O presidente Lula sancionou uma lei que autoriza a ozonioterapia em território nacional, em uma decisão cercada de polêmicas. A lei, proposta em 2017 pelo então senador Valdir Raupp, reforça que a ozonioterapia é um “procedimento de caráter complementar”, “somente poderá ser realizada por profissional de saúde de nível superior” e precisará ser aplicada com equipamentos devidamente regularizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. A regulamentação contraria o posicionamento de diversas entidades médicas do país, que alegam falta de evidências científicas para o uso terapêutico da ozonioterapia.
Mas o que é essa prática? E por que ela gera tantos debates? Sou André Biernath, da BBC News Brasil em Londres, e neste vídeo te conto o que se sabe sobre a ozonioterapia.
A ozonioterapia se baseia na aplicação de uma mistura gasosa de oxigênio e ozônio. Em nota técnica publicada em 2022, a Anvisa destaca que o ozônio “é um gás com forte poder oxidante e bactericida”. Por conta dessas características, esse gás é comumente usado para desinfectar objetos e fazer o tratamento de reservatórios de água, como piscinas.
No contexto de saúde, os defensores da prática apontam que o gás poderia ser aplicado diretamente no local afetado ou injetado em partes específicas do corpo, como músculos, articulações, corrente sanguínea e pele. Há também quem defenda a ozonioterapia retal, em que um cateter é inserido pelo ânus e lança o gás diretamente na parte final do intestino. Mas a ozonioterapia tem estudos de segurança e eficácia?
Numa página intitulada “A ozonioterapia é Indicada para que? ”, a Associação Brasileira de Ozonioterapia alega que “existem diversos estudos científicos e evidências que reafirmam a segurança, efetividade e importância” da abordagem. A entidade também argumenta que a maioria “dos conselhos profissionais do país já possuem a terapia devidamente regulamentada, como é o caso da Odontologia, da Fisioterapia, da Enfermagem, da Farmácia, da Biomedicina, da Biologia e da Medicina Veterinária”.
Segundo o texto, a única exceção é a Medicina, pois o Conselho Federal de Medicina (CFM) ainda atribui à Ozonioterapia uma natureza experimental. Em parecer técnico, a Anvisa diz o contrário: segundo a agência, não há, “até o momento, nenhuma evidência científica significativa de aplicações médicas” para a ozonioterapia. A agência aponta que as únicas indicações de uso da técnica “com segurança e eficácia” são na área da Odontologia, como parte do tratamento das cáries, da periodontite, de canais dentários e na recuperação de tecidos após cirurgias na boca.
No campo da estética, a Anvisa também diz que esse gás pode auxiliar na limpeza da pele. Já a Food and Drg Administration, a agência regulatória dos Estados Unidos, publicou em 2019 um parecer dizendo que “o ozônio é um gás tóxico sem nenhuma aplicação médica conhecida como terapia específica, adjuvante ou preventiva”. “Para o ozônio ser efetivo como um germicida, ele deve estar presente em uma concentração muito maior do que aquela que pode ser tolerada com segurança por seres humanos ou animais”, diz a FDA.
Entidades que representam os médicos no Brasil também criticaram a ozonioterapia. Em dezembro de 2017, quando a lei sancionada por Lula ainda era discutida no congresso, a Associação Médica Brasileira publicou uma nota de repúdio assinada por 25 entidades médicas nacionais. O texto diz: “Não há na história da Medicina registro de droga ou procedimento contra um número tão amplo de doenças.
” A ozonioterapia é sugerida — sem evidências, de acordo com a AMB — contra todos os tipos de diarreia, artrites, hepatites, hérnias de disco, doenças de origem infecciosa, inflamatória e isquêmica, autismo, sequelas de câncer e de Acidente Vascular Cerebral (AVC). “Autorizar a oferta da ozonioterapia sem a certeza de sua eficácia e segurança expõe os pacientes a riscos, como retardo do início de tratamentos eficazes, avanço de doenças e comprometimento da saúde”, critica a AMB. Falando em riscos, a FDA reforça que o ozônio é tóxico se usado em altas concentrações.
E isso, claro, pode provocar eventos adversos. Os mais comuns, segundo a FDA, são irritação no local onde o gás foi aplicado. Mas a entidade também cita relatos de efeitos fisiológicos indesejados no sistema nervoso central, no coração e na visão, além de problemas pulmonares.
Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) — o órgão responsável por regulamentar práticas médicas no país — também mostrou-se contrário à adoção da ozonioterapia pelos profissionais da área. A manifestação mais recente da entidade sobre o tema em seu site oficial é de agosto de 2020. Nela, o CFM destaca que a “ozonioterapia não é válida para nenhuma doença, inclusive a covid-19”.
À época, durante a pandemia, defensores da técnica indicavam a aplicação desse gás contra a infecção causada pelo coronavírus — a prática de aplicar o “ozônio retal” foi realizada em alguns hospitais particulares brasileiros, como documentado pela CPI da Covid. A tendência é que as discussões sobre a nova lei da ozonioterapia parem no Supremo Tribunal Federal, o STF. Algo parecido aconteceu em 2016, quando a então presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei proposta pelo então deputado federal Jair Bolsonaro sobre a liberação de uso da fosfoetanolamina, a chamada “pílula do câncer”.
A substância foi aprovada à revelia das avaliações de especialistas e da própria Anvisa. Em 2020, o STF derrubou a lei sobre a fosfoetanolamina, que foi considerada inconstitucional. Bom, com isso eu fico por aqui e espero que você tenha gostado deste vídeo.
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