Vocês estão me ouvindo bem e enxergando bem? Combinado, avisem-me se está tudo certo com som, imagem, etc. Combinado, pessoal, é uma alegria estar aqui para aquela que eu desejo que seja uma live/barra aula tradicional dentro desse espaço, toda segunda-feira, às 20 horas. Como estamos em fase de retomada de canal, a cada semana um desafio tecnológico diferente: se no encontro anterior sofremos com questões de upload, depois com superaquecer da nossa câmera, o desafio de hoje foi o microfone. Então, se vocês estão me ouvindo bem, eu tenho a responsabilidade difícil, difícil, de conversar sobre Monteiro Lobato.
O mesmo Monteiro Lobato que está aqui é o tema do meu novo livro: um livrinho o mínimo sobre Monteiro Lobato. O meu quinto livro é enxuto, direto, um resumo, uma síntese, um livro que é despretensioso, sem dúvida, mas não deixa de ser um tanto quanto arrojado. Afinal de contas, falar de Monteiro Lobato é falar de alguém, assim, no mínimo, desafiador: Monteiro Lobato, odiado por muitos, amado por alguns; Monteiro Lobato, o comunista, o anticlerical, o inimigo de Vargas; Monteiro Lobato, o editor, o escritor. Monteiro Lobato, enfim, essa biografia de novela, uma biografia cheia de capítulos, uma
personalidade fascinante. E isto não quer dizer necessariamente um elogio, a pretensão que assim que tenho neste trabalho, ela é bem modesta. Afinal, quando eu penso em biógrafos, em especialistas em Monteiro Lobato, imediatamente eu penso em Marisa Lajolo e Edgar Cavalheiro, que de fato pavimentam uma discussão, uma análise muito mais aprofundada. Os dois, em diferentes épocas e contextos, acerca da vida e da obra desse multifacetado Monteiro Lobato. Monteiro Lobato foi escolhido como tema, evidentemente, por duas razões. A primeira, por causa deste meu lançamento já aqui mencionado, lançamento que tem aí três dias de apresentação pública. Neste
exato momento, inclusive, eu estou em 17º na lista das biografias mais vendidas pelo site da Amazon. Quando eu penso em 17, eu me recordo de um grande clássico: "Bolsonaro é norte, Bolsonaro é Nordeste. Vai 17, vai 17!" Estou em 17º, pessoal, à frente de livros celebrados, ainda que talvez daqui a 30 minutos eu esteja em 69º. Convenhamos que, pelo menos por hora, é uma alegria, é uma satisfação este posto. Para quem não sabe, não é um deslumbramento; afinal de contas, "Desconstruindo Paulo Freire" já me deixou muito bem ranqueado, não só na Amazon, como em outros
espaços. Então, não estou deslumbrado, estou feliz. Feliz afinal de contas ocupar um lugar, pelo menos por hora, especial, importante, significativo, expressivo, falando de Monteiro Lobato, disputando assim contra uma série de obras. Afinal de contas, o gênero biografia é um gênero muito abrangente. De fato, me deixa muito feliz, muito orgulhoso. A segunda questão, já que mencionei que o primeiro motivo do nosso encontro, né?, não necessariamente primeiro enquanto pretensão, enquanto ambição, foi o lançamento do livro. O segundo fato é o de que Monteiro Lobato é, de fato, uma personalidade, uma vida, uma biografia, sem exagero, sem hipérbole,
fundamental. Fundamental! Lobato é uma vida marcante, decisiva, importante, contundente, sólida, coesa, incoerente... Enfim, existem várias adjetivações, várias possibilidades, vários recortes. Pessoal, quero, feita essa apresentação, salientar o que eu tenho dito desde a minha retomada aqui no YouTube: eu preciso que vocês demonstrem para o YouTube que eu voltei a trabalhar por aqui. Criem fakes falando mal de mim, não tem problema! Elogiem se vocês acharem que, de fato, mereço elogios! Não criem fakes, utilizem seus próprios perfis para falar mal deste vídeo, mas expressem suas opiniões. Não sou Vargas, que reprimiu a opinião de Lobato; sua opinião é
bem-vinda! Você é bem-vindo dentro deste espaço. Entendam que eu me refiro, claro, né, sempre a uma temperatura, a uma relação minimamente civilizada, certo? Então, pessoal, pozitivem o vídeo, negativem o vídeo; exerçam, manifestem-se, exerçam seus... ah, manifestem seus juízos, exerçam suas opiniões, manifestem suas impressões. Tudo isso é muito bem-vindo! Enfatizo, a partir do encontro passado, comecei a utilizar o super chat, certo? Então, mande a sua pergunta, mande o seu comentário. Eu quero conversar! Sua manifestação, sua dúvida, seu pedido... tudo isso é muito bem-vindo. Super chat, pretendo lê-lo em dois momentos e lerei todas as perguntas enviadas,
todas as manifestações enviadas através do super chat. Resolvi ativá-lo! Afinal, como tenho dito, atendi ao chamado do nosso presidente Lula; afinal de contas, ele convocou a população a comprar os itens mais baratos. Só que está difícil encontrar itens baratos, e eu preciso do super chat para encontrar os tais itens baratos! Ajudem-me, ajudem-me, ajudem-me com super chat! Façam este canal crescer! Como gosto de expressar para os meus alunos, dentro dos meus espaços pedagógicos, sejamos a resistência. Afinal de contas, estamos aqui reunidos para conversar sobre Monteiro Lobato, que nasceu no dia 18 de abril de 1882. Em
1882, inclusive, abordei o fim do Império na aula/barra live passada. 1882, o Brasil ainda era Império, o Brasil ainda era escravocrata. 1882, portanto, é um tipo de Brasil completamente diferente do Brasil que Monteiro Lobato... durante, aí sim, a segunda fase da sua infância, adolescência, fase adulta, etc. Desbvaria! Monteiro Lobato - e aqui tem algumas informações importantes - e para que vocês entendam, eu fiz uma extração, um tipo de resumo do que apresentei no meu livro já aqui mencionado, certo? Então, este material é um resumo do que está aqui sobre Lobato. Ele é filho de José
Bento Lobato e de Dona Olímpia Augusta Monteiro Lobato. Pelo lado materno, ele é neto do Visconde de Tremembé. Essa é uma informação importante e eu quero que vocês já guardem: neto do Visconde de Tremembé! Fixado na pia batismal, ele recebeu o nome de José Renato. Esta também é uma informação importante. No círculo familiar, ele era chamado de Juca. Vivía numa fazenda aos arredores de Taubaté, aprendeu muito cedo a pescar, tinha uma relação muito próxima com os animais, cavalos, vacas, gostava de tomar banho em cachoeira... gostava de... Brincar de atirar com a sua espingardinha, gostava do
seu cavalo Piquira. Este era o Monteiro Lobato, uma criança assim saudável já tinha suas sobrancelhas destacadas, trepava em árvore, chupava fruto ali extraído diretamente, né, no pé. Aprendeu muito cedo a gostar de circo, amava comer pamonha, gostava de pinhão. Este é o Monteiro Lobato, criado numa fazenda, filho de uma família atrelada à elite. Afinal de contas, ele é neto do Visconde de Tremembé. Então, é uma vida de aconchego doméstico. O que vai acontecer tem uma etapa bem importante visitando o avô. Inclusive, Monteiro Lobato, numa dessas visitas, ele viu Pedro I, que ficou hospedado na casa
do seu avô. Informação importante, afinal de contas, nós percebemos o quão envolvido com a elite o avô de Monteiro Lobato era. Era profundamente envolvido. E quando eu coloco "elite", não é uma depreciação àqueles que frequentam mais assiduamente este espaço, este canal, as minhas aulas. Preciso entender que certas palavras, apesar de um tipo de vício que elas recebem nos nossos contemporâneos, essas palavras possuem suas respectivas etimologias, seus processos de aplicação, evidentemente, seus capitais simbólicos. Embora uma palavra muito viciada, "elite", nem sempre significa algo ruim. Ok, então, dizer que Pedro I era da elite, eu não estou
depreciando Pedro I. Mas ele encontrou Pedro I numa das suas visitas à casa do avô. Isso que Lobato mesmo dizia: que encontrar o Imperador ali, sendo ele criança, não foi algo assim "nossa, de outro mundo". O que foi de outro mundo para o Lobato, que tinha, quando criança, medo de assombração? Falando em outro mundo, e que morreu espírita, falando também em outro mundo, era a BBL do seu avô. Ele ficou fascinado com os livros, com as ilustrações, com a composição do espaço, e foi na biblioteca do seu avô que ele conheceu o Júlio Verne e
conheceu também o Ângelo Agostini, que foi assim, não só um chargista, mas foi uma força criativa que atuou dentro da nossa cultura. O que vai acontecer nessa jornada? O que nós já vimos? Criado em fazenda, filho de uma família, ah, funcional, digamos assim, neto do Visconde de Tremembé, homem importante, prestigiado em tal nível que tinha até relação com Pedro I, hospedou em casa o menino Lobato. Mais do que ficar fascinado com aquele idoso de barbas longas, o imperador ficou, isto sim, fascinado com a biblioteca. E nesta biblioteca ele descobriu, em especial, o Júlio Verne. O
Lobato, desde criança, isso é bem curioso, ele não só demonstrava não possuir um comportamento, uma inclinação, temperamento, como vocês queiram definir, religioso, ele manifestava desde criança uma verdadeira ojeriza à Igreja, principalmente aos sacramentos. Para vocês terem uma ideia, ele abandonou um colégio católico quando tinha 10 anos porque se recusou a se confessar. O Lobato, mesmo sendo filho de pais católicos, foi educado nos princípios católicos, mas em momento algum é possível, segundo o próprio Digar Cavalheiro, apontar que Lobato era, digamos assim, uma criança com algum envolvimento minimamente ah satisfatório dentro de um ângulo católico. Muito pelo
contrário, é um pouco pesado chamar uma criança de anticlerical, mas o Lobato, vamos colocar, era sim, desde criança, bastante antipático às questões católicas. E vai acontecer em casa, ainda um pouco antes dessa situação, com os 10 anos na escola católica, etc., que o Lobato, através de sua mãe, começou a aprender a ler e a escrever. A Dona Olímpia começou a ensiná-lo quando ele tinha mais ou menos 4, 5 anos de idade. Antes dos 6 anos, o menino Lobato escrevia bilhetinhos amorosos à sua mãe, menos ao seu pai. Ele tinha aquele temor quanto à presença, à
imponência, força de seu pai, embora desfrutasse de uma boa relação, bilhetinhos para o seu avô, que reafirmo, figura importante para sua vida. Já tivemos um capítulo da relação, afinal de contas, foi através da biblioteca do seu avô que ele descobriu Júlio Verne, se apaixonou por livros, e nós estamos falando de Lobato, o maior nome quando nós pensamos em expansão de livro na história brasileira. Isso ele continua sendo até hoje, e não é uma hipérbole, goste você ou não do Lobato. Lobato é sinônimo de livro. Bem, introdução ao mundo das letras através da sua mãe, através
da biblioteca do seu avô. Estudou com professores assim contratados para o ensino doméstico, ingressou em escolas, teve uma vida um tanto quanto assim, a efêmera, em escolas particulares em Taubaté. Frequentou o Colégio São João Evangelista, onde o diretor era o professor Antônio Quirino de Souza e Castro, que anos depois, vejam só, e tudo que lerei, extraído deste material, eu extraí, como já mencionei, daqui, salvo, claro, pontualidades, talvez, que eu venha a querer apresentar algum argumento de um outro autor, será evidentemente citado aqui. Mas volto ao Antônio Quirino de Souza e Castro, porque anos depois, deshou
na biografia de Lobato. Pois é, na casa desse antigo mestre, que ele se aproxima de Maria Pureza da Natividade de Souza e Castro, neta de Quirino, que será a "Pizinha", como o Lobato chamava, a sua companheira, o seu amor de toda a vida. Bem, aparentemente encerrada essa primeira fase da sua formação, essa fase escolar um tanto quanto trepidante, pelo próprio ímpeto de Lobato, que desde criança, como manifestei, tinha essa anticléricalidade, enfim, ele vai a São Paulo para, em São Paulo, seguir com seus estudos. Então, saiu de Taubaté, foi para São Paulo. Em São Paulo, ele
prestou uma prova de preparação e acabou reprovado em português. Curioso, né? Interessante, né? A depender do caso, muitos aqui escutaram, e não estou dizendo que está, né, que tais manifestações estão aí de todo errado. Nossa, se você rodar na escola, acabou a sua vida, acabou a sua jornada, acabou. Lobato rodou em português! Este que vos fala foi reprovado no segundo ano do ensino médio, mas não rodei em português, rodei em química, biologia, matemática, e a lista até poderia seguir. Bem, voltou. Depois desse teste, nada exitoso, voltou para Taubaté, fez reforço no Colégio Paulista. É nesse
período da vida que ele escreveu os seus primeiros textos num jornalzinho infantil estudantil, etc. Ele publicou com pseudônimos. O Lobato tem essa característica interessante de que ele sempre reagiu ao fracasso. Então, ele fracassou no exame preparatório, reprovado em português. É uma reprovação que, para ficar minimamente contextualizada, é um tanto quanto similar à reprovação que fiz referência, que eu, por exemplo, vivenciei nessa situação. O Lobato volta, continua estudando, se aperfeiçoa, e aí começa a escrever no jornalzinho estudantil. É o efeito resposta, né? Tem um tom meio antifrágil em Lobato. Lobato, em 1896, prestou novos exames. Como
vocês sabem, Lobato nasceu em 1882, que eu já fiz referência, e agora ele ficou numa boa posição, foi bem-sucedido. Então, foi matriculado como interno no Instituto de Ciências e Letras, onde permaneceu por três anos. Nesse cenário, em Cidade Nova, ele, jovem, recebia sua mesada, economizava e começou a comprar os seus livros. Começou desde cedo a formar a sua biblioteca em São Paulo, a frequentar áreas de cultura que Taubaté evidentemente não tinha naquele momento: teatro, enfim. Nessa conjuntura, em São Paulo, fez os seus primeiros trabalhos para jornais. Aqui, nós temos uma virada de chave. Do escritor
infantil estudantil, agora nós temos Lobato também utilizando pseudônimos, sendo publicado em jornais como "Patriota" e "A Pátria". Com seus pseudônimos, nós temos também em Lobato a figura de um fundador. Ele fundou o H2, que era um pasquim manuscrito que era lido pelo próprio Lobato no intervalo da escola. Era bastante significativo esse momento da leitura, porque desde ali Lobato já manifestava que a sua pena era pesada. Ele escrevia ironias, era combativo, manifestava impressões contra professores, estrutura escolar. Questões de um Lobato que, em alguma medida, permaneceram durante toda a sua vida. Percebam, né? Essa questão, vamos aqui
defini-la assim, né? Antirreligiosa. Por outro lado, esse ímpeto de desafiar instituições. Sabia, desde então, causticar o adversário. Bem, nesse cenário, Lobato também manifestava, nesses primeiros textos com pseudônimos, como o Edigar Cavalheiro mesmo, um comportamento muito autoral. No seguinte sentido: ele evitava um aplauso fácil; ele preferia se lapidar, ele preferia o confronto, ele preferia o pseudônimo a usar o próprio nome de uma maneira prostituída intelectualmente. Só que em 1899, a vida de Lobato sofre um revés, e um revés muito difícil. Por quê? No intervalo pessoal, vejam só, do dia 13 de junho de 1898 a 21
de junho de 1899, um intervalo de pouquinho mais de um ano, Lobato perdeu, respectivamente, o pai e a mãe. Inclusive, isso eu coloquei no meu livrinho, a carta que a sua mãe escreve, colocando não só palavras amorosas, mas uma despedida do filho, falando do retrato dela que o filho deveria guardar. Pesado, pessoal! É duro, difícil; quem tem um coração de carne sente. Então, aos 17 anos, ele está órfão. Sua guarda, bem como a de suas irmãs, foi assumida por quem? Pelo Visconde de Tremembé, que ali, tendo Lobato 17 anos, e Lobato já com experiência de
ter morado fora, não tinha a responsabilidade, digamos, de cuidá-lo nas questões mais imediatas, porque Lobato já conseguia se virar. Lobato, nessa fase, nesse seu envolvimento escrevendo para jornais, etc., ele já ganhava, inclusive, evidentemente que não para se sustentar mantendo o mesmo padrão de vida, mas ele já ganhava os seus primeiros trocados. Então, Lobato já tinha uma certa independência. Com 17 anos, a responsabilidade do seu avô era a de encaminhá-lo profissionalmente, e foi o que seu avô fez. O seu futuro profissional, Lobato aceitou. E Lobato, então, no ano de 1900, começou a estudar na Faculdade de
Direito de São Paulo, no Largo São Francisco. A histórica Faculdade de Direito de São Paulo, uma das mais importantes do nosso país. Um espaço que, de fato, forjou presidentes. O espaço da bucha. Lobato estudou nessa instituição, importantíssima para nossa história. Inclusive, há cerca de três meses, eu estava em São Paulo. Conto aqui uma anedota: fui a São Paulo para assistir ao show do Iron Maiden, não o "Doon Maiden", foi depois. Eu fui para assistir ao Slim Not, estava acompanhado de outros amigos, André, Elias, e eu quis mostrar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Estávamos ali, no Largo São Francisco, e a Valesca Popozuda estava cantando uma música. E ela cantava… isso, pessoal, era até tarde, duas da tarde, uma e meia da tarde, era mais ou menos isso, e ela cantava uma poesia do mais alto nível, dizendo: “Mama o meu grelo! Mama meu grelo!” e coisas nesse sentido. Bem, "bambucha", a Valesca Popozuda clamando para que seu grelo seja mamado. A história de um país, São Paulo, nessa época, quando Lobato estava ali estudando direito, tinha cerca de 300.000 habitantes. Não era mais a cidade colonial histórica fundada por Manuel da Nóbrega;
não era mais uma cidade com características coloniais, mas, ao mesmo tempo, não era ainda o grande centro econômico que de fato passou a ser no desenvolvimento do século XX, tornando-se, né, uma das principais cidades do planeta. Mas Lobato, menino criado em fazenda, começou a ter contato com bonde elétrico, começou a ter contato com os primeiros cinemas, começou a ter contato com, assim, uma eletricidade um pouco mais expandida. Então, já nesse cenário, Lobato tinha uma biblioteca já com bons exemplares. Era órfão e já era alguém profundamente desinteressado pelo direito. Ele entrou na faculdade, aceitou o chamado,
a convocação, a imposição do avô, mas manifestava um profundo desinteresse pelo estudo das leis. Só que na faculdade, Lobato começou a produzir, nos jornais, artigos, começou a polemizar mais, começou a mudar de endereço, fez amigos em São Paulo, começou a participar de... Concursos literários e, em 193, ele venceu seu primeiro concurso como contista. E o Lobato, enquanto contista, ele tem algumas das melhores páginas da nossa história de contos. A história nacional é um juízo meu; eu considero, por exemplo, "Negrinha", "Urupês", grandes contos, e a lista poderia seguir. O estilo de Lobato já estava presente com
agora solidez; já era uma marca. Lobato já tinha um estilo: ele era irônico, ele tinha um tom humorístico ao mesmo tempo ácido, uma prosa maleável, ao mesmo tempo com uma certa intolerância. Enfim, características que o seu texto já apresentava nessa época. De faculdade, começou a ser leitor de Nietzsche, começou a ser leitor de Voltaire, começou a ler cada vez mais literatura brasileira, Machado de Assis, e começou a ler literatura portuguesa com mais força, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz. Ao lado de amigos, fundaram o Cenáculo. O Cenáculo era o grupo de jovens escritores: Godofredo Rangel,
José Antônio Nogueira, Ricardo Gonçalves, Raul de Freitas, Albino de Camargo fundaram esse grupo, e eles tinham ali a responsabilidade de não só se encontrarem, mas deveriam produzir as discussões literárias no estilo boemia, deveriam levar cada um deles a um estágio diferente no campo da produção cultural. Então, essas reuniões, essas discussões, esses debates, muitas vezes acalorados, não eram apenas para o Lobato e para os que mencionei, encontros entre amigos. O Cenáculo deveria servir para alguma coisa. O Lobato estreitou cada vez mais a relação, por exemplo, com Godofredo Rangel e Ricardo Gonçalves, porque eles começaram a morar
juntos. O nível estreito de Lobato dentro desses relacionamentos acabou, evidentemente, colaborando para que Lobato refinasse ainda mais a sua pena, ambicionasse mais, assim, dentro da literatura brasileira, tivesse mais pretensões. O que vai acontecer: formou-se, encerrou a faculdade, neto do visconde Tremembé, recebeu e teve que voltar. Voltou para Taubaté, recebido com festa, com canudo de bacharel. Só que em Taubaté ele se sentiu muito deslocado. Afinal, deixou os amigos do Cenáculo, com quem ele escrevia, tinha correspondência, deixou pretensões, deixou ambições. Precisou voltar, se sentiu ali um pouco fora de lugar, mas ao mesmo tempo ele se reaproximou
de Antônio Quirino, seu antigo professor e, através dessa reaproximação, jogando xadrez etc., o Lobato começou agora sim a se aproximar da Maria Pureza. Apaixonado por ela, começou a escrever poemas. Enfim, Lobato precisou evidentemente compensar, certo, a sua falta de beleza e, então, começou a escrever, começou a usar outros dotes e, de fato, a Maria Pureza, contrariando muitas das expectativas, apaixonou-se. Lobato, então, pediu imediatamente ela em casamento; ela aceitou. O Lobato precisava ter alguma posição pública de trabalho mais consistente. Ele havia voltado para Taubaté, mas estava operando ainda muito pouco no sentido de se instalar dentro
de uma profissão. E aí ele foi convidado a ir para Areias, onde seria nomeado. Areias, pessoal, é uma cidadezinha localizada no Vale do Paraíba, nas proximidades de Taubaté, São Paulo. Enfim, então, nesse período, ele inclusive em Areias quis ficar no mesmo quarto que o Euclides da Cunha. Euclides da Cunha, quando dirigiu o conserto de uma ponte em Areias, é o período que Monteiro Lobato atuou na sua única causa como advogado. Ele atuou na disputa entre João Costa e Sá e Airma Gonçalves Ferreira. Lobato defendeu os interesses da firma e ganhou a causa. Monteiro Lobato, instalado
em Areias, conseguiu agora sim levar Maria Pureza para então constituírem sua família. Ele, evidentemente, embora anticatólico, casou no religioso, no civil e no religioso, afinal de contas. Isso aconteceu também com Graciliano Ramos; eu fiz essa referência. Eles estavam ali evidentemente apaixonados, exalando desejos. A mulher mandou estar lá, Monteiro Lobato dizendo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, prometendo ser fiel na saúde e na doença. Monteiro Lobato e Maria Pureza, logo depois do casamento, já marcaram a primeira gestação logo na sequência do casamento. Monteiro Lobato estava com "tadala", enfim, estava ali voando, voando,
apesar de uma vida extremamente ordenada. O Lobato que viveu o Cenáculo, viveu São Paulo; ele se sentia profundamente incomodado com o cotidiano de promotor público de uma cidade pequena. O que vai acontecer, pessoal: a vida de Lobato muda significativamente mais uma vez porque, em 1911, Lobato estava instalado em Areias, seu avô faleceu. Seu avô, peça importantíssima na sua vida. O neto, o menino, o sempre menino Juca recebeu como herança na fazenda Buquira uma imensidão de terras na Mantiqueira, que, acrescida de outras herdadas pela morte do pai, chegava a cerca de 2000 alqueires. Essa propriedade imensa,
porém decadente, de terreno acidentado, recebeu Lobato, Maria Pureza e agora mais um filho, que é o Edgar. Então, Lobato teve a primeira filha, Marta, e o Edgar vem na sequência; os dois nasceram, respectivamente, em 1909 e 1910. Lobato buscou então fazer o quê? Ele tinha dois caminhos: poderia tentar vender e seguir como promotor, era uma possibilidade, vender e mudar para São Paulo, tentando a vida por lá, ou então trabalhar na fazenda. Buscou trabalhar na fazenda, tentando torná-la rendosa. Ele começou a exportar cabra, galinha e suíno, só que a fazenda não rendeu, não rendeu, não rendeu
o esperado, e Monteiro Lobato passou então, pela primeira vez, e ele vai passar por algumas, pela primeira vez, por uma crise financeira bem significativa. Com dois filhos pequenos, ali a Maria Pureza, evidentemente, no cotidiano, incomodada com essa situação, não no sentido de não ser parceira de Lobato, mas vivendo de fato o incômodo dessa situação. Lobato passou por apertos. E, para piorar, o que vai acontecer: o Lobato briga com seu administrador. O administrador, pessoal, era quem de fato gerenciava a fazenda. Porque, por mais que Lobato tivesse uma experiência infantil dentro de fazenda, o Lobato não era...
Um especialista na administração de uma fazenda, ele era um advogado formado que nem gostava de exercer essa função, que já tinha pretensões literárias e que estava administrando uma fazenda. Bato briga com esse seu administrador. E aí, num plot twist maravilhoso, essa briga rende. Rende Lobato. Assim, exalando raiva, pega sua máquina de escrever e escreve para a sessão "Queixas e Reclamações" do Estado de São Paulo. Ele escreve o que viria a ser o "Urupês". Ou seja, aquele que é, para mim, o melhor conto de Lobato nasce numa situação de briga na fazenda com seu administrador, tensão
econômica, os bebês, a esposa, o Lobato insatisfeito, se sentindo atrasado, guardando assim essa ânsia literária, desenvolvida com os amigos do Cenáculo, com quem morou e conviveu, e com quem arquitetava juntos projetos literários e culturais. E aqui vem um ponto interessante, né? Como São Paulo estava efervescente no campo da cultura, porque nós tivemos a geração do Cenáculo e, anos depois, a geração que vem a ser a da Semana de 22. Ah, mas eu não gosto da Semana de 22, etc. Não perguntei se você gosta ou não, certo? Deixa eu te contar um segredo: eu gosto da
Semana de 22, bicho! Ok. Então, Lobato escreveu um texto impiedoso, cruel, que é o "Urupês". Ele denuncia no texto hábitos caipiras, mas, como eu disse, é um "Urupês" versão cruenta. Depois, ele vai refinar o texto e nós teremos o nosso conto, mas o esqueleto está ali. O esqueleto está ali. Pessoal, o texto repercutiu mais do que Lobato imaginou; afinal, ele não era ainda o Lobato. As pessoas começaram a mandar cartas, então antigos proprietários começaram a escrever dizendo: "Esse Monteiro Lobato tem razão!" Porque o que vai acontecer? Lobato mandou um texto numa São Paulo que vivia
essa transição, uma São Paulo impactada economicamente pelo desenvolvimento. Então, foi o tema do momento. Lobato pautou, de fato, a discussão, em alguma medida até pública, desse período. Lobato, pessoal, em 1904-14, era um escritor praticamente inédito. Então, o "Urupês" era um texto desconhecido. O que vai acontecer? O Jacatatu apresentou-se. Jacatatu, que é de fato uma marca, um personagem lembrado, referenciado, ainda que a pessoa nunca tenha lido nada de Lobato, Jacatatu, nem que seja como uma adjetivação, ele aparece. Então, Jacatatu, essa espécie de anti-herói, incomodava o couro patriótico de um Brasil que vivia esse início de república,
ao mesmo tempo ufanista. Ao mesmo tempo, era celebrado por antigos proprietários rurais decadentes. Ao mesmo tempo, Lobato já ali batia numa certa idealização de índios, caboclos, negros, caipiras. Enfim, Lobato estreou. Lobato estreou, pessoal! O que vai acontecer? A fazenda, terrível, nada dando certo. Aí ele começa a querer vendê-la. Vendeu! Só que a família ficou maior; agora Lobato tem mais dois filhos, o Guilherme e a Rut. Vendeu. Lobato passou brevemente por Caçapava, se instalou em São Paulo, teve um prejuízo enorme com a venda em São Paulo. Começou ali, nessa circunstância, morando no pequeno. Ele desenvolveu o
"Saci Pererê". Sua pesquisa e a sua imagem do "Saci Pererê", a sua textualidade, a sua composição, deu cores ao "Saci Pererê", cores Lobato. O que aconteceu? Ele mandou o "Saci Pererê" para os seus amigos, etc., amigos do antigo Cenáculo. Quando ele voltou para São Paulo, agora instalado com a família, ele recuperou contatos, etc. Ele deu os originais e o texto foi bem elogiado. Lobato ficou contente e pensou: "Eu vou publicar isso em livro." Só que Lobato, até então, nunca tinha publicado um livro. Aí ele publicou o "Saci Pererê" com o pseudônimo "o Demonólogo Amador". Maravilhoso!
O que vai acontecer? Nessa conjuntura, seguiu escrevendo para o "Estadão". Afinal de contas, né? O "Estadão" viu que aquele escritor que denunciou uma conjuntura quase que assim nacional, esse Lobato, precisa escrever nesse espaço. Lobato seguiu publicando textos, etc., não só para o "Estadão", mas para outros lugares. E vai ser exatamente nesta fase que ele vai apresentar uma crítica não só desfavorável, mas uma crítica contundente, contundente, para seus juízos, à exposição de uma pintora estreante, que é a Anita Malfatti. Embora Lobato — e agora eu quero abrir aspas a Thas Juliano — ressaltando o talento da
artista, Lobato condena a liberdade de suas cores e de seu traço. Nesse artigo, Lobato divide os pintores em duas categorias: os que fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, adotando para a concretização das emoções estéticas os processos clássicos dos mestres; a outra espécie de pintores é formada pelos que interpretam a natureza à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão de escolas rebeldes surgidas cá e lá, como furúnculos de uma cultura excessiva. Nos primeiros via o crítico a grande pintura; nos segundos, Anita Malfatti. Agora, Oswald de Andrade, no "Jornal do Comércio", é Oswald de
Andrade antes ainda da Semana de 22. Ele elogia o trabalho de Anita. Entendam algo: Lobato não tinha ainda publicado um livro com seu nome; não era ainda o editor, não era ainda o homem do petróleo. Lobato era alguém que fez barulho no "Estadão", que tinha um relacionamento com alguns intelectuais que começavam a ganhar espaço em São Paulo. Era o neto do Visconde de Tremembé, formado em Direito, que buscava se reposicionar depois de um fracasso profissional. O Oswald de Andrade elogia o trabalho de... e o que vai acontecer? Volto ao meu texto. Oswald de Andrade tentou
explicar o isolamento do escritor com os seguintes dados: curiosidade, cultura limitadas. Vejam, já foi para o ataque do Monteiro Lobato. Lobato devolveu esse ataque, evidentemente. Lobato não aceitava, dizendo que o futurismo... E aqui é um ponto interessante: que Oswald de Andrade e Mário de Andrade foram atacados até pelo Lima Barreto como escritores futuristas, e os dois se posicionaram em mais de uma oportunidade, dizendo que não defendiam necessariamente o futurismo; tinham uma outra concepção estética. Mas aí eu volto à leitura: Lobato devolveu esse ataque, retomo dizendo... Que o futurismo apareça em São Paulo como quê fruto
da displicência de um rapaz tá falando, Oswald tá rico e arejado de cérebro. Outra parte que merece consideração sobre esse silêncio de Lobato com relação à Semana de 22 é o fato de que, não só a briga com Oswald, mas também com Anita, com esse cenário, é o fato de que Lobato, no intervalo de 1919 a 1922, já era um homem que navegava no mar editorial e prosperava. Não se percam; Lobato instalou-se em São Paulo, seguiu escrevendo pro Estadão, escreveu sobre Anita Malf, repercutiu, debateu e discutiu com Oswald Andrade, a quem um jovem Oswald Andrade
chamou de arejado de cérebro. Interessante, é um bom elogio sofisticado, né? Bem, o que vai acontecer nessa transição? A briga com Anita foi quatro anos antes da Semana de 22. De 1919 a 1922, Lobato tornou-se um editor consistente. Agora, o ponto do Lobato, com relação à arte, para que nós tentemos compreendê-lo, é que ele defendia o Nacional contra o alienígena, certo? Nacional com aspas, alienígena com aspas. Ele era crítico do que chamava de carnaval arquitetônico. Ele foi crítico, por exemplo, ao projeto do MASP e foi crítico à Sé de São Paulo, à arquitetura da Sé;
ele achava pavorosa, dizendo que era antibrasileira. Ele era crítico daquilo que gosto de chamar de um expansionismo neogótico que aconteceu na primeira metade do século XX no Brasil. Tanto que há catedrais, como a de Santa Cruz, interior do Rio Grande do Sul, dentro desse estilo que são imponentes, belíssimas, e a Sé de São Paulo, evidentemente, é imponente, bela. E Lobato chamava-a de monstruosidade, um projeto absurdo que atacava o estilo arquitetônico genuinamente brasileiro. Lobato manifestava verdadeiro nojo ao que, segundo ele, cheirasse a frania. Para ele, o mal não está em sermos carro de boi, e sim
em escondê-lo. Nós somos um povo de mentalidade colonial. Consigo concordar e discordar de tudo que Lobato interpretou nesse sentido. Ora, eu concordo; ora, acho exagerado; ora, discordo; ora, estou alinhado; ora, acho de fato que existe uma certa, no nosso contemporâneo, com referência aos Estados Unidos, uma "mcdonaldização" de processos etc. E Lobato é um pouco disso, né? Você discorda, concorda, muitas vezes na mesma linha. Lobato começou a trabalhar editorialmente, em princípio, em 1918, quando ele havia tido uma falência. Agora, ele aproveitou-se de uma crise econômica vivida pela revista do Brasil, que foi fundada anos antes e
que tinha não só uma crise financeira, mas tinha uma base de colaboradores, assinantes, etc.; uma base até ácida. Comprou a revista do Brasil e aí é o batismo de fogo editorial de Lobato. Diferentemente do que aconteceu na Fazenda Buquira, ele transformou a revista do Brasil em algo lucrativo. Mas lucrativo, lucrativo. Pegou algo deficitário e colocou no positivo. Pessoal, ele começou de fato a ganhar dinheiro com livros, e na história brasileira, até o nosso contemporâneo, isso é coisa rara. Não é porque eu fiz referência que estou em 17º na lista de vendidos da Amazon que estou
comprando um carro com teto solar e banco de couro. Eu sigo lutando contra os meus boletos; a realidade é diferente. Lobato, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Gilberto Freire, são alguns exemplos e são poucos, tá? Proporcionalmente, são muito poucos os escritores brasileiros durante esse século XX que conseguiram viver de livros. O que vai acontecer aí? Lobato publica "Urupês", a coletânea de contos em formato de livro, com o conto "Urupê", e Lobato, além de um editor, é um escritor bestseller, porque em pouco tempo "Urupês", com aquela repercussão lá no Estadão, etc., o livro vendeu milhares, milhares de exemplares.
O jacaratatu tornou-se assunto nacional. Rui Barbosa falava sobre o jacaratatu em discursos, usavam o jacaratatu como figura de discussão. Eugenistas começavam a usar o jacaratatu como uma ilustração. Enfim, é um Brasil, pessoal, que havia atravessado, por exemplo, uma revolta da vacina; é um Brasil que estava discutindo questões sanitárias. Quando digo discutindo, não estou dizendo que a discussão era boa, mas existia de fato uma discussão sanitária no Brasil, que até hoje é o país sem saneamento básico pleno. Lembrem-se: alguns usavam o jacaratatu como a expressão mais pura do nosso caboclo; outros o consideravam uma criação exagerada;
outros o consideravam uma síntese de problemas profundos. O jacaratatu entrou no campo da discussão, agora sim, num livro, de uma forma muito contundente, sólida, e não apenas como um artigo. Bem, com êxito comercial, enquanto autor e enquanto editor, Lobato percebeu que os livros no Brasil — aqui ele começa a se transformar no grande editor — tinham um grande problema de escoamento. Existia uma demanda, mas, para que o livro saísse, por exemplo, do Rio de Janeiro a São Paulo e fosse vendido em Porto Alegre, existia um problema sério de escoamento. O Brasil não tinha, quantitativamente, muitas
livrarias. O que Lobato fez? Conversou com os coordenadores do departamento dos Correios, fez um levantamento de quantas, não só bancas, mas mercados, aogs, padarias e cafeterias. Ele fez um levantamento assim: eu tenho poucas livrarias, mas tenho muitos espaços comerciais. Eu vou colocar livros para venda em todos esses espaços. Através, então, de uma negociação com o departamento dos Correios, fez esse levantamento e saiu negociando à distância mesmo com os espaços. Resultado, pessoal: Lobato conseguiu expandir o consumo de livros no nosso país. Ele passou inicialmente de mais ou menos 30 pontos de venda para mais de 1000
pontos de venda. Isso no intervalo de menos de um ano. Pessoal, ferragens, farmácias, papelarias, todos esses espaços estavam vendendo livros. Imaginem que os escritores mais celebrados recebiam edições de 400, 500 exemplares. Lobato começou a organizar edições. Que na tiragem inicial partiam de 3.000 exemplares. Aí, o Lobato começou a incluir mais trabalhos; ele começou a editar cada vez mais livros, organizar traduções, começou a editar cinco, seis, até oito livros por mês. Nós estamos, mais ou menos, aqui em 1920-1921. O Lobato, além de ter expandido o comércio de livros, foi de fato o primeiro editor, o primeiro
empreendedor a se preocupar decisivamente com a qualidade do papel, a embalagem, as capas. Ele mudou a ideia de lombada. Pessoal, é um marco. É o marco. Muitos acham que, no nosso contemporâneo, ah, o livro com a lombada bonita, com uma capa bonita, são questões mais ah do nosso tempo. E não são. Você, hoje, um século depois, pode olhar e pensar assim: "Nossa, mas não estou vendo nada demais." Mas, à época, a mudança gráfica que o Lobato imprimiu foi assim, seminal, seminal na história do livro no Brasil, no sentido de mudança gráfica. O Lobato é vanguarda.
Enquanto isso, o Lobato — e agora nós vamos entrar numa parte que muitos aqui esperam — começou a escrever artigos, é uma série violenta, muito controversa, sobre o título de "Problema Vital". Nessa série, o Lobato denunciou a doença do nosso tempo, ou seja, desse homem da roça que era de fato uma vítima e, ao mesmo tempo, um hospedeiro de problemas. O "Problema Vital" tornou-se livro, e os artigos sobre o "Problema Vital" do nosso país foram artigos publicados no Estadão. A Sociedade de Eugenia de São Paulo e a Liga Pró-Saneamento do Brasil patrocinaram o livro "Problema
Vital" de Monteiro Lobato. Sua primeira edição traz o seguinte esclarecimento: "Artigos publicados no Estado de São Paulo e enfaixados em volume por decisão da Sociedade de Eugenia de São Paulo e da Liga Pró-Saneamento do Brasil." A ligação de Monteiro Lobato com os higienistas de São Paulo coincide com a época em que seu trabalho editorial ganhava influência, procurou se inteirar dos movimentos políticos e sociais da cidade e se aproximou do higienismo, levado a cabo por médicos empenhados na campanha que visava o controle de doenças que, segundo acreditavam, impediam o homem brasileiro de fazer do Brasil, de
fato, uma grande nação. Quando nós pensamos em higienismo no Brasil, a Constituição Brasileira de 1934 é uma constituição higienista, é uma constituição de fato assim, eugênica. O Lobato, em alguma medida — eu não estou defendendo, eu estou descrevendo — está inserido num tipo de espírito desse tempo, um espírito que chegou até na Constituição de 1934. Como é um tema importante, prestem atenção que eu quero seguir com a leitura do que escrevi. Eu não quero deixar nenhuma palavra passar, porque quando eu abri no Instagram a caixinha de perguntas, antes ainda de lerem o meu livro, estavam
lá: "Professor, Lobato é racista? Professor, Lobato é higienista?" Então, vamos lá. Sobre a relação de Lobato com o movimento higienista brasileiro, é preciso desfazer alguns equívocos quanto à sua Constituição e propósito, muitas vezes reduzido à sua vertente darwinista e, mais que isso, à versão que o nazismo fez do pensamento eugenista. A eugenia defendida pelos higienistas em voga no Brasil daquele período estava baseada numa biologia que considera a possibilidade de que caracteres adquiridos ao longo da vida pelos progenitores podem ser transmitidos aos descendentes. Nessa perspectiva, nutrir e curar uma geração adoentada pode favorecer as novas gerações
e, consequentemente, melhorar a raça. Também, de acordo com estudos que referencio no meu livro, é notável a predominância entre os higienistas brasileiros da vertente mais biologicista francesa, em detrimento do tipo de eugenia germânica ou uma eugenia anglo-saxã. Entendam algo pessoal importante: eugenia tem discussões, tem vertentes. Isso é a síntese do que mencionei. Tem vertentes. Isto não significa, evidentemente, que uma é boa e a outra mais ou menos. Eu não estou colocando nada aqui num tom de qualidade; eu estou só descrevendo que existem diferenças, debates, modos de aplicar uma política eugênica. As consequências mais evidentes da
vertente neomarquiana entre os brasileiros foram, por exemplo, a organização das políticas de saneamento e higienização, que eram tidas como formas legítimas de promover eugenia, sendo esse termo considerado sinônimo da política higienista. Daí, por exemplo, a insistência de Olegário de Moura, vice-presidente da Sociedade Eugênica de São Paulo, em dizer que "sanear é eugenização". Para as perguntas, para conversas, mas eu quero chegar até o Vargas. Ali, faço uma pausa, então, enviem superchats, enviem perguntas a escrever. Então, sobre políticas sanitárias, o Lobato conseguiu ter acesso a um público formado por médicos, biólogos, profissionais da saúde em diferentes áreas.
Aqui nós temos já um espaço para falar sobre uma leitura racial que o Lobato, de fato, em vários momentos, assumiu com claras perspectivas racialistas. Agora, vamos lá. O Lobato era racista? Sim, não. Sim, não. Como assim? Se ele era assim, logo não tem como ser? Não, porque vejam só: a classificação para o Lobato não é a melhor afirmação. O Lobato, ele era, na minha definição, racialista, em termos neoliberais. Era isto que o Lobato era. Veja, eu estou tentando refinar, definir a visão de Lobato. Quando eu digo que ele era um racista, sim e não, eu
não estou defendendo, eu não estou ignorando, eu não estou sendo o cachorro que morde o próprio rabo. Eu não estou aqui abordando a interpretação de Lobato como quem desejava a bola quadrada. Não, não, não, não, não. Só que afirmar que o Lobato era um racista não me parece o mais preciso. O mais preciso é defini-lo como um racialista, só que em termos neoliberais. E para quem acha que defini-lo como racialista é uma tentativa de abrandar alguma inclinação de Lobato, entendam todos aqui: isso é um engano. Racialista é pior, é pior. Entendam também um ponto: eu
disse "um não" porque, na vida privada, existem cartas e documentos de um Lobato assim incisivo, cruel. Cruel depreciando próximo negro, descendente de escravos, tudo isso é um fato, mas também aí, vejam só, existe uma complexidade: o Lobato é o primeiro editor e talvez tenha sido o único a dar alguma dignidade editorial a Monteiro Lobato. Ao Monteiro e ao Lima Barreto, o Lobato guardou "Os Diários de Rebolsas". Existem várias manifestações em Lobato que vão de encontro e não ao encontro com esse Lobato que, no foro íntimo, muitas vezes tinha esses textos duros, desprezando homens pretos, etc.
Por quê? O Lobato, pessoal, ele é o autor de "Negrinha". Daqui a pouco eu falo. O Lobato guardou "Os Diários de Rebolsas", o Lobato cuidou do Lima Barreto. O Lobato é higienista e, ao mesmo tempo, deu emprego; muitas vezes até mesmo dizia: "Ah, pegará bem empregar negros". Deu emprego, enfim. Nesta parte, nós temos, assim, um dos maiores pontos de cisão quando Monteiro Lobato é analisado. Muitas vezes, sujeito considera Monteiro Lobato um racista da pior espécie. Em contrapartida, ter um sinônimo de amor. Nós temos um problema aqui, temos um problema. Eu não estou defendendo Lobato nessa
questão, e não é esse meu papel. Eu estou descrevendo: você aqui toma, né, o seu lado da história, bem, seus livros editados, reeditados. É uma fase, e ela vai durar até o final da vida do Lobato. O estilo do Lobato fica muito desnivelado, muito desnivelado; afinal, ele estava editando, verificando traduções, se metendo em questões sanitárias. É um Lobato, assim, multifacetado e aí o seu texto fica muito instável, seu estilo fica assim. Só que, no meio dessa fase, ele publicou "Negrinha". Quando nós pensamos em "Negrinha", que foi publicado, né, num período como livro de contos, de
pouca inspiração, transpiração, muito trabalho, etc., mas pouca criatividade. Aspas: agora o que escrevo, o conto que d título, a obra é o marco na denúncia da condição do negro na sociedade brasileira, mesmo depois da Abolição. Se nem tudo é ouro na obra do contista Lobato, tem coisas que eu realmente não gosto. Posso dizer, com certa margem de tranquilidade, que "Negrinha" é um excelente conto, não dentro da obra de Lobato, mas no sentido da história dos contos produzidos dent da nossa literatura. Vem a Semana de 22, o Lobato não se envolveu. Chegamos em 1924, só para
vocês terem uma ideia do que o Lobato, em 1924, já poderia dizer: que editou alguns desses pela primeira vez. Lobato financiou as estreias, ajudou esses trabalhos, ajudou esses autores, trouxe obras inéditas, deu, dentro das suas possibilidades, maior dignidade econômica para esses autores. Lobato, então, inundou o Brasil com Afonso de Guimarães, o Grande Poeta. Leiam Afonso de Guimarães, Vicente Carvalho, Men de Clees Campos, Francisca Júlia, Paulo Sete, Maria Eugênia, Celso, Rosalina, Coelho, Lisboa, Ribeiro Couto, O Histórico, Medeiros e Albuquerque, um dos proclamadores da República, Osvaldo Orico, Ribeiro Couto, Roque Calage, Álvaro Moreira, Léo Vaz Carvalho, Ramos,
Valdomiro Civeira, Godofredo Rangel, seu amigo Humberto de Campos, Gustavo Barroso, Cornélio Pires. Ele deu um novo vigor editorial para autores já celebrados como Manuel Antônio de Almeida, Rodolfo Teófilo, Léo Vaz, Hilário Tácido. Aí, vejam só o que o Lobato publica exatamente em 1924: Osvaldo de Andrade, Carlos Dias Fernandes, Mão, José Antônio Nogueira. Aqui é uma faceta interessante do Lobato. Não, mas Professor, ele publicou o Osvaldo de Andrade; eles não se gostavam, etc. O Lobato era empreendedor, ele queria grana, ele queria grana, ele queria super chats, ele queria dinheiro. Então, assim: "Osvaldo de Andrade está ali,
provocou um barulho; Semana de 22 vem, vem, que eu vou te editar, você vai ter público que vai lê-lo." Coelho Neto, pessoal, outros G, assim, Oliveira Viana, Sampaio Dória, Almaia, Miguel Osório de Almeida, Gilberto Amado — a lista é enorme, enorme. Aí o Lobato trabalhava com reinvestimento contínuo, contínuo. Editora se expandindo, ele editando, vendendo, anexou agora o setor gráfico, para o qual são importadas, né, máquinas naquele momento, né, moderníssimas. A existência de um setor gráfico próprio, pessoal, representava não só um salto na vida de Lobato, mas, sem dúvida, um marco editorial na história brasileira. O
que vai acontecer em 24? Revolta, lista de 24, pouco estudada; estudem, ainda quero abordá-la aqui. Paralisou São Paulo, isso gera um tipo de impacto, mas não impacto inicialmente decisivo, mas se acentua, se acentua, se acentua. E o que vai acontecer? Prolongada estiagem, racionamento de energia elétrica e da política econômica que impôs restrições progressivas ao crédito. A editora da revista do Brasil, desdobrada na Monteiro Lobato e, depois, na Companhia Gráfica Editora Monteiro Lobato, acabou falindo. A falência de Lobato acabou sendo auspiciosa, uma vez que, desses escombros, nasceu a Companhia Editora Nacional. Essa quebra, e foi uma
quebra com aspas, constituiu evidentemente um assunto no setor literário brasileiro, né? Não só em São Paulo, mas no geral. O Lobato honrou seus compromissos, saiu pessoalmente pobre, mas com o capital, com obras. Ele tinha, então, como fazer esse dinheiro voltar. Foi morar no Rio de Janeiro. Manteve, dentro do que pôde, o seu catálogo; leiloou bens privados, instalado na capital do Brasil, Rio de Janeiro. Ele, mais uma vez, num momento de crise, teve um ímpeto criativo impressionante. Afinal, foi nesse período que ele recuperou alguns papéis soltos; esses papéis soltos se transformaram no "Sítio do Picapau Amarelo".
É nesta época, no Brasil, que Lobato, que é aqui na nossa faixa de corte, tá, pessoal, um iniciador em vários aspectos da história editorial, agora é também o iniciador do gênero literatura infantil. Acabou acrescentando mais um capítulo no seu currículo de grandes feitos. Rapidamente, em 1925, a Companhia Editora Nacional já estava constituída e se preparava, então, para publicar. O Lobato escolheu publicar o "Hun Study", que é o primeiro livro publicado em território brasileiro: "Meu cativeiro entre os selvagens brasileiros". E o que aconteceu, pessoal? Parecia o fim do Lobato, foi, na verdade, o... Seu começo em
um segmento da literatura infantil que o catapultou, e, em alguma medida, é dentro desse recorte literário principal, assim, espaço que teriza Lobato. Ele está como autor mais eternizado pelo Sítio do Picapau Amarelo do que por Urupês. No meio de tudo isso, entre falência, retomada, reorganização de um capital privado, expansão, celeumas políticas, sanitárias etc., Lobato tentou se candidatar a uma vaga para a Academia Brasileira de Letras pela primeira vez. Não cumpriu o protocolo de visitas etc., e aí não foi assim recebido. Em 1926, Lobato tentou pela segunda vez; nesta segunda vez, ele mandou as cartas, cumpriu
todo o itinerário, falou com os acadêmicos, fez de fato as solicitações por escrito. Tem uma carta dirigida ao Filinto de Almeida que é preservada, na qual Lobato pede o voto, né? Toma a liberdade, aspas, ao Lobato de vir solicitar de vossa excelência o apoio de um voto que será um voto ao trabalho. Servo, o Mimo Monteiro Lobato. A delicadeza epistolar de Lobato não evitou o novo fracasso. Lobato colecionava polêmicas; Lobato era cheio de adversários, alguns não revelavam que eram adversários de Lobato, certo medo. Lobato obteve apenas nove votos e perdeu para o desembargador Admar Temasi
Tavares. Pergunta: Quem foi Admar Tavares? Quem foi? Quem foi? Mon Lobato. Lobato perdeu para Admar Tavares. Eu engasguei porque eu também não sei direito quem foi Ademar Tavares, que pode evidentemente ser alguém com uma vastíssima colaboração para nossa cultura, mas que acabou eternizado como o homem que venceu Lobato. Tema para este professor: estudarei mais sobre Ademar Tavares, quem sabe um dia, quem sabe um dia eu faça um encontro sobre Ademar Tavares com estrondoso sucesso. Então, pessoal, dos livros para as crianças etc., o Sítio começa a ser composto. Lobato é convidado por Washington Luiz, e o
Lobato tinha uma relação com Washington Luiz porque quando Washington Luiz era governador, foi através dele que os livros do Lobato chegaram nas escolas. Esses livros infantis do Sítio foram muito facilitados por isso. Washington Luiz é o último presidente dessa primeira república. Washington Luiz sai; teoricamente, era para Júlio Prestes assumir, mas vem a Revolução de 30. Quem assumiu foi Vargas, o Vargas que foi ministro da Fazenda de Washington Luiz. O que vai acontecer? Lobato tinha uma relação próxima com Washington Luiz através de Alarico Silveira. O estado de São Paulo comprou inicialmente cerca de 30.000 exemplares para
serem distribuídos em escolas paulistas. O livro do Lobato não só por isso assim tornou-se, bem, muito rapidamente, nos mais diferentes espaços brasileiros, era possível encontrar o Sítio do Picapau Amarelo. Aí entendam, só, o Lobato usou toda aquela estrutura; era Sítio do Picapau Amarelo vendo em aoga etc. Essa dinâmica seguiu, seguiu. O Lobato entendeu então, com o Sítio do Picapau Amarelo, que existia uma demanda reprimida por livros infantis, e aí ele começa a fazer As Viagens de Gulliver, traduções dedicadas ao público infantil de Don Quixote, do Robinson Crusoé, Irmãos Green. Para Lobato, era necessário fazer um
trabalho autoral de traduções para as crianças. Então, se você for avaliar, mais de uma forma mais preciosista, as traduções de Lobato dentro dessa fase, enquanto tradutor, o Lobato muitas vezes foi mais autor, ou seja, um mal tradutor. Pessoal, o Sítio do Picapau Amarelo tornou-se não só um marco, mas tornou-se uma plataforma de denúncias, apresentações do Lobato. O Lobato começa através do Sítio do Picapau Amarelo, para vocês terem uma ideia, a apresentar denúncias contra a Igreja, a ação brasileira, ao genocídio indígena, à escravidão. E o mesmo Lobato, como eu disse, né? Ele é esse racialista, neoliberal,
esse racista, sim ou não, etc. Porque ele vai dar voz a uma interpretação, goste você ou não, mas a uma interpretação que vai indagar quanto à continuidade de um processo de exploração humana no Brasil, um processo este que alcançava e que, em vários aspectos, ainda alcança camadas cada vez mais diminutas, ao mesmo tempo populares, camadas de negros etc. O Lobato começa a denunciar isso, começa a denunciar, começa a denunciar através do Sítio do Picapau Amarelo. O Lobato, pessoal, nesse sentido, ele era o marco relacionado com Washington Luiz. Washington Luiz chega à presidência; Washington Luiz faz
um convite para ele: "Olha só, quem sabe você vai para os Estados Unidos e assume como adido comercial brasileiro em Nova York em nome do governo nacional." Ah, o Lobato aceitou e ficou deslumbrado, ficou que nem o Chaves, que Lobato gostava muito de tecnologia. E aí vou aos Estados Unidos. Os Estados Unidos, naquele momento, davam espaço; Lobato ali já começava a pensar no aço, a pensar assim, aos poucos, numa expansão tecnológica diferente no Brasil. O que vai acontecer? Ele pensou: "Isso é bem do Lobato. Eu quero me apresentar bem, bem nos Estados Unidos." Então, vou
escrever um livro, um livro para ser lido em formato de folhetim pelo público norte-americano. O que o Lobato pensou? Nossa, que ideia estúpida! Ele pensou: "Nos Estados Unidos existe segregação; então vou escrever para esse público que segrega. Eu quero essa fatia de mercado." E aí o Lobato escreve O Presidente Negro, que muitos de vocês estavam ali me perguntando. O Presidente Negro, O Presidente Negro, O Presidente Negro, originalmente denominado O Choque das Raças, e posteriormente O Presidente Negro. O título, inclusive, segue através de um enredo fantasioso no qual o autor forceja por imprimir intensidade dramática, amorosa,
choque racial e eugênico. Seu romance não encontrou, pessoal, a mínima, a mínima receptividade entre os editores americanos. Ele fez para esse público e não o alcançou, os Estados Unidos da América que ele ainda não conhecia e já queria agradar. É justamente o fulcro da sua narrativa ficcional, por mais que O Presidente Negro apresente elementos fundamentais para o estudo das ideias lobatianas. Respeito de sociedades mais e menos evoluídas, esse romance foi feito sob medida, de acordo com a imagem que Lobato tinha do público norte-americano. Eleito então o presidente negro, cientistas brancos engendram a esterilização definitiva dos
negros, posta em prática através de despigmentação e descaracterização capilar. A história narrada por um narrador desinteressado em discutir ética, etc., foi planejada por Lobato como uma espécie de passaporte para suas pretendidas atividades de escritor e editor, também nos Estados Unidos. Com esse mesmo propósito e pela mesma época, Lobato publicou uma série de artigos bastante elogiosos sobre Henry Ford. Na gênese dos desígnios que Lobato traçou para o presidente negro, dissipada está a imagem do escritor ingênuo, para quem a produção de um texto corresponde prioritariamente a uma necessidade íntima de expressão fiel ao seu projeto, no qual
a literatura é mercadoria. Aqui temos uma chave para entender Lobato: ele não hesitou em planejar alterações depois para o livro, buscando torná-lo mais atrativo ao público norte-americano. O resultado também fracassou e *O Presidente Negro* acabou muito mais vendido no Brasil do que lá, muito mais. É de fato, e é de fato, um livro eugênico. É de fato uma questão de estilo de composição, no seguinte sentido: se eu escrevo sobre algo, eu não sou necessariamente aquilo que estou escrevendo. Existe uma coisa chamada força criativa. Lobato, na prática, ele não era um eugenista, mas ao mesmo tempo
estava no debate eugenista. Na prática, não era; na prática, ele não era um racista, mas muitas vezes era. Ao mesmo tempo, ele valorizava a literatura, queria produzir bons autores, editava bons autores, mas ao mesmo tempo enxergava o livro como mercadoria. Lobato, em alguma medida, é inclassificável. Lobato chegou nos Estados Unidos e lá ficou fascinado, fascinado pela tecnologia. Viveu por lá 3 anos e 9 meses e uma série de acontecimentos marcantes na vida dele ocorreram. Então, uma série de acontecimentos assim decisivos. Eu quero dar destaque pelo menos ao fato de que sua filha, Mar, deu a
ele a Joyce, sua neta gracinha, enquanto morava em Nova York. Gracinha lembra a EB. Camargo Lobato escreveu então. Estava morando lá, *Mr. Slang* e o Brasil. *As Aventuras de HST*, agora numa versão infantil. *As Aventuras do Príncipe*, *O Gato Félix*, *A cara de coruja*, *A pena de papagaio*, enfim, as *Reinações de Narizinho*, que é uma compilação. Foi para Detroit, visitou a Ford, General Motors. Ah, o Lobato ficou em "Catarse, Catarse, Catarse". Aí ele pensou: "peguem, peguem". Agora essa parte: ele já tinha passado por aquela falência que foi uma falência que ele conseguiu reverter e ela
era bem reversível. Lobato prosperou com *Literatura Infantil*, *Sítio do Picapau Amarelo* nos Estados Unidos, se comportando como "McDonaldzado", lançando livros questionáveis. Certo, Lobato, nesse cenário, pensou, impactado pela Ford, impactado pela General Motors, impactado por Detroit. Ele pensou: "Eu vou pegar a minha Companhia Editora Nacional, vou vender todas as suas ações e vou investir na Bolsa de Valores de Nova York". E foi o que ele fez. Mas o que aconteceu? A crise de 29. Lobato perdeu tudo, tudo, tudo, tudo, pessoal. Tudo, tudo, tudo, tudo, tudo. Para piorar, no Brasil, o pau pegando: Washington Luís, traído por
Vargas. Vargas, junto com Antônio Carlos, se viu traído pelo Washington Luís. Maçaroca, não tem virgem nesse [__]. Lobato era "cafado" pelo Washington Luís. Lobato, evidentemente, manifestou apoio a Júlio Prestes. Júlio Prestes que não assumiu porque vem a Revolução de 30; Vargas assume e fala: "Ei, ei, volte, Lobato!" Dispensado de suas atividades como adido comercial. E aí, pessoal, ele já não é mais um jovem. Aí ele começa a lutar contra Vargas, e esta luta que o deixou mais pobre, doente, desgostoso. Ele tentou ainda reverter sua relação com Vargas, escreveu um relatório tentando colocar as suas observações,
etc., de tudo que ele tinha visto ali sobre ferro, enfim, só que Vargas, assim, em cinco letras, "cagou". "Volte, volte, Lobato!" Aí o Lobato volta ao Brasil em março de 1931, precisa arregaçar as mangas, instalado agora como um sobrevivente em São Paulo, falido, falido. Uma falência diferente da outra: perdeu não só capital de giro privado, perdeu uma série de direitos autorais, perdeu o patrimônio pessoal, inimigo público do governo estabelecido. Aí o Lobato precisa ser criativo para pagar o pão. Ele remanga as mangas e começou a mexer nos seus antigos textos, mexer na sua produção. Aí
ele escreveu *Novas Histórias do Sítio*, começou a traduzir. Aí é o Lobato que volta de uma maneira mais pessoal ao Labor. Ah, enquanto isso, né, escritor, pausa. Temos superchats, temos provocante. Envia: "Mande um abraço para o melhor mecânico do Brasil, se Masturbo, e para seu ajudante Tomás Turb, um abraço para toda a equipe da Cimas Turbo e para o grande, talvez até meu parente, 'Tô Masturbando', o Rogério". Envia R$ 5 e diz: "Professor, falando em je, TAT, em buraco de paca, tat, caminha dentro" [risadas]. Ai, ai, caminha, caminha dentro, caminha [risadas]. Fora, César Vieira, enviou
R$ 10,90 e diz: "Sua literatura, ela foi?" Lobato, racista? Não, Lobato, ele é um pouco inclassificável. Nós vamos encontrar, entendendo assim, páginas muito mal acabadas e ao mesmo tempo páginas num estilo primoroso. Nós vamos encontrar páginas com argumentos desprezíveis. Eu não me refiro a uma composição literária; eu falo páginas de argumento pessoal mesmo, do Lobato. Lobato polemista, etc. E ao mesmo tempo nós vamos encontrar questões que o Lobato foi vanguardista. O Lobato falava do saneamento básico pleno como uma demanda necessária para que o Brasil se transformasse numa civilização. E até hoje nós não temos saneamento
básico pleno. Olha o que aconteceu em São Paulo, olha o que aconteceu no Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul. Numa proporção assim gigantesca, não foi só um drama por causa da enchente. Nós também temos um drama por causa do saneamento. Nós vivimos num país no qual milhões não têm o básico dentro do saneamento. O básico. Então, o Lobato, nesse sentido, ele era vanguarda. Ele tinha uma página importante, e ao mesmo tempo, dentro dessa mesma página, ele defendia absurdos, muitas vezes atrelados à política sanitária. O Lobato escreveu contos muito bem acabados e, ao mesmo
tempo, contos que, pelo estilo que ele já havia manifestado e pelo potencial inquestionável e criativo que ele tinha, você via: Assim, faltou um pouco de capricho, Lobato. Faltou um pouco de capricho. O Lobato deixava a literatura muitas vezes em segundo plano; ele queria empreender, pensava nos negócios. Tanto é que ele colocou todo o seu negócio e investiu na bolsa, impactado por tudo que ele estava vendo. E tem um pouco, né, da falta, digamos assim, de prudência dele com relação à sua jornada. Então, fiz toda essa volta para mostrar, dialeticamente, que o Lobato vai defender absurdos.
Vai ter tons racistas em certas páginas, inclusive da literatura infantil. Sim, ao mesmo tempo não. O Lobato vai ter defendido, goste vocês ou não, ele vai ter defendido muitas vezes um protagonismo negro, denunciando a igreja, denunciando o estado brasileiro. Vai fazer do Sítio do Picapau Amarelo, muitas vezes, um tipo quase de palanque para conversar com as crianças. E aqui vem um ponto: o Lobato foi tão grande na literatura infantil que as crianças mandavam cartas para ele e ele respondia praticamente todas. Há relatos de que, no campo privado, o Lobato era muito afetuoso, carinhoso. Tem áudio,
inclusive, do Lobato no YouTube. Vocês conseguem escutar a voz dele até isso, nós temos aí preservado dentro da plataforma online. Mas, então, assim, o Lobato era anticlerical, sim, em vários momentos, mas ao mesmo tempo não era um militante. Ele não era um anticlerical militante, ele não queria o fim da igreja no campo da militância. Ao mesmo tempo, ele era perseguido por padres, brigava, polemizava. Enfim, o Lobato, nesse sentido, é inclassificável. Ah, mas assim, eu não quero simplesmente parar e deixar um autor tão irregular na biblioteca dos meus filhos. Bem, mas trabalhe da mesma forma que
idealmente deve se fazer, né, na relação de uma criança com a televisão. Né, você não simplesmente deixa o seu filho criança com controle, mexendo na televisão. Então, você pega ali o livro, lê antes. Ah, ó, pode ler esse aqui, é bom, isso aqui é bom. E vocês vão encontrar tesouros. Tesouros, tesouros. O Lobato inseriu no Sítio do Picapau Amarelo o pai, o Don, assim, é um mundo. O mundo que o Lobato conseguiu compor enquanto força criativa no Sítio do Picapau Amarelo é impressionante, é impressionante. É impressionante. Ah, e que ao mesmo tempo, quando você para
e vê, principalmente na questão de tratamento, muitas vezes com a tia Anastácia, etc., bom, isso aqui já não cabe. Então, peraí que eu vou dosar na relação com os meus filhos o modo como eles lerão a obra. Eu consigo entender isso. Eu consigo entender perfeitamente. E eu não estou aqui, friso, tá, na posição de defensor do Lobato. Eu escrevi, sim, este livrinho. Ah, por que escolheu o Lobato? Por que escolheu o Lobato? Porque eu vim para gerar confusão e barulho. Ninguém estreia lançando desconstruindo o Paulo Freire se não está para confusão. Então, escolhi o Lobato
justamente por ser alguém que, na minha visão, até hoje ele é mal discutido. Ele é mal discutido, ele está numa relação meio maniqueísta. Muitos o amam, muitos o odeiam; muitos outros o odeiam muito, muitos outros o odeiam. Muito, muito, muito. O Lobato é odiado por católicos, por comunistas. Ao mesmo tempo, ele é respeitado. Enfim, aí eu pensei: não, deixa eu colocar aqui a minha perspectiva, né, sobre quem ele foi. Temos mais superchats, hein? Mais superchats! Quero responder mais questões. Então, pessoal, o Lobato voltou, voltou pobre, agora desgostoso, tendo que trabalhar. Arregaçou as mangas, instalado em
São Paulo. Tinha, né, muito prestígio, evidentemente. Ele pensou o seguinte: com todo esse prestígio, com o impacto do que ele viveu nos Estados Unidos, ele pensou: “Olha, eu vou trabalhar agora com petróleo. Eu quero explorar petróleo no Brasil!” Em 1931, Lobato fundou o Sindicato Nacional de Indústria e Comércio, que era voltado para a exploração do ferro. É o período que o Lobato começa a polemizar cada vez mais com a inércia, segundo ele, do governo brasileiro. Fora ainda alguns acordos que, para o Lobato, eram questionáveis de exploração de ferro e de outros bens. Nessa, digamos assim,
circunstância, o Lobato lançou a obra "Ferro". E nós vamos encontrar, assim, dentro do Sítio do Picapau Amarelo, o petróleo sendo assunto, o ferro sendo assunto, o comércio sendo assunto. Bem, pessoal, o Lobato começava então a entrar na guerra do petróleo. Ele acabou mais uma vez eternizando o seu nome porque, vejam só, ele fez jorrar, né, ele e a sua equipe, etc., em 1936, a 250 m de profundidade no poço São João de Riacho Doce, o primeiro jato de gás de petróleo no Brasil. Gás não é petróleo, mas é bem significativo, né? Isso levou a escrever
para o Vargas, dizendo: “Olha só, tem petróleo.” Ele começou a dar conselhos, começou a fazer reclamações. O Vargas o ignorava. Ao mesmo tempo, ele começou a querer montar negócios para explorar petróleo, só que não deu lucro. Ele precisou reembolsar pessoas, não conseguiu honrar todos os seus compromissos de uma maneira célere, teve mais despesas e, no sentido privado, ele fracassou mais uma vez dentro dessa questão econômica. Lançou mais obras infantis que serviram muitas vezes como "vendi o almoço para pagar a janta". No meio disso, pessoal, o que vai acontecer para piorar? Revolução! De defini-la como contrarrevolução
constitucionalista de 32, o Lobato acaba, inicialmente, não querendo. Depois, ele aderiu contra o Vargas. Nós vamos ter, assim, da parte do Vargas, uma verdadeira repulsa ao modo como o Lobato vai ter apoiado a contrarrevolução. Por isso, o Lobato, tanto no seu sentido privado quanto no seu sentido familiar, acabou muito envolvido no conflito. O Edgar, por exemplo, filho do Lobato, chegou a se alistar no exército paulista. O que vai acontecer, meses depois? A "História do Mundo para as Crianças" do Lobato começou a ser boicotada, não só em escolas católicas, mas também em escolas do estado, que,
naquele momento, devidamente amalgamadas com perspectivas católicas, eram muito capitaneadas pelo cardeal Leme. Com as crianças, o Lobato se correspondia e, desde então, ele era alguém bem representativo nesse sentido. Tornou-se, com essas perseguições, um adversário mais intenso de padres católicos. E aqui eu quero colocar uma aspas assim, de uma citação no meu livro: "O primeiro motivo pelo qual 'História do Mundo para as Crianças' foi rechaçado por educadores católicos está na abertura da história. O começo do mundo não é explicado pelo criacionismo, mas pelo Big Bang. Deus, Adão e Eva não são sequer mencionados na sequência. O
autor dá um tom pessimista sobre a humanidade quando fala de Cristo. Às vezes, de modo imparcial, neutro, pouco reverente; outras vezes, até pessoal, com admiração." Lobato, ao falar de escravidão, de índios, de negros na América, atribuiu crueldades e abusos cometidos em nome da Igreja. Nesse tema, aqui vale até casa bem com a pergunta anterior. Um detalhe chama atenção: na época em que escreveu essa adaptação, Lobato provavelmente não acreditava, assim, com ênfase, num certo enfraquecimento da raça brasileira por causa da mestiçagem. Algo nesse sentido, pois descreve Narizinho como uma menina muito inteligente e de um lindo
moreninho de cor de jambo. Então, Narizinho era mestiça. Ao contar a história de Simón Bolívar como Libertador dos escravos negros na Venezuela, a reação de Narizinho, inclusive, é muito bem: "Já estou gostando desse homem. Escravidão é coisa que me faz mal aos nervos." Lobato estruturou uma narrativa marcada pelas interpretações das crianças em meio às discussões conduzidas por Dona Benta. Ao tratar de cada tema histórico, o governo brasileiro considerou "História do Mundo para as Crianças", além de escolas católicas, subversiva por estar incutindo dúvidas sobre as crianças em relação às atividades governamentais, além de colocar, no espírito
das crianças, questões de ordem revolucionária, anticlerical, etc. Bem, pessoal, o Lobato não parou. Eu disse que Vargas ficou possesso com o modo como o Lobato se posicionou contra ele. Gradativamente, o Lobato tinha a questão de 30, né? Teve que voltar, foi ignorado quando apresentou o relatório de 32. Vem a contrarrevolução. O seu filho, Edgar, lutou. O Lobato apoiou e, nos textos infantis, colocava, por exemplo, aspas: "Veja o aeroplano, quando Santos Dumont inventou. Nem por sombras lhe passou pela cabeça que o maravilhoso aparelho de voar iria ser aplicado para matar gente e destruir cidades." Então, o
Lobato está aqui denunciando o ataque de Vargas a São Paulo e colocando aquela que é muito provavelmente a justificativa que Santos Dumont encontrou para o seu suicídio. Então há o que relatam: Santos Dumont, vendo que o seu invento serviu para matar brasileiros, ele pensou: "Não foi para isso que eu fiz, que trabalhei, que atuei, que fiz esse projeto." E aí deu fim à sua vida. Então, o Lobato pegou o argumento da morte de Santos Dumont e usou contra Vargas. Ainda no "Visconde de Sabugosa", nós temos o "Poço do Visconde". Nessa obra, o Visconde Sabugosa afirma
que, no Brasil, há petróleo. Naquele momento, Vargas negava. E indica com precisão os lugares onde é fácil tirar, o que contrariava as afirmações do Governo da ditadura Vargas. Ainda no meio acadêmico, Monteiro Lobato foi convidado a ingressar na Academia Paulista de Letras. Aproveitando esse espaço institucional, publicou "O Escândalo do Petróleo", livro no qual acusava o governo de não perfurar e não deixar que se perfure. No ano seguinte, o livro foi proibido de circular. Assim, muito censurado e perseguido, a idade já pesava em suas costas, vivendo no meio de intrigas, enfrentando os acionistas descontentes dessa sua
tentativa de negócio de empreender dentro do petróleo nacional. Cheio de dívidas, renunciou a uma série de direitos. Ao mesmo tempo, não desistiu. Instalado o Estado Novo, a perseguição de Vargas ficou ainda mais acentuada. O Lobato seguiu combatendo em defesa da exploração de petróleo no Brasil. Ele tentou empreender novamente no mercado editorial, mas não conseguiu, de fato, ter um êxito consistente. Chegou a publicar mais trabalhos infantis: "A História da Tia Anastácia", "Os Cães de Dona Benta", "O Próprio Poço do Visconde", lançou "O Minotauro", "Maravilhosas Aventuras dos Netos de Dona Benta" na Grécia antiga. Tem mais algumas
obras importantes. E Vargas, percebendo essa intransigência, essa resiliência, essa antifragilidade, essa intolerância, esse orgulho sombrio — enfim, como vocês queiram definir por parte do Monteiro Lobato —, Vargas e a sua equipe resolveram convidá-lo para assumir a direção do grupo de propaganda da ditadura. E o Lobato fez o quê? "Não, não quero ditador!" Usou, recusou. Bem, recusado, impedido então de se manifestar politicamente pela censura, enviou uma carta a Vargas. E é uma carta dura, dura. Ele responsabilizava o General Júlio Caetano Horta Barbosa de promover perseguições às empresas nacionais. Era duro com Vargas. Foi uma carta recebida
como subversiva e desrespeitosa, acumulando a própria recusa e toda essa jornada que eu aqui tentei descrever. O que aconteceu? Amando de Vargas, o Lobato foi preso em 1941 e foi condenado em primeira instância a 6 meses de pena. Depois, foi reduzida pela metade. Foi conduzido, assim como o próprio Graciliano, como um criminoso vulgar. Ficou na casa de detenção, presídio político, lá no velho casarão da Avenida Tiradentes. O Lobato, pessoal, e aqui é uma página. Assim, terrível dentro da história da Academia Brasileira de Letras, por quê no mesmo ano que o Lobato foi preso, a Academia
Brasileira de Letras alterou seus estatutos para admitir Getúlio Vargas entre os seus Imortais. O maior editor nacional, que de fato é Lobato, tudo que fez, tudo que traduziu, tudo o que escreveu, marcou a história da Literatura Infantil. O homem de livros, ah, controversos, polêmicos, de estilos muitas vezes inconstantes, etc., etc., etc. Com toda essa jornada que mencionei, o Lobato não entrou na Academia Brasileira de Letras, mas o Vargas entrou. E com a mudança de estatuto, o Lobato pessoal nunca perdoou essa traição; para ele, foi uma traição da Academia Brasileira de Letras. Ele disse, em entrevista
a Mário da Silva Brito, que só aceitaria, em algum momento, voltar a disputar uma vaga para a Academia Brasileira de Letras se colocassem a pontapés, né, para fora o senhor Getúlio Vargas. Pessoal, Lobato, preso na prisão, não perdeu a sua coragem; né, de fato, é um homem corajoso. Começou a escrever para amigos, conseguiu ter correspondência, escreveu uma carta debochada ao Horta Barbosa, que foi o General responsável pela sua prisão. Ele agradeceu nessa carta, aspas, "ao Lobato os deliciosos inesquecíveis dias passados na casa de detenção." O Lobato passou esse período preso, passeando pelo jardim, conversando com
os presos, lendo, meditando, jogando xadrez, ensinando gramática para os presos. Pegava os bolos, os doces que a dona Pzinha levava e distribuía entre os presos. O Lobato virou, e não é um exagero, um líder de cela. Sem liberdade de dizer o que pensava, o Lobato evidentemente sentia-se, né, um outro homem quando saiu da prisão. Ao mesmo tempo, por uma mistura de humildade com intransigência, ele não queria adaptar o seu estilo para o que a ditadura Vargas permitia; então, manteve-se um adversário de Vargas, ao mesmo tempo que era um nome consagrado. A sua repercussão o colocou,
assim, no assunto corrente. A carta que ele mandou ao Vargas era de fato algo... nossa, o que o Lobato escreveu? O que o Lobato escreveu? Era algo discutido. Recebeu na cadeia muitas visitas, inclusive, ali, já Fagundes Telles numa entrevista disse que foi ele quem quis visitá-lo. Imaginem, né, a Lilian, moça, como eu gosto de defini-la, né, a Dama da nossa literatura, foi visitá-lo, o já idoso Monteiro Lobato. Enfim, só que na cadeia, pessoal, o Lobato desenvolveu uma profunda crise de depressão. Amargurado, eh, já desenvolveu tuberculose durante essa fase da sua vida. O seu filho Guilherme,
que é o seu terceiro filho, faleceu; difícil. E é exatamente nessa fase que ele começa a se aproximar de perspectivas comunistas. Ao mesmo tempo, começa a se aproximar do espiritismo. E para vocês terem uma ideia, em menos de quatro anos, ele perdeu seus dois filhos homens; afinal, Edgar também foi vitimado pela tuberculose e morreu em 1942. Esse é o fim da vida de Lobato, que se apresenta: o corpo cansado, depressão, espírito cheio decepções e amarguras. Escreveu os 12 Trabalhos de Hércules; com esse trabalho, concluiu a sua saga infantil. Ao todo, escreveu 39 histórias infantis, das
quais 32 originais e sete adaptações. Escreveu, prestem atenção, mais de 5.000 páginas, tendo vendido quase 1 milhão de exemplares. Juntando-se às edições de suas obras completas, atingiu o número de 102 títulos em circulação só no Brasil. Na América do Sul, foi traduzido para o francês, espanhol, inglês, alemão, árabe, japonês, italiano. Com o enfraquecimento final da Era Vargas, né, enfraquecimento do estado novo, engajou-se na luta contra Vargas pela redemocratização do país. O Lobato engajou-se e começou a apoiar Luís Carlos Prestes. Mais uma decepção; afinal de contas, o Prestes apoiou Vargas e, para o Lobato, foi mais
uma traição política. Enfim, ele levou aquilo com muita dor: o fato de o Prestes ter sido preso durante a ditadura Vargas. O icônico Cavaleiro da Esperança também o decepcionou. Bem, mudou-se para a Argentina. Já é final da... bem, nessa transição, final da Era Vargas, início do governo Dutra, morou na Argentina. Em 1946, decidiu voltar. E nesse ingresso de volta, sentiu a falta do Brasil, ao mesmo tempo que tinha esperanças culturais, políticas, eh, de mercado, para assim a sua vida dentro da Argentina, mas já se sentia muito fraco, muito debilitado. O que aconteceu? Ao retornar à
Argentina, Lobato, não tendo onde morar, com a saúde cada vez pior, mal conseguia subir lances de escada. A morte, então, acaba sendo um tema constante nas suas conversas. Ele vai ficando provisoriamente em hotéis, até que na Rua Barão de Itapetininga, cruelmente, no último andar onde funcionava a editora Brasiliense, foi ali a sua última morada. E foi lá, no 12º andar, a poucos quarteirões do velho Café Guarani, onde ele montou o Caco das Velhas Arcadas, lá do Lago São Francisco, onde ele estudou. Ele que viveu essa São Paulo de um modo tão, tão intenso, faleceu. Faleceu
na madrugada de 5 de julho, dormia quando um espasmo vascular o silenciou para sempre. Seu velório, pessoal, foi transformado em uma grande multidão que foi despedir-se de seu escritor. Cenas de profunda emoção se repetiram durante as longas horas em que seu corpo foi velado. Ao baixar o esquife na sepultura do Cemitério da Consolação, após muitos discursos, a multidão entoou o hino nacional, num claro reconhecimento ao patriotismo de Monteiro Lobato. Segundo denúncias, em 2016, as cinzas do escritor foram encontradas do lado de fora do túmulo; havia sido violado por criminosos. Em anos anteriores, já haviam roubado
a guirlanda e o portão de bronze do túmulo. O Brasil agoniza. Muito obrigado. Super chats: Isaac Galdino envia R$ 10 e diz: “Ô, meu querido, lendário Gilberto Freire, Caio Prado. Lobato abrandou seu radicalismo?” E se sim, seus exames de diagnósticos dos problemas brasileiros começaram a partir de outra perspectiva, a enfocar outros problemas? Não. Lobato não foi assim decisivamente influenciado pelas obras de Caio Prado e Sérgio Buarque. Eu poderia incluir Gilberto Freire; ele foi, inclusive, na verdade, direta ou indiretamente, uma inspiração para os três, além de ter sido uma inspiração também para um Oliveira Viana. Então,
o Lobato abrandou suas perspectivas. Não, afinal de contas, dentro desse painel, dessa vida profundamente tumultuada, o Lobato muitas vezes nem teve tempo de pensar nas suas perspectivas, envolvido em questões de petróleo, em disputas, em sindicatos, em demandas, escrevendo para pagar a janta, sem ter o almoço. No meio de tudo isso, o Lobato foi um escritor de uma obra pouco revisitada. No todo, o Lobato trabalhou pouco no refino dos seus textos e nas suas visões. Então, o ângulo Lobato sociólogo é um ângulo bem deficiente, tendo em vista que ele foi, muitas vezes, como no próprio caso
do presidente negro, menos sociólogo e mais, assim, partidário, senão de causas, de políticas de pessoas. O seu engajamento na questão do petróleo, que literalmente acelerou a sua morte, o levou à prisão e o transformou em, praticamente, seus últimos 15 anos de vida, em militante desta causa, e não necessariamente, assim, no célebre editor, no célebre escritor. Também é uma página que indica que ele não teve esse tempo para se refinar ou não teve esse desejo para se refinar. Só um ponto nessa pergunta do Isaac: ele pergunta se eu li errado, se ele abrandou o seu racialismo,
que eu disse. Mas serve, serve até porque o racialismo do Lobato, seu radicalismo, e o Lobato foi um homem radical em todas as suas questões, pro bem, pro mal, etc., intolerante, muitas vezes, incisivo, consistente, etc. Tem aí adjetivo para todos os gostos. E quanto ao racialismo, assim, o Lobato acreditava de fato que o Brasil precisava de um regime sanitário, mas nem sempre de um regime higienista. O Lobato... E é isso que eu coloco no meu livro: ele não foi um mero racista, ele não defendeu o extermínio de uma raça; ele defendeu a elevação de um
povo por vias eugenistas, mas um povo mestiço. A própria Narizinho é uma indicação de que o Lobato não depreciou, por si só, a relação dele com Lima Barreto, que eu mencionei. Ah, a dignidade que ele deu à negrinha, assim, que é de fato, né? Reitero, assim, um livro importantíssimo. Afinal de contas, o Lobato deu voz a uma questão que até hoje, no Brasil, em alguma medida, é mal discutida; é mal discutido essa incorporação pós-escravidão do mestiço, dos filhos, descendentes de antigos escravizados, etc. Então, abrandou, não. Ao mesmo tempo, o Lobato nem teve tempo de olhar
isso com devido cuidado e, muitas vezes, não teve nenhum interesse. É isto. Então, pessoal, agradeço. Espero que vocês tenham aproveitado este encontro. Na próxima segunda-feira, às 20 horas, se Deus assim permitir, estarei aqui, nesta mesma poltrona, nesta mesma casa, desejoso para que, de fato, conversemos sobre algum tema importante, certo? Escrevam-se, negativem, positivem, mas estejam aqui. Demonstrem que, de fato, alguma sílaba, pelo menos, tenha servido de tudo isso que busquei apresentar. Fiquem bem. Como gosto de dizer: sigamos.