Uma pobre mãe solteira enviou por engano uma mensagem de texto para um bilionário pedindo dinheiro. E o que ele fez a deixou em lágrimas. Maria Eduarda estava sentada no chão da cozinha com a cabeça encostada na geladeira velha que fazia um barulho irritante. A bebê dela, a pequena Sofia, dormia num colchão no canto da sala, enrolada num cobertor gasto que ela tinha ganhado da vizinha. Aquela noite estava sendo uma das piores. Fazia mais de dois dias que Maria só comia um pedaço de pão pela manhã e café puro para aguentar o resto do dia. Sofia
ainda mamava, mas o leite que Maria tinha já não estava dando conta. Ela tinha tentado amamentar mais cedo e a menina chorou de fome depois. Aquilo quebrou ela por dentro. Com o celular na mão, Maria ficou olhando pro visor, sem coragem de apertar o botão de enviar. Tava escrevendo uma mensagem para uma amiga que morava longe pedindo ajuda. Era só R$ 200, mas para ela naquele momento era como pedir 1 milhão. Oi, amiga. Me perdoa te incomodar com isso, mas tô desesperada. Tô sem leite, sem fralda, sem nada. Sofia tá com febre. Será que você
consegue me emprestar R$ 200? Eu te pago assim que conseguir algo. Ela leu aquilo umas 10 vezes. O coração batia acelerado, um pouco de vergonha, um pouco de medo da resposta. Sem olhar direito, apertou enviar. Na mesma hora, sentiu um arrependimento subir no peito, mas já tinha ido. Ficou esperando o visto aparecer, só que nada. A bolinha nem azul ficou. achou estranho. Clicou no número que estava na parte de cima da conversa e percebeu que não era a amiga. Ela tinha mandado a mensagem para um número desconhecido. Fechou os olhos e suspirou. Merda! Falou baixinho.
Pensou em apagar a mensagem, mas já era tarde. Dois minutos depois, o número respondeu: "Quem é você?" Ela gelou. Não sabia se respondia, se bloqueava, se fingia que nada aconteceu, mas o desespero falou mais alto. Desculpa, mandei errado. Tô passando por um momento difícil, foi engano. A pessoa respondeu de novo. Você tá pedindo dinheiro para quem? Maria hesitou, ficou alguns segundos encarando a tela, depois mandou. Era para uma amiga, mas tá tudo bem. Desculpa de novo, esquece isso. O celular ficou em silêncio por uns 15 minutos. Nesse tempo, ela ficou mexendo na colher dentro de
uma xícara vazia. Quando o barulho da notificação tocou, ela se assustou. "Você tem como provar que essa história é real?" Ela travou. pensou em não responder mais, mas aí olhou paraa Sofia, que se mexia no colchão, e sentiu um peso no peito. Abriu a câmera do celular, tirou uma foto da bebê dormindo com as bochechas coradas pela febre, pegou o papel da farmácia que tinha guardado, mostrando o preço do remédio e do leite que não tinha conseguido comprar, e mandou. Ficou um tempo sem resposta. Maria largou o celular e foi se deitar no mesmo colchão
da filha. O chão era gelado e ela puxou o cobertor por cima das duas. Chorou baixinho para não acordar Sofia e adormeceu assim. O barulho da campainha no dia seguinte a acordou. Ainda era cedo. Um entregador de camiseta laranja estava na porta com duas sacolas grandes na cima, mãos e um envelope. Ele confirmou o nome dela e entregou tudo. Maria nem soube o que dizer. Pegou aquilo com cuidado e voltou para dentro. sentou no chão e abriu as sacolas. Lá dentro tinha tudo o que ela precisava: leite em pó, fraldas, remédios, comida e o envelope.
Com a mão tremenda, ela abriu e viu algumas notas de 50, todas novinhas. R$ 1000. Ela ficou olhando para aquilo como se fosse mentira. A primeira coisa que fez foi checar o celular. A mensagem estava lá do número desconhecido. Cuide bem dela. Ela não sabia se sorria ou chorava. Na verdade, fez os dois. Sentiu o corpo tremer. Era como se alguém tivesse jogado uma corda para ela se segurar bem na hora em que tudo estava afundando. Tentou ligar, mas ninguém atendeu. Mandou uma mensagem de agradecimento enorme, sem saber direito o que dizer. Só queria que
aquela pessoa soubesse o quanto aquilo tinha salvado ela naquele dia. Mas a única resposta que recebeu foi: "Não precisa agradecer, só viva." Maria ficou encarando o celular sem entender nada. Quem era essa pessoa? Por que alguém ajudaria uma estranha assim, sem nem saber quem era? Por mais que ela quisesse acreditar que ainda existiam pessoas boas, aquilo parecia coisa de outro mundo. Passaram algumas horas e ela não conseguia tirar aquilo da cabeça. Começou a mexer no número, jogou no WhatsApp, não tinha foto, nada escrito, mas no histórico de mensagens, tudo o que tinha era aquele pedido
e aquelas respostas secas, diretas. Mesmo assim, ela não sossegou. abriu o navegador no celular e tentou pesquisar mais. Jogou o número no Google, no Facebook, no Instagram, nada. Mas num dos sites de número de telefone apareceu um pequeno indício, uma ligação cruzada com o nome, Leonardo Vasconcelos. Ela nunca tinha ouvido falar, mas jogou o nome no Google e aí o susto. A primeira coisa que apareceu foi uma matéria com o rosto dele, um homem de terno, cara de poucos amigos, bilionário do setor de tecnologia, criador de uma das maiores empresas do país. Maria ficou com
a boca aberta. Era impossível. Não fazia sentido nenhum. Por que um cara assim ajudaria uma desconhecida com uma filha doente? Passou o resto do dia tentando encontrar alguma explicação. Achou várias entrevistas antigas, vídeos frios dele em eventos, sempre sério, sempre distante, e nada de envolvimento com causas sociais. Pelo contrário, tudo nele parecia calculado, frio, distante. E ainda assim, foi ele quem mandou aquilo para ela. Ela pensou em tudo. Será que era engano? Será que alguém usava o número dele? Será que foi só sorte? Ou será que tinha algo a mais por trás disso tudo? Mas
naquele momento, com a filha deitada de novo no colchão, agora com o corpo mais calmo depois do remédio, Maria só conseguia pensar numa coisa. Alguma coisa grande estava começando e ela nem fazia ideia de onde isso ia parar. Maria Eduarda acordou com o barulho da bebê resmungando no colchão. A febre tinha baixado um pouco, mas ainda deixava a menina molinha, chorando fácil. Ela foi direto pro fogão esquentar água no copo de vidro para preparar o leite novo que tinha chegado no dia anterior. A cozinha ainda estava um caos, mas ela já sentia um pouco de
esperança por ter finalmente algo para dar a filha. Enquanto a água esquentava, ela pegou o celular. Nenhuma nova mensagem do número desconhecido. Aquele só viva ainda estava ali no topo da tela. Era esquisito. Ninguém fazia aquilo e depois simplesmente desaparecia. Ela olhou de novo a matéria sobre o tal Leonardo Vasconcelos. O rosto sério dele na foto passava uma sensação estranha. Não era alguém que parecia se importar com mais ninguém além dele mesmo. Mas se era ele mesmo, por que teria ajudado? Maria ficou mexendo no celular sem rumo. Tentou ver mais coisas sobre a empresa dele.
Só notícias frias, cheias de números, negócios e fotos em eventos caros. Ela suspirou, pegou o leite pronto, foi até a sala e colocou a filha no colo. Sofia bebeu tudo com calma, os olhinhos meio fechados. Quando terminou, ela deitou no peito da mãe e dormiu de novo. Passaram-se umas três horas. Maria lavou a louça, limpou o chão, guardou as coisas que tinham chegado e organizou as sacolas perto da geladeira. Quando finalmente sentou, o celular vibrou. Uma notificação era dele. "Você tem tempo para conversar hoje à noite?" Ela ficou olhando pra tela sem saber o que
pensar. Era um número, uma frase e um pedido simples, mas o coração dela disparou. Não parecia uma pergunta qualquer. Parecia que ele queria mais do que só agradecer ou ouvir um obrigado. Maria respondeu: "Tenho sim". Na mesma hora ele mandou: "Te ligo às 21 horas, tudo bem?" Ela respondeu que sim, mesmo sem saber o que ia falar. O resto do dia foi arrastado. Cada hora parecia demorar três. Maria ficava inventando coisa para fazer. Ajeitava os brinquedos de Sofia, lavava roupa no tanque, depois secava a mesma roupa que nem molhou direito, só para ocupar a cabeça.
Olhava o relógio o tempo todo. O número nove parecia não chegar nunca. Quando deu 21 hora em ponto, o celular tocou. Era ele. Número com DDD diferente, provavelmente de fora da cidade. Ela atendeu com o coração acelerado. Alô. Do outro lado. Silêncio por uns dois segundos. Depois uma voz masculina, calma, um pouco grave. Maria? Sim, sou eu. Sou o Leonardo. Ela engoliu seco. Ficou em silêncio. Não sabia o que dizer. Ele continuou. Desculpa ter te deixado sem resposta ontem. Tive que resolver algumas coisas. Vi a mensagem que você mandou e, bom, eu precisava entender se
era verdade. Ela sentiu o rosto esquentar. A vergonha subiu como um fogo no pescoço. Eh, eu nem sei como agradecer. Eu fiquei sem reação. Não esperava por aquilo. Leonardo falou como se estivesse lendo algo de uma tela. Não precisa agradecer. Só fiquei curioso. Você não é a primeira pessoa que me manda mensagem pedindo ajuda, mas é a primeira que me pareceu real. Maria ficou sem saber se aquilo era um elogio ou um aviso. Você mora onde exatamente? Ela hesitou, depois respondeu. Disse o nome do bairro, uma área mais afastada do centro, onde as casas pareciam
sempre prestes a cair. "Tem marido?" Ela quase riu. Não, moro só com minha filha. O pai dela sumiu antes dela nascer. Do outro lado da linha, silêncio de novo. Ela ouviu um barulho. Parecia que ele estava digitando alguma coisa no computador. Eu gosto de saber onde tô pisando, Maria. Não ajudo ninguém sem antes entender o que tá acontecendo. E para ser honesto, ainda não entendi você. Como assim? Ela perguntou. Você pediu ajuda e não insistiu? Não chorou? Não ficou me mandando mensagem? Não implorou. Ela respirou fundo. É que eu já passei tanta vergonha pedindo coisa
pros outros que eu aprendi a não esperar nada. Só tentei, não tinha mais opção. Leonardo ficou em silêncio de novo. Depois a voz dele baixou um pouco. Você se lembra do número que tentou mandar mensagem? Ela parou para pensar. Era da minha amiga, mas eu devia ter digitado errado. A gente se falava de vez em quando. Ela se mudou e sumiu. Esse número que você tentou não existe. Eu comprei essa linha ontem de manhã para uma outra função e ainda não tinha usado. Você foi a primeira pessoa que mandou algo. Maria franziu a testa. Você
tá dizendo que foi tipo coincidência? Não sei. Só achei estranho e resolvi responder. Ela ficou em silêncio. Aquilo era muito doido. Não fazia sentido nenhum. Era como se o universo tivesse virado uma esquina doida e jogado ela num caminho completamente novo. Leonardo interrompeu os pensamentos dela. Eu vou te fazer uma pergunta, Maria, e quero que você responda com sinceridade, tá? Se você tivesse a chance de mudar tudo, tudo mesmo, sua vida, seu emprego, sua condição, você toparia? Mesmo que isso significasse sair da sua zona de conforto? Ela demorou. Pensou em tudo o que tinha vivido
nos últimos anos, nas noites em claro, nas portas que se fecharam, nas vezes que voltou da entrevista de emprego chorando. Pensou em Sofia, no corpinho dela, dormindo tranquilo depois de dias de choro. Se for de verdade, eu topo. Do outro lado, ele só respondeu. Então, a gente vai começar com um teste. Eu vou te mandar um endereço amanhã cedo. Vá até lá com sua filha. Não conte para ninguém, nem para vizinhos, nem para parentes. Só vá e leve tudo o que você tem de documento. Vou mandar um motorista buscar vocês. Ela gelou. Para onde? Você
vai saber quando chegar. Confia em mim ou não confia? Ela ficou parada, a cabeça girando, mas no fim respondeu: "Confio!" "Boa noite, Maria." Ele desligou. Simples assim. Nada de explicações nem enrolação. Só deixou ela ali com o celular na mão, o coração batendo forte e a cabeça cheia de perguntas. E no fundo, uma voz dizendo: "Alguma coisa grande tá vindo". O sol ainda nem tinha nascido quando Maria se levantou. Dormiu mal a noite inteira, com o coração batendo no ritmo das dúvidas. Tava animada, assustada, confusa, tudo junto. Sentia que estava para acontecer alguma coisa grande,
mas não fazia ideia do quê. levantou devagar para não acordar Sofia, que ainda dormia abraçada com o ursinho velho que ela usava como travesseiro. Foi direto pro banheiro e lavou o rosto. Quando se olhou no espelho, viu a cara de cansaço de sempre, mas com um brilho diferente no olhar. Tinha algo ali, como se um botão tivesse sido apertado e ela soubesse que a vida dela podia mudar a qualquer momento. Pouco antes das 8 da manhã, o celular vibrou. Mensagem de Leonardo. Motorista já está a caminho. O nome dele é João. Ele vai te chamar
no portão. Quando ele chegar, só entra no carro com seus documentos e o necessário para Sofia passar o dia fora. Não conte nada para ninguém. Confia em mim. Maria ficou parada uns segundos, encarando a tela. Depois respirou fundo e correu para arrumar tudo. Pegou a bolsa com os documentos dela e da filha, colocou umas trocas de roupa, fraldas, leite, mamadeira, um casaquinho da menina. Fechou a mochila pequena e colocou Sofia no colo. A bebê acordou sonolenta, ainda meio sem entender nada, mas quando sentiu o colo da mãe, ficou tranquila. 10 minutos depois, o carro chegou.
Era preto, todo fechado, com os vidros escuros. Um homem saiu, se apresentou. João, motorista, muito educado, chamou ela pelo nome e abriu a porta de trás. Maria hesitou, olhou a casa por um instante. Aquela casinha toda torta, com os tijolos aparentes, o chão rachado, a cortina velha, tudo ali era parte dela. Mas ela sentia que se ficasse mais um dia naquela vida, ia acabar se perdendo de si mesma. Entrou no carro. O carro andou por mais de uma hora. Passou por bairros que ela nunca tinha pisado. Viu casas enormes, condomínios de luxo, ruas limpas, avenidas
largas. Tudo parecia de um outro mundo. Sofia dormiu no caminho. Maria só conseguia olhar pela janela, como se estivesse assistindo a um filme, até que o carro entrou por um portão automático, cercado de árvores, câmeras e segurança. O lugar parecia uma fazenda moderna, mas com um toque tecnológico. Parecia que cada canto ali era vigiado e limpo no detalhe. O carro parou em frente. Há uma casa de vidro e concreto. Nem era uma mansão exagerada, mas dava para ver que era chique. Maria saiu do carro com Sofia nos braços e, antes que pudesse se perguntar o
que fazer, a porta da frente se abriu. Uma mulher elegante, com cara de queimanda em tudo, apareceu. Você é a Maria? Prazer, sou a Denise. Pode entrar. Maria ficou meio travada, mas entrou. A casa era enorme por dentro, mas ao mesmo tempo simples, tudo moderno, tudo prático, um silêncio estranho, só o som do ar condicionado. A mulher a levou até uma sala com sofá, brinquedos infantis, tapete macio, como se já estivesse esperando uma criança ali. Maria colocou Sofia no chão e a bebê começou a engatinhar animada pelo espaço novo. Denise sorriu. Você pode ficar tranquila.
Aqui é um espaço seguro. O Leonardo já vem falar com você. Enquanto isso, vou preparar um café para você. Tudo bem. Maria só balançou a cabeça, ainda tentando entender onde exatamente ela tava. sentou no sofá e ficou observando tudo. Tinha uma TV enorme, mas desligada, uma estante com livros, brinquedos novos, até uma boneca parecida com a que ela sonhava em comprar paraa Sofia no Natal, mas nunca teve dinheiro. Depois de alguns minutos, Leonardo entrou na sala. Camisa simples, calça jeans, sem aquele ar de executivo que ela tinha visto nas fotos. Parecia alguém comum, mas com
um jeito que dava para ver que não estava acostumado a conversar de perto com as pessoas. Bom dia, Maria. Bom dia. Ele se sentou numa poltrona do outro lado da sala, ficou olhando paraa Sofia por um tempo, que brincava com um cubo colorido. Ela é bonita. Obrigada. Você confia fácil nas pessoas, Maria? Ela arregalou os olhos. Não, nunca confiei na real, mas ontem era como se alguma coisa dissesse que eu devia vir. Leonardo olhou para ela com atenção. Sabe por eu pedi para você vir aqui? Maria balançou a cabeça. Porque eu quero ver com meus
próprios olhos o tipo de pessoa que você é. Tem muita gente que vive de pedir, vive de se aproveitar. Mas quando eu li sua mensagem, vi algo diferente. E eu não quero só dar dinheiro e sumir. Quero entender se você tem vontade. Vontade de mudar, de fazer algo diferente. Maria apertou a mão no joelho. Eu tenho, só não tenho por onde começar. E se eu te desse um ponto de partida? Ela não respondeu, só olhou para ele com os olhos cheios de perguntas. Leonardo continuou. Você vai trabalhar para mim, se quiser, claro. Vai começar aprendendo
com a Denise. Ela vai te treinar para cuidar de uma parte da minha empresa que fica toda online. Você pode fazer de casa. O salário é bom, mas quero ver esforço, disciplina e sigilo. Maria arregalou os olhos. Sério? Assim de cara? Sim. Mas isso não é caridade, é oportunidade. Vai depender de você. Ela sentiu o chão mexer. Era muita coisa. Nem sabia o que dizer. Só conseguiu balançar a cabeça devagar. Sim, eu aceito. Leonardo se levantou, olhou mais uma vez para Sofia. Então comece hoje. Almoço tá servido. Depois disso, a Denise vai te mostrar tudo.
O motorista te leva para casa no fim da tarde. Ele saiu da sala como se tivesse acabado de fechar mais um negócio qualquer. Para ele talvez fosse só isso, mas para Maria aquilo era o começo de tudo. Desde aquele primeiro dia na casa de vidro, Maria não conseguiu mais tirar Leonardo da cabeça. O jeito dele era estranho, seco, direto demais, mas alguma coisa lhe incomodava no bom sentido. Ele não falava muito, mas também não parecia alguém que fazia as coisas sem motivo. E isso deixava ela curiosa. Ela voltou para casa no fim da tarde como
combinado. Quando o motorista a deixou na porta, ela ficou parada uns segundos antes de entrar. Olhou em volta, a rua, a calçada quebrada, os fios pendurados no poste, o muro do vizinho pichadado. Tudo ainda era igual, mas ela não era mais a mesma. Carregava nas costas uma mochila com menos peso que o normal e, por dentro, um mundo de perguntas novas. No dia seguinte, a Denise já mandou mensagem cedo. Bom dia, Maria. Hoje vamos trabalhar de forma remota. Te envio o link da sala virtual daqui a pouco. Prepare um lugar calmo, com papel e caneta.
Ela arrumou a sala, colocou Sofia no colchão com brinquedos e sentou no cantinho com o celular apoiado num livro grosso. Quando a videochamada começou, apareceu a Denise com um fundo todo branco, fone de ouvido e cara de quem já estava acordada há 3 horas. Durante a manhã, Maria aprendeu coisas básicas, como organizar agenda. responder e-mails, acompanhar planilhas, nada que ela tivesse feito antes, mas tudo parecia claro do jeito que Denise explicava. Só que o que mais chamou atenção foi uma conversa rápida no final. Ah, e não se surpreenda se o Leonardo te mandar mensagens diretas.
Às vezes ele faz isso quando quer saber alguma coisa direto com a pessoa. Ele odeia intermediário. Maria não disse nada, mas por dentro já estava esperando isso acontecer. E não deu outra. Quase no fim da tarde, recebeu a primeira mensagem no privado. Você tá gostando? Ela levou um susto quando viu o nome dele piscando na tela, respondeu rápido. Tô aprendendo bastante. Gosta de aprender? Gosto, sempre gostei, só nunca tive muita chance. Teve uma pausa, ele digitou, parou, digitou de novo, depois apagou, finalmente mandou. Você tem cara de quem guarda tudo, coisas boas e ruins. Ela
travou. Aquilo não era um comentário qualquer. Era como se ele tivesse visto dentro dela. E isso deu um arrepio. É, eu guardo mesmo. Eu também. Depois disso, a conversa parou. Ele não mandou mais nada, mas só aquele pedaço já ficou ecuando na cabeça dela. Nos dias seguintes, o ritmo de trabalho foi aumentando. Maria começou a organizar reuniões, anotar pedidos, mandar lembretes. Cada coisa que fazia certa, Denise elogiava com um simples boa, mas ela sentia que estava indo bem. E Leonardo, mesmo à distância, parecia acompanhar tudo. Uma noite, depois que Sofia dormiu, Maria pegou o celular
e pesquisou de novo sobre ele. Leu mais coisas, fuçou nas matérias antigas, achou um vídeo onde ele aparecia em uma premiação. Terno escuro, cabelo alinhado, olhando pra câmera com aquele olhar sério de sempre. Na entrevista ele falava pouco, quase cortando a jornalista. disse que não gostava de falar da vida pessoal e que o foco era sempre o trabalho. Mas o que mais chamou atenção foi um comentário que ele fez no final. Quanto menos as pessoas sabem sobre mim, melhor. Maria ficou encarando a tela com as sobrancelhas franzidas. O que um cara como ele estava querendo
com alguém como ela? Por que ajudar? Por que agora? No dia seguinte, ela tentou não pensar muito nisso, mas Leonardo apareceu de novo. Você tem tempo hoje? Ela respondeu que sim. Vou passar aí só para conversar. O coração dela acelerou. Em menos de uma hora, ele estava na porta da casa, sem carro chique e sem segurança, camiseta cinza, jeans escuro. Bateu palma e esperou. Quando ela abriu, os dois ficaram meio sem saber como começar. A casa estava um pouco mais organizada, mas ainda simples. Ele olhou em volta depois para ela. Posso entrar? Ela fez que
sim com a cabeça. Ele entrou, andou devagar, como se quisesse entender cada canto. Sentou numa cadeira e ficou quieto por um tempo. Sabe o que eu percebi? O quê? Que eu não conheço nada da vida de verdade. Não sei quanto custa um pacote de fralda. Não sei como é não ter dinheiro para pegar um ônibus. Só sei trabalhar, ganhar, controlar. Ela ficou surpresa. Aquilo não era uma fala qualquer. Ele parecia perdido. Por que você me ajudou? Ela perguntou de uma vez, sem rodeio. Ele encarou ela de frente. Porque você não pediu com raiva, nem com
pena. só pediu e eu eu tava esperando alguém aparecer, alguém diferente. Ela não soube o que dizer, ficou em silêncio. Sofia engatinhou até ele e pegou no cadarço do tênis dele. Leonardo olhou para ela, depois para bebê e sorriu pela primeira vez. Ela é esperta. Puxou o pai. Maria brincou. E ele tá presente? Não, nunca esteve. Ele não perguntou mais, só fez um gesto com a cabeça, tipo, entendi. Antes de ir embora, ele olhou mais uma vez em volta. Você já pensou em sair daqui? Maria ficou parada com a pergunta presa na garganta. Já, mas
nunca consegui. Ele levantou. Talvez consiga agora. E saiu pela mesma porta que entrou, sem se despedir direito, sem abraço, sem nada. Deixou só a pergunta no ar. e uma sensação estranha no peito dela, como se ele tivesse começado a desmontar uma parte dela que ninguém nunca tinha tocado. Dois dias se passaram desde que Leonardo apareceu na casa de Maria e mesmo que ele não tivesse dito mais nada depois daquilo, o efeito da visita ficou ali vivo. Ela lembrava de cada coisa, o jeito que ele olhou paraa Sofia, a forma direta como falou que não conhecia
a vida de verdade. a pergunta que ficou martelando na cabeça dela. "Você já pensou em sair daqui?" Maria até tentou focar no trabalho, nas tarefas com a Denise, mas era impossível não pensar. Cada vez que olhava pra janela da sala e via a rua esburacada, o vizinho gritando com a esposa, os cachorros soltos no quintal dos outros, ela sentia vontade de dizer: "Sim, sim." Ela queria sair dali, mas como? Na sexta-feira de manhã, ela estava estendendo roupa no varal quando o celular vibrou no bolso da calça. Era mensagem dele. Vou te buscar hoje, fim da
tarde, quero te mostrar uma coisa. Ela parou, ainda com a camiseta molhada na mão, olhou em volta, depois pra tela de novo. Mostrar o quê? Você vai ver. Preciso levar a Sofia. Sim, ela faz parte disso. Maria engoliu em seco. Parte do quê? O que ele estava querendo dizer? De repente bateu um nervoso, mas também uma ansiedade boa. Como quando você sabe que vai entrar em um lugar onde nunca esteve antes. Ela passou o dia se arrumando, lavou o cabelo, separou uma roupa melhorzinha que tinha guardada, uma calça jeans sem rasgos e uma blusinha rosa
que quase não usava. deu banho em Sofia, escolheu um vestidinho estampado com florzinhas e prendeu o cabelo dela com uma presilhinha azul. A bebê ficou parecendo uma bonequinha. Às 5 da tarde, o carro parou em frente à casa. Mesmo motorista, João. Sorriso calmo, rosto conhecido. Ele desceu, abriu a porta e ajudou com a bolsa de Sofia. Maria entrou no carro com a menina, no colo, com o coração acelerado. Dessa vez o caminho foi mais longo. Eles atravessaram a cidade, passaram por avenidas movimentadas e entraram num bairro onde os muros eram altos e os portões se
abriam com controle remoto. O carro entrou num desses condomínios. Tudo parecia limpo demais, quieto demais. As casas eram todas grandes, com janelas enormes e jardins perfeitos. Maria ficou olhando aquilo tudo como se tivesse caído num mundo paralelo. O carro parou em frente a uma casa com fachada branca e detalhes de madeira. A porta se abriu antes que ela pudesse pensar em qualquer coisa. Leonardo apareceu sem terno, sem formalidade, camiseta preta, tênis e o mesmo olhar sério de sempre. Mas quando viu Sofia, abriu um leve sorriso. Boa tarde. Boa tarde. Pode entrar. Maria desceu com a
bebê no colo. A casa era silenciosa, cheirosa e cheia de luz natural. Uma sala enorme, com tapete fofo e sofá de couro bege. No fundo, uma porta de vidro que dava para um quintal com grama aparada e brinquedos de criança. Tinha até um escorregador e uma piscininha inflável. Isso aqui é seu? Ela perguntou surpresa. É uma das casas que eu tenho, mas agora tá sem uso. E é sobre isso que eu queria falar. Ela franziu a testa sem entender. Ele fez um sinal para ela sentar no sofá. Sentou também, mas do outro lado. Você falou
que toparia mudar de vida, que só precisava de um ponto de partida. Eu pensei bastante e decidi que vou fazer mais do que te dar um emprego. Maria apertou os dedos no joelho. Tava com medo daquilo tudo virar ilusão. Essa casa aqui tá disponível. Tem três quartos, quintal, e é perto do escritório onde a Denise trabalha, caso precise presencial algum dia. Eu posso colocar essa casa no seu nome em um contrato de comodato por dois anos sem custo nenhum. Só precisa manter, cuidar e continuar trabalhando com dedicação. Topa! Ela ficou muda, olhou em volta. Aquela
casa era coisa de filme e ele tava dizendo que era dela pelo menos por dois anos. Isso aqui não é pegadinha, não, né? Ele balançou a cabeça. Não é. E nem é caridade, é investimento. Você me parece alguém que só precisa de um empurrão para deslanchar. Ela respirou fundo, quase não sabia se ria, se chorava. Sofia engatinhava no tapete, brincando com uma almofada. Eu nem sei o que dizer. Não precisa dizer agora. Pode conhecer a casa primeiro. Ela se levantou e foi andando devagar pelos cômodos. Cozinha com armários planejados, fogão embutido, microondas novo. Um banheiro
enorme com box de vidro, quartos com janelas grandes, cama arrumada, travesseiros fofos. Um dos quartos já estava decorado com brinquedos, livros infantis, uma cama de grade branca com um nome escrito em letras de madeira. Sofia. Ela parou ali, segurou na grade e sentiu os olhos encherem d'água. Você fez isso quando? Ontem. Mandei montar. Não sabia se você ia aceitar, mas achei que valia tentar. Ela voltou pra sala com a filha no colo. Parou na frente dele. Por quê? Por que tudo isso? Leonardo ficou em silêncio um tempo, depois falou: "Porque eu passei a vida toda
vendo número, vendo lucro, mas chega uma hora que isso cansa. E eu percebi que o que você tem com sua filha é algo que eu nunca tive e que talvez eu possa me aproximar disso, nem que seja de longe. Maria sentiu um nó na garganta. Pela primeira vez, viu no rosto dele uma coisa que não sabia definir. Não era frieza, nem controle, era falta, era solidão. Você tá tentando fazer parte da vida da gente, é isso? Não sei ainda, mas quero estar por perto. Quero ver onde isso pode dar e quero que você esteja segura
para viver isso do seu jeito, com dignidade. Ela sentou no sofá de novo, sem saber se ria, chorava, gritava ou abraçava ele. Ficou ali com a filha no colo, tentando entender que tipo de caminho novo estava se abrindo ali bem na frente dela. Maria Eduarda ainda estava tentando entender onde tinha se metido. Já fazia duas semanas desde que se mudou paraa casa nova com Sofia e a ficha não caía de verdade. Ela acordava todo dia com medo de tudo sumir, como se fosse só um sonho. Mas aí ela abria o olho, via o quarto claro,
o berço limpinho da filha, o som da cafeteira funcionando na cozinha e percebia que era real. Pela primeira vez em muito tempo, era real. A adaptação foi mais fácil do que ela imaginava. A bebê se acostumou rápido com o ambiente novo, com o espaço, com a rotina. Maria começou a trabalhar mais direto. Já tinha ganhado um notebook da empresa e uma mesinha de escritório que colocaram no quarto extra. Denise continuava firme no treinamento, mas agora já passava tarefas mais sérias, de confiança, e Leonardo, mesmo distante, aparecia cada vez mais. Ele não tinha avisos fixos, às
vezes mandava mensagem perguntando se podia passar. Outras, aparecia do nada com uma sacola de compras, um brinquedo novo ou só para dar uma volta no quintal com Sofia no colo. E era isso que mais deixava Maria confusa. Ele não parecia estar ali como alguém que quer impressionar. Não fazia cena, só ficava por perto, sentava no chão e montava bloquinhos com a bebê ou ficava ouvindo Maria contar como foi o dia. Teve uma tarde em que ele chegou enquanto ela lavava a louça. Entrou sem barulho, sentou no sofá da sala e ficou observando Sofia brincar com
um pote vazio. Quando Maria percebeu, enxugou as mãos no pano de prato e foi até ele. Você sempre entra assim, sem avisar. Porta estava aberta. Tá se sentindo em casa, né? Talvez. Ela sentou também. Ficaram os dois olhando a menina brincar no tapete. "Você não tem filhos, né?", ela perguntou meio sem jeito. "Não, nunca quis." "Mas gosta de criança?", Leonardo pensou um pouco. Não sabia se gostava. Acho que nunca parei para prestar atenção. Ela deu um sorriso de canto. Sofia tem esse dom. Conquista até quem nem se importa. Ele olhou para bebê com aquele olhar
que não era exatamente de ternura, mas de curiosidade, como se ela fosse uma pergunta sem resposta. Você teve pai? Presente, Maria. Ela balançou a cabeça. Nunca. Só conhecia ele de longe. Minha mãe dizia que era melhor assim. E sua mãe morreu quando eu tinha 18. Tive que me virar desde então. Leonardo ficou em silêncio. Mexia nos cadarços do tênis, distraído. Eu também fui criado meio solto. Meus pais viviam viajando. Empregada que me dava comida, motorista que me buscava na escola. Aprendi cedo a não depender de ninguém. E hoje, hoje acho que cansei disso. O silêncio
tomou conta da sala, mas não era aquele silêncio chato, era um silêncio confortável, como se os dois estivessem respirando a mesma coisa, sentindo o mesmo peso, passando devagar. Com o passar dos dias, a presença de Leonardo foi se tornando parte da rotina. Ele começou a mandar mensagens de manhã, perguntando se ela tinha dormido bem. À noite queria saber como Sofia tava, se tinha comido, se estava com febre, nunca forçava intimidade, mas estava ali, sempre ali. E Maria, mesmo sem perceber, começou a esperar por isso. Quando o celular vibrava, ela olhava na hora. Quando ouvia o
carro chegando, arrumava o cabelo rápido no espelho da cozinha. Quando ele saía, ficava encarando a porta fechada por uns segundos a mais do que devia. Um dia ele chegou com um pacote de pão de queijo na mão. Trouxe para você. Ela riu. Sabia que eu gosto? Não, mas achei que combinava com a sua cara de manhã. Sentaram na varanda, cada um com uma caneca de café e ficaram comendo em silêncio. Sofia dormia no quarto. O céu estava nublado, mas o vento era gostoso. Leonardo parecia diferente, mais leve. até sorria de vez em quando. "Você pensa
em voltar para sua vida antiga?", ela perguntou sem olhar para ele. "Não tenho vida antiga, só tenho trabalho. O resto era fachada. Mas e agora? Agora eu tô testando uma coisa nova. Ficar." Ela olhou para ele de canto. O jeito dele falar parecia simples, mas carregava um mundo por trás. E pela primeira vez, ela teve vontade de dizer algo que não fosse seguro. "Se você quiser, pode continuar vindo." Ele não respondeu, só olhou para ela com aqueles olhos que diziam mais do que qualquer palavra. No dia seguinte, ele apareceu de novo. Dessa vez, trouxe um
tapete de montar cheio de bichinhos. estendeu no chão da sala, chamou Sofia e começou a brincar com ela como se tivesse feito aquilo a vida toda. Maria, sentada no sofá assistia aquela cena com um misto de alegria e confusão. Ela não sabia se aquilo era certo, se estava acontecendo rápido demais, se devia se preocupar, mas no fundo uma parte dela já tinha aceitado, já tinha aberto a porta de dentro, não só a da casa. Foi num sábado à tarde que algo diferente aconteceu. Leonardo chegou como sempre, mas estava mais sério. Maria percebeu logo de cara.
Tá tudo bem. Mais ou menos. Um ex-sócio meu começou a me pressionar por causa dos meus gastos recentes. E bom, sua casa tá na lista. Ela gelou. Como assim? Ele tá desconfiado. Quer saber quem é você? Por que eu tô ajudando? Se tem algo por trás. Maria sentiu o estômago embrulhar. E tem. Leonardo olhou bem dentro dos olhos dela. Tem. Mas eu ainda tô descobrindo o que é. Ela ficou sem reação. O silêncio dessa vez foi diferente. Um silêncio de tensão, de algo que podia virar para qualquer lado. Mas ele levantou, foi até ela, segurou
o ombro com firmeza e disse: "Não se assusta. Eu só tô sendo sincero. Eu tô aqui porque eu quero. Só que o mundo lá fora é diferente. E logo mais ele vai tentar entrar aqui. Eu só quero saber se você tá pronta para isso. Maria encarou ele. Pensou na filha dormindo, na casa nova, no caminho que estava só começando e respondeu: "Tô, mas se você quiser entrar de verdade, tem que ficar." Leonardo não disse nada. Só abaixou a cabeça, pensou por um momento e pela primeira vez tocou o rosto dela. Foi leve, rápido, mas deixou
ali no ar um sinal de que nada mais ia ser como antes. O portão eletrônico mal tinha fechado quando Maria escutou uma batida forte na grade da frente. Era sábado, fim de tarde, e ela estava na cozinha esquentando um mingal paraa Sofia. Achou estranho porque quase ninguém aparecia ali sem avisar. Os únicos que sabiam o endereço eram Leonardo, Denise e o motorista João. Fora isso, ninguém. O condomínio era fechado e tudo passava pela portaria. Só que alguém tinha conseguido entrar. Ela olhou pela janela e viu aquela figura parada ali, encostada no portão, com o braço
cruzado e o queixo levantado, o olhar direto e cheio de cobrança. O estômago dela virou na hora. Márcio, o pai da Sofia. Fazia mais de um ano que ele tinha sumido. Tinha ido embora do nada, dizendo que não era pai de boneca nenhuma e que ela que se virasse. Nunca mandou mensagem, nunca ligou, nunca procurou saber da filha e agora tava ali como se nada tivesse acontecido. Maria travou, ficou parada, segurando a colher de pau, tentando entender se aquilo era real. Sofia estava sentada no chão da sala. Com um brinquedo colorido, sem saber de nada,
ele bateu no portão de novo, mais forte. "Maria, abre aí, pô. Eu sei que você tá aí dentro." Ela respirou fundo, foi até a porta, mas não abriu. Gritou do lado de dentro: "O que você quer aqui, Márcio?" "Quero conversar. Não vai me deixar aqui feito cachorro, né? Você sumiu, nem sabe o que é ser pai. Ah, agora quer pagar de difícil? Vi tua vida no Instagram da prima da tua vizinha, Maria. Vi essa casa aí. Isso aqui é teu mesmo? Tá morando em condomínio agora? É. Maria sentiu o sangue gelar. Claro. Uma foto ou
outra que postou sem pensar. Uma story da vizinha antes de se mudar. Alguém sempre vê, sempre comenta. E gente como o Márcio, quando sente cheiro de vantagem volta. Vai embora, Márcio. Aqui não é lugar para você. Ele riu debochado. E quem disse que não é? A filha é minha, né? Agora que tu tá toda patroa, quer me apagar da história? Ela pensou em ligar pro segurança, mas a mão tremia. Não queria fazer escândalo, não queria chamar atenção. Mas ele continuava lá. Você nem quer saber o que eu sei, né? Fiquei sabendo umas coisas sobre teu
chefe aí, esse tal de Leonardo, gente, mas cheio de podre. Tu acha que ele vai ficar contigo? Ele vai te largar na primeira confusão. Você vai ver. Você não sabe de nada, Márcio. Vai embora. Sei mais do que você pensa. Eu conheço gente que conhece ele e sei de coisa que pode ferrar com tudo isso aí que tu tá vivendo. Só tô sendo bonzinho de vir falar contigo antes. Ela fechou a janela com força, pegou o celular e ligou direto pro número da portaria. Tem um homem aqui na minha porta. Ele não foi autorizado. O
nome dele é Márcio. Quero que tirem ele daqui agora. O segurança respondeu que já estavam indo. Ela voltou a olhar pela fresta da cortina. Márcio estava parado, agora mais calmo, com aquele sorrisinho falso no canto da boca. Isso aqui não vai acabar aqui, não, Maria. A gente vai se ver ainda. Pode escrever. Minutos depois, dois seguranças chegaram e falaram com ele. Márcio saiu andando devagar, sem discutir, como se estivesse satisfeito por ter deixado a ameaça plantada, como se soubesse que tinha bagunçado o dia dela. Maria fechou todas as janelas, trancou a porta e sentou no
sofá sem chão. Sofia engatinhou até ela e subiu no colo. Ela abraçou a filha com força, o coração batendo descompassado. Mais tarde, quando conseguiu respirar direito, mandou uma mensagem pro Leonardo. Contou tudo, o nome dele, o que ele disse, o tom de ameaça. Leonardo respondeu minutos depois. Você não tem que lidar com isso sozinha. Amanhã a gente conversa. Ela queria mais do que uma resposta. Queria um plano, uma proteção, mas sabia que ele era assim, direto, objetivo, sem enrolação. No dia seguinte, Leonardo apareceu cedo, entrou com passos firmes, olhou para Maria com o rosto sério.
Márcio já tem histórico de tentativa de extorção, sabia? Ela ficou surpresa. Como assim? Pesquisei ele logo que você entrou paraa empresa. Sempre faço isso com quem se aproxima de mim. Não achei nada grave, mas hoje, revendo os dados, vi que ele tentou arrancar dinheiro de um empresário há uns do anos, só que não tinham provas. E agora? Agora ele achou uma desculpa para voltar e talvez ache que você seja o caminho para me atingir. Maria sentiu a raiva subindo. Ele quer usar a gente como sempre fez e não vai conseguir. Mas preciso saber até onde
ele pode ir. Você acha que ele é capaz de inventar coisa? Márcio é o tipo que faria qualquer coisa por dinheiro. Ele nunca se importou com ninguém, nem com a filha dele. Leonardo cruzou os braços pensativo, depois falou: "Vou colocar segurança na sua porta, discreta. Se ele aparecer de novo, não conversa, só chama. E se ele insistir, a gente entra com medida protetiva. Ela balançou a cabeça concordando, mas por dentro sabia que o problema estava só começando. Naquela noite, enquanto tentava dormir, Maria ficou revivendo a cena na cabeça. Márcio com aquele olhar sujo, a ameaça
sobre Leonardo, o jeito que ele falava como se soubesse algo que ela não sabia. Será que tinha mais por trás? Será que Leonardo escondia alguma coisa? A dúvida nasceu ali, pequena, quieta, mas viva. Maria estava sentada na varanda da casa com um cobertor leve nas costas e o celular nas mãos. Sofia dormia desde cedo. A noite estava silenciosa, com um vento fresco batendo nas folhas do jardim. Mas por dentro dela tudo tava uma bagunça. Desde a visita do Márcio, ela não conseguia mais descansar direito. Era como se a paz que tinha, construído com tanto esforço,
estivesse prestes a desmoronar de novo. Ela rolava o histórico da conversa com Leonardo, as mensagens curtas, secas, diretas. Desde o dia anterior ele tinha sumido. Não respondeu mais, nem visualizou. e aquilo incomodava. Deu vontade de ligar, mas segurou. Não queria parecer desesperada, mas na real ela tava. Tinha medo do que viria a seguir. Na manhã seguinte, o interfone tocou. Era um motorista. Tava ali para buscá-la. Disse que Leonardo pediu que ela fosse ao escritório. Maria nem sabia que existia um escritório físico, já que o trabalho dela era todo remoto. Mas levantou. trocou de roupa, arrumou
a bolsa com os documentos dela e de Sofia. Virou o costume andar com tudo sempre junto. Vai que e desceu. O carro levou uns 30 minutos para chegar num prédio moderno, espelhado, que parecia uma caixa de vidro no meio da cidade. O segurança na entrada já sabia o nome dela. Subiu sozinha num elevador silencioso e lá em cima, uma sala grande com móveis minimalistas e tudo branco e cinza. Um ambiente frio, mas elegante. Leonardo estava lá de pé, encostado na janela, com um copo de café na mão. Virou o rosto assim que ela entrou. Bom
dia. Bom dia. Desculpa o sumiço. Tive que resolver umas coisas antes de falar com você. Ela ficou em pé perto da porta. O clima estava estranho, tenso, como se ele estivesse ensaiando há horas o que ia dizer. Márcio tentou entrar em contato com gente da minha equipe. Maria arregalou os olhos. O quê? ligou-se passando por advogado. Disse que você tá sendo manipulada, que eu estou usando você, que isso tudo é um tipo de relacionamento forçado. Ela sentiu um calor subir no corpo. Que filho da calma, eu não acreditei, mas minha equipe ficou nervosa. Investidores começaram
a mandar mensagem. Tão achando que tem alguma coisa errada. Ela respirou fundo. E o que você quer fazer? Leonardo caminhou até a mesa e puxou uma pasta fina, colocou em cima da mesa. Quero que a gente transforme essa história numa coisa segura. Oficial. Maria olhou pra pasta sem entender. Como assim? Contrato. Você trabalha comigo, mas quero mudar isso. Quero te contratar como assistente pessoal exclusiva aqui dentro. vai ganhar mais, vai estar sob minha proteção direta, vai ter acesso a tudo, mas também vai precisar seguir regras mais rígidas, horários, sigilo, código de conduta, tudo certo no
papel. Ela sentou. E por que isso agora? Porque se tiver alguém querendo usar você para me atingir, eu prefiro que você esteja do meu lado. Oficialmente, com todos os direitos, ela ficou em silêncio. Aquilo parecia certo, profissional, mas também carregava um peso, como se ela estivesse entrando de vez num mundo onde tudo era controlado, previsto, calculado. E se eu não quiser assinar agora, tudo bem. A casa continua sendo sua, seu trabalho remoto também, mas eu não consigo te proteger como quero e isso me incomoda. Maria mordeu o lábio, pensou na filha, pensou no Márcio, pensou
em tudo que podia dar errado. E o que exatamente vou fazer como assistente? organizar minha agenda, acompanhar eventos comigo quando necessário, filtrar contatos, cuidar de questões pessoais e profissionais. Vai ter uma equipe te orientando. Não vou te largar sozinha. Ela olhou de novo pra pasta. Eu posso pensar até amanhã? Pode, mas quanto antes, melhor. Ela levantou. Não sabia se estava feliz, confusa ou com medo. Só sabia que a proposta não era só sobre trabalho, era mais. Tinha sentimento ali no meio, mesmo que ele não dissesse. Quando saiu da sala, recebeu uma mensagem no celular. Maria,
aqui é a Denise. Me liga quando puder. Precisamos conversar sobre o Márcio. O coração dela bateu mais rápido. Ligou na hora. Oi. Oi. Preciso te avisar de uma coisa. O Márcio apareceu aqui na frente da empresa hoje. Disse que tem coisas importantes para mostrar sobre o Leonardo. Disse que vai abrir tudo pra imprensa. Maria encostou na parede. Ele quer ferrar a gente, Denise. É. E tá disposto a ir longe. Você precisa pensar bem no que vai fazer. Ela desligou e ficou parada ali com o celular na mão. Uma proposta que podia mudar tudo, um ex
que estava prestes a acabar com tudo, um homem que dizia querer proteger, mas nunca mostrava muito de si. e ela no meio, tentando entender o que era certo. Márcio não sumiu. Depois de aparecer na empresa do Leonardo se fazendo de vítima, ele ganhou o gosto pelo jogo. Era como se o fato de ter sido expulso do condomínio só tivesse acendido alguma coisa dentro dele. Aquela raiva antiga, aquela obsessão por controle e mais ainda o cheiro de dinheiro. fácil, vindo de alguém que claramente não estava acostumado a ter a vida invadida por um cara como ele.
Na segunda-feira, Maria estava em casa trabalhando quando recebeu uma ligação desconhecida. Atendeu sem pensar. Alô? Você devia ter me escutado, Maria. Ela fechou os olhos na hora. Márcio, para com isso. Olha, só tô tentando resolver de forma amigável. Ainda dá tempo de a gente conversar. Agora se eu tiver que ir até a polícia e dizer que você tá sendo manipulada por esse milionário aí, aí o estrago vai ser maior. Eu posso até pedir a guarda da nossa filha. Ela se levantou tão rápido da cadeira que quase derrubou o notebook. Você nem sabe o nome do
pediatra dela. Mas sou pai e pai tem direito e a justiça gosta de ver o outro lado, né? ainda mais quando tem grana envolvida. Ela desligou sem responder. Tava tremendo. Ligou na mesma hora para Leonardo. Ele me ameaçou. Disse que vai pedir guarda da Sofia. Leonardo tava frio como sempre, mas dessa vez a voz dele estava mais seca. Deixa ele tentar. Já mandei um advogado preparar os documentos. Vai entrar com medida protetiva. E se ele chegar perto de novo? vai preso. E se ele inventar alguma coisa paraa mídia, ele sabe que você tá envolvido. Se
ele for burro o suficiente para fazer isso, vai acabar sozinho. Pode deixar que eu cuido. Só que não era tão simples. No mesmo dia, uma notícia começou a circular em sites pequenos de fofoca. Bilionário misterioso estaria bancando casa e vida de mulher desconhecida em condomínio de luxo. Não tinha nome nem foto, mas quem conhecia os detalhes saberia quem era. Maria ficou em pânico. Leonardo mandou tirar tudo do ar em questão de horas, mas já era tarde. A notícia tinha rodado. A desconfiança dentro da empresa começou a aparecer e com isso a tensão entre ele e
ela também. Na manhã seguinte, enquanto ela tomava café na varanda, Leonardo apareceu. Dessa vez, sem aviso, com cara fechada. Preciso que você me diga tudo o que ele já te falou, palavra por palavra. Não dá mais para ficar segurando isso no instinto. Maria contou as ameaças, a tentativa de aproximação, a história da guarda, até a forma como ele falou que conhecia coisas do seu passado. Leonardo ficou andando de um lado pro outro com a mão na cabeça. Esse cara é mais sujo do que eu pensava. Você não tá escondendo nada dele, né? Maria perguntou, olhando
firme. Leonardo parou. Como assim? Ele fala como se tivesse alguma bomba nas mãos. Se tiver, eu preciso saber. Eu tô no meio disso. Ele se sentou, respirou fundo, não respondeu na hora, só depois de alguns segundos. Tem coisa que eu fiz no passado que não me orgulho. Negócios, pessoas que tentei afastar, mas nada com crime, nada ilegal. O que ele pode ter é distorção. E se ele quiser dinheiro para sumir? Leonardo olhou para ela com os olhos fixos. Não dou um centavo. No mesmo dia, Maria saiu com Sofia para ir ao posto de saúde, coisa
simples, só para pegar uma receita nova. Quando saiu do prédio, viu Márcio encostado no carro dele do outro lado da rua, sorrindo, como se tivesse certeza de que ela ia até lá. Mas ela não foi. Pegou a filha no colo e entrou direto no carro com João, o motorista. No caminho de volta, ela desabafou. Esse homem tá me perseguindo. Eu não sei o que ele quer de verdade. João, que era calado, só disse uma coisa. Ele quer o que você tenha agora. Controle e você não pode deixar. Naquela noite, a campainha tocou. Era uma entrega.
Maria abriu a porta e recebeu um envelope com o nome dela escrito à mão. Abriu ali mesmo dentro havia fotos. Fotos dela com Sofia no colo, dentro do condomínio, no mercado, na varanda. E em uma delas Leonardo sentado no sofá com Sofia dormindo no peito dele. As mãos de Maria começaram a tremer. Quem tirou aquelas fotos? Quando? Por quê? Tinha também um bilhete? Se você não tiver nada a esconder, por que tá vivendo escondida? Não me força a fazer barulho. Ela fechou o enelopeiu correndo pro quarto. Ligou pro Leonardo na hora. Ele tá vigiando a
gente. Como assim? Ela contou das fotos do bilhete. Isso agora é grave, muito grave. Você tá com essas fotos ainda? Tô. Guarda tudo. Eu vou mandar segurança 24 horas hoje ainda. Eu tô com medo, Leonardo, de verdade. Eu também, mas não dele. Tô com medo de te perder nisso. Pela primeira vez, ele disse algo que parecia mais do que proteção. Era pessoal, era sentimento. Mas Maria não sabia mais no que acreditar. Tudo parecia frágil. E Márcio, que sempre foi só um erro do passado, agora era um risco real. Vivo, solto e com raiva. Leonardo estava
no apartamento dele em São Paulo, quando recebeu as fotos pelo celular. João tinha acabado de mandar. As mesmas imagens que Maria tinha recebido em papel agora estavam ali nítidas na tela. A bebê no colo dela, o portão do condomínio ao fundo, a varanda da casa, até ele próprio aparecendo com Sofia dormindo encostada no peito. Ele largou o celular na mesa e ficou parado. O rosto estava sério, os olhos duros. Não era medo, era algo pior, era raiva daquela que nasce quando alguém invade o único lugar que você jurou proteger. Pegou o telefone fixo do escritório
e ligou direto pra segurança. Quero câmeras novas instaladas hoje ainda. Quero alguém de plantão na frente da casa da Maria. 24 horas sem revezamento. Quero o condomínio todo vasculhado. E se virem alguém estranho, eu quero saber antes mesmo dele respirar. Desligou sem esperar resposta. Caminhou até o outro lado do cômodo, os passos pesados, como se o chão estivesse apanhando. Abriu o armário e tirou uma pasta preta com documentos antigos. Puxou umas folhas, rabiscou algo e parou. O nome dele estava lá, Márcio Silva Ferreira. Ele já tinha visto aquele nome antes, anos atrás, no meio de
um processo pequeno, quase esquecido. Tinha sido um funcionário de terceiro grau de uma empresa de tecnologia menor que tentou invadir o sistema da companhia de Leonardo numa época em que ela ainda estava crescendo. O caso nunca foi pra frente porque não havia provas, só suspeitas. E Leonardo preferiu não dar palco, mas agora era diferente. Ele pegou o celular de novo e mandou mensagem para um nome salvo como Henrique jurídico. Puxa o dossiê completo de Márcio Silva Ferreira. Quero todas as passagens dele. Movimentações, CPF, histórico online, tudo. Se tiver ligação com alguém da imprensa ou do
meio político, eu quero saber até o nome do cachorro. Henrique respondeu em dois minutos. Já sei de quem você tá falando. Esse cara tem rastro, sim. Tá longe de ser bobo. Leonardo desligou o celular, pegou o carro e foi direto paraa casa da Maria. Não avisou. Parou na frente, saiu sem olhar pro lado e entrou com a chave reserva que ela tinha deixado com ele. Ela estava na sala segurando Sofia no colo com a mochila da bebê do lado, assustada, pronta para sair. Você ia para onde? Ele perguntou sem nem dizer oi. Eu não sei.
Eu entrei em pânico. Eu pensei em ir paraa casa da minha amiga em Itapevi e fugir. Eu não tô fugindo. Eu tô tentando proteger a minha filha. Ele olhou bem nos olhos dela. Você acha mesmo que fora daqui vai estar mais segura? Você acha que esse cara tá fazendo isso porque quer conversar? Ele quer te quebrar, Maria. quer te ver voltar pro chão e você não vai dar isso para ele. Ela respirou fundo. Tava cansada. Não dormia direito. Fazia dias. Você não entende, Leonardo. Você vive cercado de segurança, advogado, gente que te protege. Eu não.
Eu sou só eu. Eu sou uma mulher sozinha com uma filha. Eu tenho medo. Eu também. A voz dele saiu mais baixa agora, mais humana. Eu também tenho medo porque você é a primeira coisa que eu deixei entrar na minha vida sem contrato, sem cálculo, sem controle. E agora tá fora de controle. Ela olhou para ele com os olhos cheios d'água, mas não chorou. Pegou a bebê e colocou na cadeirinha, no canto da sala. Você quer que eu fique? Mas você ainda não me disse porquê. Por que você quer tanto isso? Ele sentou no sofá,
passou a mão no rosto. Porque quando você apareceu, eu tava num ponto da minha vida em que tudo fazia sentido demais, tudo era previsível. Eu achava que era feliz, mas eu só era ocupado. E aí você mandou aquela mensagem errada num número novo que ninguém tinha. E pela primeira vez em anos, eu parei. Ela se sentou na outra ponta do sofá, ainda desconfiada. Então, tudo isso foi porque você se sentiu sozinho? Não foi porque você me fez sentir e isso para mim é novo, assustador. E agora perigoso. Maria ficou em silêncio. Sofia dormia no canto
da sala, abraçada com a boneca nova. O clima era pesado, mas tinha algo ali que estava se encaixando, mesmo bagunçado. Leonardo levantou, puxou um papel do bolso e entregou para ela. Essa é a cópia da medida protetiva que meu advogado deu entrada hoje. Tá em andamento. Se o Márcio se aproximar mais uma vez, vai preso. E já mandei bloquear qualquer tentativa dele de usar sua imagem ou da Sofia em qualquer lugar. Ele tá sendo monitorado por tudo que ele já fez e pelas ameaças. Não precisa fugir. Ela pegou o papel, leu em silêncio. As letras
tremiam nos olhos dela. Era oficial, era real. E se ele inventar outra coisa, se ele aparecer com alguma mentira, algum vídeo, alguma montagem, ele vai e eu vou derrubar cada uma delas. Você confia em mim? mais do que em qualquer pessoa que eu conheci nos últimos 15 anos. Ela abaixou a cabeça, pensou em tudo que passou, nas vezes em que dormiu no chão da cozinha, nas humilhações, na vergonha de pedir ajuda, e agora tava ali com um homem que ela não entendia totalmente, mas que estava disposto a ir até o fim para segurá-la de pé.
Tá, eu fico, mas se ele encostar na Sofia, eu mesma arranco o braço dele fora. Leonardo sorriu pela primeira vez em dias, fechado. E foi naquele momento entre a tensão e o medo que os dois entenderam. Eles não estavam mais lidando só com um problema, estavam no meio de uma guerra. A primeira coisa que Maria viu quando acordou foi a notificação no celular. Você foi marcada em uma publicação. Ela não entendeu na hora, clicou sem pensar e foi como levar um soco. Tinha uma foto dela sozinha em frente ao prédio da empresa do Leonardo, segurando
Sofia no colo. Imagem tirada de longe, meio borrada, mas dava para reconhecer. Em cima da foto, o título: Quem é a mulher misteriosa que conquistou o bilionário mais reservado do Brasil? Maria sentou na cama num pulo, abriu o navegador, digitou o nome de Leonardo e ali estavam elas. Dezenas de matérias, perfis de fofoca, sites de notícias espalhando versões diferentes do mesmo boato, que ela era amante, que ele tinha uma filha secreta, que ela tinha dado um golpe emocional. Uns diziam que ela era a funcionária dele, outros que era ex-doente mental. Um deles até chamou ela
de a ex-mendiga que virou madame de luxo. As mãos dela tremiam, o celular aptava sem parar com mensagens. inclusive de gente que ela nem falava anos. Uma prima de terceiro grau mandou print perguntando se era verdade. Uma vizinha do bairro antigo escreveu: "Sabia que você ia se dar bem com esse jeitinho de santa. Até o cara do mercadinho onde ela comprava fiado mandou mensagem. Era como se todo mundo agora tivesse uma opinião sobre a vida dela. Ela desceu correndo as escadas com Sofia no colo. Encontrou Leonardo na sala já no telefone, andando de um lado
pro outro com cara fechada. Já vi. Tá em todos os lugares. Estão usando imagem dela sem autorização. Isso vai virar processo. Quero que rastre em quem vazou as fotos. Vai subir a pressão, então prepara o jurídico todo. Desligou, virou para Maria. Desculpa, eu falei com você. Deixei isso vazar. Foi o Márcio, não sei. Pode ter sido alguém que ele contratou ou alguém de dentro. Eu pedi investigação interna, mas agora não dá mais para apagar. tá lá fora. Ela sentou no sofá com a bebê que chorava sem entender o que estava acontecendo. Eles estão inventando coisas,
me chamando de golpista. De Leonardo se ajoelhou na frente dela. Olha para mim. Eles não sabem quem você é, só sabem o que querem ver e vão falar o que der mais clique. A gente vai resolver isso juntos. Naquela mesma manhã, o assunto virou trending topic hashag com o nome de Leonardo. Memes, piadas. Algumas pessoas diziam que ele estava apaixonado e finalmente mostrando que era humano. Outras achavam que ele tinha perdido a cabeça por causa de uma mulher qualquer. O impacto chegou onde ele mais temia, no conselho da empresa. No fim do dia, Maria foi
com ele a uma reunião fechada. Chegando lá, sentiu o peso da coisa. Cadeiras ocupadas por homens e mulheres de terno. Gente que olhava para ela como se ela fosse um problema ambulante. Uma mulher mais velha de cabelo preso foi direta. Com todo respeito, Leonardo, sua vida pessoal agora tá afetando os negócios. Isso não é mais só fofoca. Tem acionista ameaçando vender ações se não houver uma posição clara da diretoria. Outro cara com cara de quem não sorria há 20 anos completou. Queremos saber qual é o papel dessa mulher na empresa, se ela tem contrato, se
ela tá recebendo e por está morando no imóvel da sua propriedade. Maria sentiu vontade de enfiar a cabeça num buraco, mas ficou ali calada, ouvindo tudo. Leonardo respondeu com a voz firme. Maria é funcionária da empresa, está registrada, trabalha comigo há meses. O imóvel em que ela mora é meu, sim. e foi cedido a ela por decisão pessoal. Está dentro da lei e não deve satisfação sobre isso para ninguém. A mulher de cabelo preso rebateu. Mas e a filha? Dizem que é sua. Circulam fotos de vocês juntos. Há insinuações. E se fosse minha? Isso não
muda nada. O problema não é a verdade, é o quanto vocês têm medo do que parece. A reunião pegou fogo, gritos, ameaças de renúncia, gente falando em crise de imagem. Maria só queria sair dali, sumir, mas ficou, ficou até o fim. Quando saíram, Leonardo entrou direto no carro, bateu a porta com força e ficou em silêncio por alguns minutos. Ela olhou para ele. Você devia me afastar. Não vou. Se continuar assim, você pode perder tudo. Se eu perder tudo, pelo menos vou perder, sabendo que não me escondi. Ela ficou quieta. O carro andava devagar no
trânsito pesado. Lá fora, a cidade não fazia ideia do que acontecia dentro daquele carro. Quando chegaram em casa, ela entrou no quarto e chorou em silêncio, não por medo, mas por raiva. Raiva de não poder viver em paz, de ter a vida toda virada do avesso só porque alguém com dinheiro decidiu ficar ao lado dela. Raiva do Márcio, raiva da internet, raiva de tudo. Na madrugada, o celular vibrou. Era uma mensagem anônima. Isso é só o começo. Você achou mesmo que ia viver como princesa? Você vai cair junto com ele. Ela apagou na hora, levantou,
foi até o quarto de Sofia. A menina dormia em paz, deitada de lado, com a bonequinha agarrada no braço. Maria olhou pela janela e pela primeira vez pensou que talvez precisasse lutar não só por ela, mas por algo maior. Naquela manhã, o clima na casa estava diferente. Maria acordou com uma sensação esquisita no peito, como se algo tivesse sido cortado durante a noite, e ela ainda não tivesse percebido o quê. Sofia dormia tranquila no quarto ao lado, mas até o silêncio parecia pesado demais. O celular não tinha nenhuma mensagem, nada do Leonardo, nada da Denise,
só o som do mundo rodando como se tudo estivesse normal, mas não tava. Ela colocou o café para passar e sentou na mesa com o rosto apoiado nas mãos. Desde o escândalo dos sites, ela não saía de casa, não por vergonha, mas por proteção. Sentia que qualquer passo fora dali podia virar mais uma foto, mais um post, mais um veneno espalhado. O interfone tocou às 8:10. Ela atendeu, esperando ser o segurança ou uma entrega. Senora Maria, aqui é da equipe do Dr. Leonardo. Podemos subir? Ela não entendeu. Subir? Como assim? Temos uma entrega e um
documento para ser entregue em mãos. Só vai levar um minuto. Ela autorizou meio desconfiada. 5 minutos depois, dois homens subiram. Um deles vestia terno, o outro usava jeans e uma jaqueta preta. Educados, mas secos. Um deles segurava um envelope. Entregou a ela com um olhar que já dizia tudo. Precisa assinar aqui, por favor? Ela pegou o envelope e leu o que estava escrito na frente. Nome dela, logo da empresa. Um aviso impresso em cima. Comunicado interno, confidencial. Assinou o recibo, agradeceu e fechou a porta. O coração batia no pescoço. Sentou no sofá e rasgou o
envelope. Puxou as folhas. Eram poucas, mas pesavam como tijolos. Assunto: encerramento de contrato de prestação de serviço. Ela leu até o fim e mesmo sem querer, chorou sem barulho. Só as lágrimas caindo enquanto os olhos liam o que o mundo chamava de burocracia. Palavras frias, decisão estratégica, reestruturação de imagem, rompimento necessário, assinatura no final, diretoria de recursos humanos. Nenhuma palavra do Leonardo, nenhuma explicação direta, só um adeus com carimbo oficial. Maria largou o papel no chão e levantou. Foi direto até o quarto da filha. olhou para ela dormindo e sentiu uma mistura de dor e
raiva. Pegou o celular e mandou mensagem. Você mandou eles me demitirem? Esperou. 20 minutos. Nada. Meia hora. Leu a mensagem de novo para ter certeza de que tinha enviado. Leonardo, você mandou eles me demitirem. Uma hora depois, o celular vibrou. Não fui eu, mas eu deixei. Ela sentou na beira da cama com o estômago virado. Por quê? Mais alguns minutos. Nova resposta. porque senão eu ia perder tudo e ainda não tô pronto para perder tudo. Ela leu aquela frase várias vezes, não sabia se sentia raiva ou só tristeza, mas entendeu. Ele escolheu o que sempre
escolheu, o controle, o império, o nome. E ela, bom, ela era só uma peça fora do padrão. Pegou o telefone e ligou. Ele atendeu na primeira chamada. Você podia pelo menos ter falado comigo, Maria. Eu tentei. Eu lutei por você lá dentro, mas começaram a ameaçar cortar patrocínio, contratos. Eu não tinha mais apoio. E agora você tem o quê? Paz. Tem um buraco no peito. Pois é, eu também. Só que o meu é aqui, com a minha filha no colo, sem emprego, com minha cara espalhada na internet, como se eu fosse uma aproveitadora. Silêncio. Você
ainda tem a casa? Eu não vou tirar isso de você. Nunca foi por interesse. Eu sei, mas agora não importa mais. Ela desligou, jogou o celular no sofá e sentou no chão. Ficou ali só respirando. Sofia acordou minutos, depois pedindo mamadeira. Maria levantou, deu o leite, fez carinho no cabelo da menina e manteve o rosto firme, mas por dentro estava desmoronando. Aquela noite foi longa, ela não dormiu. Ficou sentada na varanda com um cobertor nos ombros e um copo de água nas mãos, pensando em tudo. Pensando em como a vida dá voltas que ninguém espera.
pensando em como, por um instante ela acreditou que ia ser diferente, que dessa vez alguém ia segurar a mão dela até o fim, mas não segurou. E quando a madrugada virou manhã, ela já tinha tomado uma decisão. Depois da demissão, Maria achava que nada mais podia piorar, mas piorou. Não por causa de um escândalo novo, nem por causa do Márcio, foi outra coisa. Foi a ausência. Leonardo desapareceu literalmente. Sumiu. Não mandou mensagem, não ligou, não apareceu. Os contatos dele, que antes vibravam todo dia no celular dela, viraram silêncio. A casa, que por um tempo parecia
viva com a presença dele, ficou fria, vazia. O carro preto dele nunca mais parou na frente do portão, e o som da voz dele, aquele jeito calmo, meio travado, mas firme, virou só lembrança. Maria tentou não pensar muito nos primeiros dias. Achou que ele só precisava de um tempo, que estava resolvendo as coisas lá dentro, que voltaria a mandar uma mensagem a qualquer hora. Mas a mensagem não veio, nem no dia seguinte, nem depois. Ela ainda tinha a casa. Ainda tinha a segurança na porta, os móveis, a conta paga, mas era como morar num lugar
emprestado de alguém que já tinha ido embora. No terceiro dia, ela mandou mensagem: "Você tá bem visualizado?" Nenhuma resposta no sexto dia. Não sei se você ainda pretende falar comigo, mas só queria saber se você tá vivo. Nada. No oitavo di ela ligou, chamou três vezes, caixa postal. Ela ficou olhando pro celular com raiva, uma raiva que misturava decepção e orgulho ferido. Porque agora não era só sobre trabalho, era sobre o que ele disse, sobre tudo o que ele fez parecer verdade, e agora sumir assim, como se tudo aquilo não tivesse importância nenhuma. Numa tarde,
ela sentou na varanda e ficou assistindo Sofia brincar com a bonequinha de pano. A bebê ainda sorria, ainda puxava o cabelo dela com a mesma alegria de sempre, como se nada tivesse mudado. Mas para Maria, tudo tinha mudado. Ela pegou o celular e pela primeira vez começou a escrever uma mensagem longa. Leonardo, eu não sei se você tem medo de mim, da situação, ou se tudo isso foi só um impulso seu e agora você se arrependeu. Mas você sumir desse jeito me mostra uma coisa. Você pode ser um gênio com números, um líder de empresa,
o homem mais inteligente da cidade. Mas quando se trata de gente de verdade, você ainda é um menino fugindo da própria bagunça. Eu não sou a sua bagunça. Eu sou uma mulher que confiou em você, que abriu a porta da casa e da vida. E se você não sabe o que fazer com isso, tudo bem. Mas tenha a coragem de me dizer, porque fugir é fácil, mas quem vive de verdade não foge. Ela não enviou. Ficou olhando pra mensagem por uns bons minutos, leu e releu. Depois apagou tudo. Para quê? Ela falou para si mesma.
O silêncio dele já é a resposta. Naquela mesma semana começou a sentir os primeiros sintomas. Dor de cabeça, cansaço. A voz de Sofia rouca demais, nariz escorrendo sem parar. Achou que fosse só gripe. Mas no segundo dia a bebê estava com febre alta e vomitando. Maria correu com ela pro hospital mais próximo. Na recepção, tentou manter a calma, explicou os sintomas, pediu atendimento rápido, ficou com a filha no colo, tentando fazer ela dormir enquanto esperavam. Quando o médico finalmente chamou, ela entrou quase desabando. Febre de 39,4. Diagnóstico, infecção respiratória forte. Receitou antibiótico, repouso e muita
atenção. Qualquer piora tinha que voltar. Maria voltou para casa com a filha molinha no colo. Passou a madrugada acordada, dando remédio, medindo a febre, fazendo compressa, com toalha gelada. Ninguém ligou, nenhuma ajuda veio. Na manhã seguinte, ela decidiu fazer uma coisa que não fazia há meses. Foi até a garagem, entrou no quartinho de entúho e pegou a caixa de papelão onde guardava os currículos antigos. tirou tudo de dentro, pegou o notebook, atualizou os dados e começou a montar um novo. Agora com as experiências recentes, assistente virtual, suporte administrativo, atendimento direto a executivos, tudo verdade, mas
com outro peso agora, peso de recomeço. Enquanto Sofia dormia, ela se registrou em três sites de emprego, mandou e-mail para cinco empresas e preencheu sete fichas de cadastro. Uma delas pedia para gravar um vídeo de apresentação. Ela gravou: "Oi, meu nome é Maria Eduarda. Tenho 29 anos, sou mãe, sou determinada e tô disposta a fazer parte de uma equipe que queira alguém comprometida de verdade. Eu aprendo rápido, sou discreta e dou conta de qualquer função administrativa ou de apoio. Obrigada por assistir." Quando terminou, ficou uns segundos olhando pra tela, depois clicou em enviar. À noite,
deitou no colchão da Sofia com ela no colo. Pegou o celular pela milésima vez, só por reflexo. Nenhuma mensagem nova, nenhuma ligação. Leonardo tinha desaparecido como se nunca tivesse existido. E agora, de novo, ela só tinha uma certeza, ela por ela mesma. O interfone tocou num fim de tarde nublado, no exato momento em que Maria estava tentando fazer Sofia dormir depois de mais uma febre que demorou para ceder. Ela atendeu sem muito ânimo, esperando que fosse o entregador com a encomenda de fraldas que tinha pedido pela internet, mas a voz do outro lado não era
a do entregador. "Boa tarde, é o Leonardo. Eu posso subir?" Maria congelou. Ela olhou paraa Sofia no coloinho ainda suado da febre e depois encarou o interfone por alguns segundos, como se a qualquer momento fosse acordar daquele sonho torto. "Pode?" Foi tudo que ela conseguiu responder. Desligou, respirou fundo e foi até o espelho mais perto da escada. Olhou pro rosto dela, olheiras fundas, cabelo preso de qualquer jeito, camiseta com uma mancha de mingal no ombro, mas ela não se importou. Não era dia de disfarçar. Dois minutos depois, a campainha tocou. Ela abriu. Leonardo estava parado
ali, mais magro, barba por fazer. Camiseta preta simples, calça jeans escura, olhos cansados, mas o mesmo olhar direto de sempre. Ela ficou na porta, sem saber se chamava ele para entrar ou se dizia tudo o que estava entalado. "Oi", ele disse. "Oi, posso entrar?" Ela deu espaço sem falar nada. Ele entrou, olhou em volta como se não soubesse mais onde estava pisando. Tudo igual, mas tudo diferente. Sofia estava no sofá, deitada, coberta até o queixo. Leonardo olhou para ela com calma e depois se virou para Maria. Ela tá doente? Infecção? Nada grave, mas tive que
correr com ela pro hospital dois dias atrás. Você não viu isso porque sumiu. Ele abaixou a cabeça como se estivesse aceitando o golpe. Eu sei. E agora resolveu aparecer. Por quê? Leonardo respirou fundo, deu um passo pra frente. Porque eu fiz merda. Achei que tava protegendo, você ficando longe, mas no fundo eu só fugi. Fugi porque estava assustado, porque percebi que você virou a única coisa da minha vida que eu não consigo controlar. E desde quando isso é desculpa para assumir assim? Desde que eu cresci num mundo onde a gente aprende a evitar dor ficando
distante. Maria cruzou os braços firme. E agora quer voltar? como se nada tivesse acontecido. Não, eu não quero fingir. Eu vim aqui para pedir desculpa por ter deixado você enfrentar tudo sozinha, por ter escolhido o mais fácil, por não ter sido homem de bancar o que a gente estava construindo. Ela riu, mas não foi de alegria. Você me deixou no meio de um furacão. Minha cara foi parar em site de fofoca. Perdi o emprego. Gente da minha família me mandando print e piada. E você, você se trancou na sua torre. Eu tava tentando resolver. Tava
fora do país. Fui para Londres encontrar um investidor e para apagar incêndio. Mas também fui fugir de mim, pois eu fiquei aqui. Não fugi de nada. Ele se aproximou mais um pouco. Eu sei. Por isso tô aqui agora, para dizer que se você me mandar embora, eu entendo. Mas se ainda tiver espaço, mesmo que pequeno, eu quero tentar. Maria olhou para ele por um bom tempo, sem dizer nada. pensou nas noites acordada, na mensagem que quase mandou, nas vezes em que quis que ele batesse na porta e dissesse exatamente isso. Você chegou tarde, Leonardo? Talvez.
Mas cheguei. Sofia mexeu no sofá, fez um barulhinho. Maria foi até ela, ajeitou o cobertor. Leonardo ficou olhando em silêncio. Quando ela voltou, ele ainda estava ali parado, como quem tá esperando uma sentença. Eu não sei se consigo confiar de novo. Você entende isso? Entendo. Eu só queria começar de um jeito certo, do seu jeito. Ela suspirou. Você ainda tem acesso à empresa? Tenho. Voltei ontem. Cortei dois diretores. Um deles foi quem fez pressão para sua demissão. Denise voltou também. Tá no comando de novo. E por que tá me dizendo isso? Porque eu quero que
você saiba que não foi só conversa. Eu fiz escolhas, tô pagando por elas, mas dessa vez escolhi você. Maria caminhou até a janela, abriu um pouco para entrar ar, ficou de costas para ele por alguns segundos, depois virou. Tá. Então faz o seguinte, se quiser ficar, você vai ter que fazer parte da rotina. Isso aqui não é filme. A Sofia acorda de madrugada. Chora, vomita no travesseiro. A comida queima, a luz pisca, a conta de gás atrasa. Não tem glamur aqui, tem vida real. Leonardo sorriu pela primeira vez. Era disso que eu estava fugindo. Então,
bem-vindo ao caos. Se não aguentar, a porta é a mesma por onde entrou. Ele foi até o sofá, sentou ao lado de Sofia e passou a mão devagar no cabelo dela. Ah, bebê, mesmo dormindo, soltou um suspiro calmo, como se tivesse reconhecido o toque. Maria encostou na parede, cruzou os braços e ficou observando. Ela ainda estava magoada, ainda não sabia se era certo. Mas pela primeira vez em dias, sentiu o peito aliviar um pouco, nem que fosse só um pouco. Dois dias depois da volta de Leonardo, Maria estava lavando louça na cozinha quando escutou ele
falar no telefone no escritório improvisado do andar de cima. A porta estava encostada e a voz dele estava mais alta do que o normal. Não, eu não vou apagar isso. Já passou do limite. Ele tentou de novo. Invadiu o servidor interno ontem à noite. Se isso vaza, não é só a minha imagem que vai pro lixo, é a de vocês também. Maria parou o que estava fazendo, secou as mãos e subiu devagar. ficou na porta sem bater. Ele andava de um lado pro outro, o celular na orelha, com a testa franzida e o olhar tenso.
Já falei. Eu tenho prints hiper rastreado, tudo. Ele usou o nome dela, tentou mandar e-mail se passando por ela e a imprensa quase caiu. Se não fosse a Denise, Maria empurrou a porta. Quem tentou se passar por mim? Leonardo travou. desligou o telefone sem dar explicação nenhuma e ficou olhando para ela. Pode falar, Leonardo, agora ele passou a mão na cabeça, nervoso. Foi o Márcio de novo? Não foi só ele. Tô segurando essa informação faz tempo, mas você precisa saber agora. O Márcio não te procurou por causa de dinheiro. Não só. Ele tentou invadir meu
sistema anos atrás. Ele me chantageou com um esquema de vazamento de dados confidenciais de uma empresa que eu estava tentando comprar, só que na época não dava para provar, então engoli e segui em frente. Maria encostou na parede tentando acompanhar. Tá, mas e agora? Agora ele achou uma brecha. Quando você apareceu, ele viu um jeito de voltar, usou sua imagem, se aproximou de novo, criou um plano todo. Só que ele não fez isso sozinho. Ela franziu a testa. Como assim? Leonardo sentou na cadeira e olhou para ela com um olhar diferente, duro, quase assustado. Tem
alguém de dentro da minha empresa ajudando ele. Maria sentiu o estômago virar. Você tá dizendo que tem um traidor lá dentro? Sim. E eu descobri quem é ontem. Ela ficou esperando a resposta. Ele respirou fundo antes de soltar. É a Denise. Maria quase riu. A Denise, a que me treinou, a que dizia que confiava em mim. Ela mesma. Eles já se conheciam. Tem registros de ligação entre os dois. Contas bancárias ligadas, dinheiro circulando. Ela usou você para entrar em lugares que ninguém tinha acesso. Fingiu proteger enquanto monitorava seus passos o tempo todo. Maria deu um
passo para trás. E você só descobriu isso agora? Eu suspeitei faz uns dias, mas ontem ela tentou desviar parte do banco de dados da empresa, foi pega por um analista de segurança e aí tudo veio à tona. E o que você vai fazer? Já fiz. Ela tá sendo investigada. Tô entrando com processo. Ela sumiu ontem à noite, mas não vai longe. Maria ficou em silêncio. O mundo dela virou mais uma vez. Aquela mulher que sorria, que dava bronca quando ela errava na planilha, que dizia: "Confio em você". Agora era só mais uma peça num jogo
sujo que ela nem sabia que existia. E o Márcio tá sendo monitorado, mas não podem prender sem provas diretas. E ele é esperto. Vai tentar mais alguma coisa, só que agora a gente tá preparado. Maria sentou no chão, não pela dor, mas pelo cansaço. Cansaço de ser jogada de um lado pro outro, como se a vida dela fosse tabuleiro pros outros brincarem. Leonardo se aproximou. Eu devia ter contado antes. Eu tava tentando te proteger, mas acabei te expondo ainda mais. Eu Chega, não fala agora. me deixa digerir isso. Ele respeitou, ficou em silêncio. Naquela noite,
Maria ficou deitada no colchão da filha, olhando pro teto, pensando em tudo. Denise, Márcio, a empresa, os dados, os nomes, os rostos e num certo ponto entendeu que não tinha mais espaço para ser a mulher, que só esperava. Ela tinha que agir. No dia seguinte, acordou cedo, preparou o café, arrumou Sofia, ligou para Leonardo e disse: "Me passa o contato do seu advogado. Quero saber o que posso fazer com esse histórico todo. Quero dar depoimento. Quero colaborar. Quero estar dentro. Tem certeza? Mais do que nunca." Horas depois, ela estava sentada numa sala cheia de papéis,
monitores e gente de cara fechada. Contou tudo o que viveu com a Denise, as conversas, os horários, os detalhes. Lembrou de um comentário que ela tinha feito uma vez sobre confiar demais nas pessoas erradas e isso virou pista. A investigação acelerou. Na mesma semana, o advogado da empresa entrou em contato com o Ministério Público e agora o caso virou oficial. No fim daquele dia, Maria voltou para casa exausta, mas com uma expressão diferente. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu que não era só vítima da história. Estava escrevendo o rumo dela com verdade, com coragem.
E mesmo que o caos ainda estivesse ali, dessa vez ela estava de pé. Maria não dormiu na véspera. Passou a noite deitada no sofá com o notebook aberto e o celular na mão. Já era a terceira vez que lia as mensagens trocadas entre Denise e o número falso que a polícia confirmou como sendo do Márcio. As provas estavam ali frias, claras, conversas sobre repasse de informações, prints de sistemas internos da empresa, até um pedido de dinheiro em troca de silêncio. O plano agora era simples. Armar um flagrante. Maria seria o Isco. Leonardo, o apoio e
a polícia, o golpe final. Ela passou o dia treinando as falas como se fosse uma atriz que tinha que entrar no papel, só que não era encenação. Aquilo era a vida dela, a filha dela, tudo em jogo. Encontro com Márcio foi marcado num estacionamento de um antigo galpão abandonado na zona norte, um lugar onde, segundo ele, ninguém ia se meter. A condição era clara. Ela iria sozinha, sem Leonardo, sem polícia. Só ela, a cara. e uma proposta de trégua. Maria chegou 10 minutos antes. O lugar era exatamente o que ela imaginava. Feio, frio, cheio de
mato crescendo no asfalto rachado. Tava com o celular escondido na blusa, ligado no viva voz, transmitindo tudo direto pra equipe de escuta, escondida num carro próximo. Coração batendo no pescoço, mas rosto firme. Ela não ia vacilar. Márcio apareceu andando com aquele jeito de sempre, sorriso torto no rosto, boné virado para trás e uma pasta debaixo do braço. Parecia alguém que tinha certeza da vitória. Olha só quem veio. Fiquei até surpreso. Você queria conversar. Tô aqui. Ele parou perto, olhando ela de cima a baixo. Você ficou bonita, viu? Essa vida de rica te fez bem. Não
começa, Márcio. Fala o que você quer. Ele tirou um papel da pasta. Era uma folha com vários prints colados, alguns falsos, outros manipulados e outros reais. Mistura perfeita para confundir qualquer um. Isso aqui é o suficiente para acabar com ele, com o Leonardo. Você sabe disso. E você quer o quê? 50.000. E meu nome fora dessa história. Você consegue isso fácil, né? Uma mulher de empresário. Maria respirou fundo, olhou bem nos olhos dele. E se eu não der? Ah, Maria, aí vaza tudo. Imprensa vai comer com farinha. Teu rostinho vai parar na TV. Mãe solteira
usa filha e seduz bilionário para roubar dados da empresa. Que tal esse título? Ela quase tremeu. Mas não, ela não era mais a mulher que tremia. Você tem mesmo coragem de me envolver nisso tudo, de jogar essa bomba em cima da Sofia? Ela nem vai lembrar. Criança, esquece rápido. Agora, se você for esperta, resolve tudo aqui com esse valor e se some. Vai viver tua vida longe com o que ganhou. Maria se aproximou devagar. Um passo, dois. Você acha que ainda me assusta? Márcio riu. Assustar? Eu só tô negociando. Então escuta bem. Ela tirou o
celular de dentro da blusa e mostrou a tela. Tá ouvindo esse clique aqui? Essa chamada já dura 32 minutos e desde o minuto dois a polícia tá ouvindo tudo. Márcio congelou. Ela deu mais um passo. Tem gravação, tem prova? Tem gente cercando o galpão. Você não vai sair daqui andando se eu levantar a mão. Ele arregalou os olhos, virou de lado, tentou correr, mas não deu tempo. Duas viaturas entraram com farol alto, portas batendo, gritos de polícia, mãos na cabeça. Em segundos, Márcio estava no chão, algemado, gritando palavrão, dizendo que era a armação. Maria ficou
parada, respirando fundo, sem conseguir mexer nada além dos olhos. Olha ele ali no chão e só pensava em tudo que passou, em todas as noites que dormiu com medo, em todas as palavras que engoliu, em cada Você não vai conseguir que ouviu. Leonardo apareceu minutos depois, descendo de um carro que tinha ficado estacionado a dois quarteirões de distância. Tava sério, mas o olhar dele tava diferente. Era alívio, era respeito. Ela foi até ele, não disse nada, só entregou o celular. Tá tudo gravado, pode usar como quiser. Ele segurou, mas não olhou. olhou para ela. Você
foi muito mais do que eu imaginei. Maria deu um meio sorriso. É que você imaginou pouco. Os dois ficaram em silêncio, vendo a viatura sair com Márcio no banco de trás. A sirene desligada, mas o barulho na cabeça dela ainda alto. A policial que comandava a operação se aproximou. Parabéns, Maria. Você foi corajosa para caramba. Sem você, isso ia ficar no escuro. Ela agradeceu com um aceno, mas a ficha ainda não tinha caído. O que ela sabia naquele momento era o suficiente. O ciclo estava se fechando. Aquele homem que por tanto tempo foi sombra, agora
era só um problema na mão da justiça. E ela ela estava ali firme pela primeira vez no centro da própria história. Os dias depois da prisão de Márcio passaram mais devagar do que Maria esperava. Não por medo, nem por angústia, mas porque pela primeira vez em muito tempo, o silêncio não era uma ameaça, era um alívio. Ela continuava na mesma casa, mas tudo parecia diferente. A energia era outra, os olhos dela também. Agora, quando ela passava no espelho, não via mais só cansaço ou preocupação. Via força. Vi alguém que aguentou o tranco e não quebrou.
Sofia voltou a sorrir mais, a correr pelos corredores com aquele chinelinho barulhento, a pedir música na hora do banho e repetir as frases dos desenhos. Ela não entendia o que tinha acontecido e nem precisava. O mundo dela era a mãe e Maria estava inteira. Leonardo passou a ir menos a casa, não porque desistiu ou se afastou, mas porque percebeu que agora era ela quem conduzia o próprio caminho. Ele entendia. e respeitava. Numa dessas tardes, ele apareceu com uma sacola de supermercado na mão, dizendo que tinha aprendido a fazer strogonof no YouTube. "Vai ficar uma merda,
mas quero tentar", ele disse rindo. Ela deixou. Ficou sentada na bancada da cozinha, observando ele todo perdido entre panela, cebola e creme de leite. Riu de verdade quando ele confundiu sal com açúcar. riu até chorar quando ele colocou a tampa errada e o molho espirrou na camisa dele. Você não serve para isso. Eu sei, mas agora eu quero aprender. A janta foi simples, mas teve gosto de vitória. Porque ali, na cozinha iluminada, sem câmera, sem medo, sem ameaça, Maria viu que o que ela tinha conquistado era mais do que um relacionamento, era respeito, era escolha.
Depois da comida, os dois ficaram na varanda. Sofia dormia no quarto. O céu estava limpo, com umas poucas estrelas espalhadas. Leonardo parecia mais leve. E agora? Ele perguntou. Agora eu sigo comigo ela pensou antes de responder. O silêncio durou alguns segundos, mas foi o suficiente para ele entender que não era automático. Leonardo, eu te agradeço por tudo, por ter me ajudado lá atrás, por ter voltado, por ter me protegido quando eu não sabia nem por onde andar. Mas eu eu preciso descobrir quem eu sou fora da sua sombra. Eu fiquei a vida inteira apagando o
incêndio, apagando a mim mesma. Agora que tá tudo em paz, eu não posso virar só a mulher do Leonardo. Ele ouviu em silêncio, não tentou rebater. Eu te entendo e te admiro ainda mais por isso. Ela virou de lado, encarou ele de frente. Eu não tô te afastando. Só não tô mais me perdendo para caber na vida de ninguém, nem na sua. Ele assentiu com a cabeça, os olhos brilhando, mas sem drama. sem apelo. Você quer que eu vá? Quero que você fique se quiser, mas não como dono de nada, nem da casa, nem de
mim. Leonardo ficou em silêncio por um tempo, depois levantou devagar, foi até a porta e parou. Então tá, eu fico como alguém que quer caminhar do lado e não na frente. Maria sorriu. Era isso. Nem mais, nem menos. No dia seguinte, ela pegou o notebook e criou uma nova conta de e-mail. montou uma proposta de serviço próprio, atendimentos virtuais, organização de agenda, suporte remoto, um perfil profissional dela, sozinha, com nome próprio, sem sobrenome emprestado. Fez um post discreto nas redes sociais, sem alarde, só uma frase. Às vezes, quando tudo desaba é só o começo de
uma nova estrutura. Em menos de duas horas, duas amigas de internet já tinham compartilhado. Em quatro, uma pequena empresa local mandou mensagem pedindo orçamento. Maria fechou o notebook, olhou paraa Sofia brincando no tapete da sala e sentiu aquela paz que nunca tinha conhecido. Não era felicidade de filme com música de fundo e final perfeito. Era vida real, era chão firme, era merecimento. Leonardo mais tarde apareceu com uma pasta na mão. Disse que tinha algo para mostrar. Maria olhou desconfiada, mas ele sorriu. Calma, não é contrato. Abriu a pasta. Dentro tinha uma cópia de um documento
de transferência de nome. Essa casa agora é sua. Oficialmente, sem aluguel, sem prazo. Eu não tô te dando. Tô te devolvendo. Porque você já transformou esse lugar num lar. E lar a gente não toma, a gente reconhece. Ela pegou o papel, segurou firme, não chorou, nem sorriu de cara, só respirou fundo. Obrigada. Mas a casa agora faz parte da minha história e da minha filha. Exatamente. Por isso é sua. Naquela noite, enquanto fechava as janelas e apagava as luzes da sala, Maria pensou em tudo que viveu, na mensagem errada, no susto, na ajuda inesperada, no
medo, nas mentiras, na exposição, no caos. E agora ali em pé no meio da sala, iluminada por um abajur simples, ela entendeu. Ela tinha escolhido ficar, mas não por falta de opção. Era porque, finalmente, depois de tudo, a escolha era dela. Era uma segunda-feira comum. Céu limpo, barulho de passarinho, aquele vento leve entrando pela janela da sala. Maria estava no chão com Sofia, montando um quebra-cabeça de bichinhos. A bebê ainda errava as peças, mas ria toda vez que encaixava alguma coisa, mesmo que fosse no lugar errado. O celular tocou. Número desconhecido. Ela atendeu. Alô, dona
Maria Eduarda. Sou eu. Boa tarde. Aqui é do cartório, Costa e Lima. A senhora pode comparecer aqui ainda hoje? Temos um documento entregue pessoalmente, com instruções para ser aberto apenas por você. Ela ficou confusa, mas disse que sim. Desligou e ficou encarando o celular por alguns segundos. Leonardo não tinha falado nada sobre isso, mas também ele andava misterioso nas últimas semanas. chamou o motorista que ainda prestava serviço para ela, agora por conta própria. Pegou a bolsa, ajeitou Sofia e foi até o endereço informado. Quando chegou, foi levada para uma sala simples. Um funcionário entregou a
ela uma caixa pequena retangular com um envelope colado na tampa. O nome dela estava escrito à mão. É só seu. Pode abrir aqui ou em casa. O conteúdo tá seguro. Fique à vontade. Maria agradeceu. Saiu do cartório com a caixa no colo, o coração batendo mais rápido. Abriu ali mesmo dentro do carro. Dentro da caixa tinha uma carta, papel grosso, letra escrita com caneta azul e um pen drive. Ela começou pela carta. Maria, se você tá lendo isso, é porque eu finalmente tive coragem de fazer o que devia ter feito antes. Durante a vida inteira,
eu construí coisas, códigos, empresas, contratos, mas nunca consegui construir uma coisa simples, confiança. Com você aprendi a confiar. E mais do que isso, aprendi que a vida não é só números, metas, acordos. É cuidado, é presença, é se importar. Você não me pediu nada nunca, mas mesmo assim me deu tudo o que ninguém deu. Verdade. Por isso, resolvi transformar essa verdade em algo maior do que nós dois. Esse pen drive tem o projeto de uma ONG registrada no seu nome. Já tá tudo legalizado. O nome raiz. Porque foi isso que você me ensinou? Criar raiz
onde parecia não ter solo nenhum. A ONG começa com um fundo de R$ 100.000 doados por mim. Mas a ideia é que cresça, ganhe força e que ajude outras mães como você. Eu sei que você não gosta de depender de ninguém, por isso essa é uma porta. Você entra se quiser. Pode mudar tudo, pode recomeçar, pode fazer do seu jeito, mas acima de tudo é só um presente de alguém que você mudou para sempre, Leonardo. Maria ficou em silêncio. A carta no colo, a mão cobrindo a boca, os olhos cheios d'água. Não era sobre o
dinheiro, nem sobre a ONG. Era sobre ele ter entendido, sobre ele ter ouvido, sobre ele ter feito algo que não servia só para ele, mas para muitas. Chegando em casa, ela colocou o pen drive no notebook. O projeto estava todo lá. Estatuto, plano de funcionamento, proposta de apoio jurídico, psicológico e financeiro para mães solteiras em situação de vulnerabilidade. Nome dela como fundadora. Endereço da sede. Um prédio alugado por dois anos em nome da ONG, numa área central da cidade. Tinha até uma aba com sugestões de contratação e, no final, um campo em branco com o
título: "Quem mais você quer trazer com você?" Ela chorou de novo, mas dessa vez foi diferente. Não era choro de dor, era alívio, era gratidão, era aquela emoção que não explode, só transborda. Pegou o celular, mandou uma única mensagem para ele. Recebi. Ele respondeu com um emoji. Nada mais precisava ser dito. Naquela noite, Maria colocou Sofia para dormir, sentou na frente do computador e começou a escrever um post simples, direto. O primeiro da nova fase, o primeiro de muitos. Hoje não é um recomeço, é só a continuação de quem eu sempre fui, mas agora com
espaço para florescer. Obrigada a quem ficou e bem-vindas às que estão chegando. Esse chão é nosso publicou, fechou o notebook, apagou a luz e dormiu com a cabeça tranquila. O amanhã finalmente era dela. [Música] [Música]