Olá, caros amigos! Começamos mais uma live da série Emoções. Já passamos por duas emoções muito importantes.
Emoções são componentes muito importantes não apenas para o caráter, que é o conjunto de hábitos que a pessoa adquire. Segundo a escola atomista, isso é o caráter: o conjunto de hábitos operativos. Esses hábitos, de acordo com a natureza humana, são bons e virtuosos, e aqueles que são contrários à natureza humana são maus e viciosos.
As relações são componentes do caráter e também da formação da personalidade, conforme já foi dito aqui, com alusão à psicóloga checa-americana Magna Arnold. Falamos da alegria, das suas funções, falamos da tristeza e sempre partimos de pesquisas contemporâneas que foram feitas em consultórios de psicologia e em hospitais psiquiátricos. Essas pesquisas aludem a estados de espírito, aos efeitos e reações de pessoas que foram identificadas com estas ou aquelas emoções.
Qual é o meandro delas? Estamos aqui tentando mostrar, através dessa série de Emoções, a atualidade de Santo Tomás de Aquino, que é o autor que nos serve de guia e orientador. Temos muita alegria de verificar que a escola atomista vem ganhando, no Brasil, cada vez mais espaço, com um número maior de psicólogos interessados nesta linha e de pessoas de outras áreas das chamadas ciências humanas também interessadas em conhecer o que esta antropologia filosófica, esta psicologia, a base sólida da antropologia filosófica, tem a dizer para o homem de hoje.
Então, hoje falaremos sobre uma outra emoção muito importante, que é a raiva. Eu tenho começado, como fiz nas lives anteriores, trazendo indicações etimológicas, ciente de que indicar a origem da palavra, de alguma maneira, é percorrer a história dos seus conceitos através dos tempos. Muitas vezes, nós vemos que aquilo que a palavra significa hoje, embora tenha mudado — ou seja, embora o conceito não seja exatamente o mesmo —, possui muitas similitudes com o que a palavra significava antigamente.
Qual foi a sua origem e o universo semântico que ela abarca? Assim, a primeira etimologia que vale apontar é "raiva". A palavra "raiva", segundo o dicionário, tem algumas indicações curiosas: é uma enfermidade.
Pensamos bem, "raiva" etimologicamente é uma enfermidade entre outras coisas. E não custa dizer que no dicionário as abonações, as referências, são colhidas dos textos dos clássicos. Aqui, no caso do latim, são muitas vezes textos de Virgílio, textos de Plauto e de vários autores de Cícero, que elevaram a língua latina da qual a nossa provém.
É curiosa essa acepção da raiva como uma infecção, enfermidade, ou seja, como algo que não é o estado normal de equilíbrio. Outro termo que podemos considerar é "frenesi", ou seja, esse fremeto, essa espécie de agitação, inclusive física, mas sobretudo psicológica. Ela é contrária — ou há pelo menos uma indicação medicamente — ao estado de calma.
"Furor" é o que indica uma certa ira, violência com respeito a pessoas e coisas: arrebatamento, fome devoradora. Retirado de uma citação de Emergiria, a raiva é uma fome devoradora; ou seja, ela de alguma maneira corrompe aquele que aparece, é como um calor violento, sobretudo na região do peito e do ventre. Essa indicação etimológica da raiva já nos aponta que se trata de uma emoção que não tem muita perdurabilidade.
Com exceção talvez aqui da primeira acepção que mencionei, a unidade é quase todas as outras: arrebatamento, esse calor, esse frenesi, o furor, dão a ideia de uma emoção que aflora repentinamente. Em geral, ela aflora, como o senso comum indica, quando uma pessoa precisa lidar com alguma contrariedade — com algo que a contraria. Conversando com Nina Rocha, que é a coordenadora desses cursos de Psicologia Tomista que temos ministrado, percebo que essas lives são uma prévia de um curso que terá foco nas emoções.
No curso, além de darmos um conteúdo muito mais extenso que o das lives, vamos apontar para o vetor de equilíbrio — ou seja, onde a psicologia tomista pode ajudar, no caso das emoções desgovernadas, a pessoa a se curar no sentido de alcançar um equilíbrio que podemos chamar de estado de normalidade. Segundo o professor Martin, meu querido amigo, um dos maiores psicólogos do dilema atomista no mundo, autor de muitas obras em diferentes idiomas, uma coisa que conversando com Nina Rocha encontramos relevante antes da live foi: raiva e ódio não são conceitos unívocos, ou seja, não querem dizer a mesma coisa. A raiva tem esse caráter efêmero, enquanto o ódio é uma espécie de aversão mais perene.
A certa altura da Suma Teológica, por exemplo, Santo Tomás de Aquino nos diz que, assim como o amor, a raiva — entre outras coisas — é um sentimento, não é que ele é um ato da vontade, mas ele também é uma visão de conveniência entre a pessoa que. . .
Apetece um bem, e o bem apetecido. O ódio é a sensação de uma conveniência de não harmonia com relação ao bem querido; por isso, Santo Tomás nos diz que, de um ponto de vista metafísico, o ódio sucede o amor; ele vem depois do amor porque nós odiamos aquelas coisas que contrariam, direta ou indiretamente, aquilo que nós amamos. Assim, o ódio, que é do latim, pode ser entendido como uma versão, no sentido de repugnância.
O próprio Saraiva, que aponta o termo repugnância, diz que ele é uma antipatia, uma incapacidade de sofrer com o outro. Muitas vezes, o ódio resulta em estados sádicos em que a pessoa acaba por ter um certo comprazimento com a dor daquele que ela odeia. Em inimizade, ou seja, algo muito mais duradouro do que um simples fervor momentâneo.
Aborrecimento é forte; aborrecimento, ou seja, aquilo que nós odiamos, nos aborrece. Então, fica estabelecido que o ódio — vamos falar dele também um pouco mais à frente — não é a mesma coisa que a raiva. A raiva se aproxima de uma outra paixão da alma, que pode ser, inclusive, viciosa: a da ira, em latim ira ou ir.
Isso significa, segundo o nosso dicionário em português, indignação e irritação. Aliás, indignação, e nós vamos ver daqui a pouco, que a raiva é justa ou injusta. Então, quando a raiva provém da indignação, ela é justa, desde que a indignação seja proporcional àquilo que a gerou.
Eu costumo dizer o seguinte: os indignos não são capazes de ter genuína indignação; eles são, na verdade, hipócritas. É só quem é digno que se indigna. Assim, a ira é um sentimento de indignação, de irritação, de cólera, de ressentimento.
Tudo isso aqui é colhido do dicionário latino. Repito, é para que fique claro que eu não estou tirando essas coisas da minha cabeça. O tédio é, de alguma forma, uma fúria que a pessoa irada experimenta; ela se irrita e se sente enfadada com aquilo que a irritou.
E o sentimento de desavença, ou seja, pelo menos no momento em que surge esse ato de ira, que aqui está muito próximo da raiva, uma raiva que está muito mais associada à ira do que ao ódio. Eu, muitas vezes, não consigo sequer ter um juízo justo a respeito das coisas. Nós vamos ver que essas pesquisas às quais estou me referindo apontam para o fato de que um dos efeitos da raiva é o embotamento, ou seja, uma espécie de cegueira mental.
Mas fiquei pensando em uma frase que anotei antes de começar a live, que é para reflexão posterior: há uma franja do vício da soberba em toda emoção desgovernada. De alguma maneira, toda paixão desgovernada — e aqui estou usando como sinônimas as palavras paixão, como um movimento da sensibilidade, e emoção, como conceitos que são sinônimos —, toda a raiva e toda emoção, quando desgovernadas, têm uma pontinha de soberba. E a soberba, não custa lembrar, é o amor desordenado que uma pessoa tem a si mesma.
Então, fique consignado isso porque vamos voltar a essa ideia um pouco mais à frente. Essas pesquisas que foram feitas em hospitais psiquiátricos, algumas delas da linha da TCC (teoria cognitivo-comportamental), embora o professor atavaria faça restrições — algumas teóricas, isso não está em jogo agora —, não está em jogo os princípios que dão forma a esta ou aquela corrente da psicologia contemporânea. E sim, os dados que, em pesquisa, vieram à luz por estudiosos dessas correntes.
No caso da raiva, eu repito, são muitos esses dados colhidos em hospitais psiquiátricos; é uma espécie de laboratório, em consultórios de psicologia. A frustração, ou seja, muitas vezes a raiva está associada temporariamente a uma sensação de frustração por algo que a pessoa tinha como expectativa e que não se cumpriu. Fúria está ligada a momentos de fúria; alguém aqui entre vocês certamente já viu alguém furioso e, muito provavelmente, já ficou furioso em algum momento ou vários momentos.
A hostilidade — o irado é hostil —, e contra aquele contra quem a sua ira se volta, ele é agitado física e mentalmente. E aqui vemos que isso tem a ver com uma das raízes etimológicas da inquietude; a pessoa sente, digamos assim, nesse arrebatamento que a raiva traz, e no frenesi, também uma agitação física e mental. Queixumes: a pessoa irada se queixa muito; ela tende a murmurar e a falar mal daquele contra quem a ira, a raiva, se volta, ainda que seja momentaneamente.
Muitas vezes, alguém numa conversa diz algo que é desagradável, que contraria algum valor que a pessoa traz consigo, e aquilo gera um queixume; e essa queixa se manifesta por palavras ou, outras vezes, por pensamentos. Grande irritabilidade: ou seja, a pessoa com raiva é uma espécie de porco-espinho; ela tem a susceptibilidade eriçada. Assim como o porquinho-da-índia, ele sabe pronto a dar uma olhada naquele que sente como uma ameaça.
Vingança: prestem bem atenção. Vingança. Nós vamos voltar a isso nesta live ainda; o sentimento de vingança muitas vezes acompanha a raiva, seja raiva justa ou injusta.
Rabugice: a rabugice seria esse mal-humor que se manifesta com palavras que trazem consigo rancor e que levam a pessoa para baixo. Ou seja, a raiva leva a pessoa a uma espécie de contemplação de um buraco real ou imaginário. Cólera, que aqui é um conceito muito apegado ao de fúria.
Estamos falando aqui da cólera como temperamento e, sim, de um acesso de raiva que nós podemos chamar de colérico. Então, essas são algumas emoções, sentimentos e ideias que estão contemporaneamente associadas à raiva enquanto emoção. Essas pesquisas apontaram também alguns eventos desencadeadores da raiva.
O primeiro deles é ter uma meta ou um projeto impedido. Muitas pessoas manifestaram momentos de muita raiva pelos pais; elas passaram a sentir raiva quando algo que desejavam foi obstado. E nós vamos ver que isso tem tudo a ver com o que diziam os filósofos medievais: a vaidade.
A pessoa vaidosa, em latim, é chamada de "enganos" ou "glória" (a vanglória). A pessoa que tem uma alta consideração de si mesma tende a sentir mais raiva daqueles que julga que brilham mais do que ela. Na verdade, a vaidade é uma das filhas prediletas do amor desordenado que uma pessoa tem pelas suas próprias excelências, então a vaidosa tende a ser enfurecida e enfezada.
O empresário, aliás, é literalmente uma palavra que remete a fezes. Ter sofrido física ou emocionalmente, quer num passado distante, quer num passado recente, pode ser um evento desencadeador da raiva. Outra coisa que convém salientar é a inveja.
Eu tenho, para quem quiser, a um preço módico, lá na minha plataforma, um curso sobre a inveja, que faz parte de uma série que eu vou levar adiante sobre os sete pecados capitais. A certa altura, Santo Tomás de Aquino diz que a inveja é uma tristeza. Ele diz muitas outras coisas, mas essa insuportabilidade da excelência é crucial.
O invejoso odeia a excelência; só de olhá-la, ele costuma ter alguns acessos de raiva. Outra coisa que comumente desencadeia a emoção da raiva, segundo essas pesquisas, é a crença que uma pessoa tem de ter sido tratada injustamente. Não é algo novo; tanto os antigos quanto os medievais chegaram a isso.
Vamos ver que eu vou citar exatamente esse sentimento de ter sido desrespeitado como algo desencadeador da raiva. Outra coisa que leva uma pessoa, muitas vezes, a sentir raiva é a ruminação sobre coisas que a desagradaram no passado. A pessoa fica com aquilo ruminando na mente, vagando—aquilo que os latinos chamavam de "divagação mental".
Mas aqui, é uma "devagação" no modo de ruminar uma coisa ruim. A pessoa fica lembrando, e, em vez de fazer um exercício de esquecer ou pelo menos não considerar aquela imagem que suscita raiva, ela fica presa. E uma emoção não é outra coisa senão algo suscitado ainda no plano sensitivo por uma imagem à qual o sujeito emocionado atribui um valor X ou Y.
Outra coisa que acarreta raiva, e isso foi relatado também nessas pesquisas, é que muitas vezes as pessoas raivosas e iradas chegam a esse estado justamente porque veem algo injusto aos seus olhos. Isso pode acontecer também quando elas presenciam injustiça, onde não há. Por isso, se vê por aí quanto a psicologia, enquanto ciência da alma, requer uma antropologia filosófica, uma base metafísica.
O quanto é complexa! Nós somos entes, justamente porque nossa inteligência vai às coisas. E, no ato de conhecer as coisas, nós conhecemos o que conhecemos; ou seja, a inteligência vai às coisas e volta, então ela é em nós refletida.
É um reflexo; tanto é que se Tomás chama isso de volta completa. Eu entendo algo e, ao entender, eu entendo também alguma coisa desse ato de conhecimento. Então, é óbvio que isso tem uma ressonância emocional, até porque temos corpo.
É próprio dos entes animados que têm corpo ter emoções, pois podemos voltar a isso. Alguns efeitos mais graves indicados nestas pesquisas que eu anotei são a despersonalização. E quem está fazendo por acaso lá na plataforma "Contra Impugnantes" o curso "A Suma Teológica em Vitrais" já deve ter passado pelas aulas em que explico o que é a personalidade.
Ela vem do latim "persona". Falar de personalidade sem entender o que é a pessoa é como querer fazer omelete sem ovos. A pessoa, já nos dizia o grande filósofo Boécio, é uma substância individual de natureza racional.
Então, a pessoa, quando está em um evento raivoso, como que perde algumas das suas digitais da personalidade; ela se despersonaliza e é capaz de fazer coisas que habitualmente não faria. E aqui eu remeto vocês que estão assistindo à Live à primeira acepção que o Coelho, na lógica de enfermidade, dá para despersonalizar-se: é uma enfermidade. Outra coisa relacionada a eventos raivosos são as experiências dissociativas.
Ou seja, essas disfunções sociais ativas fazem com que a mente de alguma maneira não se equacione, é mais ou menos proporcional aos eventos que geraram a raiva. A pessoa entra como que não está. O esquizofrênico é um exemplo da dissociação entre o que ela sente e o que suscitou o sentimento; há uma dissociação que pode chegar a estados psicóticos.
Aliás, outra coisa que tem a ver com a etimologia apontada lá atrás é o embotamento da mente, a cegueira mental. Nós vamos ver, aliás, uma frase, eu não vou, se você está, daqui a pouco, espetacular, a respeito do efeito da raiva. A pessoa foi dito na aula sobre a tristeza que a tristeza é o estado da alma que mais afeta o corpo, segundo Santo Tomás de Aquino.
Nós vamos ver o que ele diz com relação à raiva. Bom, então, algumas coisas que eu apontei. Para comentar, é que o homem normal pode sentir raiva sem, por isso, estar com problemas psíquicos.
É bom termos isso em vista: nem toda a raiva é patológica; muito pelo contrário. Há ocasiões em que, se a pessoa não sentir raiva, ou seja, se ela não se indignar, não se irá afoguear o corpo. Isso significa que ela está em um estado patológico de mornidão, no estado de apatia doente, de pusilanimidade, que pode ser ocasionado por diversas fontes distintas.
Mas, na infinidade de vezes, não ter raiva é sinal de doença da mente. É o que está em jogo, pois é óbvio. Os psicólogos, sobretudo, estão interessados nas emoções, enquanto mais interessados nas emoções desgovernadas que levam os pacientes a os procurar em consultórios.
Mas é bom também termos em vista que as emoções, em si mesmas consideradas, não são boas na imagem; elas podem ser retamente ordenadas pela inteligência ou não. Ou seja, podem ser saudáveis ou doentes. Foi dito até aqui na aula sobre a alegria e na live sobre a alegria que a genuína alegria traz consigo o selo cognitivo da razão.
Uma alegria irrazoável, uma alegria que não seja racional, é uma alegria tatuada. E vamos lá na live daí, disponível no YouTube, para quem quiser ver, vocês que porventura não tenham assistido a ela. Outra coisa é que já foi dito aqui que anotei a raiva injusta, muitas vezes, por mecanismos neuróticos.
E a neurose, aqui, eu a tomo como é em um sentido laqueano: é uma mentira fundante, que realmente tira qualquer reflexão. É uma mentira fundamental sobre a qual a pessoa constrói a sua vida prática. Essa ideia que a vida tem de neurose faz com que toda a ética da pessoa se baseie nessa fumaça de mentira, na qual ela escolhe a crer.
Eu não sei, talvez por alguma culpa, e às vezes acaba por acreditar mesmo ou esquecer que é mentira, uma espécie de esquecimento culpável, mas um esquecimento de fato, né? Então, ficamos com isto no horizonte: nem toda a raiva é doente; algumas são super saudáveis, sobretudo no mundo que parece um hospício a céu aberto, como o mundo contemporâneo do coronavírus. É impossível nós não vermos aqui algo de Platão, que eu trouxe para citar: numa Pólis completamente corrompida em suas formas, em seus modelos, as pessoas não terem raiva, não terem muitos eventos de raiva, é uma expressão fisiológica ou física da raiva, segundo essas pesquisas, mas também segundo o senso comum.
Ranger os dentes, aliás, existe uma expressão: "rengendar os dentes" de raiva. A pessoa fecha a boca; ela comprime o maxilar, às vezes até com a ponta de machucar os dentes. Tensão muscular, ou seja, os músculos se tensionam nos eventos de raiva.
Muitas vezes, até a pessoa que está enraivecida, ela tem uma força, um acréscimo de força, graças a esse estado mental. Aliás, quem é que já trabalhou em hospital psiquiátrico? Quem de vocês que já tenha trabalhado em hospital?
Eu nunca trabalhei, mas conheço pessoas que trabalharam e que já viram alguém, uma pessoa em estado de fúria. Sabe como ela ganha uma força tremenda? Às vezes precisa ser segurada por dois ou três enfermeiros.
Outra coisa é que, até ali na rocha, apontou por uma coincidência até, enchente, o caberia a live. A última, anunciando esta, a última vez foi sobre a alegria. Eu fiz assim: vamos falar semana que vem sobre a raiva.
Fechei a mão e aqui uma das coisas, dentro dessas pesquisas, é esse cerrar os punhos. Muitas vezes a pessoa cerra os punhos; ela também cruza os braços. É uma atitude defensiva e ofensiva ao mesmo tempo: defensiva corpórea à mente e ofensiva animicamente.
Outras coisas colhidas nestas pesquisas são ações ou atitudes decorrentes da raiva. Bom, elevar o tom de voz, muitas vezes, o raivoso, enraivecido, furioso, ele grita, eleva o tom de voz. Sorrir ironicamente, está o sorriso máximo maligno, que se percebe no olhar, no movimento com as bochechas.
Não é o movimento do sorriso natural, que é expansivo, né? É um sorriso sardônico, irônico. É usar de palavras sarcásticas, ou seja, essa ironia corpórea do sorriso também se manifesta no sarcasmo verbal.
Quebrar coisas, muitas vezes, uma pessoa está de fúria, quebra coisas dentro de casa, tá brigando com alguém. Atira um copo na cabeça do outro, assim quebra uma coisa, se vinga, né? Nos móveis, eu sei de histórias, e inclusive de brigas de casais.
A gente vai envelhecendo e vai conhecendo muitas histórias em que a pessoa jogou até pela janela as coisas do seu cônjuge e rasgou, queimou roupas. Assim, a raiva doentia leva muitas vezes a essas atitudes. Outra coisa muito interessante, colhida nessas pesquisas: acusar aquele de quem se tem raiva de maneira irrefletida, ou seja, de maneira imprudente.
Quantas vezes as pessoas, no meio de uma discussão, dizem o que não deveriam dizer e quebram assim uma relação saudável, como um cristal? Muitas certas palavras magoam e fazem com que as fases se tornem muito difíceis. Então a pessoa solta a língua e diz barbaridades quando está com raiva.
Muitas vezes é assassinato. Às vezes, a pessoa, em estado de raiva, com a mente embotada, pode matar alguém. Inclusive, a justiça forense, quantas vezes alega um estado de embotamento mental no momento em que a pessoa pratica um crime de homicídio como um atenuante.
É agressão física: muitas vezes, a pessoa com raiva agride fisicamente aquele de quem tem raiva. E, em geral, são pessoas próximas, né? São pessoas próximas.
Para chegar a esse ponto, em geral, não é alguém distante. Até porque, nos casos em que a raiva é fruto da inveja, por exemplo, uma coisa que a sua mais diz que é muito interessante é que a inveja é o que está mais ou menos à mão. Ninguém inveja.
. . O que está muito distante no espaço ou nas possibilidades mentais está, então, assim: quando você chega a essa agressão, muitas vezes é uma relação de proximidade.
Insultos a pessoa, até pornograficamente, às vezes insulta outra. No momento de raiva, usa de todo o rico vocabulário de insultos da língua portuguesa que está à mão. É para as pessoas neste estado, né?
A pessoa com raiva tem uma tendência a entrar em contendas, né? Sobretudo no caso das raivas injustas, que tendem a se transformar em ódio. Eu falei aqui no início que a raiva tem um caráter mais episódico, e o ódio tem um caráter mais, digamos assim, perene.
As motivações também são distintas e, muitas vezes, elas coincidem; em outras, elas são distintas. Então, nós podemos fazer uma analogia com o que diz Aristóteles na Ética a Nicômaco. Ele faz uma distinção entre o incontinente e o intemperante.
O incontinente é alguém que tem uma reação a um evento que sucedeu e, agora, vou. O intemperante tem essa reação não só diante de algo que o aborreceu naquele momento, mas de uma maneira mais constante. Então, o intemperante seria o doente crônico, e o incontinente, o agudo.
Isso é Aristóteles. Depois vêm algumas pessoas de algumas linhas da psicologia contemporânea, imaginando que a psicologia surgiu no século XIX enquanto ciência. Realmente, eu acho um crime contra a formação de psicólogos não se começar pela Grécia Antiga.
Aristóteles, inclusive, tem um livro chamado "De Anima", em grego sobre a alma. A psicologia, o estudo da alma. .
. Só que assim, o espírito positivista que ainda impera nos faz imaginar que se trata apenas de algo laboratorialmente tratável. Estudar a raiva é chorar.
Muitas vezes a pessoa literalmente chora de raiva; é diferente do choro da tristeza. É um choro tenso. O choro da tristeza, aliás, Santo Tomás de Aquino diz que um dos remédios para curar a tristeza é chorar.
Se algo triste aconteceu, chore! Verter lágrimas é uma maneira de, de certa forma, “descarregar”. O choro da raiva é um tensionamento e não um distensionamento.
São algumas coisas que eu anotei antes de entrarmos aqui no que diz o grande pensador medieval Tomás de Aquino. É somente numa realidade em que a felicidade se inteirar-se de maneira perfeita, ou seja, em que as consciências se remanesçam, que na verdade houvesse uma concórdia geral, sem injustiças, que não haveria raiva. Alguns teólogos dizem que esse é o estado do céu, onde só reina o amor.
Não há lugar para nenhuma paixão, não há lugar para medo, não há lugar para tristeza, não há lugar para raiva, não há lugar para desespero. Então, temos em vista isso no mundo cheio de contingências ruins; é impossível a pessoa não ter vários eventos de raiva, seja ela sanguínea, colérica, tem a ela o temperamento fleumático, melancólico, mas é impossível ela não. .
. Aqui foi dito, aqui no início, que uma das acepções da raiva é irritação. Ela não se irrita.
Vamos agora ao que diz Tomás, já que eu vou ter um fechamento dessa live. E o Juca, ele fechou com chave de ouro. Ele diz no livro "Sobre o Mal" nas questões: é normal que a ira, que aqui está associada à raiva, como eu disse lá no início, é o apetite, né?
Em latim seria "Ira" = "Citt appetitus", vinde, vinde, crescer, o apetite de castigar, de punir, de vingar. Então, a ira é esse. .
. como diz o Batista Mondin, que é um autor do "Dicionário Enciclopédico do Pensamento de Santo Tomás", que eu uso bastante. Acho que ele tem algumas lacunas graves, mas é um dicionário que tem coisas boas.
O Mondin diz que a raiva é esse ímpeto da alma para vingar aborrecimentos súbitos. Então, uma injuriada, por exemplo, quem é a pessoa que injuriou a outra? É óbvio que a injuriada, né, e tem uma reação.
A toda ação corresponde uma reação. Isso também é uma lei que vale para o plano psíquico, né? Já que a alma é dinâmica, ela é relacional.
A pessoa humana não é um ente autárquico, está separada do resto da comunidade humana e das coisas. A única pessoa absoluta que pode perdurar no ser absolutamente seria aquela a quem chamamos Deus. Então, em Santo Tomás, na Suma Teológica e também nas Questões Disputadas Sobre o Mal, a vingança, nesse sentido, desse apetite por restituir a justiça, é virtuosa quando alguém quer.
E eu quero ver uma punição decorrente de um ato de justiça, de um pagamento de justiça. Essa emoção é virtuosa, essa paixão, esse movimento da alma é virtuoso, então. É sujeito, é um serial killer ou então.
. . fez, estuprou uma criança, é óbvio que ele tem que pagar.
Então, qualquer pessoa que não esteja no pleno gozo das faculdades mentais vai ficar com raiva do que ele fez e, no momento, com raiva dele. Depois pode perdoá-lo se ele se arrepender etc. Mas aí Deus perdoa também, e isso para aqueles que creem em Deus.
Perdoa os atos maléficos humanos, desde que a pessoa se arrependa. Mas assim, ninguém perdoa enquanto está com raiva. Só outra coisa: em certa altura da obra "Veritate", o perdão não é concomitante à raiva.
No momento em que a pessoa está aborrecida, ela não vai perdoar. Vai perdoar depois. Então, outra coisa interessante que diz Santo Tomás é que a ira, como apetite desordenado, é viciosa.
É um dos sete pecados capitais. Ela é definida por Tomás de Aquino como o apetite desgovernado por justiça. Então, ela inclusive em.
. . bota a mente.
Né, as causas da raiva, segundo Santos, é uma delas exatamente a que foi mencionada nas pesquisas: o sentimento que uma pessoa tem de não ter sido tratada com o devido respeito. Isso causa raiva e, às vezes, eu abro a pessoa, se tem em alta conta e acha que merece mais respeito do que, na realidade, merece. Mas não interessa, seja no estado patológico ou no estado normal, esse é um evento desencadeador da raiva.
Outra coisa que são mais à ponta: sem o sentimento de inferioridade, ele pode e acarreta muitas vezes eventos de raiva, porque, muitas vezes, esse sentimento é fruto de uma pose, é a lânguida fraqueza da alma. O pusilânime detesta a coragem e, por consequência, também o corajoso tende a ter eventos de raiva. Com relação aos efeitos, Santo Tomás, eu vou enumerar dois dos que ele menciona.
O primeiro deles vai no sentido do que eu disse a respeito ainda pouco sobre a tristeza. Segundo Tomás de Aquino, a tristeza é a emoção que mais afeta o corpo, ou seja, aquela paixão da alma que mais afeta o corpo. A ira, ou raiva, por sua vez, é a emoção que mais afeta a mente.
Foi apontado aqui em uma pesquisa, nos dados colhidos, que o embotamento mental é um dos efeitos graves da tristeza, e Santo Tomás já dizia na Idade Média, só com outra terminologia. Então, a raiva é das emoções humanas a que mais é capaz de tornar uma pessoa cega, obliterar a sua razão. Outro efeito que em Anápolis é a taciturnidade: a pessoa fica com a cara fechada, taciturna, é porque a raiva, embora seja diferente do ódio em relação ao gênero e não só do grau, mas também em relação à duração, ela às vezes dura algum tempo.
A pessoa fica com aquela imagem ali de raiva e ela fica taciturna, fechada. Não é um olhar, é o cenho franzido. Outro efeito é que nós observamos nas pessoas com raiva.
Agora, com relação ao ódio, eu já fiz a distinção lá no início que segurar: qual o ódio é uma coisa e a raiva é outra. Essa tua mais de na primeira parte da segunda parte da questão 29, algumas coisas: o ódio é contrário ao amor, só que, embora lhe seja, ele é causado indiretamente pelo amor na exata medida em que o amor é esse sentimento, entre outras coisas, de conveniência entre uma vontade e um bem que é apetecido, e o ódio é um sentimento de aversão. Mas eu só tenho aversão, ódio na prática, contra aquilo que se contrapõe às coisas que as pessoas que eu amo.
Então, por exemplo, se alguém ama um filho e alguém maltrata o filho, a pessoa pode chegar a um estado de ódio, e às vezes imenso, que busca vingança, ainda que passe muito tempo, tamanho é a dor que foi causada. Então, assim, o ódio provém indiretamente do amor. É a coisa que eu anotei aqui.
Corrida dos textos fala mais, né? É a imagem de adversidade contra alguém que impede que a pessoa entre na posse desse bem. O mal é o objeto material do ódio; o bem é a sua causa formal, de alguma maneira, porque a pessoa que odeia tem no seu horizonte algo mal.
E aqui nós já vamos dizer algo muito interessante: que, de Xing, bem a raiva, do ódio, é bom. Como vício, segundo a pessoa, mais é uma disposição da vontade, uma pré-disposição da vontade a querer o mal alheio; ou seja, é muito mais grave do que a raiva. O ódio tem um caráter avassalador, ele realmente gera, e muitas vezes pessoas que são classificadas nos manuais de psiquiatria como psicopatas, né?
Então, outra coisa interessante: é possível uma pessoa odiar outra, ou seja, ter amor ao próximo e odiar a Deus. Alguns ateus têm ódio até da ideia de Deus, por exemplo, mas, segundo a habitual margem, do ponto de vista formal, em sentido absoluto, não é possível uma pessoa odiar-se a si mesma. É possível odiar-se, como se dizia na terminologia latina, segundo um quid, sob um certo aspecto, quando, por exemplo, ela quer um bem que é um bem em si, mas que é um mal numa perspectiva maior.
O gozo físico, por exemplo, sexual, nem sempre, embora sejam bens, pode ter circunstâncias em que se torna maléfico. O estupro é uma delas. Uma pessoa pode ser capaz de odiar ao próximo a Deus, mas odiar a si mesmo não, porque o amor de si mesmo, ou seja, o amor próprio, é o primeiro amor natural e é, de alguma maneira, uma das bases, um dos pilares da vida psíquica saudável, né?
Então, como eu disse ainda pouco, e apontei aqui a diferença entre o ódio e a raiva, é de gênero e não integral. Alguns comentários: já a tristeza é um estado da alma que pode acarretar a raiva, e isso não está dito assim tão expressamente na obra de Santo Tomás de Aquino, mas está subentendido. Podemos aqui falar de uma personagem cinematográfica que recentemente ganhou mais uma versão, que é psicopática, né?
Que é o Coringa. E alguns psicólogos contemporâneos, depois de terem visto essa última versão do Coringa (eu gostei, não? Eu vi o filme, não gostei), opinaram que, na verdade, aquela falta de empatia, aquela raiva que ele tinha no seu coração, que já, na minha opinião, se transforma em ódio, ela provinha de uma tristeza que era causada por um sentimento grande de frustração.
Foi dito lá no início que, segundo pesquisas em hospitais psiquiátricos, a frustração é uma das coisas que desencadeiam a raiva; ou seja, a pessoa tem uma expectativa, tem uma meta, tem um projeto, e não se cumprir aquilo, e ela fica. Com raiva agora, embora uma pessoa possa não ter ódio a si mesma, ela pode ter raiva de si mesma. A raiva que ela tem é essa diferença de gênero com relação ao ódio, mas também a diferença de durabilidade, né?
No tempo, na temporalidade. Uma pessoa, por exemplo, embora não possa odiar sem sentido absoluto, pode ter raiva de algo que disse, pode ter raiva de ter se exposto publicamente numa situação constrangedora, pode ter raiva de ter sido negligente no cumprimento de um dever. Então, nós podemos e temos, muitas vezes, raiva.
Ficamos com raiva por que fiz isso? E como é que fui capaz de dar esse vacilo antes? Então, enfim, as duas coisas que eu escolhi para encerrar essa live: a primeira delas, quem me sugeriu e me mostrou, eu até tenho também uma edição aqui em casa, não li ainda, confesso.
A minha da Rocha me mostrou o livro do Der Limpo; é um livro que ganhou uma tradução recente para o português, Podres de Mimados. E realmente, a pessoa mimada, aquela que teve a sua vontadezinha satisfeita desde pequena, ela tem uma tendência, conforme o tempo vai passando, a se transformar em uma pessoa muito raivosa, porque a vida é feita de contabilidade, e a vida vai dizer não. E ela, como foi mimadinha, foi bajuladinha, foi paparicada, ela vai ficar com raiva.
Então, pensamos na nossa sociedade inteira em que duas ou três gerações já vêm apresentando a perda da noção de autoridade dos pais, e essa autoridade hoje é questionada até no plano jurídico. Nós temos duas ou três gerações, no mínimo, de jovens que foram mimados na infância e o resultado, entre outros, não pensem que essas coisas não tenham conexão entre si, é que, entre outras coisas, o número de homicídios aumenta exponencialmente, e são homicídios por motivos torpes, ou seja, por futilidade. O padrão mental, o padrão de consciência médio dos jovens, não só no Brasil, eu acho que tem uma certa decadência, sobretudo hoje.
Nós vemos, inclusive, pessoas de 40, até 50, 45, 35 anos com uma mentalidade juvenil, incapazes de assumir responsabilidades, sempre transferindo as culpas para terceiros. Então, numa sociedade patógena, como diz o professor Matthew Berri, em que a própria cultura causa doenças, junte-se isso ao fato de gerações, como eu disse, duas ou três, com certeza terem sido mimadas. O resultado é catastrófico, e não há sociedade sem freios morais.
Juntemos duas coisas: hipersexualidade e infantilismo, e temos nitroglicerina pura, e a raiva aumenta exponencialmente no tecido social. E isso não vem do nada, isso não vem do nada. Então, meus caros, algumas coisas que, em linha atomista, nós podemos dizer que podem ser remédios para a raiva.
Um dos remédios que são tão mais eficazes, e ele aponta explicitamente para a tristeza, é, por exemplo, chorar. E eu choro do triste; não é a mesma coisa que o choro do raivoso. Mas exercícios físicos, meditar a respeito do sentido da vida.
. . as contrariedades não podem ser maiores do que a vida em que elas se dão.
E, no caso de uma pessoa que crê em Deus, o psicólogo também vai lidar com todo tipo de gente, vai lidar com crentes, inclusive, né? Eu não posso deixar de registrar que, para Santo Tomás de Aquino, rezar é exercitar a confiança em Deus, o sejam absolutamente transcendente, e isso, de alguma maneira, traz uma paz para a alma, ainda que Deus. .
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