A ideia de encontrar uma maneira de viajar no tempo e no espaço aguça a imaginação da humanidade há muito tempo. E não só como material pra ficção científica. Usando equações da Teoria da Relatividade Geral de Einstein, a ciência investiga a possível existência de fendas Universo que permitiriam chegar a dois pontos a milhares de anos-luz de distância de forma muito mais rápida.
Esses atalhos, essas dobras no espaço-tempo ganharam nomes diferentes ao longo da história: Túneis de Flamm, experimento de Weyl, pontes de Einstein-Rosen ou “buracos de minhoca”, como batizou John Wheeler em 1957. Eu sou Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil, e neste vídeo vou explicar o que são os buracos de minhoca. Como muitas outras histórias da física, a dessas rodovias imaginárias começa com as teorias de Albert Einstein.
A Teoria da Relatividade Geral conecta as três dimensões que conhecemos do espaço com o tempo, a quarta dimensão. Em uma visualização bastante simplificada, o sistema do espaço-tempo seria como um tecido esticado, que se curva a depender dos objetos e forças que atuam sobre ele. A partir das equações de Einstein, diferentes cientistas se deram conta de que, pelo menos em teoria, esse tecido poderia ser manipulado para criar fendas, túneis no espaço-tempo.
Essas ideias tiveram pouca repercussão, até que, em 1936, o próprio Einstein voltou a explorar suas equações com o físico Nathan Rosen. Mais uma vez, a conclusão foi de que, se houvesse uma força suficientemente grande para deformar, digamos assim, o tecido e dobrá-lo, em teoria seria possível encurtar a distância entre dois pontos. E se em cada um desses pontos tivermos um buraco e for possível uni-los, poderíamos criar um túnel através do espaço-tempo.
Essas são as chamadas pontes de Einstein-Rosen - ou buracos de minhoca. É a hipótese de que regiões do espaço-tempo podem ser deformadas por uma grande quantidade de energia e acabarem conectadas por dois buracos. Mais tarde, em 1957, o cientista John Wheeler também se propôs a explicar o fenômeno, desta vez usando como exemplo ilustrativo uma formiga e uma maçã.
Do ponto de vista da formiga, a maçã representa todo o universo. Se ela quiser ir de um lado a outro, pode caminhar ao longo de toda a circunferência da maçã - ou pode usar um atalho criado por um buraco feito por uma minhoca. Em 1962, o mesmo Wheeler e seu aluno Robert Fuller retomaram as equações das pontes de Einstein-Rosen e perceberam que, ao contrário do que se acreditava antes, essas conexões entre dois buracos seriam muito voláteis.
Ou seja, nasceriam e morreriam tão rapidamente que seria impossível que pudessem ser efetivamente usadas como túneis. Nem a luz conseguiria passar tão rápido. Mas décadas depois, em 1985, a ideia dos buracos de minhoca ganhou popularidade, graças a Carl Sagan.
O célebre cientista e comunicador estava prestes a terminar seu livro de ficção científica “Contato” e queria confirmar se era teoricamente possível que a viagem interestelar que ele havia escrito para sua protagonista fosse feita em questão de segundos. Para isso, consultou um amigo, o físico teórico Kip Thorne. Para Thorne, a história tinha um problema.
Se a protagonista viajasse através de um buraco negro, como propunha Sagan, nunca sairia dele com vida. Ele sugeriu a Sagan que fizesse a personagem passar por um buraco de minhoca. O problema é que, até então, acreditava-se ser impossível transitar por esses buracos.
Mas o mesmo Thorne se voltou às equações de Ludwig Flamm, de 1916, e às de Einstein e Rosen para tratar de descobrir o que faltava para estabilizar essas fendas que conectavam pontos distantes do espaço-tempo. Primeiro, era preciso uma força enorme para manter o túnel aberto. Se unirmos dois buracos negros, a compressão da massa na singularidade - que é o centro desses buracos - é tão gigantesca que impede essa união.
Segundo, como os buracos negros tragam tudo ao seu redor, até a luz, precisaríamos que houvesse um oposto: um buraco branco que “cuspisse” tudo do outro lado. E esses dois extremos teriam que estar unidos por uma ponte de Einstein-Rosen, com alguma coisa suficientemente forte para mantê-los abertos. O que seria essa coisa?
A resposta, mais uma vez, remetia a Albert Einstein. A equação mais famosa de Einstein nos diz que a energia e a matéria estão intimamente ligadas. A massa pode se converter em energia, e vice-versa.
Elementos com maior massa se atraem entre si, por conta das propriedades do espaço-tempo. É aquele tecido que se curva sobre o qual falamos no começo do vídeo: os objetos mais pesados curvam o tecido e prendem, digamos assim, outros objetos em sua órbita. Mas o que acontece se quisermos o efeito oposto, para criar o tal buraco branco?
O ingrediente secreto é o que Thorne chamou de “matéria exótica”: são objetos com massa e energia negativas que, em vez de se atraírem, se repelem. Matematicamente, se chegamos a ter algo com energia negativa, podemos converter isso em massa negativa para criar um buraco branco e, assim, manter aberto um buraco de minhoca. Pode ser difícil imaginar o que significa ter massa ou energia negativa, mas em matemática é algo normal - pense nas equações com números negativos que você talvez tenha feito na escola.
E desde 1948 é possível observar em laboratórios flutuações quânticas que criam vazios de energia. Ou seja, sabemos que a energia negativa não apenas existe, como podemos criá-la em quantidades superpequenas, e por períodos muito curtos de tempo. Mas então os buracos de minhoca, de fato existem?
Como muitas coisas na física teórica, a resposta é que, embora ainda não tenhamos visto nenhum desses buracos, isso não quer dizer que eles não existam. Os cientistas acreditam que é improvável que eles existam de forma natural no Universo. Já se sabe bem como os buracos negros se formam, mas não há objetos que tenhamos observado que possam se converter em buracos brancos - e que, portanto, completem os buracos de minhoca.
No entanto, não há elementos que inviabilizem sua existência por completo. Há cientistas que acreditam que muitos buracos de minhoca tenham se formado com o Big Bang, e que estão por aí no Universo, esperando para serem descobertos. Outros acreditam que alguns enormes buracos negros poderiam, na verdade, ser buracos de minhoca.
Existem ainda as teorias de que talvez eles só existam como espuma quântica, no nível subatômico, como uma rede de túneis em miniatura que mantêm as partículas unidas. E ainda se pesquisa quais as condições teóricas necessárias para que um buraco de minhoca seja transitável para seres humanos. Para concluir: sabemos que buracos negros existem, sabemos que a matéria exótica, que pode permitir a criação de buracos brancos, não é tão exótica quanto soa, porque já foi observada em laboratório, e sabemos que os cálculos matemáticos permitem, em teoria, dobrar o tecido do espaço-tempo para criar atalhos no universo.
Mas, até agora, resta, tanto à ciência quanto à ficção científica, seguir explorando a matemática dos buracos negros, a matéria exótica e o extenso legado das equações de Albert Einstein em busca de mais respostas. Espero que vocês tenham gostado! Eu fico por aqui, obrigada e até a próxima!