Richard era um aposentado que sempre valorizou o debate e a aprendizagem contínua. Ele começou a explorar o YouTube, buscando entender melhor os eventos atuais e históricos do Brasil. Inicialmente, ele se interessou por vídeos educativos e documentários. No início, Richard explorava uma variedade de canais, que iam de noticiários a história, passando por canais de ciência e documentários. No entanto, com o tempo, o algoritmo do YouTube começou a direcioná-lo para conteúdos cada vez mais específicos e polarizados. Richard começou assistindo à nova velha mídia na Jovem Pan, onde temas como doutrinação, o declínio dos valores tradicionais eram
discutidos frequentemente. Essa ideia capturou Richard, que, interessado, buscou outras coisas e chegou ao curso de Olavo de Carvalho, que introduziu para ele uma suposta ideologia de gênero, avisando que Richard estava passando por uma ameaça à estrutura da sua família. Embora inicialmente cético, a constante exposição fez com que Richard começasse a ver esses vídeos mais regularmente, acreditando, mesmo que não tivesse provas concretas, que ali havia alguma coisa. Um dia, ele clicou, como sugestão, sem muita intenção, em um documentário sobre a Operação Lava Jato. Esse vídeo não explicava só eventos, mas também sugeria uma conspiração mais ampla
sobre o poder do PT e do comunismo sobre o mundo. Richard passou a ser exposto a Bernardo Kister, Allan dos Santos e Nando Moura, que criticavam o sistema político atual e promoviam a ideia de retorno aos valores tradicionais. Richard passou a não crer em mais nada que o cercava, a não ser o que refletia suas novas crenças, e sempre que possível pregava a palavra, passando adiante suas ideias, mesmo que não tivesse tanta certeza da sua autenticidade. Foi através desses canais que Richard começou a cultivar um amor pelo então candidato Jair Bolsonaro, vendo nele um defensor
dos valores tradicionais, alguém que falava a linguagem do povo, especialmente apreciando seu estilo direto e, por vezes, ofensivo. Esse jeito "Tiozão" lembrava-o de seu falecido pai. Ele defendia Bolsonaro, dizendo que as afirmações exageradas estavam sendo feitas para ajudar e alertar outras pessoas a acordarem, assim como ele. À medida que se aprofundava, Richard encontrou o canal Brasil Paralelo, que reforçava a ideia de que sua família estava sob ataque e que os culpados seriam os tais dos identitários e da cultura woke que queriam mudar os valores onde Richard tinha nascido. Ele se aproximava de uma identidade nacionalista
e conservadora, começando a acreditar que o mundo estava ruim e que existia uma ordem natural que precisava ser restabelecida. Richard compartilhava essas informações o quanto podia, acreditando que mesmo que aquilo fosse teoria da conspiração, tinha que ter algo verdadeiro nelas; afinal de contas, ele concordava com tudo aquilo. À medida que o algoritmo do YouTube continuava a alimentar sua curiosidade, Richard foi introduzido ao canal Brasil Paralelo, que oferecia produções extremamente bem feitas que narravam uma história alternativa do Brasil. A cada vídeo assistido, ele era levado a um outro vídeo, caindo num funil de fanatismo. E agora,
ele sentia que, mesmo que já não tivesse mais todas as provas, tinha um dever moral de passar aquilo para frente. Rapidamente, Richard foi jogado a canais de conteúdos extremistas, como o de Sandro Rocha, onde teorias da conspiração envolvendo o alto escalão do poder global eram discutidas. Richard começou a ver as instituições tradicionais — governo, mídia e até educação formal — como corruptas, manipuladas e mancomunadas no mesmo projeto, objeto do comunismo. A religião, tirando o Papa, se tornava o único refúgio onde Richard se sentia escolhido. Conforme sua paranoia aumentava, ele começou a realizar testes de hacking
e depois stalking de adversários políticos, coletando informações — o chamado doxing — para enviar a políticos e ativistas aliados às suas crenças, acreditando estar contribuindo com uma causa maior. Essas ações, no entanto, logo o levaram a enfrentar consequências legais. Mesmo assim, ele continuou num caminho que parecia sem volta. Walter, um estudante formado do ensino médio, inicialmente clicou num vídeo de meme, motivado pela curiosidade de saber que o professor de história da escola estava mentindo. Num vídeo, um moleque defendia um movimento pela liberdade que só poderia acontecer através da luta contra os esquerdistas. Mesmo que algumas
daquelas coisas parecessem sensacionalistas, ele achava tudo aquilo muito engraçado. Os memes mostravam como a esquerda, de fato, exagerava e muitas vezes era contra Deus; então, ele se perguntava: quem é contra Deus? Ó meu Deus! Ele começa, através do YouTube, a entrar num funil, vídeo a vídeo, caindo em temas contra o movimento LGBT, contra as formas de ativismo social, feminismo e movimento negro, e descobre que tudo aquilo ali é culpa da agenda globalista. O tal do movimento woke faz Walter sentir que é um dever compartilhar aquilo para combater essas ameaças. Aí ele passa a se interessar
por ancap e libertarianismo. Ele acha Paulo Kogos um doidinho engraçado; ele pensava: "daqui a pouco, luz meme racista, lol". E quando menos vê, estava concordando com Paulo Kogos. Rapidamente, ele começa a ver como as instituições tradicionais — governo, mídia e até mesmo a educação formal — eram corruptas e estavam mancomunadas para o comunismo. Essa história de "industrial woke" vai cultivando em Walter um sentimento meio paranoico e conspiratório. À medida que ele vai se fanatizando, vai encontrando um canal e outro, até que chega em Renato, o influenciador que explorava a cultura dos chans e do Red
Pill, promovendo uma forte rejeição a tudo aquilo que ele chamava de pós-moderno identitário. Isso vai formando um "clubinho" dos contra-pós-moderno, contra-identidade, criando uma nova identidade. Agora, Walter era do STN, o Supremo Tribunal dos Nerdolas — um grupo de amigos que legislava sobre o futuro do mundo, ameaçado pela Barbie no cinema com o avanço do globalismo e das formas de controle, diretamente do interior do Rio Grande do Sul. É a cabeça de um, "pique Pode esconder o review." Não, esse canal não esconde. Terça-feira, review completo desse. Lixo identitário e o prejuízo é para todo mundo. Aí
ó, ele se sente importante a partir de agora; sente que tem uma missão maior. A paranoia de Richards e Walter eventualmente recai sobre o Ministro Alexandre de Moraes, o mais poderoso. Chandão Richard enxergava nele um inimigo da moralidade cristã, enquanto Walter o via como um opressor que estava alinhado com a agenda globalista. Agora, os dois se vêm diante de uma missão: as urnas foram roubadas! Há uma convocação para salvar a nação. Ambos, influenciados por vídeos que assistiam diariamente, são convocados para o levante. Richard e Walter, ambos produtos de um mesmo sistema algorítmico, divididos por idade,
por classe, por geografia, mas agora lado a lado, mais do que nunca, se sentindo num manto antisistema; heróis parte dos que despertaram para avisar os outros brasileiros do complô sinistro de controlar a população no avanço do comunismo. Neste dia, Richard chama a atenção e acaba preso por apedrejar patrimônio público. Apesar disso, Walter tem certeza de que tudo está armado e que o único jeito de resolver esse problema é lutando ainda mais profundamente para salvar o conservadorismo e os direitos humanos. Agora, socorro! Essa história, infelizmente, não é a única; aconteceu a milhares, formando uma juventude que
vê no extremismo conservador uma forma de verdade. Conhece alguém que já entrou nesse funil? Pois é, é essa parte prática da juventude conservadora que veremos no vídeo de hoje. Então, o conservadorismo não é, primeiro, uma ideologia; nós não temos uma roupagem. Nós temos uma visão de mundo: é um estilo de vida. Por que uma pessoa lá do campo pode ser conservadora e nunca ter lido nada? Mas ela pode ter os valores conservadores. Quais são? Basicamente, é você conservar aquilo que é bom. Conservar o que é bom. Ele acha que alguém é a favor de conservar
o que é ruim, burro. PR [ __ ] Oi, você tá por aqui? Suave por aí? Então vamos lá, sem enrolações, porque esse primeiro pedaço já foi gigante. Você tá bom? Gostou do episódio? Um deu para compartilhar por aí? Pensar sobre o que tá rolando. Como prometido, a gente vai continuar esse episódio, esse documentário, e se você caiu aqui de paraquedas, bem-vindo! Mas pare agora. Volte no episódio 1, que ele é importante pra continuidade do nosso papo. Então, pra gente retomar aquela lista e entender valor a valor que forma o jovem conservador, não tem como
antes a gente não fazer o embasamento teórico da coisa, entender a reflexão histórica que nos fez chegar até aqui. Então vamos lá, começando pelos teóricos e conservadores, e depois de você deixar o seu like, sua inscrição e seu sininho, e conservar a nossa relação que a gente tá criando por aqui. Vamos lá, eu espero, é sério, vou esperar. Pronto, maravilha, vamos nessa! Espero que você tenha gostado. Vamos em frente! Bom vídeo. Talvez fruto da emoção estupefaciente do jogo político e das coisas à flor da pele, seja tendência do campo da esquerda achar que não existe
teoria, pensadores, estudiosos no campo da direita, e o contrário também é verdade. Mas é claro que, por mais que o seu tiozinho do zap, o seu tiozão do churrasco ou a dona Fátima de Tubarão possam jamais ter ouvido falar nas obras de Roger Scruton ou do pensador Jordan Peterson, e não lembram [ __ ] de nada, coisa que não tem nada a ver com classe social, ainda assim são esses estudiosos que criam, refletem e inspiram plágios sobre as bases do conservadorismo brasileiro e sobre onde e por onde ele vai agir. Então, poderíamos começar, por exemplo,
citando Edmund Burke ou Alexis de Tocqueville, Joseph de Maistre ou qualquer um desses primeiros autores proeminentes desse conservadorismo histórico, vamos dizer assim. Mas nenhum deles parece ter se interessado em sistematização ou em construção de uma escola de pensamento propriamente conservadora ou que se via como tal. É apenas com Russell Kirk, no livro "A Mentalidade Conservadora", que vai rolar uma organização de uma lista com os principais conservadores e os seus princípios, quase uma Bíblia do mundo contemporâneo conservador. E a primeira coisa tá lá: o conservador é aquele que, abre aspas, se define pelo senso de continuidade
temporal do mundo como um mundo fixo, pelo desejo de preservar a ordem estabelecida do mundo. Então tá bom! O conservador é aquele que crê que existe uma ordem moral duradoura. Essa ordem é feita para o homem e o homem é feito para ela de forma constante, porque as verdades morais seriam permanentes, e é por isso que é preciso conservar aquilo que ele vai chamar de harmonia: uma tentativa de reproduzir a geração anterior como uma de que o mundo dado já está perfeito e basta apenas transferi-la. Agora, se existe uma ordem feita para o homem, ela
foi feita por quem? Pelo próprio homem, a partir da tutela de alguma entidade superior, criadora divina, e, no caso aqui, estamos falando do Deus cristão, e de preferência apostólico-romano, mas serve evangélico também, e cada vez mais. Mas é por isso que é preciso aderir ao costume, porque Deus é perfeito e já deu todas as hierarquias de mundo. E, independente das mudanças tecnológicas, culturais e sociais, os seres humanos vão continuar a exibir os mesmos padrões básicos de comportamento, desejos, necessidades, avarezas e desigualdades, porque tudo já é perfeito e dado pelo divino. Não é possível, então, salvar
nada, apenas manter a parceria com o divino. O único jeito de salvar a sociedade, então, para esses conservadores, segundo Kirk, seria fazer isso através da preservação dos valores espirituais e morais como essenciais para a estabilidade e para a justiça. Nesse sentido, Kirk defende, então, que há uma interconexão inseparável entre política e espiritualidade. Fecha aspas. Como se, no fundo, então, todos os problemas não viessem apenas de questões morais vazias, mas de questões espirituais, o que nos leva a uma inevitável construção de uma batalha do bem contra o mal pela manutenção do... Pensamento do bem: que são
os conservadores, por exemplo, pega uma questão polêmica, bem marcante, como o aborto. Enquanto os conservadores constroem os seus argumentos em princípios religiosos e morais, vendo a proteção da vida desde a concepção, Deus Divino, e, portanto, da perfeição do que acontece, está dado, se está dado, e foi feito pelo bem, no sentido de isento de erros, é preciso defender essa ordem. Um argumento, portanto, moral e emocional. Do outro lado, o argumento vai para a perspectiva secular dos direitos humanos, acreditando que existem mudanças históricas de valores das pessoas sobre os seus próprios corpos e que a decisão
de continuar ou interromper uma gravidez deve ser uma escolha daquela pessoa que está grávida. E que, portanto, é necessário criar leis e políticas para defender e fazer isso da melhor maneira possível, para preservar a coletividade. Um argumento que suscita, então, a ordem moral, através daquilo que chamamos de dispositivo de racionalidade, razão, argumentos ou lidos nessa batalha, como o mal. Portanto, esse sujeito rejeita a ordem de valor absoluto e de hierarquia moral espiritual da sociedade; logo, ele é o mal. Está dado o desenho da arena política moral, onde se desenrola a batalha contínua entre virtude total
e mudança relativa histórica, que é aquilo que chamamos de política. O que, curiosamente, nos confirma a visão de Kant, que vimos lá no começo do episódio 1: que o conservadorismo se constrói a partir do contra-ataque àquilo que se considera agressões do outro. Que é preciso, então, uma geolocalização. Doideira, né? Além do mais, tem uma questão aí temporal, quase filosófica: a mentalidade conservadora olha para o presente como um processo de degeneração de um ideal que se constrói no sonho estruturante, como um processo de degeneração de um ideal, ideal esse que se constrói lá no passado imaginário,
que também não existe, construindo a ideia de futuro, olhando para um falso passado. Ficou complicado. Vamos tentar repetir: estamos falando aqui de algo estrutural, no sentido que faz parte de vários pensamentos conservadores, a ideia de que vivemos um constante processo de apocalipse moral e que só é possível construir um futuro melhor se voltarmos ao passado. E, por isso, há um certo fatalismo ou uma tendência de olhar o homem como ruim, corrompido, como a regra do jogo. A impossibilidade da mudança é a tônica de um conservador que, num cenário de guerra, torna quase natural buscar os
inimigos para se manter nessa constante vigilância, reprimenda e desconfiança como método. Então, veja: a ideia de mundo ruindo, apocalipse, fim do mundo peremptório, é muito importante para a mentalidade conservadora se construir. Por isso, se adere aos costumes. O conservador costuma trabalhar na chave do poder e das paixões humanas, de conter e reprimir pulsões e desejos de muitos, para que poucos consigam viver os seus prazeres. Quando o mundo parece ruindo, as pessoas, com medo, ficam inseguras, e isso as faz buscar ideias conservadoras, se apegar naquilo que elas têm, ainda que aquilo seja péssimo; procurar um refúgio
na familiaridade, nas estruturas que elas acreditam que já funcionaram no passado, apesar de não ter funcionado. Há uma vasta e longa lista de conservadores objetivistas e individualistas, como aquelas pessoas que seguem a escola de Rand, que promovem a valorização do indivíduo e a rejeição de qualquer forma de coletivismo. É a ode ao orgulho, ao egoísmo supremo, ao egoísmo mais puro possível, que é, inclusive, segundo os conservadores, a diferença entre um conservador e o campo da esquerda. A desigualdade, para os autores conservadores, é vista como um mero desvio natural que se corrige pelo próprio capitalismo ou
que a ordem natural divina quis assim. A igualdade, segundo os conservadores, para além do impossível, é necessária e, portanto, devemos nos confortar com a natureza humana péssima, corrigindo no máximo um desvio ou outro. O que Ayn Rand vai chamar de egoísmo racional, por exemplo, vai trazer essa ideia de atomização do indivíduo, isolado do seu meio, como se cada um nascesse com a sua própria mente, fora do contexto social, e que só os seus próprios interesses importam. Portanto, a maximização de si próprio, dos seus desejos, e a contemplação máxima do alto prazer é o que, para
Rand, se resume como a base dos desejos conservadores. Para ela, por isso, o altruísmo não significa ajudar as pessoas; altruísmo, na verdade, é um sacrifício coletivo que coloca os interesses dos outros acima dos meus, e só os meus interessam. Porque o real objetivo moral, segundo Rand, é a própria felicidade do indivíduo, que não se conecta ao meio e que só satisfaz os seus próprios desejos quando não está no coletivo. Portanto, o único papel legítimo do governo, se é que algum seria, é proteger os direitos individuais, garantindo a liberdade, a propriedade e a vida desse cidadão
isolado. É daí que decorre a lógica de que é necessário, então, um governo que vai manter as rédeas do poder no colarinho, para sustentar os valores que já estão aí, os valores do status quo. Daí que nasce o tesão no grande ditador, ligado a essa estética da tradição, das armas, da propriedade privada e de todos os valores que possam desfrutar o egoísmo racional. A Revolta de Atlas, um romance ficcional que é lido como política filosófica por esses conservadores, é a maior obra de Rand. E apesar de ter visto o filme, eu admito que o livro
nunca terminei, até o final. É frio, indiferente, distante do outro, porque é óbvio, se o indivíduo coloca os seus desejos acima de tudo, suas vontades acima de todas, isso rapidamente vai colidir com outro indivíduo, criando esse estranho paradoxo de coletivo de individualistas. E agora, você me diga aí que é uma coincidência que Rand tenha defendido que os europeus estavam certos de terem invadido e expulsado as tribos indígenas das suas terras, porque, já que eles não possuem o conceito da propriedade? Privada e desejavam continuar na sua existência primitiva. Eles estavam defendendo o seu desejo. Já os
que invadiram tinham o desejo de invadir e, se para isso era necessário fazer um genocídio, que venço melhor, né? A ordem tá dada, entende? A falácia naturalista purinha é o tal fator da aversão ao risco. O conservadorismo é frequentemente visto como uma postura política que valoriza a manutenção do status quo e a aversão a mudanças rápidas que vão mudar o topo do poder. Conservadores não gostam de lidar com a ambiguidade; é preto no branco, é sim ou não. O diferente incomoda demais; é dessa ambiguidade que vem a intolerância, por exemplo, a minorias. Não se consegue,
no estado de medo, entender a complexidade do diferente, e aí se apegar a respostas mais fáceis é o caminho quase que inevitável. As pessoas, nesse momento, passam a voltar às figuras de autoridade, às tradições, mesmo de modo irracional, para buscar fontes de sabedoria e estabilidade. O conservadorismo vive dessa ilusão atraente pela ordem, pelos patrões, pelos deuses, pais controladores, lá fora: policiais, nos panteis, seguros contra quem tá abaixo de nós, o outro, os estrangeiros, os sujos, os rebeldes, os revolucionários. E mesmo entre esses, hierarquia, de cima, acima. Estímulo da desconfiança, competição e um constante nós contra
nós. Todos são suspeitos, todos provocam o mesmo sentimento: medo. A indução do medo pode funcionar como base de um projeto político: medo de morrer, medo de ser assaltado, medo de cruzar com pobre no aeroporto, medo do governo, medo da mídia, medo do comunismo. O medo, enquanto afeto político, tende a construir uma imagem de sociedade como corpo tendencialmente paranoico, preso à lógica de que se deve imunizar contra toda a violência, o que coloca em risco o princípio da vida social. Então, eu sou conservador por quê? Porque eu quero conservar aquilo que é bom, ou seja, eu
só aplico na minha vida aquilo que passou pelo processo do tempo. Então, o casamento tem 2000 anos, digamos assim: instituo do casamento. Isso tem dado certo. Tem dado? É perfeito? Não é, mas tem dado certo. Então, eu vou aplicar isso na minha vida. Então, do nada, já querem mudar a base da família. Onde isso deu certo? Foi aplicado em algum lugar? Isso passou pelo processo do tempo? Não. Então, eu não vou aplicar para mim, as drogas. Onde que as drogas são aplicadas, deram certo? Passou pelo processo do tempo, viu que deu errado. Então, não vou
aplicar para mim. É básico fazer a conta de conservadorismo. Para KK, parece haver um pressuposto de que o conservadorismo sempre parte por rejeitar uma ideia como ameaçadora em primeira ordem para depois analisá-la. São essas coisas, para Kirk, que sustentam a ideia de desigualdade como motor das sociedades, naturalizando ou até reforçando o abismo social entre nós. Um dos grandes pensadores que vai nessa linha e que é muito bajulado pelos conservadores é o tal do Thomas Sowell. No seu livro "Ação Afirmativa ao Redor do Mundo" ou "A Perfectibilidade", livro do Pondé; ambos tentam sustentar uma lógica de
que a desigualdade é naturalizada pelo ser humano e que até é melhor a desigualdade social, já que, segundo Sowell, a representação equilibrada dos grupos vai ser muito difícil, impossível ou irracional. É melhor assumir isso de uma vez, já que funcionamos assim até aqui. Do outro lado, as propostas de mundo à esquerda, por mais que elas sejam diferentes entre si, sejam anarquistas, comunistas, socialistas ou até sociais-democratas, parecem dividir um mesmo pressuposto em comum: o pressuposto da perfectibilidade, ou seja, de que seres humanos erram e têm a capacidade de se aperfeiçoar, melhorar ou piorar, e de que
as coisas estão condicionadas pelo tempo histórico. A reação conservadora valoriza a imperfeição humana, incorrigível. Então, o medo, para além de uma estratégia, compõe um programa político. O medo é essencial para a gestão da vida comum de um conservador; é o medo que mantém a base da aceitação das normas e dos bons costumes. É o medo que poda a experimentação. E aí, que eu não consigo pensar em outra coisa que não desconhecimento, quando alguém vem me dizer que as duas são a mesma coisa, as duas erram iguais, mas não são a mesma coisa. A mensagem central
do conservador tem sido que todo e qualquer pensamento sobre a organização do coletivo é, portanto, uma poda dos prazeres do indivíduo e deve ser abolida. Mas eu sei que você pode ser um conservador. Nesse vídeo, nesse momento, correndo aqui nos comentários para dizer: "É, a esquerda também faz isso." Você não vai falar da esquerda? Vou fazer, comenta aqui embaixo. Isso aí que é só para mostrar que você não viu, e aí quem viu vai ver que você passou vergonha e vai escrever aumentando meu encargo. Mas sim, muitas vezes sim, e por isso que é preciso
retornar às bases teóricas, às fontes e à história, para entender melhor esses processos. É só compreender a forma como os dois pensam o horizonte de futuro: um almeja que as mudanças precisam ser coletivas, quanto o outro busca manter o status quo e a hierarquia. Ambos podem cair na desumanização; ambos podem errar se não forem vigilantes. Inclusive, não faltam exemplos no mundo de erros e excessos de cada uma das ideologias, sobretudo quando elas entram em processo de medo, de paranoia, de coisas que acontecem nos dois campos políticos que inebriam, desumanizam e nos afastam dessa compreensão do
outro. Mas é só agora as coisas começam a se diferenciar. Para o conservadorismo, a negação do outro, como um princípio norteador da moral da mentalidade conservadora, é fundamental para que se construa a ordem. É preciso uniformidade na desigualdade, ou seja, a ação do outro deve estar sempre na hierarquia do poder. Não se deve cultivar a compreensão das outras formas de existência para que não se perceba de... Que essa ordem é bizarra e que a gente poderia implementar mudanças. O conservador, então, nesse sentido, é um agente de estagnação. Já o progressista enxerga na diferença, na inclusão
e no horizonte do fim dessa desigualdade não apenas como algo ideal, mas como o potencial real de que é possível mudar a sociedade e a desigualdade. Nesse sentido, não quer dizer uniformidade: somos iguais porque somos diferentes. A nossa diferença é que constitui a nossa busca pela igualdade e não a desigualdade social. Então, quando a esquerda realiza atos que fujam disso, que entrem em exclusão, que entrem em opressão e que não busquem essa emancipação da luta pelas desigualdades, ela erra, ela falha. Já quando a direita pratica esses mesmos atos, ela está alinhada com o seu projeto
fundamental e aquilo que ela prometeu. Quando a esquerda exclui ou oprime, ela trai o próprio princípio de inclusão que ela promete e que pensa que faz; ela chega a agir. Quando a direita faz o mesmo, ela está simplesmente sendo fiel ao seu projeto ideológico de aceitar a desigualdade, a exclusão e a opressão como parte da manutenção da ordem. Em outras palavras, quando a esquerda erra, ela erra; quando a direita erra, ela meio que acertou direitinho, está alinhada exatamente com o projeto que prometeu, mantendo exatamente as mesmas pessoas no poder há pelo menos uns 500 anos.
Então, está aí para você, conservador, que já ia me perguntar: "Ué, mas a esquerda não faz isso?" Está aí respondido. Mas está vendo como é importante pro conservador o esquerdista para ele negar? E aí, pode se constituir. A juventude conservadora parece se afirmar primeiro sobre aquilo que ela não é, para depois buscar estabelecer naquilo que ela crê. Esse processo de formar a identidade através da negação é fundamental para compreender as dinâmicas políticas conservadoras. Este vídeo é financiado por George Soros, Felipe Neto e o próprio Karl Marx. Não, o financiamento deste canal é feito por você.
Apesar de parecer que a gente só grava os vídeos, é muito fácil dar o play e tudo mais. Esse episódio começou a ser escrito há 9 meses. E esse vídeo que você está vendo foi gravado dois meses atrás. A gente está aqui no passado para falar com você e gravá-lo. Não tem só eu no cenário, não. Atrás das câmeras tem a Jéssica. Depois que a gente grava tudo isso aqui, ainda vai pra mão do Tila, que vai fazer a decupagem, escolher os clipes que você vai assistir, todas as intervenções, nosso artista visual. Daí, ele vai
passar pro Gelo, que é quem vai fazer a magia acontecer, vai fazer a edição. E a edição é muito importante porque... e a Edi aqui nessa câmera aqui. E a edição é muito importante. O que é isso senão você não conseguiria ver essa magia acontecendo? Mas isso tem custos, e custos um pouco altos, ou cada vez mais altos. E, para te falar a verdade, um canal como Normose nunca vai conseguir uma empresa realmente grande para estar conosco. Os temas que a gente toca são muito polêmicos, como esse episódio que só restam um financiador: você, que
pode manter isso aqui existindo. Você que banca um pouquinho por mês e faz a diferença; você que nos permite escolher temas espinhosos; e até você que é [ __ ], porque a gente está fazendo propaganda, senhor ancap. Você descobriu que nós também vivemos na sociedade do dinheiro? Então essa é uma autopropaganda. Talvez você nunca tenha financiado um canal. Será que não chegou a hora de manter a nossa equipe existindo? Você pode contribuir de várias maneiras. A melhor opção é o nosso financiamento coletivo do Catarse, porque ele é recorrente e nos dá um suporte contínuo pra
gente pensar em vários meses. Porque todo mês a gente paga as contas. Mas se você não tiver como, ainda tem o Pix, que é só você escanear o QR Code aqui em cima e ele não cobra taxas. Tem a nossa lojinha para você que quer vestir Normose. E se nada disso for possível, você ainda pode compartilhar o vídeo com um amigo no WhatsApp ou xingar muito aqui pra o algoritmo perceber que isso aqui vale a pena. Só não vale ficar parado. Tá bom? Acho que é isso. Falta alguma coisa? Já, não? Então vamos pro vídeo
de novo. Ajuda nós, por favor, me ajuda. O conservadorismo atual caracteriza-se, então, por um sentimento forte de anti-esquerdismo, onde a negação do outro, como acabamos de ver, é um componente essencial da identidade conservadora. E para isso se constituir enquanto um corpus, um arcabouço, ou seja, uma escola, um fundamento, uma base de conservadorismo, é preciso, então, constituir uma cultura ou uma contracultura conservadora. Algo que mostramos no episódio 1, que Olavo de Carvalho vai chupinhar pra cá e tal, tal, tal. Agora, me diga rápido: qual a melhor forma de fazer isso no mundo moderno? A arquitetura das
redes sociais, como também já vimos que aconteceu na história, lá nos anos de 2008, durante o nosso episódio 1. A arquitetura das redes é múltipla e descentralizada, descentralizada com muitas aspas, porque a estrutura ainda está na mão de monopólios de meia dúzia de empresas. Mas a direita começa a perceber, então, esses muitos mundos descentralizados das redes e passa a atuar em diferentes níveis, em diferentes etapas, para formar essa contracultura e criar aquilo da tal unidade geracional. Lembra da primeira ideia que abri o nosso documentário? Olha essa fala que engraçada: "É tão certo que, se não
tivesse movimento das classes progressistas, os conservadores teriam permanecido os inconscientes da sua própria ideologia até hoje." Isso está num texto do Ricardo Velez Rodrigues, o nosso ex-ministro do Bolsonaro, indicado para ser o ministro da educação, analisando a mentalidade conservadora. E olha que ele nem foi o pior que a gente teve, hein? É muita contradição. Aliás, vamos falar sobre isso. É aqui que entra... Por exemplo, essa ideia de que o conservadorismo usa muito da contradição e da hipocrisia. Por exemplo, quando tenta dizer insistentemente que a esquerda tenta controlar e dominar o jovem e o seu jeito
de vestir, enquanto no mesmo momento legaliza projeto de escola militar com cardápio de roupa de como se vestir. As contradições fazem parte da ética conservadora. E então, acho que você já deve estar percebendo: aí chegamos de novo na tabela que fecha o episódio, uma lista da mentalidade conservadora. Anota aí as suas bandeiras e as suas contradições inatas: conservadores defendem, então, ideologia de gênero quando buscam supremacia de gênero; antifeminismo para proteger seus privilégios; pró-família, quando na verdade estão no quarto casamento e traem todas as esposas; contra identitários, quando na verdade valorizam o masculinismo, que é um
tipo de identidade; contra o mundo pós-moderno, que é uma visão pós-moderna das coisas; valores autoritários. E aí são autoritários mesmo! Mas antes de destrinchar cada um desses, vamos falar de demografia. Quem são esses jovens conservadores? Quem é esse público? Bom, segundo a EBGE, jovem é aquele que está na faixa dos 15 aos 29 anos. Eu não sou mais jovem, não estou suportando mais, estou no limite, Brasil. Esses jovens correspondem a 23% da população brasileira, ou 47 milhões de pessoas, e desses, 16 milhões são evangélicos. Aí, nas estatísticas, aqueles que são filiados mesmo a partidos políticos
não correspondem nem a 1% dos filiados nos partidos, o que já é uma questão bem interessante. Apesar de o jovem estar se integrando muito na política, talvez não seja a política institucional. Mas logo depois da demografia, o que chama realmente a atenção na questão, então, é a tal da questão de gênero. As mulheres, de um modo geral, são muito, muito mais progressistas que os homens, na maioria esmagadora dos casos, questões e lugares do mundo e assim por diante. Claro que existem algumas pesquisas que eu olhei por aqui, que davam alguma discrepância e mostravam que não
havia tanta diferença entre os gêneros. Porém, quando você vai olhar mais a fundo na pesquisa, ela é uma pesquisa que reflete o estado de Santa Catarina. Que surpresa, não é mesmo? Mas no geral, no mundo mesmo, analisando países com sistemas políticos diversos, a diferença de gênero é gritante. De acordo com a pesquisa do Pew Research Center, por exemplo, há uma divisão significativa entre conservadores e progressistas em quase todos os países do mundo. São as mulheres que agora tendem a adotar as posições mais progressistas, que têm liderado movimentos sociais por direitos humanos, por igualdade de gênero,
por justiça social, enquanto os homens, especialmente os mais velhos, são aqueles que inclinam para os valores conservadores. Não que isso surpreenda ninguém, mas é que a disparidade é muito assustadora. Nesse estudo da Genial Quest, por exemplo, ainda dá para ver que as mulheres, mesmo as conservadoras, são bem mais liberais e progressistas do que suas mães e avós, mostrando que houve um avanço e um impulso dos direitos das mulheres, muito provavelmente pela luta e pela conquista do feminismo. Agora, é claro, a Beatriz vai alertar a gente no artigo dela que a gente tem que tomar cuidado
com essas abordagens só de números qualitativas e quantitativas se a gente realmente quiser compreender a complexidade das pessoas e como têm categorias que se interseccionam que não são bem assim. Eu decidi perguntar isso para a Beatriz numa entrevista e num papo para a gente entender melhor essa questão. Mobilizar a ideia de que é uma ideia estrutural, que eu acho que é da construção da subjetividade humana, que é a ideia de que você tem um estado de fragilidade, de que existem ameaças a você como indivíduo. Eu acho que isso existe, mas existe também uma maneira de
você manipular isso, de você usar algo que existe de uma maneira em que você sinta que aquilo vai ter uma resposta de ordem organização social que vai dar conta disso. Então existem muitas teorias, né, que são mais do backlash cultural, que é a ideia de que você está mexendo com seguranças que foram constituídas como muito importantes para esses indivíduos, né? Que aí diria respeito às questões de masculinidade e que quando você tira isso, você cria uma insegurança. O que eu acho que é verdade, assim, é que a gente está mexendo com isso e que essas
inseguranças... A resposta de você dar uma nova organização, como se você pudesse voltar a ter estruturas hierárquicas que existiam, tudo bem. Mas eu acho que também existem inseguranças que são reais, inseguranças que estão acontecendo, por exemplo, pelo fato da juventude viver numa reconfiguração do neoliberalismo em que você tem uma estrutura muito precária de trabalho, em que você tem uma instabilidade quase romantizada, como se fosse um desejo do sujeito de viver essa instabilidade ou essas mutações. Então, nesse sentido, eu acredito que diferentes tipos de inseguranças existem, mas eu acho que existem também estratégias discursivas de mobilizar
esses medos e de dizer que o que está acontecendo com você tem culpados. Já até jogo a pergunta para você: talvez esteja sentado aí. Por exemplo, ser tão basilar a ideia de antifeminismo, a ideia de pró-família, porque existe alguém que está destruindo a família. Seja qual família é essa, não importa. E acho que tantos outros mais. Não é isso? Sim, eu acho que é um ponto que eu converso muito com as pessoas e que eu gosto de enfatizar, porque pode causar uma confusão. É quando eu entrevistei, eu nunca iria questionar nenhum sujeito que vire para
mim e fale: "minha família é muito importante para mim, minha família é estrutural na minha vida". Isso acho que é para muitas. Pessoas, e isso? A grande questão foi como esse discurso de que a família está sob ameaça tem sido importante para você estabelecer quem são os seus inimigos. Assim, então, eu acho que a ideia da família como algo muito importante para a vida das pessoas foi uma maneira muito eficaz de atrair e dizer: "Bom, se você valoriza a sua família, então você pode ser que você seja um conservador." Você pode, na verdade, nem saber,
nem ter isso como uma posição política. E eu escutei muito isso: ser conservador como um estilo de vida. "Eu sou uma pessoa caseira, eu gosto da minha família, e isso é o meu estilo de vida." E isso teria que se refletir no seu comportamento político. Eu acho muito relevante e importante a gente pensar que não é sobre isso que a gente está falando; é justamente essa possibilidade de pensar que essa sua vivência está sendo ameaçada pela busca de direitos, de alguns grupos. E isso eu acho que foi uma construção. Acho que uma outra construção importante
é a ideia da família também como a preservação da família, como um lugar de transferência das responsabilidades do Estado. Então, a ideia de que, se você tiver uma família, você tem ali essa organização, nesse avanço do que a gente tem, desse discurso do enfraquecimento do Estado: você vai responsabilizar aquele núcleo familiar por dar conta da própria vida. A professora Isabela Cil, por exemplo, alerta que a gente precisa tomar cuidado com as abordagens que não enxerguem as diferenças e as nuances dentro dos grupos, gerando um diagnóstico falso, um olhar genérico sobre o outro, sobretudo sobre essa
juventude conservadora que está, por exemplo, nas favelas. Outra coisa interessante também é que, ao contrário do que se constituía normalmente em outros tempos, como vimos no episódio um, não há mais um grande conflito geracional no Brasil. Ou seja, tanto a esquerda quanto a direita quanto o centro parecem estar numa confluência de pautas. Apesar da idade, há diferenças e modos de agir: coisas que jovens defendem mais do que idosos e vice-versa. Mas, em geral, as pautas batem e há muita juventude conservadora, muita juventude à esquerda, e o mesmo vale para os mais velhos. Na direita, os
mais velhos são motivados pela nostalgia, e os mais jovens são motivados pela ideia de um falso sistema, catalizado pela rebeldia que a gente já falou tanto ao longo desse documentário. Essa ideia falsa de que essas pessoas são antissistema pega muito, tá? Milei, por exemplo, foi eleito basicamente por uma base de jovens "memeiros", "zoeiros", fazendo uma campanha de ética e humor questionável, mas que tinha como base essa negação anti-establishment, pregando ultraliberalismo, sucateamento do Estado, corte de qualquer auxílio social, porque lembre-se: desigualdade é bom, cada indivíduo por si e [ __ ] todos. O marketing do Absurdo
que deu muito certo funcionou; tá aí eleito presidente, entregando índices assim de dar orgulho: liberdade, caroço. Mas até apontar para os casos de fascismo desses governos e entrar num processo de memetização para perder seu peso, e essa ferramenta enfraquece nosso discurso. Enquanto a direita abusa dos direitos humanos e dos memes sem ética, a esquerda vai ficando cada vez mais comedida em seus discursos e, eventualmente, até perde a graça. A direita diz que "the left can’t meme" ou a "esquerda não pode fazer meme", e muitas vezes isso é verdade. Na recente onda de memes do caso
Haddad, que foi a paridade da taxação, a gente viu uma rede dividida: à direita aproveitando o momento da taxação proposta pelo Ministro da Fazenda, mais implementada pelo Centrão do governo e com um voto massivo de bolsonaristas. Ainda assim, a pecha que colou foi do "ministro taxados", do marketing do Absurdo e dos memes que têm lá sua graça. Provavelmente como a maioria das coisas da internet, a coisa surge orgânica e depois algum grupo sequestra para coordenar aquilo e aumentar, tornando a coisa impulsionada. Não importa para além do fato de a esquerda ter pautado o próprio projeto
e não ter conseguido mostrar depois como o Centrão manipulou e conseguiu implementar a taxação. O pior foi que a esquerda entrou numa onda de negar os memes, criando uma resposta lenta, ineficiente ou até meio brega, porque não existe meme positivo. E isso pega muito a molecada, que não quer nem saber se é uma correção monetária econômica, só não quer as blusinhas taxadas. E pode acabar nesse momento passando que o Walter passou lá em cima, o que, por exemplo, explica muito bem o recorte de classe dessas pesquisas que mostram que há também uma forte presença de
valores da extrema direita, valores conservadores aparecendo cada vez mais em classes cada vez mais baixas, o que não era o recorte comum antigamente. Isso reflete, segundo, por exemplo, o Shode, uma forte prova da demonstração de como a exclusão sistemática do sistema político cria só mais ódio, repulsa desse sistema político. Não é à toa que são essas classes que não acreditam mais no Estado; são essas classes que, de fato, precisavam cada vez mais desse Estado, e que não têm suas promessas cumpridas. Quanto mais baixa a renda, menor a oportunidade que você tem na sociedade de exercer
a sua cidadania. Justamente porque não sei se todo mundo conhece, existe uma teoria que se chama "teoria da lei de ferro do Michels", é lá de 1912, 1920, assim, início do século passado. Ele falava que os partidos que são muito ideológicos, quando assumem um cargo burocrático, quando assumem o poder, vão se burocratizando, se profissionalizando dentro da máquina e vão se afastando das suas bases. E daí tem vários autores, inclusive no Brasil, um dos grandes autores é o Augusto Nal, que traz esse assunto aqui da PUC-RS. E ele mostra que... No Brasil, só quem faz isso
são partidos de esquerda; só os partidos de esquerda que são ideológicos. Quando eles chegam ao poder, precisam fazer uma burocratização, caminhar para o centro, se desvincular das suas bases, porque senão não conseguem se viabilizar. Os partidos de direita conseguem chegar ao poder e manter a sua ideologia porque conseguem colocar em prática suas demandas por outros meios que não simplesmente a negociação política. Então, talvez seja, né, um governo progressista no Brasil um ponto fora da curva. Um governo progressista no Brasil vai sofrer mil vezes mais pressões do que um governo conservador, reacionário ou autoritário que seja.
2003 foi o que foi, né? É interessante. E aí, tá bom, então, esse caldo foi perdido, mas esse caldo foi para algum lugar. E aí, esse jovem vai para algum lugar, para alguma comunidade, seja religiosa ou na internet, e vai se formando. E aí eu queria ouvir esse P. Então, esse jovem vai para onde se formar e quais valores são passados para ele nesse momento? Então, vai ficando cada vez mais difícil também de ter contato, de confronto, de questionamento com esse jovem; ele vai se fechando cada vez mais numa bolha. Como esse processo vai acontecendo
com essa juventude que sobra desse caldo, vamos dizer assim? A grande maioria da juventude vai para a apatia, né? O interesse por política da juventude é baixo. A gente está falando em algo em torno de 60% dos jovens que não têm interesse nenhum em política. Então, ao mesmo tempo, existe a ascensão das redes sociais, né? Uma das formas do jovem participar da política, mesmo sem perceber, é através do que a gente chama de exposição acidental. Então, você entra no Facebook lá em 2014, né, que bombava muito; você vai ver seus memes, vai ver sua família
postando coisas ali na frente, um meme político, né? Existiam muitas páginas de memes políticos na época. Daí você vai lá e curte, depois vai seguindo, e, depois, vai aparecer mais uma postagem, você vai lá e curte. Aquele tempo não é um tempo para obter informação; isso é um tempo de lazer. Você está usando uma plataforma de entretenimento e se depara com o conteúdo político de forma acidental. Foi de forma proposital, e de lá para cá esse movimento só aumentou, porque o ativismo digital em rede, a produção de conteúdo político em rede, aumentou muito, e o
foco do conteúdo criado não necessariamente é informação política. Assim como tudo no neoliberalismo virou um produto; esse produto circula das mais diversas formas. Quanto mais rentável, melhor. E uma das formas de circular o produto política é como entretenimento. A política virou um produto de entretenimento, virou um produto de memes, e a aproximação deste assunto pode ser em cima disso. E aí a gente tem que reconhecer que quem soube dominar esse ambiente foi a extrema direita, não a direita; foi a extrema direita. Se você entrar no site do PSDB de 2014 e 2015, não vai ver
nada demais, né? Ah, agora, se você entrar no site da MBL de 2014 e 2015, você vai enxergar a máquina. A gente está falando do Facebook, por exemplo, mas quando vem o Reddit, quando vêm os fóruns, quando vem o Instagram, quando vem o Discord, quando vem o Twitter, quando vem o Telegram, né? Aí você produz conteúdo político. Então, o que acontece aqui não é que as pessoas de baixa renda são mais autoritárias por algo intrínseco a elas, por algo dentro delas. Claro que não! É só porque elas não têm acesso a essa participação social. E
aí vem um charlatão, um coach, um guru dizendo que toda essa coisa de política é besteira, e que com ele, com o valor dele de mercado, com privatização, com empreendedorismo, com valores que vão agradar a ele, você vai se dar bem, mesmo que você seja o funcionário, mesmo que ele seja o chefe que vai te explorar. Você cai e acredita, porque não é como se o Estado também não tivesse em falha constante! Ou vai dizer que está perfeito? A falsa ilusão do mercado faz com que essa pessoa acredite que uma hora ela vai chegar lá
e que basta ela empreender e tudo mais, e que ela só não chega por causa do governo. Essa falsa promessa aprofunda ainda mais o sentimento de desconfiança, e nesse cenário de desconfiança, frustração, exclusão e desempoderamento há um terreno muito fértil para surgir essas diversas formas de fanatismo que batem com o medo que a gente acabou de falar. [Aplausos] É isso que deixa a ultradireita, a extrema direita – não sei o nome que você vai dar para esse troço – como algo atraente, com essa percepção de anti-sistema, ainda que ela esteja defendendo o sistema econômico vigente.
Eles são contra o sistema de verdades e narrativas que construímos para o pensamento crítico até aqui, como a ciência. Mas isso é papo para outro dia. Eu já vou viajar. Foque aqui na parte da frustração. A frustração com as falsas promessas leva ao ressentimento; o ressentimento à vontade de procurar culpados, encontrar inimigos. E aí a gente vai fechando cada vez mais o nosso pensamento, e tudo aquilo que a gente foi falando para trás vai fazendo cada vez mais sentido, ou pelo menos eu espero que seja assim. Eu escrevi para ser assim, espero que esteja funcionando.
Mas, de qualquer modo, esses jovens que se sentem frustrados e excluídos vão buscar em outros lugares esse sentimento de acolhimento das suas respostas que eles não veem ou vão vendo cada vez mais nos movimentos progressistas, que são, para eles, muito políticos. Sério, essa é a ideia. Grande parte dessa juventude conservadora adere ao conservadorismo porque não se vê como o político e é contra a ideologia. Gosta de coisas neutras, não ideológicas, e são acolhidos nas ideologias da direita. Alunos do MBL ou dos outros think tanks são recebidos e lidos como em processo de desconstrução; não são
tratados como burros, não são tratados como áreas rasas, e isso os faz sentir parte daquele movimento. Essa onda de fazer o outro se sentir burro só afasta os outros do seu movimento. Uma das portas de entrada é só uma agenda, né? Às vezes é uma agenda que eles têm, e que é muito importante para a vida deles, muito estrutural no que em como eles se constituíram, seja pela sua trajetória religiosa, pela sua trajetória familiar, né? Que seja, por exemplo, ser pró-vida, mas que é algo muito delicado, por exemplo, né? Assim, às vezes é uma coisa
muito basilar, né? Assim, muito central, que foi muito importante para aquela pessoa e, de repente, vê que dentro de diversas vertentes da esquerda isso está sendo questionado. Imediatamente, você vai entender que existe um outro grupo que vai defender e que vai representar essa sua ideia. O que eu acho é que essas discussões são perfeitas. Aqui é importante dizer também do antifeminismo. O antifeminismo desempenha um papel fundamental para as bases do conservadorismo, e eu acho que eu não preciso muito mais falar o porquê. O feminismo é frequentemente visto como uma ameaça real porque é ele que
destrói as hierarquias, é ele que desafia o patriarcado, a superioridade masculina, e por isso é visto como maligno, como algo que entra na mente das mulheres e acaba jogando-as contra outros homens. O ódio às mulheres fica tão evidente, então, nas declarações públicas, porque ele exala medo. Mulheres progressistas são vistas como obstáculos mais fáceis, não só por causa da visão machista do sujeito, mas porque ele vê nelas a maior ameaça da sua ordem de poder estar acabando. Então, cria grupos de ódio, vai atrás de criadores de conteúdo mulheres, vai destruindo políticas, e essas violências simbólicas que
começam nas redes sociais, dali a pouco, viram ameaças reais. Acho que é importante a gente falar agora de um estudo de caso real e de como uma jovem mulher está resolvendo essa situação de uma maneira muito interessante. Essa é a história de um crime conhecido nacionalmente, que já estava pacificado e com todas as etapas judiciais concluídas. O documentário de uma grande produtora de vídeos do Brasil prometia desmentir as mentiras do caso Maria da Penha. Como uma história de terror, Maria da Penha passa a viver de novo o inferno em sua vida. O documentário, que teve
um investimento de milhões e impulsionamento de marketing, apresenta a versão do agressor, o ex-marido de Maria da Penha, que diminui a experiência da mulher, insistindo que foi ela a culpada pela sua situação e de que o marido é um “zé coitado”. Para isso, chama falsos pesquisadores ou, pelo menos, não especialistas e pessoas famosas da internet, que é para garantir o like. A coisa explode tanto que Maria da Penha passa a receber memes; os memes viram ameaças; as ameaças virtuais viram reais. Os gatilhos usados no documentário pintavam Maria da Penha como um monstro, e o público
começava a ir atrás dela na vida real. Uma mulher que já é idosa, que já é lei há décadas, passa a ter um número significativo de buscas no Google relacionadas à morte, ao ódio e ao seu nome. De repente, a polícia passa a analisar que é justo que Maria da Penha entre de novo para o programa de proteção à violência das mulheres. De novo, o terror: antes como tragédia, agora como farsa. E nessa batalha, eu gosto de citar e tenho orgulho de dizer da minha amiga Caroline Sardá e do que ela tem feito para combater
essa narrativa da Maria da Penha. Caroline tem a sua comunidade forte e desmente as informações feitas pelo documentário, uma a uma, de modo racional, mas sabe que isso não basta. Depois, ela faz uma análise dos gatilhos, mostrando as mentiras e as publicidades que foram feitas. Como publicitária, ela vai mostrando todas as táticas e gatilhos para destruir uma reputação. Depois, se divide em várias redes, em vários cortes, para poder falar com diferentes públicos e não fica só na sua bolha. Ela também vai ocupar campo e espaço em lugares que são considerados de direita ou, pelo menos,
campos não amigos. O que é bastante polêmico e debatível; pessoas podem não concordar, mas é uma estratégia válida. E se você acha que não funciona, basta entrar nos vídeos de Carol e verá muita gente do campo do lado de lá repensando suas posições a partir do caso Maria da Penha. Ainda assim, ficamos limitados por sermos pautados e obrigados a reagir a conteúdos e não propor os nossos. E está aí talvez uma das dificuldades da esquerda no momento: a direita, numa linguagem simples, simplificadora, ainda que com mentiras, consegue propor coisas para o agora, para o real,
para o material. Mesmo mentindo, a esquerda está tentando desenhar coisas para o futuro, e isso não é palpável para muita gente. Assim, eu poderia ir debulhando conceito a conceito: pró-família num país onde 50% dos casamentos estão falidos, por causa do modelo proposto de casamento do mundo, onde não se questiona o modelo, mas se aponta o feminismo e a cultura WK, por causa dos direitos das mulheres, como o culpado pela separação, e não a violência desse modelo. Poderia ir para o lado religioso e apontar o aumento dessas igrejas de teto preto que falam inglês e que
estão chamando muitos jovens à base dos mesmos medos. São 5 e pouco da manhã, eu tô cansado, preciso dormir. Eu acho que você já pegou o meu ponto. Foi assim que, lá atrás, as bases de Olavo de Carvalho sobre a tal "contra-revolução silenciosa" foram sendo... Formadas através da produção cultural da tomada de poder, criando e influenciando uma geração inteira que agora tem a minha idade e já está criando outra geração de jovens, mesclando espaço físico, construção de comunidade e espaço virtual, e divulgação de memes. O uso de retroalimentadores, feedbacks de pessoas de dentro da própria
comunidade, alimentando aquela comunidade para que o clubinho fique cada vez maior e mais coeso. Por isso, era tão importante utilizar o YouTube naqueles períodos, que foi como a gente abriu o nosso episódio. Saiba agora que a realidade não é mais assim; o YouTube mudou, já não divulga mais conteúdo conspiratório como antes. Deu uma resposta, o que foi bom por um lado, mas complicou por outro. Além disso, nós não sabemos como é que o algoritmo funcionava e o YouTube não é transparente em relação a isso. Depois que o YouTube agiu, a coisa espalhou mais ainda. Novas
redes sociais à extrema direita surgiram, um espaço e uma veia de mercado surgiram para aquele lugar que o YouTube não permitia mais, em redes como Rumble. A própria Brasil Paralelo agora está naqueles aparelhinhos de TV, aqueles no estilo meio "gato net", sabe? Ou seja, se inserindo na TV, está se inserindo como um valor de verdade, passando uma impressão de realidade, disputando do lado de emissoras da mídia antiga, disputando, portanto, o senso comum, o discurso do normal, do natural, com muito, muito dinheiro. Enquanto nós continuamos aqui, numa batalha de professores de história, lutadores, ativistas sociais, Davi
contra Golias, tentando alertar aquelas pessoas que não caíram no fanatismo violento da extrema-direita de que existem outras formas de viver a juventude. A maioria das pessoas não tem aspecto político definido; a maioria das pessoas acaba acreditando em truísmo do tipo "não sou esquerda nem direita, sou um pouco de cada um", não vejo diferença e tal. A maioria não está nem aí; só quer consumir uns memes e pronto. E aqui vem o pulo do gato: é nessa camada de disputa que eu estou preocupado. Lembra que eu disse para você, lá no comecinho, que o mais importante
não era se o jovem era conservador ou progressista, mas que as coisas podem mudar? Porque a norma não é comprar um pacote ideológico fechado, na cabeça de muita gente, na minha inclusive. Nós esperamos algum certo tipo de razoabilidade, de que as coisas façam sentido, porque elas se cancelam entre direita e esquerda. Mas não é assim que funciona; os campos, as pautas e as figuras se misturam na cabeça das pessoas e, a todo momento, estão tentando reorganizar e dar sentido nessa massaroca que a gente está vivendo. Acho que isso chega em um dos cernes das minhas
discussões finais, principalmente quando a gente fala em termos da juventude. Nos últimos anos, esses processos também têm representado para esses jovens processos de aprendizagem. Muitos desses jovens conhecem muito do sistema político brasileiro, muitos desses jovens estão tentando fazer parte e entrar dentro desse sistema, lidando e fazendo, tendo alguns tipos de posicionamento e práticas de participação. Por exemplo, os brasileiros têm uma extrema preocupação em mostrar como são estudiosos, mostrar suas referências, mostrar que estão estudando. Então, eu acredito que existem processos de aprendizagem. De maneira nenhuma diminuo o fato de que, existindo o discurso de ódio, isso
precisa ser configurado como discurso de ódio. Mas eu não vejo outro caminho que não seja, por meio justamente dessa abertura e dessa tentativa de desconstrução, que, a partir do momento em que você se identifica com uma dessas agendas, você não tem lugar em outros espectros políticos. Portanto, vale a pena fazer essa disputa e se colocar como um campo do possível, como um campo do imaginar o futuro, onde as desigualdades, tudo isso que a gente veio falando de um modo mais saudável, menos paranoico, não usando afetos de ódio, não se fechando às experiências e à cultura
do outro, lembrando de que a vida é uma só; daqui a pouco passa e você não pode ficar vivendo a vida toda fechado, reprimido e com medo. É isso, esse tipo de coletividade que a gente vem construindo aqui no canal nos últimos anos e que eu aposto e acredito que acaba sendo mais pacífico, o melhor, o mais produtivo para o máximo de pessoas possíveis. E o que eu acho é que essas disputas deviam caber dentro da esquerda, né? Isso está em disputa; isso não está dado. Óbvio que eu concordo; eu sou, eu acho que, claro,
talvez para algumas pessoas, eu estudar isso me torne mais tolerante ou mais, assim. Mas o que eu acho é que é o único caminho, e acho que essa é a resposta que eu tenho para você. Assim, o único caminho que eu vejo nesse sentido é dizer que os problemas são complexos. Dizer que as questões com as quais lidamos são muito complexas e elas podem estar em disputa dentro dos campos políticos. Dentro da esquerda, a gente vai ter que falar sobre isso e a gente vai ter que constituir. Tanto é um assunto delicado porque muitas lideranças,
que são entendidas como da esquerda, não vão falar publicamente sobre esses assuntos. Mas, justamente, acho que a direita ganhou esse direito, essa possibilidade, de pegar uma série de agendas e ser do contra. Ou seja, a gente apresenta para vocês que vocês estão sendo aqui do contra; então, vocês vão ser contra a legalização, vocês vão ser contra uma série de coisas. E aí, aqui, você tem lugar. E aí eu acho que isso chega em um dos cernes das minhas discussões finais, principalmente quando a gente fala em termos da juventude. Nos últimos anos, esses processos também têm
representado para esses jovens processos. De aprendizagem, né? Muitos desses jovens conhecem muito do sistema político brasileiro. Uhum, muitos desses jovens estão tentando fazer parte e entrar, né, dentro desse sistema, lidando e fazendo, né, de algumas... Tendo alguns tipos de posicionamento e práticas de participação, né? Por exemplo, os brasileiros têm uma extrema preocupação em mostrar como eles são estudiosos, mostrar suas referências, mostrar que eles estão estudando. Então, eu acredito que existam processos de aprendizagem. De maneira nenhuma diminuo o fato de que existindo o discurso de ódio, isso precisa ser configurado como discurso de ódio, mas eu
não vejo outro caminho que não seja, né, por meio justamente dessa abertura e dessa tentativa de desconstrução de que, a partir do momento em que você se identifica com uma dessas agendas, você não tem lugar em outros espectros políticos. Então, perfeito. Se nada é neutro, o que nós temos então é uma multiplicidade de juventudes. As juventudes não se ligam dessa maneira linear; elas se ligam de modos múltiplos, de modos diversos, com muitas diferenças e igualdades entre si. Uma comunidade só se desfaz com outra comunidade e dá acesso, espaço e formação para que se imaginem outros
mundos, para que se imaginem educação mais crítica; é uma oportunidade de conquistar mentes e corações de jovens através da troca de ideias sinceras, olhando no olho, dizendo as coisas como elas são. Mas não para manter elas como estão, mas para vislumbrar como elas poderiam estar. Foi um dos achados principais que, quando você chega a nível das trajetórias, das agendas, não existe esse tipo: “Olha, o jovem conservador passou por isso, ele entrou, ele acredita em tudo isso.” Não tem etapas, né, tão específicas para se tornar. Foram pessoas com trajetórias muito diferentes, com questões, né, com configurações
familiares diferentes, inclusive de classes sociais diferentes, que vieram, né, a se identificar. E a progressivamente, isso eu acho que tem uma importância, processos de identificação. Isso é uma das coisas que eu destaco. Por isso que eu acredito que a gente possa agir, né, porque eu acho que são processos em que você vai se cristalizando mais dentro, né, de um mundo e de uma representação desse mundo muito fechada. E que eu acho que é uma das grandes questões são as generalizações. É você dizer que todo mundo é de um jeito específico, que é... Observe, né, a
extrema direita são as generalizações sobre quem é o imigrante, sobre quem é o bandido, como se essas categorias fossem fixas e como se elas fossem... a gente pudesse, né, a priori, olhar e falar: “Bom, esse é o bandido.” E é justamente isso que não existe, né? As categorias precisam não ser generalizáveis para a gente conseguir discutir a complexidade do social. Então, olhar para, né, nós não darmos essa unidade para eles é muito importante, porque eu acho que também é estratégico. Porque eu acho que essa constituição, né, do que tem sido dado como uma identidade conservadora
não reflete a diversidade que existe dentro, né? Então, isso foi constituído, foi feito com o tempo, foi uma eficácia discursiva e, nesse sentido, um sucesso, né, dessa ideia, desse convencimento de uma unificação dentro dessa identidade. Mas quando você vai a nível qualitativo, você vai encontrar uma diversidade grande. E eu acho que é nesse, né, é nesse campo que a gente consegue trabalhar. E é nesse, nesse campo que eu sou bastante esperançosa, né? Então, eu acho que olhar para isso... E também acho que uma coisa que me chama muita atenção e que é óbvia, também, eu
concordo com você que pode ser óbvia, mas assim, é quantas vezes nessas entrevistas eles falavam sobre percepções das relações de opressão, né? Muitos já tinham, seja por uma experiência com a polícia, seja por uma experiência de um relacionamento amoroso, a ideia de que aquilo não estava certo, de que tinha alguma coisa daquilo que não funcionava e que não se encaixava nesse pacote que era dado, né? Então, como é que eu explico? Tá, tudo bem, vocês me falaram que acreditar nisso tudo é também dizer que a polícia sempre age da forma certa, mas eu tenho experiências
pessoais que contradizem isso. Então, eu acho que sim, existe, né? O jovem está experimentando, ele tá entrando em contato com o mundo, ele também tá constituindo, né, essa ideia de como o mundo funciona, de como eu explico o mundo. E eu acho que, nesse sentido, existem fissuras, existem espaços e que a gente... Eu acho que a grande aposta são eles, lembrando, é claro que a gente tem, sim, inimigos muito fortes que ajudam a cristalizar tudo isso que a gente tá falando, que são as redes, que são os algoritmos. Mas eu acho assim, também, a gente
precisa, né? Há pouco tempo eu tive num evento em que uma pessoa falou: “Bom, a gente escolhe as nossas batalhas e os níveis delas. Não dá para estar em todos os níveis, né?” Então, eu acredito nisso. Eu acho que o nível... O que eu tô falando, ele também tá no campo da educação, ele tá no campo da construção de uma esfera pública presencial de discussão em que nós precisamos menos trabalhar com o reconhecimento de identidades. A forma de você entrar aqui, você entra a partir do momento que você apresenta todas as suas identidades políticas, as
suas identidades, não só, né, esse conjunto. Eu acho que a gente precisa flexibilizar e abrir essa esfera pública de discussão presencial para a digital também. Mas eu acho que esse desafio talvez seja muito mais difícil, mas nos âmbitos em que ainda existem encontros e que existem espaços que esses jovens ainda frequentam, né, por um longo período. Então, eu acho que, nesses espaços, a gente precisa, né, conquistar. Essa possibilidade desses espaços como espaços de exploração, né? Eu não tô querendo fazer com isso nenhum tipo de batalha do bem contra o mal, bandido contra mocinho, dizendo que
o meu campo político tá isento ou acima da moral. Não está. Mas se nada é neutro no mundo, eu prefiro lutar pela emancipação e para que todo mundo tenha a sua potência de ser incluído. Se isso é jovem, velho, antissistema, sistema... não sei, já passei por todas essas etapas e agora só tenho pensado nesse imperativo categórico. E o seu, qual que é? Antes da gente ir embora, eu tenho umas perguntas pro final do episódio. Como você moldou suas opiniões políticas, jovem? Quais são as influências que te tocaram e quais emoções elas ativaram? Como quem você
segue te ajuda na socialização de um mundo melhor ou te deixa mais paranoico? Quem você quer deixar te influenciar nas suas decisões? O que você crê: inclui ou exclui mais pessoas? Se ambos os campos estão em disputa, inclusive a anti-identidade como forma de identidade, talvez tenhamos um ponto em comum na nossa diferença. Talvez seja aí o jeito de construir novas pontes e acabar com algumas rupturas. Agora, sei lá, também assim, se depois de tudo isso, se depois desses dois episódios, se depois de olhar pro ponto de vista histórico, você ainda veja sentido de ser um
jovem conservador só pra ser descontraído... não sei, te acho meio estranhão. Acho que não tem mais o que fazer, fazer o quê? Ou melhor ainda, tem. Vou para mais uma tentativa: é preciso entender mais essas identidades, o tal do identitarismo. E agora esse documentário termina anunciando o próximo. Chegou a hora de falar da tão temida cultura woke, cultura da lacração, o antilacrador, o nerdola, aquele que luta pela justiça social—todos esses tipos que têm formado muito a juventude. Então, daqui pra frente, é só hype. Sai agora já e eu tô botando muita fé nesses episódios. Eles
são uma espécie de continuação desse doc. Aqui nos últimos meses a gente tá falando muito sobre juventude. Já teve vídeo do Juvenia, esses dois episódios, o episódio sobre meme, extrema direita, vários que nos prepararam para chegar nesse doc do W. Tudo isso que eu tava fazendo nos últimos meses é pra chegar nesse doc do WK. E, ah, antes que você vá embora, feche aqui e comente que faltou falar da juventude evangélica. Faltou mesmo. De fato, quando eu comecei a pesquisar isso, não estava no meu radar. Eu entendi o tamanho da juventude evangélica e como ela
exigiria um estudo à parte, e ficou de fora no roteiro. Quem sabe outra hora eu coloco por aí. Por último, então, só duas últimas coisas. Primeiro, pede pra as pessoas fazerem react. Pede para os canais de esquerda fazerem react, mas pede para os canais de direita também fazerem react. E, por último, é claro, mais uma vez uma autopublicidade: a gente não pode, não quer e não vai colocar publicidade nesses vídeos mais polêmicos, nesses episódios que exigem mais limpeza do nosso argumento. Mas para isso a gente precisa de ajuda. Esse episódio começou a ser pesquisado lá
em janeiro ou fevereiro. Se você olhar lá no meu Twitter, você vai ver que isso é verdade. Demorou muito para ser feito, passou pela mão de vários da equipe, tivemos que gravar entrevistas, e isso graças a você que assina esse canal. Por favor, assina o nosso Catarse. Se você nunca assinou um canal, dá pra nós a oportunidade de sermos o primeiro de verdade. Eu capricho muito pra deixar claro que isso aqui é feito com muito coração. São 5:49 da manhã e eu continuo gravando. Considera isso, nos ajude. Acho que eu já chorei o justo pelo
tanto de chorume que eu consumi ao longo dessa jornada. É, nós nos vemos em brevíssimo. Fica suave e fous.