O que muda para o usuário de maconha, agora que a maioria do STF descriminalizou o porte para consumo? E como a reação do Congresso a essa decisão do Supremo pode mudar esse jogo? Eu sou Mariana Schreiber, repórter da BBC News Brasil em Brasília, e vim aqui pro STF pra explicar neste vídeo 3 pontos sobre o que ficou definido sobre o uso pessoal de maconha.
Primeiro ponto: a decisão do STF. Em 25 de junho, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para descriminalizar o porte de maconha para consumo. Oito ministros votaram pela descriminalização.
Nenhum usuário de nenhuma droga pode ser criminalizado Eles argumentaram que o uso da maconha é uma questão de liberdade individual e deve ser combatido com campanhas de informação e atendimento focado na saúde dos usuários. 32’34 Nenhum usuário de nenhuma droga pode ser criminalizado. Outros três ministros votaram contra por considerar que a criminalização é constitucional, mas foram minoria.
Com a decisão, portar a droga passa a ser um ilícito administrativo. Vale lembrar que o consumo de droga não é punível com prisão no país desde 2006, com a entrada em vigor da atual lei de Drgas. Mas o usuário ainda podia ser processado.
Agora, com a decisão que acaba de ser tomada pelo STF, o usuário não poderá mais ser submetido a um processo penal, nem terá um registro na sua ficha criminal. A decisão do STF também proibiu que o usuário seja submetido à pena de prestação de serviços à comunidade, como pode ocorrer hoje. Por outro lado, o STF manteve a possibilidade de aplicação de medidas educativas, como o comparecimento a um curso preventivo sobre consumo de drogas.
Além disso, a polícia deverá apreender a droga caso identifique um usuário. O julgamento não tratou da venda de drogas, que continua sendo ilegal no país. Mas o STF decidiu estabelecer parâmetros para diferenciar usuários e traficantes, com objetivo de padronizar a atuação das polícias no país e evitar que pessoas com a mesma quantidade de drogas sejam tratadas de forma diferente.
A Corte estabeleceu que, até que o Congresso aprove uma lei sobre o tema, o parâmetro para diferenciar uso pessoal de tráfico será a quantidade de 40 gramas de cannabis sativa ou a posse de seis plantas fêmeas. Isso significa que uma pessoa identificada pela polícia portando até 40 gramas desse entorpecente não poderá ser enquadrada como traficante, a não ser que existam outros elementos além da presença da maconha que apontem para esse crime, como posse de arma, caderno com anotações sobre vendas ou balança para pesar a substância. Estatísticas do Estado de São Paulo citadas pelo ministro Alexandre de Moares no julgamento mostram que uma pessoa pobre e negra costuma ser enquadrada como traficante mesmo quando portam pequenas quantidades de maconha, de 20 gramas em média.
Já pessoas brancas e de maior escolaridade costumam ser consideradas traficantes quando são encontradas com quantidades maiores, de 60 gramas em média. No segundo ponto vídeo, vamos entender o que foi julgado no STF. Bom, o STF analisou um recurso extraordinário com repercussão geral.
Ou seja, a decisão tomada pelos ministros vale pra todos os casos judiciais semelhantes. A discussão girava em torno do artigo 28 da Lei de Drgas, que prevê que é crime adquirir, cultivar, guardar ou transportar droga para consumo pessoal. O recurso foi movido pela Defensoria Pública de São Paulo em favor de um réu flagrado com três gramas de maconha na prisão e condenado a prestar serviços comunitários.
A Defensoria argumentava que a lei fere o direito à liberdade, à privacidade, e à autolesão (direito do indivíduo de tomar atitudes que prejudiquem apenas a si mesmo), garantidos pela Constituição Federal. Alguns ministros como Gilmar Mendes e Toffoli chegaram a defender a descriminalização do porte para consumo de todo tipo de droga, mas a maioria dos ministros preferiu restringir a decisão à maconha, que era o caso concreto em julgamento. Nós não estamos aqui em nenhum momento aqui fazendo um "liberou geral", fazendo uma liberação do uso de drogas para fin recreativos, a premissa nossa é de que a droga causa danos, sim, às pessoas e que as pessoas precisam ser tratadas quando são viciadas Só que agora vem a reação do Congresso, que eu te explico no terceiro ponto desse vídeo.
O Parlamento já discute tornar mais rígida a punição ao porte de drogas no Brasil - o que, na prática, pode reverter a decisão do Supremo. Vamos entender isso melhor. Em abril, o Senado aprovou em abril a PEC das Drgas - uma proposta de emenda à Constituição que criminaliza o porte de todas as drogas, mesmo para consumo próprio.
Segundo a PEC, ficará a cargo da Justiça definir, caso a caso, se quem for flagrado com drogas será considerado usuário ou traficante. E, se for provado que a posse é só pra uso pessoal, a pessoa será punida com penas alternativas à prisão e levada a tratamento. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que é um dos autores da PEC, inclusive criticou a decisão do STF.
Eu considero que uma descriminalização só pode se dar através do processo legislativo, e não de uma decisão judicial, há razões inclusive expostas nesse sentido. Essa questão das drogas e da descriminalização das drogas é uma ideia que é suscitada em várias partes do mundo, mas há um caminho próprio para se percorrer nessa discussão Ou seja, há um critério técnico para se considerar se uma substância pode ser considerada um entorpecente ilícito ou não Agora, o próximo round dessa discussão vai acontecer na Câmara dos Deputados, onde a PEC das Drgas ainda será votada. Logo que foi dada a decisão do STF, o presidente da Câmara, Arthur Lira, anunciou a criação de uma comissão especial pra debater a PEC.
Bom, neste vídeo eu foquei puramente no debate jurídico e legislativo do assunto, mas é claro que ele suscita muitas discussões científicas e sociais, que também foram abordadas durante o julgamento no STF. Críticos da descriminalização acham que o Estado brasileiro não terá capacidade para lidar com os efeitos nocivos de saúde pública ligados ao consumo de drogas - e dizem também que a decisão poderá levar a um aumento significativo no consumo de maconha, provocando mais prejuízos à saúde da população. Já defensores da decisão do STF argumentam que descriminalizar o porte não necessariamente leva a um aumento do consumo.
Eles citam o caso do cigarro, que mesmo sendo uma droga legalizada, teve seu consumo reduzido a partir de campanhas educativas e restrições aos locais de uso. Esses críticos também avaliam que, de modo geral, a repressão ao consumo de drogas é ineficiente e provoca uma onda excessiva de prisões - principalmente de jovens pobres e negros. O Brasil tem hoje mais 180 mil pessoas presas por tráfico de drogas.
Mas vale destacar que nenhuma decisão do Supremo levaria a uma liberação automática de presos. Cada pessoa detida pelo crime de tráfico de drogas e potencialmente impactada pelo julgamento teria que apresentar um recurso à Justiça solicitando a revisão de sua pena. Em tese, pessoas presas por tráfico que foram detidas com até 40 gramas de maconha podem solicitar agora sua liberdade.
A Justiça vai analista cada caso, avaliando se há provas adicionais além da posse da droga que configurem o crime de tráfico. Por hoje eu fico por aqui, mas a gente vai continuar de olho nesse assunto. Siga nossa cobertura no YouTube, nas redes sociais, em bbcbrasil.
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