O país apontado como exemplo de sucesso em meio a mazelas da África

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BBC News Brasil
Quando Botsuana declarou sua independência do poder colonial britânico em 1966, o país africano foi ...
Video Transcript:
A África tem 546 milhões de pessoas vivendo na  pobreza. O continente também é frequentemente lembrado por conflitos motivados por questões  étnicas ou disputas por território e recursos. De 2020 para cá, uma onda de golpes militares também prejudicou imensamente os  indices de democracia na região.
Mas em meio a tudo isso, um caso classificado como de sucesso é frequentemente citado e  estudado como exemplo a ser seguido. Trata-se de Botsuana, um país localizado  no sul do continente e que foi descrito pela agência de desenvolvimento da ONU  como “uma das verdadeiras histórias de sucesso do desenvolvimento  econômico e humano na África”. Com cerca de 2 milhões e 600 mil habitantes,  essa ex-colônia britânica é a mais antiga democracia multipartidária africana e está entre  as 10 nações mais desenvolvidas do continente, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano.
Apesar disso, especialistas também  apontam índices crescentes de corrupção, grande desigualdade social e um  cenário cada vez mais instável às vésperas de uma eleição nacional  marcada para outubro do ano que vem. Eu sou Julia Braun, repórter da BBC Brasil em  Londres, e neste vídeo explico em 4 pontos os fatores que levam muitos a classificar Botsuana  como um exemplo de sucesso na África - e também as adversidades e os desafios que  a nação ainda precisa enfrentar. A começar pela estabilidade democrática.
Botsuana ficou na trigésima segunda  posição no ranking de democracia da revista The Economist em 2022, que analisou  165 estados independentes e dois territórios. Ficou na frente de países como  Itália, Bélgica e do Brasil, que está na quinquagésima primeira posição. A nação tem um sistema  parlamentarista de governo e, desde sua independência em 1966  teve cinco presidentes eleitos em pleitos considerados limpos e justos por  analistas e observadores internacionais.
O mesmo partido tem se mantido  no poder pelos últimos 57 anos, o Partido Democrático de Bostuana,  ou BDP, na sigla em inglês. Ainda assim organizações como o Banco  Mundial classificam o ambiente político do país como uma democracia  multipartidária tradicional. Segundo analistas, a estabilidade democrática pode  ser atribuída a diversos fatores, entre eles a forma como a colonização britânica influenciou a  política e o primeiro governo pós-independência.
Oge Onubogu, diretora do Programa  África do think tank Wilson Center, me explicou que Botsuana teve um passado um pouco  diferente de outros países do continente africano. Em grande parte da região, os poderes coloniais  controlaram o Estado com mãos de ferro e, ao saírem, deixaram como herança um  estado que beneficiava apena a elite. Especialistas afirmam também que o país era  formado na época da independência por uma população mais homogênea etnicamente  do que outras nações africanas.
Olha só o que o cientista político  Nic Cheeseman me explicou sobre isso: O especialista disse ainda que como havia  uma certa concordância em torno desse partido, o governo não precisou  recorrer a medidas autoritárias, diferente do que aconteceu  em outros países da região. O professor John Makgala ,  da Universidade de Botsuana, também me explicou que há um elemento  cultural importante: as populações locais, mesmo antes da colonização, sempre  levaram muito a sério o debate público. Isso significa que os chefes  tribais raramente tomavam decisões sem antes realizar conselhos populares.
Ele ainda atribua muito do sucesso de Botsuana  ao primeiro governo após a independência, comandado pelo presidente Seretse Khama. Outros fatores, como a capacidade de Botsuana de permanecer razoavelmente neutra diante da  luta por influência durante a Guerra Fria, também são citados por historiadores como  importantes para o caminho percorrido pelo país. Mas apesar de tudo isso, há  quem diga que ainda há muito que melhorar em termos de democracia e política.
Especialmente quando se trata de transição  de poder e um sistema partidário competitivo, com uma oposição forte. Algo que especialistas  afirmam que nunca existiu desde a independência. Ao mesmo tempo em que isso contribui  para a manutenção da estabilidade, impede o país de ser classificado entre  as democracias mais robustas do mundo.
Há também uma preocupação crescente em relação  às eleições marcadas para outubro do ano que vem. O atual presidente não tem o apoio do seu  antecessor para a reeleição. É a primeira vez que isso acontece e essa quebra de tradição tem provocado incertezas em relação  ao resultado e protestos populares.
Mas caminhando para o segundo ponto, é um  consenso que a estabilidade democrática sempre andou lado a lado com o desenvolvimento obtido  por meio da exploração de diamantes em Botsuana. Os lucros obtidos com a extração sustentaram  – e ainda sustentam – a economia do país. Para se ter uma ideia, o setor de mineração  representa cerca de 35 por cento do PIB, com os diamantes contribuindo com  cerca de 94 por cento dessa parcela.
Botsuana também produz os  maiores diamantes do mundo, com uma produção que representa cerca  de 40 por cento do total mundial. Segundo os especialistas com quem eu conversei, os primeiros governos de Botsuana foram  bem-sucedidos em estabelecer uma parceria produtiva com a principal mineradora do continente  e manter o controle sobre parte dessas riquezas. Eles também usaram as receitas  para manter a dívida pública baixa, criar fundos e investir em saúde,  educação e infra-estrutura.
Essa realidade contrasta diretamente  com as experiências negativas com a exploração de recursos naturais  de muitos outros países africanos. Tudo isso fez com que Botsuana saísse de uma  nação descrita por economistas como deserta e sem perspectivas econômicas após a independência e  se tornasse um dos cinco maiores PIBs per capitas da África subsaariana, na frente da vizinha  África do Sul, e pouco abaixo do Brasil. Da independência, em 1966,  até o final da década de 1990, o país foi uma das economias de  crescimento mais rápido do mundo, comparável apenas à China, com um crescimento  médio anual do PIB superior a 10 por cento.
Segundo o economista John Makgala, além dos  recursos naturais, a política fiscal e as boa s práticas do Banco Central também  tiveram um papel importante nisso. Mas muitos afirmam que a economia local é muito dependente da mineração e se  desenvolveu pouco em outras áreas. Não havia basicamente nenhum setor industrial no país na época da independência  - e nenhum surgiu desde então.
O valor agregado da indústria local  cresceu menos de 2% nos últimos 10 anos. E já há um declínio na produção e nos  preços dos diamantes devido à baixa na procura mundial. Com isso, é previsto  uma desaceleração no crescimento econômico de cerca de 2 pontos percentuais em  2023 e talvez mais nos próximos anos.
Quando a BBC noticiou a independência de Botsuana  em setembro de 1966, o país foi descrito como um "vasto deserto sem estradas", com uma população  de agricultores devastada pela seca e pela fome. Na época, a nação tinha apenas 12 quilômetros  de estradas pavimentadas, poucos hospitais e a maioria das pessoas dependia do gado e da  agricultura de subsistência para sobreviver. Desde então, os padrões de  desenvolvimento mudaram muito.
Isso fica muito evidente para quem visita  Gaborone, a capital do país. As ruas são limpas e ordenadas, o trânsito flui facilmente e as ruas  do centro repletas de modernos edifícios de vidro. As taxas de pobreza despencaram  nessas quase seis décadas.
Enquanto em na década de 80 cerca  de 59% da população vivia abaixo da linha da extrema pobreza, em  2021 esse número caiu para 17% Mas analistas ainda consideram  as taxas atuais muito altas. Para fins de comparação, a República  Centro-Africana, considerado o país mais pobre do mundo, tem cerca de 65% de sua população vivendo  com menos de 2 dólares e quinze centavos por dia. Já na França, esse percentual é de  0,1% e, no Brasil, de cerca de 5,8%.
Já em termos de educação, Botsuana vai melhor. Cerca de 92% das crianças com idade para o  ensino básico estão matriculadas na escola, contra algo em torno de 96% no Brasil  e 66% na República Centro Africana E enquanto no Brasil 5,6% da população  é analfabeta, em Botsuana o percentual é de cerca de 10%, mas bem melhor que a  média da África Subsaariana, que é de 32%. Em termos de acesso a saúde, Botsuana gasta  em média 6% do seu PIB em investimentos, acima também da média na região, e tem uma das taxas de  mortalidade infantil mais baixas de toda a África.
Em um ranking que organizou os países  do mundo em ordem de segurança, considerando índices criminais, atividades  terroristas, conflitos internos e outros, Botsuana ficou na quadragésima sexta posição,  com uma classificação bem melhor que o Brasil, que ficou no centésimo trigésimo  lugar em um total de 163 países. O especialista diz que os casos  de corrupção vêm crescendo nos últimos anos e se tornaram uma  das maiores queixas da população. Ainda assim, Botsuana foi  bem em um índice elaborado pela organização Transparência Internacional, que rankeia 180 países dos melhores para os  piores em termos de percepção de corrupção.
O país ocupa a posição número 35 e é  o segundo melhor colocado da África, bem à frente do Brasil, que está na posição 94. Mas é impossível falar da realidade atual desse país sem analisar outro importante  ponto, que é a desigualdade social. Segundo um índice desenvolvido pelo Banco Mundial, o país está entre os 10 mais desiguais  do mundo, logo abaixo do Brasil O país também tem altas taxas de  desemprego, algo em torno de 18%.
Há ainda uma preocupação em termos  de igualdade de gênero. Até 2021, apenas 10,8% dos assentos no Parlamento  eram ocupados por mulheres. E em 2018, 17,1% das mulheres entre 15 e 49  anos relataram ter sido vítimas de violência física e/ou sexual por parte de  um parceiro íntimo nos últimos 12 meses.
Mas apesar de tudo isso, os especialistas  concordam que a história de Botsuana pode ser sim considerada de sucesso em um  continente tão afetado pelo pobreza, violência e pelas mazelas da colonização. Mas afirmam que outras nações como Maurício, Gana  e, claro, África do Sul, merecem ser mencionados como bons exemplos, pois também exibem bons  níveis de desenvolvimento econômico e democrático Com isso eu fico por aqui. Continue acompanhando a  BBC Brasil aqui no Youtube, nas nossas redes sociais e  no nosso site, bbcbrasil.
com. Obrigada pela audiência!
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