Por que europeu fuma tanto

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DW Brasil
O europeu fuma muito. Não é só uma impressão de quem está de passagem ou mora em países do continent...
Video Transcript:
Alguém com cigarro na mão não  é uma imagem rara na Europa. Quem já esteve aqui ou mora sabe disso.  E ela não passa uma impressão errada.
O europeu fuma demais mesmo. O continente é a  segunda região do mundo no ranking de tabagismo da Organização Mundial da Saúde. Atrás apenas do Sudeste Asiático, sob influência de um líder na  produção de tabaco, que é a China.
Mas por que a Europa chegou a esse ponto? E não  consegue sair dele, mesmo sabendo que o cigarro mata 8 milhões de pessoas por ano no planeta. Há alguns países que adotam medidas parciais e, se houver medidas  parciais, elas são violadas com frequência.
Na França, por exemplo, um café tem  uma relação com o cigarro. Fica bonito sentar num café e fumar. Então, assim, a questão  cultural existe, e ela não é contraposta por uma política consistente de controle do tabaco.
O que está por trás do tabagismo europeu você vai descobrir comigo neste vídeo. Quem se senta do lado de fora de um restaurante ou café aqui na Alemanha sabe que  a qualquer momento alguém pode começar a fumar. Não adianta fazer cara feia.
É comum no verão.  Cultural. Tem cinzeiro em quase tudo que é mesa.
E se não tem e a pessoa quiser, ela vai pedir. É um hábito aprendido ou herdado, em parte, pelos anos de exposição a imagens como estas aqui: São comerciais alemães de décadas atrás. Se você, como eu, está beirando os quarenta, com  certeza também já viu propaganda de cigarro na televisão brasileira.
Essa aqui é um clássico: “Existe um lugar onde homens fazem o que outros apenas sonham” Cá para nós, não precisa ser, como a gente diz, dessa época para perceber que o  truque de marketing era bem simples: transformar uma coisa mortal num estilo de vida associado  a virilidade, liberdade, coragem, ousadia. E eu nem preciso explicar para quê,  não é. Vou fazer mesmo assim: pois é, ganhar dinheiro com um glamour inventado.
No caso do comercial que eu mostrei, tendo como um aparente alvo o público masculino.  Tanto que o homem que aparece é retratado como uma espécie de modelo a ser alcançado. Com  o cigarro, um ser humano acima dos outros, cidadão de um mundo paralelo.
“Onde um homem pode comandar o seu destino e a vida tem seu próprio sabor” Mas as mulheres também tiveram seus ícones de estímulo ao vício. Na Europa e no Brasil. Quem via a atriz Audrey Hepburn em cenas assim, de juventude plena, com um cigarro na  mão, enxergava também toda a elegância que um mero papel enrolado dava a ideia  de representar.
Às vezes numa piteira, para acentuar os ares de chiqueza excêntrica. Atrizes brasileiras, algumas que nem fumavam, como Glória Menezes, também interpretaram  personagens fumantes na TV. Porque o cigarro era um elemento de caracterização relacionado  à rebeldia, especialmente até a década de 80.
A mulher espectadora acabava sendo levada  a querer o quê? Ser igual. Quem não quer, não é verdade?
Projetar num objeto uma imagem  de si como alguém elegante e, acima de tudo, cheio de poder sobre a própria vida. Sem generalizar, claro, mas fazia parte do show. Minha mãe, por exemplo, que  fumou por 20 anos, me disse uma vez que tinha começado porque achava muito bonito.
Eu estou resgatando esse passado só para dizer para você que isso tudo era uma ilusão.  Criada – digo de novo – para dar lucro, sem pudores com a saúde. De tudo que é jeito, por  tudo que é lado.
Mal dava para desviar os olhos, porque as propagandas não ficavam restritas à TV  e cinema. Estavam em mídias impressas também. Tem uma outra razão para mostrar logo de  cara exemplos assim: ao contrário da Europa, a duras penas o Brasil parece ter aberto  os olhos para a fantasia das sensações de um cigarro.
Fazer publicidade de produtos com  tabaco, por exemplo, é proibido há anos no país. Como resultado - não só disso, mas de uma  campanha abrangente que vou detalhar mais adiante - o consumo entre adultos caiu  de 34% em 1996 para 11% no ano passado. E não, a gente não está esquecendo dos cigarros  eletrônicos.
Mas, por enquanto, o importante é levar em consideração que do lado de cá  a coisa está um pouco mais complicada. Não vou ser injusto. Não dá para dizer que os  europeus ignoraram alertas de estudos científicos sobre os prejuízos do cigarro para a saúde.
A propaganda em meios de comunicação, por exemplo, é restrita desde o início dos anos 2000 na  União Europeia. Com a justificativa que ela não só estimula o fumo como normaliza o  consumo do tabaco. Torna aceitável.
Além de enfraquecer as mensagens de  advertência nas embalagens. Quase as mesmas que a gente vê no Brasil. Fabricantes de cigarros também não podem patrocinar eventos esportivos que envolvam países  do bloco.
Nem distribuir o produto de graça. Isso para citar algumas medidas pontuais. Ou seja, o problema é reconhecido e encarado aqui.
Só que estamos falando de um  território com vários governos, que aplicam e fiscalizam regras de formas independentes. Na Alemanha, dependendo do estado, da cidade, e até do tamanho do bar ou restaurante, o fumante  que acende um cigarro na área externa não está fazendo nada tão errado. Tem bar que permite até  fumar em áreas fechadas, como muitos em Berlim.
Na Suécia, é bem diferente. Lá não pode fumar nem em  pontos de ônibus, plataformas de trens, entradas de lojas – e vale para cigarros eletrônicos. Pode ter a ver ou pode não ter, mas a Alemanha é o quarto país da União Europeia com maior proporção  de fumantes diários na população (21,9%); e a Suécia é o lugar com a menor taxa (6,4%).
Essas diferenças, variações, fazem com que o tabagismo ainda seja o principal fator  de risco para morte prematura na UE. Foi o que nos disse a Angela Ciobanu. Ela é  representante na Europa da área de controle do tabaco da Organização Mundial da Saúde.
Há alguns países que adotam medidas parciais e, se houver medidas parciais, elas são violadas  com frequência. As pessoas continuam a usar produtos de tabaco. E pode se tornar socialmente  aceitável fumar em diferentes locais públicos.
E se isso for socialmente aceito, as medidas  criam na juventude uma impressão que não é tão prejudicial o uso desse produto. E isso está  interligado, um exerce influência sobre outros. A Valeska Figueiredo, coordenadora do Centro  de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Fiocruz, tem um posicionamento semelhante.
Mas vai além, e reforça o papel do aspecto cultural. A Europa está com uma política clara a partir de 2015 mais ou menos, 2014. Então é uma política  muito recente, que ainda não tornou o cigarro, não deu todo panorama negativo do cigarro  para os pulmões.
E o cigarro na Europa tem uma coisa assim, está muito associado a cafés. Na França por exemplo, um café tem uma relação com o cigarro. Fica bonito sentar num café e  fumar.
Então, assim, a questão cultural existe, e ela não é contraposta por uma política  consistente de controle do tabaco, que é mais recente na Europa. Existe, mas é mais recente  do que nos países das Américas, por exemplo. Entre outras coisas, a Valeska faz referência  ao fato de que, a partir dos anos 90, o Brasil viveu uma mobilização para sensibilizar  as pessoas sobre os males do cigarro.
Um amplo movimento, que contou com o  apoio de médicos do SUS, responsáveis por tratar o vício de pacientes em todo o país. Houve ainda aumento de impostos para produtos de tabaco. E passou a ser proibido  fumar em locais coletivos fechados, públicos ou privados.
O que resultou na redução  expressiva de fumantes que eu falei ali atrás. No caso da Europa, a opinião das especialistas  é que as regulamentações não deram conta. O cigarro segue sendo meio glamourizado – mesmo sem  propaganda na TV.
Até porque as empresas encontram outros caminhos para chegar aos compradores. Os principais canais que são regulamentados pela legislação, na maioria dos países, são os  canais tradicionais de mídia, como a TV, o rádio, os anúncios em outdoors e assim por diante. E nem todos os países têm uma abordagem abrangente para as principais  plataformas antigas, como o Facebook.
A segunda coisa é que os países que têm políticas  em vigor que proíbem a propaganda por meio da mídia social, que é bastante popular e  usada pelo setor, têm muita dificuldade para monitorar e aplicar essas medidas. As brechas, para a especialista, têm um impacto na queda mínima no número de fumantes na Europa. As estatísticas estão aí para não deixar a gente mentir: um quarto da população da União Europeia  fuma.
E até 2030, segundo a OMS, a região pode ter as taxas mais altas de tabagismo do mundo. E pensar que teríamos sido nós os responsáveis por apresentar o tabaco para os europeus. Eu disse “nós” por uma questão geográfica, por ser brasileiro, latino-americano.
Mas foram, na verdade, os povos originários das Américas de séculos atrás.  As vítimas da invasão europeia. É que o tabaco era uma planta cultivada  pelos indígenas da época para rituais e uso medicinal.
Apresentada aos europeus, virou  com o tempo um instrumento de sedução e força. Fazia parte do universo da nobreza da Europa de  antigamente. A rainha francesa Maria Antonieta teria recebido de presente de casamento com  Luís 16 mais de 50 caixas douradas de rapé, que é o tabaco em pó.
A palavra rapé, aliás,  é de origem francesa. Significa ralar. Era uma outra forma regional de consumir a  mesma coisa.
Uns fumavam, outros cheiravam. E assim foi até a indústria do cigarro  se tornar uma potência mundial, capaz de induzir e pressionar governos,  inclusive europeus. O famoso tiro no pé.
Em geral, fazem lobby nos parlamentos, fazem  lobby na população, fazem propagandas enganosas. Fazem propagandas, promovem estudos falsos  que não correspondem à realidade. Costumam, no Brasil, é muito comum dizerem que por exemplo,  apresentarem estimativas de contrabando muito maiores do que o que corresponde à realidade.
E eles colocam muito, é, questões econômicas. Falsamente colocadas que, por exemplo, podem, se  o país é produtor, que o país, que os produtores vão ficar desempregados. Se o país é produtor,  que a receita do país vai cair.
Então esse tipo de informação enganosa, eles têm eles têm  muita gente envolvida para trazer informações enganosas para os governos e tentar obstruir o  avanço das políticas públicas indubitavelmente. E é exatamente por causa disso,  na visão da Valeska e da Angela, que o europeu parece não ter entendido direito  ainda a que ponto o cigarro pode fazer mal. Apesar de 700 mil mortes por ano na  União Europeia estarem ligadas ao fumo.
Um costume nocivo e potencialmente letal. O tabagismo prejudica quase tudo em todo o corpo e causa muitas doenças. Reduz a saúde  dos usuários de tabaco em geral.
Muitos sabem que o fumo aumenta o risco de doenças  cardíacas, derrames e doenças pulmonares. Muitos tipos de câncer. E, globalmente, o tabaco  mata mais de 8 milhões de pessoas a cada ano, sendo que 1,3 milhão dessas mortes são de  não fumantes por exposição ao fumo passivo.
O desafio de saúde pública é a nicotina, a  substância tóxica viciante presente no tabaco. E nos cigarros eletrônicos. Pois é.
Não esqueci  deles não. Eles são proibidos no Brasil, mas aqui correm solto. Tem até loja específica.
Pesquisas indicam que na Europa eles são parte de uma estratégia para livrar as pessoas do vício no  cigarro convencional. Embora especialistas alertem com frequência para os perigos dos vapes,  e para a predominância entre os jovens. E sabe aquela conversa de fuma quem quer?
O que ouvimos das especialistas é que ninguém fuma por fatores individuais, mas sim  sociais. Principalmente na Europa. É um hábito muito mais ligado ao outro,  à comunidade, do que a você.
Ou seja, se tem gente que acha legal, descolado, se as leis  relativizam o consumo do tabaco, então o vício se torna meio que um direito, uma possibilidade. Ainda que coloque a saúde em risco – sua e dos outros – . .
. ainda que as propagandas  de TV tenham ficado só na lembrança. Temos que aplicar as medidas existentes  e fortalecer as políticas de controle do tabaco existentes para termos  uma abordagem abrangente para mudar a percepção social e educar as pessoas.
Um mundo sem tabaco vai ser muito melhor do ponto de vista da saúde, do ponto de vista econômico,  do ponto de vista do bem-estar do produtor, e do ponto de vista de toda a população que não iria  consumir esse produto tão prejudicial à saúde.
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