O que mais me preocupa em relação ao Theo e é o que mais preocupa a maioria das mães de pessoas com deficiência que não vão ter autonomia ou que vão ter pouca autonomia é quem vai cuidar dele depois que eu morrer Eu ouvi de uma mãe que tem 3 filhos autistas que ela queria ter o direito de morrer é um problema urgente, a gente precisa de políticas públicas não é pra daqui 20 anos é pra agora! O Theo foi o primeiro neto dos dois lados um bebê muito desejado, esperado, querido O meu pai, principalmente, era o sonho da vida dele ser avô, foi uma coisa! Ele sempre foi um bebê muito risonho, muito amigável uma gracinha de bebê mesmo Com 5 meses ele falou "papai", com 6 meses ele falou "mamãe" perto do primeiro aninho, ele começou a ficar diferente ele parecia que tinha esquecido algumas coisas que ele tinha aprendido por exemplo, no aniversário dele de 1 aninho, ele já não bateu palminha no parabéns e era uma coisa que ele sabia fazer A gente começou a interpretar todos aqueles comportamentos como fruto de uma personalidade forte porque eu e o meu marido temos uma personalidade forte, então.
. . quando a gente chamava e ele não olhava "Ah, é porque ele tem audição seletiva" quando a gente pedia pra ele fazer alguma coisa e ele parecia que nem tinha ouvido "Olha lá, audição seletiva de novo!
" Ele começou a ficar mais sério ele começou a ficar interessado em carrinhos, mas de uma forma diferente não era bem o carrinho, era a rodinha do carrinho então, ele deitava no chão e ficava passando o carrinho, assim, na frente dos olhos e ficava um tempão naquilo ali e aí, com menos de 1 mês de escolinha as professoras chamaram a gente pra ter uma conversa, pra falar do primeiro mês dele lá eu tava bem ocupada no trabalho aquele dia e meu marido disse: "Deixa que eu vou e eu te conto depois o que rolou" e na volta já, ele me ligou eu tava no trabalho e ele falou pra mim: "Dea, eu tô aqui com o relatório das professoras que tem algumas coisas bem preocupantes sobre o Theo" "Não faz contato visual" "Prefere objetos a pessoas", eu lembro disso "Não interage com os coleguinhas, prefere o isolamento" "Tem fixação por objetos que giram" e o mais estranho é que eu não sabia nada sobre autismo naquela época mas na hora que meu marido leu aquilo tudo eu falei assim: "Lê, eles estão insinuando que o Theo é autista" A gente chegou a ir na pediatra, que entrou em negação Então, ela meio que me culpabilizou, falou que era falta de estímulo que ele via muito DVD e é muito comum até hoje isso acontecer as mães são culpabilizadas "Porque você dá tudo na mão dele" "Você tá procurando problema no menino" "Você não coloca limites" A gente foi num neuropediatra e com uma consulta esse neuropediatra deu o diagnóstico É o momento em que você se sente profundamente sozinha no mundo, no universo porque. . .
o meu marido tava do meu lado chorando também tava nós dois totalmente perdidos, machucados, com o coração em pedacinhos mas é uma dor extremamente particular, sabe? porque cada mãe e pai idealiza o filho de um jeito e todo mundo idealiza filho, todo mundo quando vai engravidar faz um milhão de planos para o filho e vem alguém e te fala "o seu filho não é o que você imaginava e nem vai ser o que você imaginava" Na verdade, ninguém vai ser o que a mãe imaginava só que pra alguns essa distância entre o imaginado e o real é maior que era o caso do meu filho foi muito sofrido mesmo, muito sofrido mesmo porque eu não conhecia ninguém que fosse autista ou que tivesse deficiência justamente porque a nossa sociedade tende a segregar essas pessoas e na época em que eu era criança mais ainda eu não convivi com crianças com deficiência na escola eu mal via com Síndrome de Down na rua Então, tudo isso colabora pra que. .
. eu acredito que a gente sofre mais no diagnóstico porque a gente não está acostumado a ver pessoas com deficiência, conviver com pessoas com deficiência pra ver a deficiência como parte da diversidade humana Então, isso tudo faz parte do pacote do sofrimento que vem Em janeiro de 2012, que tava no auge da moda dos blogs, todo mundo fazendo blog eu falei "Ah, eu vou abrir um blog pra eu escrever" e aí, eu dei o nome pro blog de Lagarta Vira Pupa que era um pedacinho de uma música do Cocoricó que o Theo cantava e o primeiro texto que eu publiquei, que eu compartilhei foi contando do dia do diagnóstico contando justamente que o médico me perguntou se o Theo falava e eu falei: "ele fala, ele canta vários pedacinhos de música" e o médico falou: "não, mas ele te chama? Ele chama 'mamãe?
' Ele pede água? " e aí foi o momento em que eu percebi que meu filho era autista Eu lembro que eu compartilhei o link no Facebook e achei que só a família iria ler e na hora que eu olhei tinha, sei lá, 276 compartilhamentos Aí eu comecei a entender que, assim, não tinha naquela época um canal como esse pra poder falar pra mães aquilo que elas sabem que acontece pra elas se sentirem validadas porque essas mães são muito invisibilizadas, ninguém quer ouvir elas falarem da dor delas então muita gente só dá um tapinha nas costas e fala "ah, você é escolhida por Deus" "Você é especial" e tchau ninguém quer ouvir elas falarem dessa dor, do sofrimento que é quando você descobre que o filho. .
. enfim E eu comecei a receber muitas mensagens de mães do Brasil inteiro e até de fora do Brasil que se identificavam com os meus relatos, falando: "Olha, eu compartilhei o seu texto com a minha família inteira porque eu quero que eles saibam que foi assim que eu me senti" e aí, começaram a contar histórias e eu comecei a descobrir, por exemplo, que é muito comum que os maridos vão embora quando os filhos são diagnosticados e essas mães ficam sendo as únicas responsáveis pelo cuidado dessas crianças, que cresce e viram adolescentes, viram adultos elas não conseguem se manter no mercado de trabalho porque. .
. justamente porque essa pessoinha demanda muitos cuidados então é impossível você ficar num horário formal de trabalho então elas ficam vivendo de bicos O trabalho do cuidado é um trabalho, que é um trabalho mas ele é visto como algo que é só fruto do amor como se fosse uma coisa natural é um trabalho que é desvalorizado e não pago ele não é remunerado então, eu acho que é muita injustiça e aí, muita coisa me abrir os olhos, sabe? Primeira coisa que me abriu os olhos foi o fato de que meu filho foi recusado numa escolinha com 2 anos de idade ele era um bebê e no momento em que eu falei que ele era autista, que ele tinha sido diagnosticado com autismo começaram com papo de "A gente vai ter que conhecer ele melhor pra ver se a gente pode oferecer o que ele precisa" e aquilo me machucou profundamente e o fato do meu filho ter sido excluído, começou a me abrir os olhos pra várias outras exclusões de pessoas que vêm em corpos ou mentes que são diferentes da norma Então eu comecei a criar eventos inclusivos porque eu percebi que essas mães não tiravam essas crianças e adolescentes de casa porque sofriam preconceito e ai eu falei: "não, olha só.
. . vocês pagam imposto, os filhos de vocês são cidadãos e eles têm direito de usar o espaço público.
Então nós vamos fazer um piquenique no parque e vai todo mundo levar os meninos e vão ter que aguentar a gente lá" Aí virou também arraial inclusivo, já fiz arraial inclusivo e esse ano foi o primeiro Carnaval inclusivo que a gente conseguiu aquela área aberta, embaixo da Câmara Municipal (de SP) e foram mais de mil pessoas tudo quanto é diversidade que você imaginar tinha lá Tinha criança com paralisia cerebral, com traqueostomia mas vestidinho de super-herói e a mãe falando assim. . .
a mãe veio falar comigo chorando "nunca imaginei que eu ia conseguir levar meu filho num Carnaval" Políticas públicas no caso de pessoas com deficiência algumas vezes é caso de vida ou morte Então, eu comecei a me envolver em questões mais políticas ir na Assembleia Legislativa, participar de audiência pública, esse tipo de coisa e eu resolvi me filiar e concorrer à Deputada Federal em 2018 quando veio o resultado, eu tive mais de 43 mil votos e fiquei com suplência fiquei como segundo suplente numa primeira eleição, sem dinheiro numa campanha de três pessoas então, foi uma coisa. . .
até hoje eu começo a rir de nervoso às vezes é quase inexplicável mas com isso eu pude perceber como que, de certa forma esse trabalho de acolher, ouvir essas mães, informar essas mães, ajudar essas mães de vez em quando e tudo ao longo dos anos fez alguma diferença, fez essas mulheres se sentirem representadas e deixou mais claro ainda nossa necessidade de representatividade O Theo ele tá com 12 anos eu falei que ele cantava, né? Uns pedacinhos de música mas entre os 3 e 4 anos ele perdeu todo o resto da fala que ele tinha a gente tá tentando implementar uma comunicação alternativa pelo tablet com ele ele é um menino muito esperto, muito esperto ele entende tudo que a gente fala o que me preocupa mais em relação ao Theo e é o que preocupa a maioria das mães de pessoas com deficiência que não vão ter autonomia ou que vão ter pouca autonomia é quem vai cuidar dele depois que eu morrer Eu ouvi de uma mãe que tem 3 filhos autistas que ela queria ter o direito de morrer e é bem isso! e a gente volta pra questão das políticas públicas tá vendo como não dá pra soltar um assunto do outro?
não dá pra falar de autismo e deficiência sem falar de políticas públicas? Então, esse é o maior pânico de qualquer mãe de pessoa com deficiência E esse é um problema urgente é um problema urgente e a gente precisa de políticas públicas não é pra daqui 20 anos é pra agora!