Escrita: batalha com o Tempo | Rodrigo Gurgel

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Rodrigo Gurgel
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Video Transcript:
Muito bem, meus caros, muito bem! Vocês certamente já pensaram sobre como o tempo é, talvez, o mais universal e, ao mesmo tempo, o mais subjetivo dos mistérios, né? Todos nós experimentamos o tempo, mas cada um percebe o tempo de uma forma única.
Para quem espera, o tempo se arrasta; para quem sofre, bom, ele parece infinito; para quem ama, ele pode se transformar até mesmo numa eternidade. O tempo nos envolve, ele molda as nossas vidas e, ainda assim, permanece intangível, ou seja, permanece como uma força invisível, sempre em ação, claro, mas sempre fora do nosso alcance, né? Então, não é de se admirar, né, que poetas, filósofos e artistas tenham dedicado séculos e séculos a tentar compreender o tempo e também expressá-lo das mais diferentes maneiras, né?
Bom, entre tantos escritores, por exemplo, Shakespeare elevou a reflexão sobre o tempo à categoria de uma arte realmente atemporal, né? E transformou essa força destrutiva do tempo em tema central de muitos dos seus sonetos. Então eu vou ler aqui para vocês, né, um exemplo.
Vou ler para vocês o soneto de número 19, né, que está na tradução do Jorge Vanderley: *[Música]* "Tempo voraz que ao leão lima as garras, que a Terra faz comer filhos da Terra, e ao tigre arranca as presas da bocarra e queima a fênix no sangue que encerra, e passa e deixa estação bela ou triste; faz como quiseres, com teu pé veloz, ao que declina, ao que no mundo existe; mas te proíbo o crime mais feroz: com as horas talhar a fronte amada. Vinca com teu cálamo maduro, permite que, em teu curso, a meu bem nada perturbe, que é padrão para os futuros ou causa tempo os teus maiores danos; meu verso traz, meu bem, a flor dos anos. " *[Música]* Então, vejam que Shakespeare desafia o tempo, essa força implacável que desgasta tudo, das garras do leão até a chama da fênix, reduzindo a beleza e a vida ao pó.
Mas o poeta não se rende contra o poder destrutivo do tempo; ele ergue a sua arma mais poderosa: o verso, a escrita. Então, Shakespeare transcende a ideia comum de imortalidade, propondo algo mais audacioso: propondo a imortalidade por meio da arte. Ele declara que o tempo pode consumir tudo, menos aquilo que a poesia eterniza.
O verso, afinal, é a flor dos anos, o legado que sobrevive ao próprio tempo. E essa luta entre o tempo e a palavra, bom, é um tema recorrente na poesia shakespeariana, né? Do soneto número 1 até o soneto número 126, a palavra "tempo" aparece pelo menos cerca de umas 80 vezes, né?
Bom, outro autor que a gente não pode esquecer quando se trata da questão do tempo é Santo Agostinho, né? Santo Agostinho, lá nas suas Confissões, em que ele nos apresenta uma das reflexões mais desconcertantes a respeito do tempo: Agostinho pergunta: "O que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; mas se eu quiser explicar o que é o tempo, aí eu já não sei.
" Essa declaração aparentemente contraditória revela a natureza misteriosa do tempo. Ele é algo que todos nós sentimos e todos nós reconhecemos, mas também é algo que nos escapa assim que a gente tenta dar uma definição. Agostinho observa que nós vivemos em uma ilusão de controle sobre o tempo, tentando medi-lo com relógios ou com calendários.
No entanto, o que nós sentimos de fato é um instante, esse momento fugaz que escapa do futuro e se dissolve no passado. E para todos os que escrevem, essa percepção é crucial, e é crucial porque o ato de escrever é uma tentativa de capturar o instante, de traduzir a fugacidade em palavras duradouras. Agora, mas será que é possível conseguir isso?
Ou será que escrever é sempre uma batalha perdida contra o tempo, né? Então, vejam: a literatura clássica, por exemplo, ela nos dá uma outra dimensão do tempo, né? Especialmente quando a gente pensa nas obras de Homero.
Na Ilíada, o tempo é comprimido, ele é carregado de uma intensidade quase que insuportável. Cada momento da batalha parece eterno, como se o destino de todo o mundo dependesse de cada ação. Já quando nós vamos ler a Odisseia, o que a gente percebe?
Que o tempo se expande, ele se torna subjetivo e pessoal, né? Penélope, por exemplo, vive o tempo da espera; Telêmaco experimenta o tempo do amadurecimento; e quanto ao protagonista, que é Ulisses, bom, ele enfrenta um outro tempo: o tempo das provações, das mais diversas provações, o tempo da aventura. Para um escritor, essas visões de Homero oferecem uma lição essencial, né?
A lição de que o tempo, em uma narrativa, é moldado pelas percepções dos personagens. Dessa forma, se você quer que a sua escrita seja viva, pense no tempo não como um elemento objetivo, não, mas como algo que pulsa no coração de cada personagem. Então, nas suas histórias, o tempo deve ser tão fluido ou tão denso quanto a vida que ele representa.
Um outro exemplo é Virgílio, né? Virgílio e a abordagem fascinante que ele faz na Eneida. O que Virgílio faz?
Ele entrelaça o tempo mítico e o tempo histórico, conectando o passado de Tróia ao futuro glorioso de Roma. Então, Eneias, o herói, ele simboliza essa fusão, unindo o imediato à eternidade. Então, enquanto escritores, né, a gente tem muito a aprender com Virgílio.
Ele nos mostra que as narrativas, bom, elas podem transcender o aqui e o agora e podem conectar as nossas histórias pessoais a algo muito maior, e, na verdade, toda a obra literária, por mais íntima ou pequena que ela pareça, carrega dentro de si a possibilidade de dialogar com tudo o que é eterno, né? Outro exemplo muito interessante é a Divina Comédia de Dante Alighieri. Ali, o tempo assume um papel, digamos, que rigorosamente simbólico e teológico.
Dante organiza a sua jornada de acordo com uma estrutura divina, onde cada reino—digamos, né? —Inferno, Purgatório e Paraíso possui a sua própria temporalidade. Então, o tempo do Inferno é o tempo da estagnação absoluta; o Purgatório é o tempo da transformação e o Paraíso—bom, o Paraíso é o eterno presente da beatitude divina.
E, então, para o escritor, Dante ensina que o tempo pode ser um instrumento poderoso na exploração das profundezas da alma humana. Então, pense, pense em como as suas histórias podem capturar essas nuances: o tempo que aprisiona, o tempo que liberta e o tempo que transcende. Bom, na literatura, digamos, moderna, autores como Tolkien, por exemplo, ou Borges—bom, eles continuam essa exploração do tempo de maneiras únicas.
Né? Tolkien, no Senhor dos Anéis, cria uma tensão constante entre o tempo lento e contemplativo, que é o tempo dos Elfos, e o tempo efêmero dos homens. Essa diferença não é só um detalhe narrativo; não, ela simboliza exatamente a tensão entre imortalidade e finitude, né, levando o leitor a refletir sobre a sua própria existência.
E, no que se refere a Borges, por exemplo, no conto "O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam"—bom, ele desconstrói completamente a ideia de tempo linear. Né? Borges vai propor uma multiplicação de possibilidades simultâneas, onde o tempo é um labirinto, né, e não uma linha reta contínua.
Quer dizer, para o escritor argentino, o tempo é tanto um mistério quanto uma ferramenta para expandir a nossa percepção da realidade. Então vejam, para quem escreve—né? —para quem escreve Tolkien e Borges, eles lembram que a literatura—bom, a literatura pode desafiar as convenções do tempo.
Ou seja, nós não estamos presos à cronologia, né? Nós podemos brincar com o tempo, nós podemos desconstruir o tempo, expandi-lo, né, e até mesmo dobrá-lo sobre si mesmo. Né?
O tempo é, de verdade, um mistério, claro, mas a literatura, mais do que qualquer outra arte, ela nos dá a oportunidade de enfrentar o tempo, né, seja quando nós capturamos o instante, ou quando você explora a subjetividade dos seus personagens, ou quando você transcende o aqui e o agora. Os escritores, eles têm esse poder de moldar o tempo nas suas narrativas, né, e é sem dúvida fundamental, fundamental, nunca esquecer que o ato da escrita é, em si mesmo, um gesto de resistência ao tempo. Toda palavra que você coloca no papel é uma tentativa de eternizar o que é efêmero.
E, ainda que a gente saiba que o tempo sempre vai vencer, que ele vai sim sumir tudo, né, assim como ele arranca as garras do leão ou queima a Fênix—bom, ainda assim, o ato de escrever é uma forma de afirmar, né, "Eu estive aqui". Né? E você—bom, você como escritor ou como aspirante a escritor—bom, você também tem esse poder.
Então, experimente, experimente desafiar o tempo. Crie algo que, mesmo por um instante, possa fazer frente a esse enorme mistério, né? Porque, como Shakespeare nos mostrou, o texto—bom, o texto é a flor dos anos e a palavra, a palavra tem o poder de transformar o passageiro em eterno.
É isso, meus caros. Até o nosso próximo vídeo.
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