Direitos da PERSONALIDADE | Prof. Bruno Zampier

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Supremo
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Video Transcript:
[Música] Começando o estudo da parte geral pelo livro das pessoas. Afinal, como é que o direito conceitua pessoa? Sim, porque pessoa é um conceito interdisciplinar.
Na Biologia, na Física, na Química, na Medicina, na Antropologia, na Sociologia e na Filosofia, cada ciência vai poder dar o conceito que melhor lhe aprouver, e nem sempre esse conceito é uníssono sobre o que é pessoa. Então, eu tô te perguntando: o que é pessoa para o direito? Então, eu tô te perguntando qual é o conceito jurídico de pessoa.
Normalmente, você vai encontrar na doutrina o seguinte conceito, bem curto e direto: pessoa, para o direito, é o ser ou o ente dotado de personalidade. Pode anotar: pessoa é o ser ou o ente dotado de personalidade. Então, cabe a nós destrinchar esse conceito.
Quando eu falo de ser, eu tô falando de ser humano, de pessoa humana, que no Direito Civil vai ganhar o nome de pessoa natural, e no Direito Tributário vai ganhar o nome de pessoa física. No Direito Civil, a nomenclatura correta é pessoa natural. Ok?
Agora, quando eu admito a possibilidade de que pessoa também possa ser um ente, eu estou falando de uma ficção, de algo criado por pessoas humanas. Então, aqui nós vamos falar de uma ficção jurídica, de algo que foi idealizado e criado pela vontade humana, e a esse tipo de sujeito de direitos nós vamos dar o nome de pessoa jurídica. Ok?
Então, a pessoa, no direito, pode ser pessoa natural ou pode ser uma ficção criada por força da vontade de seres humanos, que é exatamente a pessoa jurídica. Então, eu digo que pessoa é o ser ou ente: ser ou ente, pessoa natural e pessoa jurídica, que inclusive serão os dois primeiros títulos do livro das pessoas. Livro: título um, pessoa natural; título dois, pessoa jurídica.
Mas quando eu falo que pessoa é o ser dotado de personalidade, vem a pergunta, né? O que é personalidade para o direito? Porque eu posso ter conceito de personalidade lá na psicologia e em outras ciências, lógico!
Agora, eu quero saber o que é personalidade à nossa ciência para o direito. Então, quando eu falo "pessoa é o ser ou ente dotado de personalidade", beleza, mas o que é essa tal de personalidade? O que significa essa tal de personalidade?
Então, depois de conceituarmos pessoa, para compreender melhor esse conceito, temos que entender o que é a personalidade. Ok? Tela: personalidade, vocábulo, uma palavrinha que no Direito Civil vai ser usada em vários momentos e com dois significados.
Se você pegar dentro do título da pessoa natural, título um, você vai ver que nos dois primeiros capítulos, o capítulo um e o capítulo dois, eles vão se valer deste termo, "personalidade". Acompanha comigo: estou com o Código Civil aberto na tela. Livro um das pessoas já sabemos, título um já sabemos também, é pessoa natural; título dois vai ser pessoa jurídica.
Olha o capítulo um: da personalidade e da capacidade. Agora veja o que diz o capítulo dois: na verdade, o capítulo dois é dos direitos da personalidade. Percebam que o mesmo vocábulo está sendo usado no Código Civil, logo no seu começo, para dar nome ao capítulo um, da personalidade e da capacidade, e para dar nome ao capítulo dois, dos direitos da personalidade.
A pergunta que se faz é simples: será que "personalidade" está sendo usado com o mesmo sentido no capítulo um e no capítulo dois, ou são sentidos diversos? Resposta: sentidos diversos. "Personalidade" é um termo que no Direito Civil comportará dois sentidos técnicos distintos, e esse é o primeiro pulo do gato para você começar a acertar questões de Direito Civil nas provas que você for fazer: entender que, se cair na prova "personalidade", a sua primeira tarefa é identificar em qual sentido o termo, o vocábulo "personalidade", está sendo utilizado.
Vou repetir: entender em qual sentido técnico o termo "personalidade" está sendo usado. Ok? Para isso, eu construí duas caixinhas para, didaticamente, a gente entender cada um desses significados.
Vou colocar aqui o significado que está no capítulo um e vou colocar aqui o significado que está no capítulo dois. Ok? Vamos ao primeiro deles: personalidade, no sentido do capítulo um, a "personalidade" mencionada no capítulo um é a famosa personalidade jurídica, também conhecida como personalidade civil.
Personalidade jurídica é sinônimo de personalidade civil. O que é isso? A doutrina nos ensina que essa personalidade é a aptidão genérica abstrata que todos nós temos para sermos o quê?
Titulares, para sermos titulares de direitos e deveres na ordem civil, titulares de direitos e deveres da ordem civil. Então, a ideia de personalidade jurídica, de personalidade civil, se liga a uma ideia de titularidade. Eu, Bruno, posso ser titular de cotas da sociedade empresária "Supremo".
Posso? Por quê? Porque eu tenho personalidade jurídica ou personalidade civil.
O Marcos, que tá me filmando, ele pode ser dono de uma casa. Pode? Por quê?
Porque ele tem personalidade jurídica ou personalidade civil. O "Supremo" pode locar este imóvel onde ele funciona. Pode?
Por quê? Porque ele tem, enquanto pessoa jurídica, personalidade jurídica ou personalidade civil. Então, é uma aptidão, uma susceptibilidade abstrata que todos nós temos para sermos titulares de direitos e deveres na ordem civil.
Fechado? Já a personalidade, no sentido do capítulo dois, evocará uma categoria de direitos subjetivos, uma categoria de direitos subjetivos: os chamados direitos da personalidade. Então, o que são os direitos da personalidade?
A doutrina nos ensina que são o conjunto de atributos que são inerentes à condição humana, à condição do ser humano. São atributos que estão umbilicalmente ligados à ideia de pessoa humana. Então, se eu, Bruno, sou uma pessoa humana, você que tá me assistindo é uma pessoa humana, nós temos vida, nós devemos ter respeito à nossa integridade psíquica e física, nós temos direito ao nosso corpo, nós temos direito à nossa imagem, temos direito ao nosso nome, temos direito à nossa intimidade, à nossa privacidade, temos direito à identidade, temos direito à.
. . Dignidade sexual, ou seja, temos uma série de direitos que nos são outorgados pelo ordenamento pelo simples fato de tentarmos a condição de seres humanos.
Você é ser humano. Você é titular de direitos, sim, independentemente de qualquer negócio jurídico, de qualquer contrato. A minha natureza humana já me outorga uma série de proteções; o fato de eu me qualificar como pessoa humana, por si só, já me traz um conjunto de atributos que vão me proteger: os atributos trazidos pela minha personalidade.
Então, a personalidade do sujeito já lhe traz uma série de atributos, e esses atributos são protegidos por lei. Eles formam um conjunto de direitos subjetivos de índole existencial, extrapatrimonial, não econômica, que são exatamente os direitos da personalidade. Então, não devemos confundir os dois sentidos técnicos do termo "personalidade".
Personalidade pode ser sinônimo de possibilidade de titularidade de direitos e deveres, e aí eu estou falando da personalidade jurídica ou civil. E "personalidade" pode nos trazer a ideia de conjunto de atributos inatos, vitalícios, inerentes à condição humana, sem qualquer caráter patrimonial. Ou seja, numa primeira vertente, a ideia é de uma personalidade civil, que nos traz a possibilidade de sermos titulares de direitos; a segunda ideia nos traz a possibilidade de simplesmente existirmos enquanto pessoa humana e, portanto, sermos protegidos.
Então, existe personalidade com viés patrimonial (personalidade jurídica ou civil), ligada à ideia de titularidade de direitos e deveres na ordem civil, e existe também a ideia de personalidade enquanto um conjunto de direitos subjetivos existenciais, um conjunto de atributos inerentes à condição humana, com um viés absolutamente existencial. Então, se vier numa prova a palavra "personalidade", eu insisto e repito: a sua principal tarefa será verificar qual sentido técnico da utilização daquele termo. Será que o examinador está me perguntando sobre personalidade jurídica ou civil, ou será que ele está me perguntando sobre direitos da personalidade?
Combinado? Tradicionalmente, esse vocábulo já nos trouxe vários problemas. Por quê?
Porque poucos autores, ao longo da história, fizeram essa distinção da existência de dois sentidos técnicos diversos para o mesmo vocábulo, para a mesma expressão, para a personalidade. Então, por muito tempo, se perguntou: "Quando é que se inicia a personalidade? " Escreva no seu caderno, por favor: "Quando se inicia a personalidade?
" Quando é que ela vai começar? Bom, tradicionalmente, até com base nas lições do Código Civil de 16, três teorias foram construídas para responder a essa pergunta: as teorias natalista, concepcionista e a teoria da personalidade condicionada. Natalista: a personalidade se iniciaria desde o momento em que houvesse o nascimento com vida.
Então, a pessoa foi separada do corpo da mãe e respirou com autonomia. Autonomamente, ali haveria o marco para o início da personalidade. Então, a personalidade se inicia do nascimento com vida, separado do corpo da mãe; respirou autonomamente, ainda que seja uma única respiração, adquiriu personalidade.
Segunda teoria: A vida não começa no nascimento; a vida começa no momento da formação do embrião. Ou seja, no momento da concepção, então, desde a formação do embrião, lá no útero de uma mulher, nós teríamos a proteção da personalidade. A teoria concepcionista falava que a personalidade começa desde a concepção, ou seja, desde a formação do embrião, a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, como você aprendeu na aula de biologia na sétima e na oitava série.
Lembra disso? Ótimo! Já para a terceira corrente, a teoria da personalidade condicionada: a personalidade começaria desde a concepção, mas teria um evento futuro e incerto, uma condicionante que seria exatamente o nascimento com vida.
Ou seja, se houver o nascimento com vida, o início da personalidade retroagiria ao momento da concepção. Então, essa é a ideia de uma personalidade condicionada; ela é condicionada ao nascimento com vida. Então, é uma teoria concepcionista, mas que submete o início da personalidade à concepção, desde que haja o nascimento com vida.
Essas três teorias foram construídas ao longo do tempo. Eu estudei essas teorias lá na minha faculdade, lá na década de 90. Faz tempo que estudei isso lá atrás, quando a gente tinha em vigor o Código de 16.
Só que tem um detalhe técnico que não pode ser esquecido. Qual é? O Código de 16 não tinha Capítulo 2; ele só tinha Capítulo 1.
O que isso significa? O Código de 16 nada trazia sobre direitos da personalidade. A construção de direitos da personalidade remonta à década de 50, 60 do século passado.
Então, quando o Código de 16 foi idealizado por Aquiles, lá no início do século passado (na verdade, no final do século retrasado, porque o projeto é de 1895), não tínhamos ainda a construção teórica dos direitos da personalidade, que remonta ao pós-guerra, meados do século passado, 1950, 1960. Quando se construíram essas três teorias lá atrás, eles buscavam responder quando se dá o início da personalidade jurídica, a partir de quando o sujeito poderia ser titular de direitos e deveres, tendo o pressuposto que era a personalidade jurídica ou personalidade civil. Então, fazendo uma análise retrospectiva, uma interpretação histórica dessas teorias, é importantíssimo situá-los neste plano.
Elas buscavam responder quando é que se dá o início da personalidade jurídica ou civil. E, neste sentido, a teoria que se mostrou majoritária foi a teoria natalista. Então, quando é que começa a personalidade jurídica ou civil?
Do nascimento com vida. Até porque nós tínhamos um artigo expresso no Código Civil de 16 que nos dizia isso: a personalidade civil da pessoa natural começa do nascimento com vida. Então a teoria natalista foi a majoritária.
Só que agora temos um problema. Agora, não! Já há muito tempo, desde o momento em que se aceita a existência de direitos da personalidade, essa pergunta se torna uma pergunta repartida.
Quando se inicia a personalidade? Qual personalidade? Se eu tenho dois tipos de personalidade: a personalidade jurídica e os direitos da personalidade, como nos aponta o capítulo.
. . 1 e 2 do Código Civil atual, eu não posso mais perguntar apenas "Quando se inicia a personalidade?
" Eu tenho que perguntar "De qual personalidade eu estou falando? " Então, modernamente, a doutrina tem se posicionado no seguinte sentido: a teoria natalista, por força do artigo 2º do Código Civil de 2002, ainda é a teoria que justifica o início da personalidade jurídica ou civil. Então, a partir de quando a pessoa tem personalidade jurídica e pode ser titular de bens e direitos?
A partir do nascimento com vida. Ok, isso aqui já traz muitas coisas interessantes para a gente. No Direito Civil, a gente trabalha com a figura do ser que já foi concebido, mas ainda não nasceu.
Como é que se chama esse sujeito que já foi concebido, mas ainda não nasceu? Nascituro. Lembrou do nome?
Na família, a gente chama de "bebê da fulana. " Quando vai ao médico, fala "o feto. " Tá tudo bem com o bebê, com o feto.
No Direito, a gente chama de nascituro. Já foi concebido, mas ainda não nasceu. Vem aquela pergunta clássica: o nascituro tem personalidade jurídica?
Não. Pode anotar no caderno: o nascituro não tem personalidade jurídica. Por que não?
Porque ele não nasceu com vida. Ele ainda não nasceu com vida e, se não nasceu, não adquiriu personalidade jurídica. Ok?
Não adquiriu personalidade jurídica. Então, o nascituro pode ser dono de uma fazenda? Não.
O nascituro pode ser titular de cotas de uma sociedade empresária? Não. O nascituro pode celebrar contratos?
Não. Ele não tem personalidade jurídica, ele não tem o pressuposto. Agora, muita atenção: o nascituro pode ser contemplado numa doação?
Pode. Ele pode ser contemplado num testamento? Pode.
Tem artigos do Código Civil que falam isso. É possível fazer uma doação para o nascituro? É possível colocar o nascituro como herdeiro testamentário.
Beleza! Mas, enquanto ele não nascer com vida, ele tem uma mera expectativa de direito. Minha irmã tá grávida, eu quero fazer uma doação pro bebê dela.
Eu posso? Posso tranquilo. Posso fazer.
Ele já é titular do bem que eu doei? Não. Ele tem mera expectativa de direito.
Se ele nascer, der três respiradas e, tadinho, morrer, ele adquiriu aquele bem, adquiriu porque ele adquiriu personalidade jurídica, logo se tornou titular do bem. Mas se ele morrer na sequência, a Bruna não herda, o pai herda. Nós temos interessante.
Então, quanto a direitos patrimoniais, o nascituro tem a temática porque, para ser titular de direitos de índole patrimonial, existe um pressuposto que é exatamente a personalidade jurídica ou personalidade civil. Agora, e a teoria concepcionista? Será que ela vai se aplicar?
Hoje, sim, para direitos da personalidade não há mais qualquer dúvida de que a proteção deverá se dar desde a concepção. Vou repetir porque isso é muito importante: para direitos da personalidade, não há mais qualquer sombra de dúvidas de que a proteção deve ocorrer, ela deve se dar desde a concepção. Então, o nascituro já tem a proteção da sua imagem, da sua integridade física, do seu corpo, da sua honra, sem dúvida alguma.
Temos farta jurisprudência já no Brasil sobre isso. Desde o momento em que há a concepção, o nascituro deverá ser protegido. Desde o momento da concepção haverá a proteção de direitos existenciais do nascituro.
Não temos até hoje crime de aborto, não está protegendo a vida intrauterina, não tá protegendo o nascituro. Se o médico, amanhã, for fazer um procedimento pré-natal e vier ferir o nascituro, esse médico não vai ser responsabilizado civilmente. Não há dúvida.
Criminalmente, a discussão se uma clínica de ultrassom usar a imagem 3D, 4D de um nascituro sem autorização dos pais dele, ele pode responder por uso indevido da imagem? Sim, pode responder. Então, não há dúvida alguma: para direitos da personalidade, vigora a teoria concepcionista.
Então, a divisão tá feita na sua cabeça e você nunca mais vai esquecer. Hoje não tem mais rivalidade entre essas teorias; isso é coisa do passado. Hoje existe cada um no seu quadrado: a teoria natalista ainda é importante, está no Código Civil e tutela a personalidade jurídica; a teoria concepcionista protege os direitos da personalidade do nascituro.
Isso inclusive está consagrado no enunciado de número um do Conselho da Justiça Federal. Os enunciados do CJF nos ajudam a entender o Código Civil de 2002 com força, então, de interpretação doutrinária. Isso não é jurisprudência, hein?
Enunciados das jornadas de Direito Civil são interpretações que a doutrina deu, que grupos de professores reunidos deram. Ok, enunciado número um do Conselho de Justiça Federal. Tá jóia!
Teoria concepcionista. Ô Bruno, então o nascituro tem personalidade? Depende!
Ah, agora você aprendeu: se for personalidade, o nascituro não tem; ele só tem quando ele nascer com vida. Se for direitos da personalidade, sim, ele já tem a proteção desses direitos e a proteção desses direitos se dá desde a concepção. Ô Bruno, mas e o natimorto?
Quem é o natimorto? Nome de estudo: aquele que nasceu sem vida, um aborto espontâneo, infelizmente, acontece bastante. Né?
A mulher foi e abortou e o bebê nasceu sem vida. Esse bebê se chama natimorto. Nasceu, mas não respirou autonomamente.
Nasceu sem vida. Nesses casos, há aquisição da personalidade jurídica? Não, porque ele não nasceu com vida.
Então, se eu tiver deixado para esse bebê que nasceu morto um bem doado, ele vai se tornar titular e a mãe depois vai herdar? Não, aquela expectativa de direito não se converte em direito efetivo. Ok?
Então, ele não vai herdar. Não vai herdar. Por quê?
Porque não adquiriu personalidade jurídica. Agora, será que esse natimorto terá a tutela de seus direitos da personalidade? Claro que sim!
Então, o natimorto, embora não adquira personalidade jurídica por não ter nascido com vida, terá a proteção de seus direitos da personalidade. E esse enunciado número um cita expressamente o. .
. Nascituro, por exemplo, ele tem direito a uma sepultura, que é um direito a uma destinação do seu próprio corpo. Ele tem direito de ter um nome; se os pais assim desejarem, pode fazer um registro de nascimento ou de óbito.
Ok? Isso é possível, isso é forma de tutela de direitos da personalidade. Tá joia?
Então, espero que você tenha aprendido sobre nascituro com a questão da personalidade jurídica e com a questão dos direitos da personalidade. Ah, Bruna, eu tenho uma dúvida: e se a mulher tiver um feto anencéfalo? Feto anencéfalo é aquele que há uma total ou parcial má formação do seu sistema nervoso, que fará com que a vida extrauterina seja uma vida inviável.
Na ADPF 54, o Supremo Tribunal Federal decidiu alargar as hipóteses de aborto e permitir a interrupção da gravidez quando ficar provado, por exames, que o feto, infelizmente, é anencéfalo. Beleza? O feto anencéfalo pode nascer com vida.
Pode? Gente, tem caso de anencéfalo que viveu um ano, dois anos. É uma vida sofrida, uma vida muito hospitalar, mas é possível; a literatura médica demonstra isso.
Então, o anencéfalo pode nascer com vida. Mesmo sendo anencéfalo, ele adquire personalidade jurídica, sim. Em alguns ordenamentos jurídicos, para a aquisição da personalidade jurídica, se exige vida viável; não é o caso do Brasil.
O Brasil não exige vida viável para a aquisição de personalidade jurídica; o Brasil exige o quê? Nascer com vida, respirar autonomamente. Se o anencéfalo faz isso, ele adquire personalidade jurídica e, adquirindo personalidade jurídica, ele vai ser titular de bens e direitos, de direitos e deveres.
Então, se eu faço aquela doação para o filho da minha irmã e ela descobre que ele é anencéfalo, olha que tragédia, coisa triste! Ela pode abortar, pode. O Supremo Tribunal Federal autorizou o aborto do feto anencéfalo, mas se ela quiser dar continuidade e levar aquela gravidez até o final, com o bebê nascendo, e aquele menino nascer mesmo anencéfalo com vida, ele vai se tornar titular dos bens que eu doei; ao passo que, se ela abortar, ele vai nascer sem vida e, consequentemente, não adquire os bens doados.
A gente tem muita polêmica interessante no Direito Civil, e essa é uma delas, que, inclusive, já foi cobrada há muito tempo atrás em um concurso da AGU, da Advocacia Geral da União, numa prova do Cebrasp. Perguntaram exatamente isso: se o feto anencéfalo pode ou não adquirir personalidade jurídica. Ele pode nascer, sim, com vida e, ao nascer com vida, pode adquirir personalidade jurídica.
Tá bom? Outra pergunta essencial, quando o tema é personalidade: a pessoa jurídica, ela é dotada de personalidade? Nós acabamos de analisar no bloco anterior a personalidade da pessoa natural.
Agora a questão é: a pessoa jurídica é ou não é dotada de personalidade? Essa é a pergunta que você deve anotar no seu caderno. Como você já aprendeu comigo, personalidade é um termo que tem duplo sentido técnico.
Então, é claro que a resposta relativa à pessoa jurídica vai passar também, evidentemente, pela compreensão dos dois sentidos técnicos da personalidade. Então, vamos a eles: primeiro, a pessoa jurídica tem personalidade jurídica; a pessoa jurídica tem personalidade civil. Resposta: sim.
Tanto é que você contrata com pessoas jurídicas todo santo dia. Nós contratamos com pessoas jurídicas, então elas têm personalidade jurídica. Elas têm possibilidade de contrair deveres, exercer direitos, ser titulares de direitos e deveres.
Agora a pergunta é: a partir de quando elas têm essa personalidade jurídica? Segundo o artigo 45 (anote aí) do Código Civil, a personalidade civil das pessoas jurídicas, como você aprende na aula de Empresarial, se inicia a partir do momento em que há o registro dos seus atos constitutivos no órgão adequado. O registro dos atos constitutivos é o marco para que possamos falar em início da personalidade jurídica.
Então, se a pessoa jurídica é uma pessoa jurídica empresária que exerce atividade empresarial, você sabe que o registro será feito na junta comercial. Se é uma pessoa jurídica não empresária, como uma fundação ou uma associação, a pessoa jurídica que não exerce atividade empresária, o registro será feito no cartório de registro civil das pessoas jurídicas. Ok?
RCPJ, tudo bem? Show. A partir desse momento do registro dos atos constitutivos.
. . Ô gente, atos constitutivos são um contrato social, um estatuto; são exemplos de atos constitutivos, atos que constituem, que formam, que fazem nascer aquela pessoa jurídica.
Ela vai ter personalidade jurídica quando esses atos constitutivos forem levados a registro nesses órgãos: o cartório de registro civil das pessoas jurídicas e a junta comercial para pessoa jurídica empresária. Tá na tela? O artigo 45 começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro.
Quando necessário, é preciso de autorização e aprovação do Poder Executivo e todas as alterações que passar aquele ato constitutivo deverão ser averbadas. Tudo bem? Deverão ser averbadas na junta comercial; é muito comum isso para contrato social, né, de sociedade empresária.
Qualquer alteraçãozinha do contrato social fica lá averbada junto à Junta Comercial e vida que segue. Agora, a grande questão das pessoas jurídicas é: tudo bem, personalidade jurídica. Elas têm a partir do registro dos atos constitutivos, mas e os direitos da personalidade?
A pergunta que fica é: essa pessoa jurídica é titular de direitos da personalidade, sim ou não? Bom, vamos pensar a partir de exemplos: a pessoa jurídica tem nome? O Supremo é o nome, a pessoa jurídica tem imagem?
Tem? A pessoa jurídica tem honra objetiva, reputação? Tem.
Nome, imagem, reputação, quando falamos da pessoa natural, são atributos da personalidade. São direitos da personalidade. Então, pera lá: a pessoa jurídica tem nome, imagem, reputação?
Ela tem, sim, atributos da personalidade. Agora, será que eu posso falar que numa pessoa jurídica isso, isso, isso e isso representam direitos da personalidade, sim ou não? Esse é o ponto.
Esse é o ponto-chave. Posso dizer que nome, imagem e reputação são direitos da personalidade da pessoa jurídica? Sim ou não?
Vamos voltar. Falamos de exemplos, agora vamos falar do conceito. Qual é o conceito que nós trabalhamos aqui sobre direitos da personalidade?
Ah, Bruno, você falou que são atributos inerentes à condição de ser humano, por isso têm caráter existencial, por isso estão ligados à dignidade da pessoa humana. Opa! Então ferrou, Bruno.
Por quê? Pelos exemplos que você deu, parece que a pessoa jurídica é titular de direitos da personalidade. Mas, pelo conceito que você já trabalhou e explicou sobre direitos da personalidade, eu entendo que a pessoa jurídica não se enquadra, porque são atributos do ser humano, atributos existenciais da pessoa humana.
A pessoa jurídica não é pessoa humana, logo não pode ter atributos que são exclusivos e inerentes a essa natureza, a esta qualidade. Então, como é que fica? Tem ou não tem?
Essa é a polêmica. E, para piorar, há mais ou menos 20 anos, o STJ editou uma súmula, que é a Súmula 227, e a súmula 27 do STJ, do início dos anos 2000, nos disse que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral. Putz!
Aí ferrou. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral, e aí, dano moral é o quê? Pô, em linhas rápidas e singelas, dano moral é a violação a um direito da personalidade que produz um dano injusto, e esse dano injusto merece ser compensado através de uma indenização por dano moral.
Então, dano moral, em linhas rápidas e tênues, é o dano que decorre de uma violação injustificada a um direito da personalidade. Violação injustificada a direito da personalidade—ok, uma violação a um direito da personalidade. Se a pessoa jurídica sofre dano moral, como o STJ falou na sua Súmula 227, é porque ela tem direito da personalidade.
Tanto é que, quando ele é lesado, gera dano moral para a pessoa jurídica. Mas o STJ construiu essa jurisprudência não baseado no conceito de direito da personalidade, mas sim nos exemplos. E hoje, para a doutrina—não, não seria, na verdade, para parte da doutrina, correto falar em dano moral aqui: o mais correto seria falarmos em dano institucional.
O que seria um dano institucional? Dano institucional, para a doutrina mais moderna, seria exatamente o sentido da Súmula 227. Quando uma pessoa jurídica tem atributos seus violados, aquele dano é a instituição, é o dano à instituição da pessoa jurídica.
Eu não preciso qualificá-lo como dano moral ou dano material; essas classificações seriam adequadas para pessoas naturais, mas seriam inadequadas quando se trata de violações praticadas contra pessoas jurídicas. Então, grande parte da doutrina hoje cita essa expressão: o melhor seria que, para pessoas jurídicas, criássemos a categoria do dano institucional. Então, se amanhã, por exemplo, nós tivermos uma reportagem num jornal, numa revista, num site de internet, que coloque o Supremo como envolvido num grande esquema de corrupção ou outro crime qualquer, fraude à licitação, mas isso é mentira!
Comprovadamente uma mentira. O Supremo vai sofrer um dano? Claro que vai.
Isso vai abalar o seu nome, a sua imagem, a sua reputação no mercado? Claro que vai. Isso pode gerar perda de alunos, de professores, de funcionários, todo mundo querendo se afastar do Supremo.
Claro que isso pode acontecer; óbvio que isso pode acontecer. Mas preste atenção: isso é dano a direito da personalidade? Não!
Isso é um dano à instituição que pode repercutir, claro, nesses atributos que se parecem, mas não são propriamente ditos direitos da personalidade quando se trata de pessoa jurídica. Porque, no fundo, no fundo, a pessoa jurídica vai se resolver em questões econômicas. Se a gente, aqui no Supremo, tivesse essa reportagem mentirosa e a gente perdesse professores que não querem mais dar aula aqui, alunos que não querem mais estudar com a gente, funcionários que não querem mais trabalhar aqui, eu pergunto para vocês: o que vai sobrar do Supremo?
Nada. A empresa fecha, como já aconteceu com várias pessoas jurídicas no Brasil, injustamente perseguidas, injustamente difamadas. Percebe?
Então, o que a doutrina hoje constrói é que a pessoa jurídica tem alguns atributos que se assemelham a atributos das pessoas naturais—como nome, imagem, reputação—mas que não podem ser tidos, eu vou repetir, não podem ser tidos como direitos da personalidade propriamente ditos. Não podem ser tidos como direitos da personalidade. Eles serão, no fundo, no fundo, direitos de índole patrimonial, porque podem afetar o patrimônio da instituição, ao fim e ao cabo.
Então, hoje, numa prova, se lhe perguntarem se a pessoa jurídica é titular de direitos da personalidade, a sua resposta é não. Por quê? Porque direitos da personalidade são atributos da pessoa humana, são atributos de índole existencial e não de índole patrimonial.
Embora, é certo, a pessoa jurídica tenha atributos que se assemelham, assemelham a direitos da personalidade da pessoa natural, como nome, imagem e reputação. Se cair na sua prova a pergunta "a pessoa jurídica pode sofrer dano moral? ", eles estão te perguntando se você leu a Súmula 227.
Você vai dizer que, o quê? Sim, numa prova objetiva, sim! Se for uma prova dissertativa ou discursiva, aí você vai dizer que, embora tenha havido essa construção há mais de 20 anos, no início dos anos 2000, quando o STJ aprovou sua Súmula 227, hoje a doutrina entende que a melhor nomenclatura para definir o dano à pessoa jurídica seria dano institucional e não dano moral.
Mas, numa prova objetiva, por favor, responda como está na Súmula: a pessoa jurídica pode, sim, sofrer dano moral. Ah, Bruno, mas tem um detalhe que você não está falando: qual o artigo 52 do Código Civil? Por quê?
Esse artigo 52, para muitos, ele seria como o código estipulando direitos da personalidade para a pessoa natural. Mas não é bem isso que acontece. Olha o que fala o código: no artigo 52, aplica-se às pessoas jurídicas—no que, a proteção dos direitos da personalidade—aplica-se a pessoas jurídicas, no que.
. . Direitos da personalidade: o código não disse que a pessoa jurídica é titular de direitos da personalidade; ele falou que aplica-se, no que couber, a proteção que esse código prevê para os direitos da personalidade de quem?
Das pessoas naturais. Eu vou pegar, no que couber, e vou aplicar às pessoas jurídicas. Bom, Bruno, mas quando eu olho — e nós vamos estudar isso mais à frente —, quando eu olho o que o código prevê para as pessoas naturais, eu enxergo o artigo 12.
O artigo 12 é a cláusula geral de proteção dos direitos da personalidade. Muitos falam a cláusula geral de tutela da pessoa humana. Concordo, concordo.
Cláusula geral significa cláusula aberta; o conteúdo não é pré-definido, ele é pós-definido. O conteúdo vai ser definido através de uma atividade hermenêutica do Poder Judiciário, ou seja, casuisticamente, ou seja, de acordo com o caso concreto, como o caso concreto assim nos apresentar. Ok, então é o caso concreto que vai dizer como é que fica isso aí.
Então, como é que o Bruno pode ter os seus direitos da personalidade protegidos? Resposta: não sei, tem que ver o caso concreto. Não sei qual é a lesão, de onde vem essa ameaça, se é uma ameaça ou uma lesão, o nível de exposição, quem está agredindo, qual foi o meio utilizado para agressão, para que eu possa buscar a tutela adequada para proteger a pessoa humana.
Então, o código trouxe uma lição geral: qualquer ameaça, a qualquer direito, qualquer ameaça ou lesão a qualquer direito da personalidade merece atenção, merece resposta, merece proteção. O recado é pro juiz: proteja, analise o caso concreto e proteja. Você, juiz, deve proteger as pessoas naturais quando houver ameaça ou lesão a seus direitos da personalidade.
Qual é o direito da personalidade? Não sei qual a ameaça, não sei qual a lesão, não sei qual o tipo de resposta a mais adequada, mas eu não sei qual vai ser ex ante; eu saberei de acordo com o caso concreto. Então, essa é a proteção genérica, aberta, cláusula geral trazida pelo código para tutela dos direitos da personalidade da pessoa natural — meu, do Marcos, de você que está me assistindo.
O que o 52 falou? Sabe o artigo 12? Aham.
Sabe aquela cláusula geral de tutela, de proteção da pessoa? Sei. Que tem?
Aplique esta proteção, no que couber, de forma adequada e proporcional, quando cabível, também às pessoas jurídicas. O recado foi pro Judiciário: o 52 não está falando que as pessoas jurídicas são titulares de direitos da personalidade. Não, ele fez uma tutela de empréstimo.
Adoro essa expressão que alguns doutrinadores usam: tutela de empréstimo. Ele pegou aquilo que o código construiu para a pessoa natural e mandou aplicar, no que couber, às pessoas jurídicas. No que for cabível, nós vamos aplicar aquilo às pessoas jurídicas.
Então, vamos voltar ao exemplo: saiu uma reportagem num site de internet dizendo que o Supremo estava envolvido, segundo denúncias anônimas, em um grande esquema de corrupção. Só que essas denúncias anônimas foram feitas por concorrentes nossos que ficam desesperados com o crescimento, a cada ano, do Supremo. Ficou provado que eram denúncias sem qualquer fundamento, que a imprensa não fez um trabalho de contraditório jornalístico, que a imprensa não apurou a veracidade daquelas informações; aquele site foi assodado publicando aquela matéria que detonou o Supremo.
Perdemos mil alunos em uma semana por causa daquela reportagem; ninguém mais queria estudar com a gente. Eu pergunto: o que o Supremo pode fazer, enquanto pessoa jurídica, que é, que teve de forma indevida e injusta uma lesão a seus direitos institucionais? O Supremo pode pedir, enquanto pessoa jurídica, direito de resposta.
Pode. Ele pode exigir dever de retratação: "vai se retratar aí; o que você está falando é mentira. " Pode exigir o dever de retratação.
O Supremo pode estipular — vejam isso — pedir pro juiz estipular, claro, uma multa combinatória, para que aquele site não mais se utilize do nome do Supremo. Pode. Ele pode pedir um dano moral, que na verdade seria melhor chamado de dano institucional.
Pode. Ele pode mostrar que essa perda dos alunos numa única semana derivou diretamente daquele fato e exigir uma compensação de índole material por aqueles contratos que foram rompidos. Pode.
Ele pode provar que havia uma chance muito grande de uma nova contratação com uma outra grande empresa e que essa grande empresa desistiu em virtude disso. Isso, você, perda de uma chance. Pode, claro que pode.
Então, o recado do Código Civil é muito claro: a construção da tutela de proteção das pessoas naturais, que está no artigo 12, por força do 52, pode ser aplicável, vírgula, no que couber, quando for cabível, também a pessoas jurídicas. Então, muito cuidado quando for cobrado em prova: personalidade e pessoas jurídicas. Pessoa jurídica tem personalidade civil a partir do registro de seus atos constitutivos no órgão adequado, cartório de registro civil das pessoas jurídicas, Junta Comercial, para aqueles que exercem atividade empresarial.
Fechou. Direitos da personalidade: as pessoas jurídicas não são titulares de direitos da personalidade. Vou repetir: as pessoas jurídicas não são titulares de direitos da personalidade.
Mas o Código Civil disse que será cabível a extensão da proteção existente para os direitos da personalidade da pessoa natural para a pessoa jurídica, a critério do juiz, de acordo com o caso concreto. Isso pode ser indenização? Pode.
Isso pode ser direito de resposta? Pode. Isso pode ser dever de retratação por parte de quem ofendeu?
Pode. Isso pode ser estabelecimento de multa combinatória como forma de tutela inibitória? Pode.
Isso pode ser deferido em caráter liminar? Pode. Então, toda a tutela existente para direitos da personalidade da pessoa natural se aplica, vírgula, no que couber, de forma adequada e casuística, às pessoas jurídicas.
Fechou? Cuidado com isso numa prova de concurso.
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