[Acorde de violão] [Buzina de carro] Começa agora Inédita Pamonha, por instantes felizes, virginais e irrepetíveis. [Fundo musical] Você está em Inédita Pamonha, podcast que fala da vida, dos instantes virginais e irrepetíveis que nunca voltam atrás, porque são sempre únicos. Ah e se você acha que tudo é uma mesmice e que nada muda, talvez esteja percebendo errado o mundo e mais errado ainda a você mesmo.
A história de hoje remete a um grande professor de uma universidade de espetacular prestígio no mundo ocidental. Aí pode ser o que você quiser, é um professor de filosofia, de ciências da religião, um homem das humanidades conhecido em todo mundo ocidental. A universidade, ah você pega aí as de maior prestígio, pode eventualmente ser Harvard, né?
As outras americanas Stanford, UCLA ou quem sabe Sorbone, London School ou Heidelberg. Como você quiser. O fato é, é que é um cara de um prestígio imenso, desses que vive a vida acadêmica à top, frequenta congressos, escreve livros, escreve artigos em revistas científicas, participa de bancas pelo mundo inteiro e tá o tempo inteiro viajando, produzindo debatendo, e alguém acostumado a ser aplaudido por onde passa, assim, realmente suas obras são traduzidas em muitos idiomas, alguém incrível.
Imaginou? Imaginou? Se não imaginou tente imaginar.
Porque eu preciso dessa personagem fresca e viçosa na sua mente. [Fundo musical] Aí esse cidadão foi visitar o Japão. E lá ele tinha um congresso para ir, ele participou, ele foi aplaudido como de hábito, sempre acompanhado pelos professores japoneses, seus colegas de área de estudo etc.
E ele fez questão de conhecer um grande monge budista com o qual ele gostaria de conversar. E o monge então lhe concedeu uma audiência no seu templo, a acerto dia e a certa hora dessa sua permanência no Japão. E aí então, muito bem, chegaram, chegaram no horário.
E então o professor guia foi trazendo essa grande vedete junto consigo, e a vedete foi observando as coisas do templo e para cada coisa que observava despejava um caminhão de discursos, e interpretações, e análises, e origens e discussões. E ia falando, e olhava aqui e falava, e olhava para lá e falava. E enchia os corredores com as suas palavras todas elas supostamente muito relacionadas ao que ele estava vendo por onde passava.
E assim foram andando pelos corredores até chegar num modestíssimo espaço aonde costumava receber ali os seus visitantes o tal monge. E aí então o monge disse, em japonês, que ofereceria então a esse renomado professor do ocidente um chá, e pois-se então a preparar o chá e isto foi traduzido para o professor em questão. O professor em questão, por sua vez, já falou da origem do chá, da onde veio e como veio, como tomar chá, o que é um ritual do chá no Japão, e foi falando no seu idioma enquanto o monge simplesmente preparava o chá sem se apressar.
Claramente na sua, fazendo o passo a passo que tinha que fazer enquanto o outro falava, falava, falava, e o coitado do professor guia tentava ir traduzido. Como o professor guia se deu conta que era demais, era invasivo, era exagerado, era excessivo, ele traduzia só um terço do que o outro falava, o resto ele esquecia e ainda assim o monge parecia absolutamente impassível preparando o chá. Num determinado momento o monge então olhou para o seu convidado, sorriu, disse que iria servir o chá.
E foi servindo o chá olhando para o seu convidado renomado. E o chá foi subindo pouco a pouco na xícara e num determinado momento o chá alcançou a boca da xícara, e então o monge continuou servindo e o chá começou a derramar da xícara, e o convidados sem entender nada, angustiado com aquele derramamento que não encontrava no seu repertório nenhuma explicação, e aí então ele disse ao monge: pare está derramando, o senhor não está vendo? Então o monge pela primeira vez abriu a boca e disse: viu, as coisas plenamente cheias trouxeram a você um certo desconforto de alma, assim é você, uma espécie de xícara cheia que de tanto falar e anunciar discursos, não dá nenhum espaço para o vazio de que precisamos para tomar o chá.
Iiiih, nossa história é linda, porque o monge deu uma patada no cara em grande estilo, e nos faz pensar sobre essa ideia de vazio e o quanto ela pode ser enriquecedora da vida, ainda que seja vazio, em especial é uma vida vivida entre nós aonde o que nos é cobrado é sempre mais e mais e mais e mais de positividades, de verdades, de certezas, de leis científicas, e quanto mais vomitamos verdades sobre o mundo, mais aparentemente somos sérios, rigorosos, profissionais, eficientes, capazes, competentes. E o monge nos convida a mostrar a importância do vazio, a importância do que não está cheio. A importância daquele dedo de xícara sem chá, para que o chá possa ser degustado e servido como se deve.
[Fundo musical] E agora vamos fazer um pequeno intervalo só para os nossos agradecimentos. O podcast Inédita Pamonha é um oferecimento de Eastman Chemical do Brasil. De BNP Paribas Asset Management.
E, finalmente, de Profuse Aché. Aos amigos patrocinadores um carinhoso abraço! [Fundo musical] Aqui eu gostaria de chamar sua atenção para a sua própria identidade.
Afinal de contas, não sei se já se deu conta, mas terá que encarar as pessoas e terá que dizer a elas quem você é, e é possível que angustiado como o mundo te faz ser, é possível que não pare de falar a respeito de você. Aliás eu espero que saibam bem de que tipo de pessoa eu estou tentando falar, pessoas que, cuja ansiedade é tal que não conseguem ouvir, não conseguem ficar quietas, não conseguem fazer vazio, não conseguem fazer silêncio, simplesmente falam, falam, falam impulsivamente como se todos soubessem, como se tudo pretendessem saber, sem dar espaço para nenhum tipo de interlocução, porque são verdadeiros vulcões de certezas e verdades sobre o mundo e sobre si mesmos. Assim cada um de nós às vezes é convidado a dizer quem é, e é curioso, porque na hora de dizer quem é é fundamental que consigamos identificar aquilo que mais possa nos definir, nos discriminar, contar para o outro quem somos.
E que tipo de substancialidade é essa? Podemos perder um braço e continuamos sendo quem somos, podemos perder uma perna e continuamos sendo quem somos, podemos tirar um órgão interno do nosso corpo e continuaremos sendo quem somos, podemos perder a visão e continuar sendo quem somos, mas então nada disso impede que sejamos quem somos, razão pela qual continuamos com o abacaxi na mão. Afinal de contas, se tudo é isso aí amputado de nós nos conserva sendo quem somos, o que é que comprometeria o nosso ser?
Você então levanta a mão e diz: é o que pensamos, é a nossa mente, é a nossa alma! Talvez o seu colega ouvindo o podcast Inédita Pamonha no carro ao lado dirá: não, não, não é o que pensamos, porque muitos podemos pensar a mesma coisa. Alias, se verdade há ela implica um único pensamento sobre o mundo, não é o que pensamos, mas é o que sentimos.
Aí sim o verdadeiro ineditismo, aí sim ninguém sente como nós, aí sim é preciso que haja algum "eu" para que haja "aquele" sentimento, "aquela" alegria, "aquela" tristeza incomparável a qualquer outra, a qualquer outro espaço. O fato é que, muitas vezes, somos convidados a dizer quem somos e no afã de vomitar informações a nosso respeito é bem possível que esqueçamos, não só de calar, fazer silêncio, fazer vazio para que o conteúdo possa ser sorvido e degustado. Mas, sobretudo, oferecer ao mundo aquilo que de fato possa nos discriminar, e evidentemente nossas emoções fazem parte disso.
[Fundo musical] É claro que Clóvis é aquele que diante de um certo mundo se deixa alegrar, meu amigo Ronaldo, o único de infância, patrono deste podcast, nunca se alegrou com o que me alegra, porque ele é Ronaldo e eu sou Clóvis, e o mesmo mundo contemplado por ambos não desperta em ambos a mesma alegria, porque o que alegra Clóvis costuma entristecer Ronaldo, e isso sequer pode impedir a nossa amizade. Ronaldo sempre exigente esteticamente, super fino, sofisticado, afeito as delicadezas mais finas do mundo. E eu, carroceiro, sempre disposto a me alegrar com o mais tosco, o mais rudimentar, o mais popularesco.
Somos diferentes, ele Ronaldo, eu Clóvis, mas o fato é que nessa singularidade, nessa radical singularidade que nos caracteriza, eu sou aquele que diante de um certo mundo se alegra e diante de outro mundo se entristece. Por isso conto muito com o mundo, o mundo serve para mim e sempre servirá como um espelho. Como assim professor um espelho?
Como assim? Eu não entendi. O mundo é um espelho, claro, o espelho do seu banheiro é aquele que você põe a cara na frente para ver que cara você tem naquela amanhã, ele conta a você o que você jamais poderia ver se não fosse ele, o espelho mostra ao "eu" quem o "eu" é, naquilo que o "eu" jamais poderia ver se não fosse ele.
Pois muito bem, assim o mundo é um espelho, porque sem o mundo eu não saberia identificar o quanto Natália do Vale um dia me alegrou. Eu sou alguém, Clóvis, que diante de alguém como Natália do Vale, a atriz, se alegra poderosamente. Eu sou alguém, Clóvis, que diante de um livro como "O amor nos tempos do cólera" de Gabriel García Márquez, se alegra poderosamente.
Eu sou alguém, Clóvis, que diante de um microfone, falando com ouvintes imaginários se alegra poderosamente. Mas isso sou eu diante de um mundo que me alegra nessa particularidade que não se compara a ninguém mais, graças ao mundo eu consigo descobrir quem eu sou, porque eu sou aquele que também se entristece diante de coisas que às vezes não entristecem a mais ninguém, mas a mim me aborrecem muito, me apequenam e me aproximam da morte. Por isso um convite, um convite à vida, um convite às experiências, um convite às relações com o mundo, e nesse convite observe o quanto o mundo conta para você quem você é fazendo você sentir coisas boas quando o mundo te é amável, fazendo você sentir coisas apequenadoras quando o mundo te é desagradável, e assim você vai descobrindo quem é na exata medida dos afetos que o mundo te impõe.
Por essas e por outras, se for astuto, se for consciente, se for capaz e interessado em descobrir quem é, observe cada segundo de vida no mundo e descobrirá, a cada segundo, um novo "eu" enriquecido por aquela experiência inédita, como são inéditas todas as pamonhas degustadas e a degustar ao longo da vida. Este podcast Inédita Pamonha é um oferecimento da Revista INSPIRE-C. INSPIRE-C com C no final, de vitamina C, ou de Clóvis, como você preferir.
INSPIRE-C. E aí você acessará este podcast Inédita Pamonha pelo site da Revista INSPIRE-C. www.
revistainspirec. com. br É por aí mesmo o caminho.
E não esqueça de se deliciar com o resto da Revista, que é maravilhoso. Ficamos por aqui, porque este foi Inédita Pamonha para uma vida de encontros irrepetíveis, virginais e particularmente alegradores. Um beijo grande, fiquemos juntos, e na semana que vem estamos aí!
Valeu! Você ouviu o Inédita Pamonha, por Clóvis de Barros Filho, trazido até você pela revista INSPIRE-C. Acesse: www.
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Este podcast foi editado por Rádiofobia - Podcast e Multimídia.