Você sabia que descobrir Angola é descobrir um pouco também o Brasil? Eu sou Israel Campos e neste vídeo para a BBC News Brasil eu trago para você 10 fatos interessantes sobre minha terra natal, Angola. Muita gente não sabe, mas Angola é um país estratégico para o Brasil na África, em grande parte pela herança cultural que compartilham, e que vai muito além da língua portuguesa.
Vamos começar com um pouquinho de geografia. Angola é um dos 54 países africanos e fica aqui na costa ocidental. Faz fronteira com a República Democrática do Congo, Zâmbia e Namíbia.
Como a gente sabe, a geografia é muito importante e nos leva ao nosso primeiro fato relevante de hoje! A chegada dos portugueses à Angola Essa localização banhada pelo Atlântico foi determinante no destino de Angola quando essa área se viu, lá pelo fim do século 15, na mira dos navegadores portugueses que andavam por lá a busca de uma maneira de alcançar fornecedores no valorizadíssimo comércio de especiarias da Ásia. Comandados pelo navegador Diogo Cão, os portugueses desembarcaram pela primeira vez em Angola em 1482, ou seja, 18 anos antes de chegarem ao Brasil.
Mas a colonização em Angola só começaria oficialmente quase um século depois, em 1575. Agora que mencionamos a chegada dos portugueses, vamos ao segundo fato da nossa lista. Origem dos povos de Angola Angola tem uma população muito diversa.
São mais de 30 milhões de pessoas em um país onde se falam mais de 20 línguas. Já imaginou? É o Kimbundu, Umbundo, Nganguela, Kwanyama, além do português e muitos outros idiomas.
Essa diversidade se explica em grande parte pelas migrações internas e pela longa história da colonização humana em África. Se rebobinamos até a pré-história, encontramos os primeiros povos de que se tem registro em Angola, os Khoisan - que eram tidos como ‘grandes caçadores’. E aí a gente dá um salto e vê a chegada dos povos bantos por volta do século 6 depois de Cristo.
Formaram um caldeirão étnico que não ficaria restrito às nossas fronteiras por causa de um triste capítulo da história da Humanidade que acabou gerando laços entre o Brasil e Angola! Terceiro fato curioso: escravizados vindos de Angola Boa parte dos africanos escravizados que chegaram ao Brasil vieram do que é hoje Angola. O interesse econômico português no país incluía a exploração de recursos naturais e, sobretudo, a exploração em larga escala do tráfico negreiro.
Em números gerais, 10 milhões de africanos foram levados para o chamado Novo Mundo. Há estimativas que indicam que cerca de 5 milhões tenham saído de Angola. Eram dali mesmo ou simplesmente foram retirados de outras partes do continente e embarcavam de Angola para as Américas.
O historiador português Alberto Oliveira Pinto diz que Luanda, a capital de Angola, foi um dos maiores portos de tráficos de escravizados de Angola para o Brasil. O destino dos escravos, ou dos escravizados, era o Brasil. Primeiro, Salvador, da Bahia, que foi a primeira capital do Brasil.
Mas, a partir do século 18, no tempo de Marquês de Pombal, quando. a capital passa a ser o Rio de Janeiro, é o Rio de Janeiro. Portanto, há uma interface, essa expressão não é minha, é de historiadores mais velhos que eu, há uma interface permante entre Luanda e Brasil, e os portos brasileiros.
E havia famílias brasileiras ou angolanas que viviam parte do tempo no Brasil, parte do tempo em Luanda. E ainda hoje há. Ou seja, os laços com Angola vão muito além de termos o mesmo país colonizador.
E mais um detalhe. Vocês se lembram que eu falei da chegada dos povos bantos em Angola no século 6 depois de Cristo? O fato é que a maior parte absoluta dos africanos que foram levados ao Brasil tem origem nos povos bantos.
É uma civilização, digamos assim, anterior à formação dos países. Ou seja, se você fica na dúvida se seus ancestrais vieram de Angola, do Congo, do Senegal ou dos Camarões, por exemplo… é bom ter em mente os bantos predominam nesses locais todos, e essa acaba sendo uma ancestralidade compartilhada tanto na África como entre muitos brasileiros. E a nossa quarta curiosidade é a língua compartilhada entre os dois países.
Não estou falando agora do português, mas justamente da influência dos idiomas bantos no vocabulário. Vou fazer uma lista curta porque senão não termino o vídeo. Vieram de idiomas bantos: Muleque, dengo, cafuné, caçula, cachimbo, bunda, farofa, muvuca, quitanda, samba, bagunça, lengalenga.
Ah, senzala vem do banto. Mas quilombo também! Eu conversei com o linguista angolano Ezequiel Bernardo e ele me explicou quais são as principais línguas que influenciaram essa “troca de palavras” de Angola para o Brasil.
Esta relação que existe e que foi influenciada devido à colonização e a escravatura, propriamente, fizeram com que o Brasil tivesse várias palavras da língua Quinbundu, principalmente da língua Quinbundu e Umbundo, principalmente no português brasileiro. Quinta curiosidade! O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola.
E isso depois de quase 400 anos de colonização portuguesa. Em 4 de janeiro de 1961, Angola teve o que foi considerada a primeira rebelião contra o regime colonial, organizada por trabalhadores de uma empresa angolana produtora de algodão. Entrou para a história como a Revolta da Baixa de Cassanje, e deu início a uma luta que levaria anos depois a independência em 1975.
Vale lembrar que o Brasil ficou independente de Portugal em 1822, ou seja, um século e meio antes de Angola. Essa demora maior em Angola tem de certa forma a ver com a chamada Partilha da África que, em 1885, dividiu oficialmente o continente africano entre potências europeias da época, levando a uma segunda onda de colonização, o chamado neoimperialismo. Angola, que já era colonizada desde as primeiras navegações, continuou sob controle português.
Ou seja, passou pelas duas ondas de colonização europeia. Sexto fato relevante. A independência lançou Angola em quase três décadas de guerra civil.
Resumindo bastante, os portugueses deixaram o país sem entregar formalmente o controle para nenhum dos grupos que lutavam pela independência, e a guerra entre eles durou até 2002. É uma história bastante complexa, que inclui Angola como palco de uma disputa sangrenta na chamada Guerra Fria. Isso é certamente tema para outro vídeo, mas ajuda a mostrar que paz mesmo, ainda que frágil, o país só tem há cerca de 20 anos, quase a minha idade.
Angola é uma república, mas um fato curioso é que, desde 1975 até hoje, ou seja, há quase 50 anos, o país só teve um único partido no poder - que é o MPLA, o Movimento pela Libertação de Angola. Os partidos da oposição acusam o MPLA de utilizar o seu poder e domínio sobre as instituições de Angola para vencer as eleições de forma fraudulenta. O que eles negam, é claro.
Um recente estudo do Centro de Estudos Estratégicos africanos diz que o MPLA “persegue sistematicamente este objetivo de se manter no poder através de uma série de manobras desajeitadas que maximizam o seu controle sobre as estruturas do Estado. ” O partido surgiu com o movimento de independência e tem raízes na esquerda. Vamos lembrar que Angola emergiu como nação durante a Guerra Fria e entrou na esfera de influência soviética até a década de 90, quando entrou em sintonia mais próxima com o capitalismo dos países chamados ocidentais.
Ah, em 2022 tem eleição presidencial em Angola também! A sétima curiosidade é outro aspecto que aproxima Angola do Brasil. Angola é um país rico em recursos naturais, é um dos principais produtores de petróleo na África.
É também um dos países africanos com maior diversidade de biomas. São savanas, florestas tropicais, ecossistemas úmidos e marinhos. .
. E é lá que fica o deserto do Namibe. Esse deserto tem mais de 55 milhões de anos.
Por isso acredita-se que possa ser o deserto mais antigo do mundo. Angola é casa da Floresta do Mayombe, que é a segunda floresta mais extensa do mundo, ficando atrás só da, adivinha? Sim, da Amazônia.
Vamos agora ao nosso oitavo fato curioso. Será que o samba veio do semba? Angola tem uma forte tradição em ritmos de dança.
Em Angola, existem vários estilos musicais. Os mais famosos no exterior são a kizomba e o kuduro. A Kizomba significa “festa” e nasceu em Angola na década de 80.
É um dos maiores estilos musicais em Angola, e requer duas pessoas para dançar. É mais ou menos assim. Já o Kuduro nasceu em Luanda; é um dos maiores ritmos populares de Angola, - outrora mais famoso nas periferias mas hoje reconhecido e respeitado em todo o país.
Esse eu prefiro mostrar um vídeo, porque é complicado. O semba é outro estilo tradicionalmente Angolano que reúne muita gente nas rodas de festa. E você sabia que a palavra “samba” tem origem angolana e acredita-se que tenha nascido da palavra semba - que em kimbundo significa “umbigo”?
O pesquisador Nei Lopes, por exemplo, diz que, para o povo quioco de Angola, a palavra samba é um verbo que significa “cabriolar, brincar, divertir-se como um cabrito''. E já que estamos falando dessas pontes culturais entre Angola e o Brasil é claro que não podemos deixar de mencionar nossa nona curiosidade. As novelas brasileiras fazem parte do dia a dia de muitas famílias em Angola.
Eu cresci vendo novelas do Brasil - e foi a partir daí que eu comecei a construir a minha visão geral sobre o Brasil e os brasileiros. Pelo que via nas novelas, o brasileiro era um povo divertido e acolhedor, assim como nós. As novelas, os seus personagens e suas histórias fazem e fizeram tanto sucesso em Angola que o maior mercado popular a céu aberto na África chegou a receber o nome de "Roque Santeiro", em homenagem a novela brasileira exibida em Angola na década de 1980.
Mas não são só as novelas brasileiras que fazem sucesso em Angola. Acho que mais do que a novela, hoje as pessoas ouvem muita música brasileira. É impressionante, todo lugar que eu vou, todos os meus amigos, ouvem música brasileira.
Música brasileira contemporânea. Para além dos que eles já ouviram, Zezé de Camargo e Luciano, Chitãoziho e Xororó, Leandro e Leonardo, Roberta Miranda. .
. Gente, Roberta Miranda é ídola, deusa nesse país. Roberta Miranda é amada aqui.
Lembro que eu fui num karaokê, uma vez, e uma mulher cantou Roberta Miranda a noite inteira. Todas as músicas que ela cantava era da Roberta Miranda. E as pessoas emocionadas.
Eu falei 'ok, tá bom'. E, coisas mais contemporâneas, tipo Emicida, o Orochi, enfim, Ludmilla, Anitta, já fizeram show aqui, há pouco tempo, pagode também. Ouviu-se muito pagode, na mesma época, acho, que a gente no Brasil.
Todos esses grupos de pagode, Raça Negra toca muito, Bello, Cara Metada. . .
Gente, Cara Metade. Axé. Toda festa tem aquela hora de tocar Daniela Mercury, Bom Xibom Xibom Bombom, Ivete Sangalo.
Toda aquela época do Axé. A Ana é brasileira e vive em Angola desde 2016. E chegamos à e última décima curiosidade.
Angola já venceu o Miss Universo, e numa edição que aconteceu em São Paulo. Leila Lopes tinha 25 anos. Eu era criança, mas não me esqueço daquele momento histórico para a Angola.
E que bom que aconteceu no Brasil! É claro que tem muito mais para se falar de Angola, mas destaquei aqui algumas que achei que interessam particularmente o público brasileiro. Em Luanda, a gente diria agora Chaleno Kiambote, tchau, passe bem em Kimbundu.
Até o próximo vídeo.