá ligado?
Remédio, bagulho aí que é para  melhoria da favela, ele vai fortalecer. Que nem o que passa na mídia aí, passa no  jornal: não conta o lado bom da favela, só conta o lado incômodo, da violência.  Ele faz melhorias para os moradores aí.
Eu lembro que nos últimos 2 anos teve umas três  operações da polícia, chacinas muito fortes, com muitos mortos, não? No Complexo,  no Jacarezinho e no Cruzeiro também. Como você percebe isso, essa brutalidade  que aconteceu?
Como você explica isso? Isso aí só cresce o ódio, cada dia mais. Morre  um, nasce outro.
. . e vai indo.
Morreu um aqui agora. Aqueles ali se revoltam ali,  que já foram parceiros de um menor. Se revolta e acaba entrando, querendo vingança. 
Tá ligado? Sempre é assim. Sempre tem um motivo para tu entrar.
Então, a gente perde alguém  especial da família e acaba se envolvendo. E você, depois de uma chacina destas, com mortos, com amigos mortos. Como vocês seguem o dia a  dia?
Me parece difícil seguir em frente, não? É foda, né? E você tem medo, às vezes?
Ou  nunca? Porque é impossível. .
. Já perdi o medo já. Tenho mais nada a  perder.
Acostumei já com as noites aí. Carlos tem 22 anos. Ele começou  como olheiro aos 15 anos.
E se as pessoas falam que vocês são  criminosos, você se sente como um criminoso? Nós somos criminosos, nós estamos no  crime, mas é crime? Tá ligado?
Mas para os moradores aí nós somos heróis. A  gente garante a segurança deles. Não pode nem ter assalto na favela.
Lá na Zona  Sul, nessas áreas é que tem assalto, mas vai roubar aqui na favela pra tu ver?  Ninguém rouba não. Só maluco mesmo é que rouba.
E você já teve que matar alguém  ou isso ainda não aconteceu? Ainda não. Não achei os caras certos não.
É uma situação estranha. Como  se despedir de um criminoso? Avançamos uns 200 metros favela adentro e,  de repente, à nossa frente, alguém tirou do chão uma viga enorme, de uns dois metros,  para que pudéssemos passar.
É uma barreira para impedir a entrada dos policiais. Logo fomos  rodeados por homens armados, super agressivos, queriam saber o que queríamos. Tivemos que descer  do carro.
Estávamos no meio de um cruzamento, tinha vendedores, automóveis, uma confusão. . . 
Num instante viramos o centro das atenções, especialmente dos criminosos. Tivemos que nos  justificar e explicar o que fazíamos ali, foi um clima muito pesado. Naquele momento, não sabia  se daria certo, se íamos realmente conseguir.
Quem faz algo para impedir que jovens  e crianças entrem para as quadrilhas? O Estado é praticamente ausente na favela. Reencontro Maria Eduarda e vamos juntos à praia.
Você tem um sonho? O que você  sonha estudar e trabalhar? Quero ser médica, fazer medicina.
. . medicina  geral, fazer um pouco de tudo.
E depois eu quero montar o meu próprio hospital. Uma clínica? Sim.
De que? Uma clínica de cirurgias para  as pessoas que precisarem. Vai dar certo.
Os alunos de surfe são quase todos da Rocinha.  As aulas são gratuitas e várias vezes por semana. O projeto é financiado por doações  de particulares, ONGs e empresas.
Uma sensação muito boa. Sentir  mesmo como é que é. Porque na televisão, a gente vê e acha que é fácil.
Mas  não, tem que ter muito esforço e concentração. E por que você está batendo o queixo? Frio.
O instrutor de surfe, Ricardo Bocão,  quer dar às crianças algo para fazer. E tirá-las por algumas horas da  agitação e do barulho das ruas. Quando você entra no mar, parece  que.
. . eu não sei explicar direito, mas parece que você tem outra vida. 
Você deixa a sua vida pessoal fora e entra. E é uma coisa assim, que seus  problemas, essas coisas. .
. tudo passa. Desde 1989, Ricardo dá aulas de surfe para as  crianças da favela.
Ele me disse que fez muita coisa errada quando era adolescente.  Teve muitos problemas com a polícia. Você sabe o que transformou a minha vida? 
O surfe. O surfe transformou minha vida. Se você prestar atenção, vamos fazer dois  segundos de silêncio só para ouvir o mar.
. . Viu?
Existe uma comunicação. Essa é  a maior fonte de energia que existe no mundo. Essa é a mãe natureza. 
Então, quando a pessoa mergulha ali, ela pode estar do jeito que for,  ela já sai de outra forma. Então, esse poder salvou a minha vida. É isso que eu  estou repassando agora para as próximas gerações.
O que mais ajuda as pessoas a seguirem em frente? Um culto no canto mais distante da Rocinha,  transmitido ao vivo para todo o mundo. Foi Adauto quem me convidou para vir.
No caminho, me deparei novamente com a brutal realidade. Tivemos que passar  pelo posto de controle dos traficantes. O pulso acelera.
O absurdo é que as crianças  estão jogando bola na rua e cinco metros adiante tem seis, oito sujeitos com  verdadeiras armas de guerra na mão. Com isto eu não consigo lidar, este enorme  contraste: crianças brincando e gente armada. A esposa de Adauto, Josiane, e dois  dos seus três filhos também estão aqui.
Não sou muito religioso, mas a devoção  dos participantes me deixa impressionado. Eu frequentava a igreja com a  minha avó, quando eu tinha nove, sete anos. Então ali Deus plantou a semente,  para chegar num certo momento da minha vida.
. . que eu cheguei no fundo do poço.
Morei na  rua, entendeu? Bebia dois litros de cachaça, usava toda droga que tinha no dia, entendeu?  Meu armário não tinha nada para comer.
Então, eu acho que aquela semente que foi plantada lá  atrás, chegou uma hora que eu estava lá embaixo, que não tinha mais como sair, Deus foi  lá e me tirou. Na minha concepção de fé. As carismáticas igrejas evangélicas  se propagaram com força por todo o Brasil.
Em breve, vão ultrapassar os  católicos como principal religião do país. Elas estão se tornando cada vez mais  um fator de poder. Alguns pastores construíram verdadeiros impérios religiosos,  mantendo excelentes relações com a política.
Graças a Deus eu tenho meus exemplos de pessoas  que hoje em dia são obreiros, estão convertidos, graças a Deus. Tem um monte, muitas pessoas  que Deus já trabalhou através do evangelismo, dos servos dele, assim como eu e o  irmão Adauto, levando a palavra. E, graças a Deus, continua operando milagre aqui  nessa comunidade, graças a Deus.
Deus é fiel. Tem resgatado muitas almas através dos  servos dele. Porque a Bíblia diz: "Ide por todo o mundo pregar o Evangelho a toda  criatura.
" E é o que nós estamos fazendo. E não é raro que os traficantes também  sejam salvos. Aqui eles são perdoados.
Pois quem louva a Deus deve ser  recompensado, e já aqui e agora. Todas as noites, a sala da quitinete  de Bianca vira o quarto de dormir para toda a família. Às vezes, como  ela me disse, chove dentro de casa.
Eu imagino que eles não vão querer a vida  que eu tenho. Porque eles falam: "Mãe, quando eu crescer, eu vou trabalhar, arrumar  uma casa, para você não trabalhar pra ninguém. " Eles falam.
Entendeu? Aí isso me dói. Aí me  dá mais força para eu poder lutar por eles.
Entendeu? Para amanhã ou depois, eles serem uma  pessoa melhor do que eu. Ter um futuro melhor.
Isso é possível? É possível. Se quiser, vai.
Eu só não fui por  causa da minha vista. Aí eu não tive condições de comprar óculos. .
. aí, parou. Minha avó  morreu, meu avô.
. . então, fiquei sozinha.
Minha estadia na Rocinha está chegando ao fim. Na última noite, há uma  pequena festa na vizinhança. Com certeza, não vou conseguir tirar da cabeça  esta convivência diária com a violência.
Ela não é sempre visível, mas está sempre presente. Assim como a solidariedade e esta força e leveza como eles levam a vida aqui. Aprendi muito sobre a vida aqui. 
Conheci muita gente super interessante, algumas que trabalham desde manhã cedo  até tarde da noite. E sim, é caótico, mas tudo bem. Considerando que, pelo menos no  dia a dia, as pessoas se tratam com respeito, está tudo bem.
Mas claro, como seria viver  alguns anos aqui? Não faço a menor ideia.
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