É uma história muito interessante e cheia de enigmas e mistérios que ainda não foram resolvidos. O que se sabe é que, na volta do exílio da Babilônia, voltou apenas uma parte da elite de Judá; a outra parte ratificou, já sob o domínio persa. Chegando em Judá, estabeleceu-se a monarquia; porém, a monarquia era apenas uma reforma política.
O povo estava vivendo uma religiosidade totalmente anárquica: cada um tinha o seu Deus, cada família, cada povoado. Havia sacerdotes, populares, curandeiros, gente que faz oração, assim invocando esse ou aquele Deus, que, na concepção deles, trazia isto ou aquilo. E, por algum motivo que ninguém sabe, os reis caíram.
Então, os sacerdotes voltam da Babilônia para Israel. Aliás, quando eles voltam, se tornam os governantes do povo. O que eles encontram é uma massa de campesinato, camponeses, agricultores, totalmente anárquica do ponto de vista religioso.
Então, aí sim, os sacerdotes vão fazer uma reforma religiosa em Judá, unificar o culto em Jerusalém e estabelecer a adoração exclusiva a Javé, o Deus único. Por que estou fazendo esse preâmbulo? Porque o primeiro relato da criação que nós examinamos ontem (Gênesis 1 até 24) é um relato tipicamente monárquico.
Adão é apresentado como rei. No relato que nós lemos hoje, Adão não é mais um rei, é um agricultor. Esse relato, portanto, tem, digamos assim, autoria sacerdotal; são sacerdotes do Templo de Jerusalém que estão tentando, digamos, dar uma catequese para o povo.
"No dia em que o Senhor fez o céu e a terra, ainda não havia nenhum arbusto do campo sobre a terra e ainda nenhuma erva do campo tinha brotado, porque o Senhor Deus não tinha feito chover sobre a terra e nem existia homem para cultivar o solo. " Isso contrasta com o que nós lemos na descrição do primeiro capítulo: Deus cria a terra, depois as plantas, etc. O homem aparece no final como rei da criação.
Aqui, não havia nenhuma erva do campo brotando, porque o Senhor Deus não tinha feito chover sobre a terra e nem existiu o homem para cultivar o solo. Ou seja, qual é a função do homem? Cultivar o solo.
A função do homem é trabalhar. Mas uma fonte brotava da terra e irrigava toda a superfície. Nós podemos começar a ver aqui vislumbres da literatura profética, por exemplo, Ezequiel: a água que sai do lado direito do templo, que é uma fonte, ou seja, é o Templo de Jerusalém do qual brota uma única fonte e essa fonte rega toda a superfície daquele jardim.
Então, o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas, na verdade, nas gargantas, o sopro de vida, e o homem tornou-se um ser vivente. É muito interessante que depois, São Paulo, no capítulo 15 da primeira carta aos Coríntios, vai usar esse versículo para dizer que o primeiro Adão é um homem vivente, mas o segundo Adão, isto é, Cristo, é um espírito vivificador. Ou seja, o que o autor está descrevendo é que aquele bonequinho de barro foi tornado vivo e passou a respirar.
Na concepção judaica, a alma é o sopro, a alma é o fôlego; eles não têm uma concepção como a concepção ocidental, em que nós temos um princípio dual: a alma como forma do corpo. Aqui, não havia essa concepção ainda. O Senhor Deus fez brotar da terra toda sorte de árvores de aspecto atraente.
Aliás, depois, o Senhor Deus plantou um jardim em Éden, no Oriente, e ali pôs o homem que havia formado. E o Senhor Deus fez brotar da terra toda sorte de árvores de aspecto atraente e de fruto saboroso ao paladar: a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do que é bom e do que é mau. O autor está montando um cenário para o desenvolvimento que virá depois.
Nós já sabemos o que virá no capítulo 3, mas não vamos adiantar. Ou seja, árvores de aspecto atraente, árvores maravilhosas, mas no meio do jardim: a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal. Fora do jardim, ou não?
No centro do jardim, na periferia do jardim, a árvore da vida é a árvore da comunhão. É a árvore que fala de um relacionamento. E eles chamam a árvore de árvore da vida porque, também naqueles tempos, havia diversas mitologias que falavam da árvore da vida e do fruto proibido.
Isso, de alguma maneira, já estava presente na mentalidade das pessoas. Ou seja, existe uma árvore da vida, que é a árvore da imortalidade, e a árvore do conhecimento do que é bom e do que é mau, que, na verdade, coloca o homem numa posição que os sacerdotes de Jerusalém achavam desagradável. Ou seja, não queira conhecer muito, não, porque senão você vai se perder.
Fique aí na árvore da vida, senão se você começa a penetrar em meandros desconhecidos. . .
O próprio autor do livro do Apocalipse, depois, vai falar, né? Daqueles que querem mergulhar nos segredos de Satanás. É mais ou menos uma imagem aparentada com essa: vocês vão se perder.
Ou seja, o caminho para Deus não é um caminho de simples conhecimento, de uma gnose. Todos os conhecimentos esotéricos: para que servem? Para tentar ativar uma fonte de poder, que é o ocultismo.
Ou seja, todas as formas de feitiçaria e de idolatria são artes mágicas, são artes que funcionam pela via do conhecimento. E aqui ele está dizendo: não, não queira conhecer o que é bom e o que é mau. Você tem que estar na árvore da vida; você tem que ter acesso à árvore da vida, árvore da comunhão com Deus.
Depois, nós vamos ver como isso se desenrola. O Senhor Deus tomou o homem e colocou no jardim de Éden para o cultivar e guardar. Ou seja, o homem é um agricultor; Deus colocou o homem ali para.
. . Plantar os sacerdotes estão lá no templo.
Você tem que ir lá de vez em quando oferecer um sacrifício. Mas você está aí para plantar e guardar, para cultivar apenas isso. E o Senhor Deus deu uma ordem ao homem, dizendo: "Podes comer de todas as árvores do Jardim, mas não comas da árvore do conhecimento do bem ou do conhecimento do que é bom e do que é mal, pois no dia em que fizeres, sem dúvida, morrerás.
" É muito interessante que as religiões antigas não vinculavam religião a imoralidade. Então, você tinha divindades da vida, divindades da morte, divindades do caos, divindades da criação, da construção, divindades da fertilidade, divindades que tornavam uma pessoa estéril, e assim por diante. Ou seja, essas religiões antigas tinham uma ambivalência, uma ambiguidade entre o que é bom e o que é mau.
Você tem Deus para todo gosto; isso não é uma questão moral nas religiões antigas. Isso é uma questão da vida. É mais ou menos como ter, sei lá, sua mãe que quer o bem para você, mas você tem lá aquele amigo meio malandro que vai fazer um serviço sujo que você precisa.
É basicamente isso a concepção daquelas religiões antigas e daqueles cultos cananeus. Mas aqui, os sacerdotes de Jerusalém estabelecem uma interdição. Não é mais assim; agora você precisa ter comunhão com a árvore da vida, com a fonte que irriga todo o paraíso de Deus.
Veja que coisa interessante como nós podemos acessar uma catequese que, hoje, de certo modo, é atual. Nós estamos vivendo um tempo de neopaganismo, inclusive entre os católicos. Eu fico assustado como tem católicos na internet que se valem de ocultismo, pedras, e não sei o quê, e olhos, e astrologia, e tudo mais.
Porque, de fato, é um neopaganismo que volta com aparência de um conhecimento ingênuo, um conhecimento neutro, um conhecimento que você pode usar para o bem, você pode usar para o mal. Enquanto que o Deus que se revela nas Escrituras, através de todas essas vicissitudes históricas, quer conosco a comunhão. Não se trata de ter apenas um conhecimento, mas de ter uma vida intensa de comunhão amorosa com Ele.
Vamos pedir ao Senhor que nós consigamos enxergar a necessidade de voltarmos à comunhão, à união vital que nos faz ser amigos de verdade de Deus.