Como finalmente acabar com uma doença que assola a população? Remédios? Vacinas?
Sem dúvidas existem doenças que podem ser tratadas e prevenidas dessa forma. Mas para muitas outras existe uma solução bem mais simples: canos. São esses canos que levam água potável para as casas; que levam a água suja dos nossos banheiros e cozinhas para as estações de tratamento de esgoto; e que drenam a água da chuva para evitar inundações.
Esses canos, junto da coleta de lixo, formam o saneamento básico. Nesse episódio da Série Saúde é Investimento, vamos entender porque é tão importante que esses canos cheguem a toda população. No conforto de casa, é fácil ignorar a importância do saneamento.
Dar uma descarga, abrir uma torneira, levar o lixo para fora e caminhar na calçada limpa. São ações tão simples e rotineiras que só são possíveis graças a um complexo sistema de saneamento. Mas é fácil perceber a falta dele.
Fique um dia sem água ou tente fazer a sua caminhada matinal em uma rua suja e mal cheirosa. Essa é a realidade de quase metade da população mundial. Muito além de um dia sem banho ou de um cheiro incômodo, a falta de saneamento é responsável por diminuir muito a qualidade de vida da população e por graves atrasos no crescimento econômico.
Esse impacto é claro quando percebemos que mais de 3 bilhões de pessoas, vivendo sem saneamento básico, estão em risco para inúmeras doenças. O impacto da falta desse saneamento começa pelas doenças. No século XXI, em 2022, nós ainda temos medo da cólera, da dengue, coisas do século passado.
Porque nós não cuidamos no nosso saneamento básico. Da água, que é fundamental para a vida. Do esgoto, do lixo que nós geramos.
E das águas de chuva ocupando melhor o solo. A lista de doenças causadas pela falta de saneamento básico, infelizmente, é muito longa. Muitas delas não fazem parte da nossa vida na cidade grande.
Mas não é o caso da família Pereira Silva, que vive em Marajá do Sena, um dos municípios mais pobres do Brasil no interior do Maranhão. Seu Sebastião é trabalhador rural e Dona Lucinda lava roupas para a comunidade. Juntos, eles tiveram Ronaldo de 15 anos e Vitória de 6 anos.
Mas a vida deles não tem sido fácil. Ganhando menos de R$200 por mês, eles têm que conviver com doenças causadas pela falta de saneamento. Há um tempo atrás foi a vez de Vitória.
Quando tinha apenas quatro anos, ela desenvolveu uma diarreia que quase tirou a sua vida. Diarreia é uma condição grave, causada pela infecção por vários parasitas e bactérias, que se não tratada pode levar à morte por desidratação. Apesar de não ter recebido diagnóstico adequado, Vitória sobreviveu.
Mas poderia ter sido uma tragédia. 297 mil crianças menores de 5 anos morrem de diarreia todos os anos no mundo. Alguém poderia argumentar que o caso de Vitória não teria acontecido se ela lavasse as mãos antes de comer, mas, lavar as mãos não adianta muito se a própria água já estiver contaminada.
Ou se não houver sequer a estrutura física para lavar as mãos, como acontece em 39% das escolas brasileiras. Simplesmente não tem água. Mas essa não foi a primeira vez que a família Pereira Silva passou por um susto.
Em 2016, seu Sebastião começou a sentir febre, dor atrás dos olhos, dor de cabeça e um cansaço extremo. Em poucos dias, Dona Lucinda, que na época estava grávida de Vitória, também desenvolveu os mesmos sintomas. Eles não sabiam, mas logo entrariam para a estatística da dengue.
Uma doença conhecida, mas que está totalmente relacionada com a falta de saneamento básico. A falta de água tratada em Marajá do Sena, obriga os moradores a acumularem água da chuva em cisternas e reservatórios. Com isso, o mosquito Aedes aegypti que adora água parada encontra o ambiente perfeito para se proliferar.
A falta de coleta de lixo também beneficia o mosquito, que pode usar a água da chuva acumulada nesse lixo pra se multiplicar. Com o aumento da população do mosquito, basta que o vírus chegue até uma comunidade para iniciar uma epidemia. Foi o que aconteceu.
A dengue impediu Seu Sebastião e Dona Lucinda de trabalhar e, consequentemente, impactou a renda da família, como faz com milhões de brasileiros todos os anos. Mas enquanto vivenciavam os sintomas, os dois perceberam o quão sortudos foram por Dona Lucinda não ter se infectado com Zika. Um vírus que naquele ano descobriram que causava microcefalia em bebês.
Grávida de Vitória, Dona Lucinda pensou: “Dos males, o menor”. O número de casos das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti nos dão uma ideia do tamanho do problema. Em 2019, foram notificados 1.
544. 987 casos de dengue no Brasil, 10. 768 de zika e ainda 132.
205 casos de chikungunya, uma doença debilitante que pode afastar trabalhadores por vários meses. Mas apesar de sua fama, o Aedes aegypti está longe de ser o único mosquito transmissor de doenças. Seu Sebastião, trabalhando na propriedade rural, já viu colegas pegarem malária, transmitida pelo mosquito prego, que também se prolifera na época de chuvas.
Outros pegaram leishmaniose, uma doença transmitida pelo mosquito-palha, que se reproduz em ambientes com muito lixo. Mas os desafios de alguém que vive nessas condições não param por aí. Doenças quase erradicadas em lugares do mundo onde o saneamento básico existe ainda fazem parte dos pesadelos dessas pessoas.
Um desses pesadelos se tornou realidade com um vizinho de Seu Sebastião. Ele teve cisticercose. A cisticercose é uma doença muito perigosa, que ocorre quando um ser humano come alimentos contaminados com ovos de um parasita chamado tênia.
Os ovos da tênia saem nas fezes de pessoas infectadas. Em locais onde o saneamento é precário e as pessoas não podem lavar bem os alimentos, a cisticercose é um risco real. Quando os ovos entram no organismo, eles se desenvolvem em larvas que podem se alojar em músculos, olhos e até no cérebro.
Infelizmente, para o vizinho de Seu Sebastião, a cisticercose foi fatal. Água e alimentos contaminados transmitem outras doenças e a falta de saneamento pode trazer de volta inclusive problemas que achamos que já tínhamos resolvido, como a poliomielite. Em junho de 2018, o Ministério da Saúde informou que havia um alto risco dessa doença ressurgir em pelo menos 312 cidades brasileiras, sendo que ela era considerada erradicada no continente americano desde 1994.
Essas doenças diretamente ligadas à falta de saneamento se devem a você não tratar a água adequadamente ou não disponibilizar uma água tratada adequadamente. A não coletar esgoto e não tratar os esgotos. A não coletar o lixo e não destinar adequadamente esse lixo.
E à drenagem e à falta de drenagem das águas de chuvas. Então a falta de saneamento é responsável por muitas doenças. Mas talvez o maior e mais cruel impacto da falta de saneamento básico é silencioso e ocorre nas crianças: a desnutrição.
A desnutrição é um estado de carência dos nutrientes necessários para o bom funcionamento do organismo. Costumamos associar a desnutrição à falta de comida, o que é bem comum em locais onde reina a pobreza. E quando uma família consegue comprar comida, falta água tratada para cozinhar.
Mas essa não é a única causa dessa condição. Ela também pode ser fruto de doenças infecciosas que impedem o corpo de aproveitar os nutrientes dos alimentos. É o caso de várias doenças parasitárias que Ronaldo, o filho mais velho da nossa família, já teve durante a infância.
Ancilostomíase, giardíase, teníase e ascaridíase são nomes difíceis de doenças que nem ele deve lembrar, mas que moldaram a sua vida. Essas doenças normalmente chegam através de alimentos contaminados e podem causar desnutrição. A desnutrição prejudica a imunidade, facilitando novas infecções, em um perigoso ciclo vicioso.
A falta de saneamento se torna um problema ainda maior com as chuvas. Sem a drenagem adequada da água ocorrem enchentes, que causam danos materiais e deixam pessoas desalojadas. As chuvas se tornam ainda mais perigosas em regiões de morros e encostas, onde podem provocar enxurradas.
Verdadeiras ondas de lamas e rios correndo pelas ruas e causando muitas mortes todos os anos. Quantos problemas causados pela falta de simples canos, não é mesmo? Será que realmente existem famílias vivendo como a Família Pereira Silva que nós criamos nesse vídeo?
Sim. 16% dos municípios brasileiros não contam com abastecimento de água potável. Nas regiões Norte e Nordeste a situação é pior.
São pelo menos 25% das cidades sem água encanada. Falando de esgoto, hoje pouco mais de 60% das cidades no Brasil contam com esse serviço. Mas essa porcentagem também esconde uma grande desigualdade.
Enquanto mais de 90% dos municípios do sudeste já têm esgotamento sanitário, na região norte a rede de esgoto alcança apenas 17% das cidades. Por que algo tão importante não chega para todos? A implementação de um sistema de canos num país tão grande nunca foi tarefa fácil.
A primeira obra de saneamento no Brasil aconteceu em 1561, quando Estácio de Sá, o fundador da cidade do Rio de Janeiro, mandou escavar um poço para abastecer a cidade recém-criada. Em 1620, começaram as obras do aqueduto do Rio Carioca, mas a construção demorou. Bastante.
Ela foi entregue mais de 100 anos depois, em 1723. Infelizmente, esse foi o ritmo do saneamento no Brasil colônia, marcado pelas ações individuais que muitas vezes se restringiam a drenagem de terrenos e instalação de chafarizes. Foi só a partir de 1940 que começaram os serviços de saneamento para a população.
Os serviços de saneamento no Brasil eles começaram quando nós começamos a ter as grandes cidades. Porque quando eram pequenos lugarejos, as pessoas se organizavam e resolviam seus problemas. A partir do momento que você aglomerou e começou a formar as nossas cidades, você passou a exigir soluções mais coletivas para o saneamento.
Então foi na busca de melhorar a saúde da população que os serviços de água e esgoto, que eram os principais do saneamento na época do século passado, vieram acompanhando a formação das cidades. Só nos anos 2000, foi criada a agência conhecida hoje como Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, responsável por gerir os recursos hídricos no país. Em 2007, a lei 11.
445 estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico. Mas só em 2020 foi criado o Marco Legal do Saneamento Básico que pretende alcançar a universalização dos serviços até 2033. A meta é alcançar 99% dos municípios com água tratada e 90% com tratamento de esgoto.
É urgente tornar o acesso ao saneamento básico universal, afinal o que estamos falando aqui não é de um saneamento opcional, mas do básico que seres humanos precisam pra viver dignamente, sem doenças e para serem produtivos. Será que isso é pedir muito? O fato de não termos saneamento universal custa vidas.
A OMS estima que 15 mil pessoas morram e 350 mil sejam internadas no Brasil todos os anos por causa da falta de saneamento básico. Mas quanto custaria o saneamento básico universal no Brasil? De acordo com o Instituto Trata Brasil, são necessários 443 bilhões de reais para garantir saneamento para todos até 2036.
Pode parecer um gasto muito grande, mas não é gasto, é investimento. Se colocarmos na balança o custo de não ter esse saneamento básico para vida humana, todo os danos materiais e vítimas de enchentes, os doentes afastados do trabalho, as mortes e as sequelas dos sobreviventes, além da perda de potencial pela desnutrição, vamos encontrar um preço enorme que nós como sociedade já pagamos por não ter saneamento básico universal. E eu posso provar isso para você com números.
Em 2012, o Brasil perdeu mais de 1,1 bilhão de reais por causa de pessoas afastadas do trabalho por sintomas como vômito e diarreia. Isso é tão relevante que o número de dias de afastamento de um trabalhador poderia ser reduzido em 23% se ele tivesse acesso a água tratada e esgoto. Em um cenário em que todos os trabalhadores têm esse acesso, isso resultaria em uma economia de 258 milhões de reais por ano.
E não são só as empresas que ganhariam com isso. Com uma maior produtividade, em função de menos afastamentos, o salário dos trabalhadores aumentaria em pelo menos 6%. Considerando que a soma dos salários dos brasileiros é de 1,7 trilhões de reais, seria um acréscimo de mais 105 bilhões de reais por ano.
Isso para quem já está no mercado de trabalho. Pense agora nas crianças que deixam de ir à escola por doenças ou têm um desempenho escolar ruim porque estão subnutridas. Apenas garantindo o saneamento básico poderíamos reduzir o atraso escolar em quase 7%.
Essas crianças alcançariam uma maior escolaridade em um menor tempo. Isso eleva a produtividade no trabalho quando elas entrarem no mercado e, consequentemente, maior serão seus salários. E a economia não fica só no menor afastamento e no ganho de produtividade.
As pessoas que deixariam de ficar doentes também deixariam de ser um gasto para a saúde pública. Deixaríamos de gastar cerca de 27,3 milhões de reais por ano, com a maior parte dessa economia nas regiões Norte e Nordeste do país. Porque eu deixo de gastar em saúde pública.
Então, eu não deixo o sistema único de saúde tão atropelado, tão cheio de gente que não precisava mais ir pra lá. Eu recupero o meio ambiente, olha que fantástico. Recupero os meus rios.
E gero emprego. E renda. E lucro para quem investir.
Então é um casamento perfeito. A universalização do saneamento também levaria à valorização de imóveis e crescimento do turismo. Afinal, todos preferem morar e viajar para lugares com acesso à água limpa e um banheiro cheiroso.
Os ganhos nesses setores seriam de 12 bilhões ao ano. E existem muitos outros exemplos de como a economia só tem a ganhar com a universalização do saneamento básico. Vamos direto aos resultados.
Se fosse garantido saneamento básico universal até 2036, de acordo com estimativas, o país ganharia 1,5 trilhões de reais. Tire aqueles 400 bilhões de custo e ainda teríamos um lucro de 1,1 trilhão. Vale a pena, não é?
Eu posso ter em benefícios um trilhão se eu investir 400 bilhões. E sob o ponto de vista do Brasil, nós vamos ter orgulho desse país, porque eu não vou ter ninguém morrendo porque não tem água. Eu não vou ter menina carregando balde d'água em 2022.
Eu não vou ter dengue, chikungunya matando sem precisar matar. Então vai acabar isso. Olha que prazer e que orgulho que nós vamos ter.
Agora você já sabe que dá para melhorar a saúde, a economia, o turismo e deixar as nossas casas e cidades mais agradáveis usando apenas… canos. Assim como podemos melhorar o nosso país se investirmos na preservação da nossa biodiversidade. O quanto será que o Brasil está jogando fora ao acabar com nossas riquezas naturais?
Quais serão os impactos na nossa vida? Descubra no próximo episódio da série Saúde é Investimento! Um grande abraço e eu te vejo no próximo vídeo.