Uma doença que atinge meio bilhão de pessoas no mundo e quase metade delas não faz ideia que está doente. Eu estou falando do diabetes e ao longo de 6 episódios da série Diabetes Explicada, você vai conhecer comigo cada detalhe dessa doença. Hoje eu vou te contar com uma linguagem simples o que é o diabetes, quais os principais sintomas e como você pode se proteger.
Me conta aqui nos comentários, você ou alguém da sua família tem diabetes? Eu conheço várias pessoas que convivem com essa doença, mas é a história de uma delas que vai nos mostrar como a diabetes evolui de uma doença silenciosa para um perigo mortal. Lucrécia sempre foi uma mulher ativa e independente.
Mas de uns meses para cá, as coisas mudaram. Mesmo se alimentando bem, seu corpo parecia dizer o contrário: que ela estava morrendo de fome. Ela emagreceu de repente, perdeu as forças e o ânimo para as atividades do dia a dia, passou a sentir muita sede e a eliminar um volume enorme de urina ao longo do dia.
O mais estranho é que um dia ela se esqueceu de dar descarga e tomou um susto com o tanto de formiga que juntou ao redor do vaso e da lixeira. Algo estava muito errado. Ela estava com diabetes.
A diabetes já é conhecida desde os primórdios da humanidade. Há mais de 3500 anos, médicos do antigo Egito, já atendiam pessoas com exatamente os mesmos sintomas da Lucrécia. Mas durante séculos, o único avanço em relação a essa doença misteriosa foi que ela passou a ter um nome.
Diabetes Mellitus ou só diabetes. Foi só em 1889 que as causas do diabetes começaram a ser esclarecidas. Oskar Minkowski e Joseph von Mering eram dois médicos alemães que estudavam o pâncreas, esse órgão aqui que fica atrás do estômago.
Eles queriam saber a função do pâncreas na digestão. Para isso, eles fizeram um experimento, retirando o pâncreas de um cachorro e vendo o que acontecia com ele ao longo dos dias. O que eles não esperavam era que o resultado do experimento ia mudar totalmente o rumo da pesquisa.
O cachorro começou a urinar muito e as análises detectaram 12% de açúcar na urina, quando o normal seria não encontrar açúcar nenhum. Bem parecido com o que acontece com os diabéticos. Não parecia ser uma simples coincidência.
Quando o DrMinkowski implantou um pedaço de pâncreas de volta no cachorro, os sintomas melhoraram. A partir desse experimento despretensioso nasceu uma hipótese: a causa da diabetes poderia ser um defeito no pâncreas. E eles estavam certos.
Hoje sabemos que grande parte da função do pâncreas realmente está relacionada com a digestão. O pâncreas produz enzimas digestivas que nos ajudam a quebrar e absorver nutrientes. Mas uma pequena parte do pâncreas possui células especializadas em produzir o hormônio insulina.
Entender esse hormônio é a chave para entender o que aconteceu com a Lucrécia e com milhões de pessoas que convivem com o diabetes. Quando você come, grande parte dos nutrientes dos alimentos é absorvida e pode ser convertida em glicose, um verdadeiro combustível para o corpo. É ela que vai ser queimada dentro das células para produzir energia, mantendo todos os órgãos funcionando corretamente.
Mas o mais interessante é que apesar de a glicose ser essencial, nem mesmo ela, tem passagem livre para dentro das células. Alguns minutos depois da refeição, a glicose se eleva no sangue e espera um sinal verde para finalmente entrar e abastecer cada célula do corpo. Esse sinal é a insulina que é produzida pelo pâncreas em resposta ao aumento de glicose no sangue.
Quando tem insulina suficiente, ela se liga a um receptor na superfície das células e abre as portas para que a glicose entre. Mas se por algum motivo, a insulina não é produzida ou a célula não responde à ação da insulina, a captação da glicose é bloqueada. As células simplesmente perdem acesso a esse combustível e não importa se você acabou de comer uma barra de chocolate, cheia de açúcar.
A glicose que veio dela não vai ser distribuída entre as células e você vai ficar com um excesso de glicose circulando no sangue. Se a glicose passa de 200 miligramas por decilitro a qualquer hora do dia ou passa de 126 miligramas por decilitro depois de 8 horas de jejum, dizemos que a pessoa tem um indicativo de diabetes. Mas para dar o diagnóstico, ela precisa ter a glicose do sangue significativamente elevada em pelo menos 2 exames diferentes.
E para descobrir isso, galera, só tem um jeito: fazendo exame de sangue. É por isso que o seu médico vive te pedindo exame de glicose. Mas por que é que uma pessoa desenvolve diabetes?
A verdade é que quando falamos de diabetes não estamos falando de uma só doença, mas um conjunto de doenças com causas diferentes. Existem vários fatores capazes de disparar a diabetes e cada um deles influencia na evolução, nas possíveis complicações e até no tratamento. Uma possibilidade é quando o sistema imune ataca o pâncreas, que é quem fabrica o hormônio insulina.
Resultado: a pessoa não consegue produzir insulina ou produz muito pouco, o corpo deixa de captar a glicose e ela se acumula no sangue, gerando a diabetes tipo 1. Esse ataque do sistema imune ainda é um mistério para nós. Pode ser consequência de uma predisposição genética, mas uma simples virose também, como uma gripe, pode desconfigurar o sistema imune a ponto de disparar um ataque ao pâncreas.
Outra possibilidade para a diabetes é quando o pâncreas produz insulina normalmente, mas as células do corpo param de responder aos comandos dela. É a famosa resistência à insulina, disparada principalmente por fatores genéticos junto com uma má alimentação e sedentarismo. A insulina não consegue agir, o que impede a captação de glicose, e faz ela se acumular no sangue, gerando a diabetes tipo 2.
Existem outros tipos menos comuns de diabetes. Tem a diabetes gestacional, que aparece em até 3% das gestantes e coloca a vida da mãe e do bebê em risco. Também tem a diabetes causada por situações raras: alterações genéticas que atrapalham a captação de glicose; doenças do pâncreas, como a pancreatite; doenças que afetam a produção de hormônios, como o gigantismo; e uso de medicamentos que aumentam a glicose do sangue ou atrapalham a função da insulina, como alguns anti-inflamatórios e remédios contra o HIV.
É uma diversidade enorme que vai ser assunto dos próximos episódios da série. Mas por enquanto, vamos focar no que todos esses tipos de diabetes têm em comum, que é o aumento da glicose no sangue. O que isso significa na prática?
Quais são os sintomas da diabetes? Como a diabetes gera um excesso de glicose no sangue, os primeiros sintomas que aparecem são uma tentativa do corpo de reequilibrar a composição do sangue. Ele tenta diluir a glicose induzindo a pessoa a beber bastante água, ou seja, gerando muita sede.
É isso que Lucrécia estava sentindo, lembra? Só que quanto mais água a pessoa bebe, mais urina ela produz. Nos rins também acontece um fenômeno interessante.
Em situações normais, os rins fazem de tudo pra não perder glicose na urina. Eles reabsorvem o máximo de glicose que conseguem. De nada adianta ter um combustível tão valioso né se o tanque estiver furado vazando esse combustível, não é mesmo?
Mas quando a glicose está em excesso, tem tanta glicose que ela começa a vazar, e leva consigo a água que estava no sangue, fazendo a pessoa perder ainda mais água na urina e levando até a desidratação em casos mais graves. Enquanto isso, no restante do corpo, as células de Lucrécia estão desesperadas por glicose, que é a principal fonte de energia. Eu não te contei, mas ela desenvolveu diabetes tipo 2 e por mais que ela produza insulina, as células dela não abrem as portas pra glicose entrar.
O organismo, então, entende que está faltando alimento e dispara a fome. E como comer não resolve o problema, ele é obrigado a queimar gordura e proteínas ao invés de glicose. É daí que vem a dor de cabeça, perda de peso e de massa muscular sem explicação, seguido de fraqueza, tontura e até desmaios quando esses outros nutrientes estão no fim.
Percebeu esses sinais? Não perde tempo. Já vai para o pronto atendimento.
Só fica atento porque além desses sintomas não serem exclusivos da diabetes, eles nem sempre aparecem. E muita gente só descobre quando a doença já avançou a ponto de causar algo que pode ser ainda pior do que esses sintomas que eu te falei. Mas antes da gente pesar o clima por aqui e eu te explicar como o diabetes pode passar de uma doença silenciosa para uma ameaça à sua saúde, olha quanta informação você já recebeu.
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Bora falar do grande perigo da Diabetes. A raíz de todos os problemas da diabetes que nós ouvimos falar por aí está no fato de que a glicose é tóxica para o organismo. A verdade é que a glicose tem a péssima mania de se fundir às proteínas que toda célula tem por fora, modificando a estrutura e a função delas.
Essa é uma característica química da glicose e acontece toda vez que ela fica em contato com uma proteína por tempo suficiente. É um efeito colateral que o nosso organismo é obrigado a tolerar, já que ela é a molécula que nos dá mais energia com menos esforço. Sim, a nossa sobrevivência está nas mãos de uma substância tóxica.
Em situações normais, nós conseguimos consertar facilmente os danos causados pela glicose. Mas quando a glicose está além do que o organismo consegue administrar… a coisa fica feia. Ocorre um acúmulo de danos em todos os órgãos por onde a glicose passa.
Começando pelos vasos sanguíneos, a glicose se liga nas células que envolvem os vasos, causando coagulação e inflamação. Ter vasos inflamados e danificados aumenta o risco de trombose, hipertensão e até rompimento dos vasos a longo prazo. A fórmula perfeita para um derrame ou infarto.
O dano a vasos sanguíneos nos olhos pode gerar cegueira. Nos rins, os danos podem gerar a perda da capacidade de filtração e a necessidade de transplante. Mas, não são só os vasos que sofrem com o excesso de glicose.
Os nervos, que fazem a comunicação entre o cérebro e o corpo, também são danificados causando formigamento, ardência, dor ou perda de sensibilidade e perda de movimentos. Aqui começa uma das complicações mais temidas dos diabéticos. A pessoa que já está com a circulação prejudicada e perdeu a sensibilidade do pé, por exemplo, pode se machucar e nem perceber.
Sem acesso a oxigênio, nutrientes e células de defesa que circulam no sangue, os machucados demoram uma eternidade para cicatrizar. Nesse meio tempo, as células que estão podem continuar morrendo, a ferida aumenta e pode infeccionar, gerando um ciclo vicioso. É o famoso “pé diabético”, que não vale a pena mostrar em imagens pra vocês.
A informação mais relevante é que só entre janeiro e agosto de 2023, o pé diabético levou a quase 7 mil amputações no Brasil. E agora trazendo um relato que aconteceu comigo pessoal, uma pessoa muito querida da minha família, infelizmente, perdeu os movimentos do sistema digestivo, por causa de danos nos nervos causados por complicações do diabetes. Diabetes não é brincadeira.
Mas ao mesmo tempo, nenhum desses alertas faz sentido se a pessoa não souber que tem diabetes. Pessoal, até 40% dos diabéticos nas Américas nem sabem que estão doentes. Então o que você precisa fazer para ontem é conversar com o seu médico para entender se você está em risco e se vale a pena fazer exames de sangue para detectar uma possível diabetes.
Melhor controlar a diabetes já, do que esperar os sintomas aparecerem. E claro, se você não tem diabetes, fazer o possível pra prevenir a doença. É isso que eu vou continuar discutindo nos próximos episódios.
Então se prepare porque no próximo vídeo da nossa série eu vou falar sobre a diabetes tipo 1, a diabetes causada pelo próprio sistema imune. Até lá, aproveita para maratonar a série sobre câncer. Um grande abraço, gente magra e jovem também tem diabetes e eu te vejo no próximo vídeo.
Tchau.