Atrás, nós víamos Jesus ensinando na sinagoga de Nazaré. A sequência daquele relato corresponderia àquilo que Leri no domingo passado, se não tivesse sido a festa da Purificação do Senhor, da Apresentação do Senhor, aliás, da Purificação de Nossa Senhora. É a pregação de Jesus em Cafarnaum.
Jesus prega em Nazaré; em Nazaré é rejeitado, segue para Cafarnaum. Lá, o Senhor cura um homem na sinagoga, depois vai à casa de São Pedro e cura a sogra de Pedro. Então, no finzinho da tarde, vêm multidões à porta da casa de Pedro.
Jesus cura aquelas multidões, vai rezar, fazendo uma oração de vigília, e, quando vão procurá-lo de manhã, dizem-lhe: "Mestre, todos estão à tua procura. " E Jesus diz: "Convém que eu vá também para outras cidades, pois para isso fui enviado. " Ele vai para a Judeia, então São Lucas o coloca de novo na Galileia para esse relato que nós acabamos de escutar.
O texto diz: Jesus estava na margem do Lago de Genesaré e a multidão apertava-se ao seu redor para ouvir a Palavra de Deus. São Lucas monta a cena de tal modo que ele vai desenhando a necessidade de que Jesus suba à barca para falar às multidões. Então, a multidão se apertava ao seu redor.
Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago; os pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes. É um trabalho muito demorado, longo, cansativo. Ainda mais depois de uma noite inteira esperando os peixes chegarem.
Subindo numa das barcas, que era de Simão – o nome Simão significa "aquele que escuta", "ouvinte" – pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois, sentou-se e da barca ensinava as multidões. A primeira coisa que nós temos que perceber é que, na catequese de São Lucas, São Pedro ocupa um lugar muito especial, como chefe dos Apóstolos.
Nós vamos ver, por exemplo, no relato da escolha dos Apóstolos em Lucas 6, o nome de Pedro aparecer em primeiro lugar. Depois, teremos aquela cena impressionante durante a Santa Ceia em que Jesus diz a Pedro: "Pedro, orei por ti para que a tua fé não desfaleça, e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos. " Antes, ele já tinha dito ali mesmo, nessa passagem: "Simão, Simão, eis que Satanás vos joou como trigo, mas eu orei por ti.
" Depois, nós temos já no final do Evangelho uma aparição apenas mencionada que é exclusiva para Pedro. Ou seja, no Evangelho de São Lucas, o papel de Pedro é um papel muito importante, pois Jesus escreve para. .
. aliás, Lucas escreve para a comunidade cristã entre os pagãos de origem grega e, portanto, ele quer mostrar a igreja como a casa de Pedro, como a barca de Pedro, ou seja, o lugar em que Jesus age e ensina. Nós temos que pensar que o Evangelho é escrito depois da Páscoa, ou seja, num período em que os discípulos não contam mais com a presença visível de Jesus e que precisam lidar com o fato de um contato com Cristo apenas mediante a fé que vem pela pregação.
Então, Jesus pede que se afaste da margem. A imagem toda é pós-Pascal, porque o que acontece depois da Páscoa? Jesus se afasta; no relato da Ascensão em Atos dos Apóstolos, é exatamente o que acontece com Jesus subindo ao céu; ele se afasta.
Então, a imagem tem a ver com isso. Depois, sentou-se; a posição é de um mestre, de um rabino, e da barca ensinava as multidões mesmo afastado. A cena é teológica porque, vejam, se você se senta numa barca e começa a falar para quem está na margem, não se escuta também.
Então, a cena toda é teológica, para falar dessa distância, desse afastamento do Senhor depois da sua ascensão aos céus e, ao mesmo tempo, do fato de que ele continua sendo nosso mestre; ele continua nos ensinando e nós temos que escutá-lo. Nós temos que ser como Simão; nós temos que ouvi-lo para entender o que ele ensina. Quando acabou de falar, ou seja, terminou o sermão, disse a Simão, disse ao ouvinte: "Avança para águas mais profundas e lançai as redes para pesca.
" Em latim, a tradução segue muito de perto o grego e diz: "Duc in altum" – conduz para o alto mar, para o meio do lago, para águas profundas. O lago de Genesaré tem aproximadamente 21 km de extensão, 15 km de largura e 45 m de profundidade. "Vai para águas mais profundas", é para lá que você tem que ir.
Não tenha medo, vá para as águas mais profundas e lançai vossas redes para a pesca, aquelas redes que eles estão lavando depois de uma noite infrutífera. Simão respondeu: "Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos, mas em atenção à tua palavra vou lançar as redes. " Em latim também segue-se muito de perto o texto grego: "In verbo tuo" – na tua palavra eu lanço, lançarei as redes.
Ou seja, ele lança as redes não simplesmente no mar, mas ele lança as redes na palavra que ele escutou, na palavra de Cristo. Antes, ele tinha lançado as redes sem a palavra de Cristo; no momento oportuno, durante a noite, com toda a experiência do seu time de pescadores. Havia duas barcas, eram sócios, mas agora, durante o dia, em que os peixes estão lá no fundo por causa da luz solar, eles vão lá, mais escuro.
Como é possível? Pois é, há uma desproporção aqui, não é nas forças humanas, mas é na força da palavra; é na palavra que eu lanço as redes, na palavra de Cristo. "In verbo tuo", assim fizeram e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam.
Então, fizeram sinal aos companheiros da outra barca para que viessem ajudá-los. Eles vieram e encheram as duas barcas a ponto de quase afundarem. Há uma desproporção absoluta; as barcas quase afundam, o que mostra da pesca e, ao mesmo tempo, a abundância da graça que invade as barcas.
Há um peso desproporcional. Quantidade desproporcional: há uma abundância desproporcional, e essa abundância vem do quê? Essa abundância vem da palavra de Cristo.
Isso é muito importante porque já dizia o Padre Antônio Vieira, comentando a palavra do semeador no seu Sermão da Sexagésima, que o grande problema é pregar fielmente a palavra de Cristo, não a nossa, porque a palavra de Cristo produz fruto; a nossa palavra não. A palavra de Cristo transforma o homem, porque ela é carregada com a potência da Graça; a nossa palavra não converte ninguém, não transforma ninguém, não santifica ninguém. A pregação não pode ser um conjunto de teorias humanas, ainda que plausíveis, de hipóteses terrenas.
A pregação da palavra requer do discípulo, requer do missionário a fidelidade à índole da própria palavra, porque o efeito é produzido não por nós, mas pela graça, e isso deveria para nós servir de critério. Há um opúsculo de Santo Agostinho chamado de Vera licon, e logo no começo, Santo Agostinho argumenta em favor do cristianismo, dizendo que o cristianismo é a verdadeira religião. Por quê ele diz?
Porque cada vez mais as pessoas acreditam, porque a palavra se espalha com mais facilidade, mais e mais pessoas se convertem. Depois, o número de pessoas que querem se consagrar em virgindade a Deus é alto; o número de pessoas que querem abandonar tudo para seguir Cristo é muito grande, o número de Mártires, etc. Vejam, hoje em dia muitas pessoas dizem: "não, a igreja não visa números".
Tudo bem, eu entendo isso. Porém, se a palavra não produz fruto, isso significa que nós não estamos pregando a palavra. A prova é muito simples, o teste não é complicado.
A veracidade da palavra é atestada pelo Espírito Santo no coração do homem e, carregado desta força, o homem responde pela fé; ele crê, ele se entrega. Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou aos pés de Jesus, dizendo: "Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador". A cena é paralela à primeira leitura, quando o profeta Isaías tem uma visão do templo celestial, com serafins voando com seis asas, clamando: "Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está repleta de sua glória".
Então, ele diz no versículo 5: "Ai de mim, estou perdido; sou apenas um homem de lábios impuros, mas eu vi com meus olhos o Rei, o Senhor dos Exércitos". Ou seja, São Lucas traz essa reação de São Pedro para mostrar que São Pedro reconhece em Jesus o "Curios", a Deus. Mesmo, ele olha para Jesus e reconhece o tremendo.
É interessante, porque até os antropólogos falam disso, do numinoso, da glória que aparece em Deus e que gera a sensação do "tremor", ou seja, aquilo é uma glória divina, esmagadora, aterrorizante de tão imensa, mas, ao mesmo tempo, fascinante. Pedro se lança aos pés de Cristo; ele se prostra e diz: "Senhor, afasta-te de mim, sou um homem pecador". Ele reconhece em Jesus o Deus eterno, e o espanto, o temor, apoderar-se de Simão e de todos os seus companheiros por causa da pesca que acabavam de fazer.
Ou seja, aquele mar parecia vazio, mas eles lançam as redes na palavra de Cristo, e o que acontece é que a pesca milagrosa aparece; os peixes vêm, eles são atraídos. Ou seja, qual é a mensagem que São Lucas está dando àquela comunidade de gentios? Aliás, o próprio texto começa dizendo que a multidão apertava-o ao seu redor; a melhor tradução seria "as gentes".
São Lucas está falando dos gentios. O que ele está dizendo é o seguinte: vocês estão olhando para esse mundo; parece que não tem nada, parece que está tudo vazio, há um caos, há uma destruição; parece que ninguém vai ouvir o evangelho, vocês estão aí desanimados, já estão entregando os pontos, já estão lavando as redes, já estão desistindo. É só que ele está aqui na barca, ainda que afastado, ele está ensinando e ele está dizendo: "Não desistam!
Vai até o fundo do mar, vai mais alto, para águas mais profundas, vai em alto mar e, na força da palavra, não pelos teus méritos, não pela tua técnica, mas exclusivamente pela força da palavra, vocês vão perceber que Deus está entre vocês e vocês vão ficar até com temor, com medo; vocês não vão dar conta à redes! Vão se romper, vocês vão ficar afundados de tantas almas que irão, vocês vão ficar embasbacados, vocês não vão dar conta, porque o resultado é divino". Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão, também ficaram espantados; todo mundo ficou espantado.
Jesus, porém, disse a Simão: "Não temas, de hoje em diante tu serás pescador de homens". O texto grego tem mais sentido, porque ele diz: "doravante, captará homens vivos" ou "pescar homens vivos"; ou seja, Jesus está dizendo para Pedro: "Olha, todo esse relato aqui não é para falar de peixe". E a grande prova é que então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus.
Tem nada a ver com peixe, tem a ver com vidas, com homens vivos, com homens vivos que vocês vão pescar, que vocês vão capturar, que vocês vão pegar. Ou seja, o apostolado é uma pesca, entre aspas, agressiva; você vai atrás da alma, você captura, você caça, obviamente não para matá-la, para anulá-la. Nesse sentido, a pescaria não tem muito a ver, porque você tira o peixe da água para matá-lo, quando você tira ele morre, mas ele está dizendo aqui: "Não, doravante você vai pegar homens vivos; não é para matar, é para dar uma outra vida, que é a vida sobrenatural.
Esse é o seu novo ofício". E é isso que Cristo está dizendo àquela comunidade e também a nós: "Não tenham medo; vão atrás de homens vivos; prega, oportuna ou importunamente". Prega, é o que diz São Paulo na segunda leitura: "Quero lembrar-vos, irmãos, o evangelho que vos preguei, que recebestes e no qual estais firmes".
Evangelho: sois salvos se o estais guardando, tal qual ele foi pregado por mim. De outro modo, teríeis abraçado a fé em vão. Se vocês saíssem do Evangelho, saíssem da Palavra.
Com efeito, transmito-vos em primeiro lugar aquilo que eu mesmo tinha recebido, a saber, que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; que ao terceiro dia ressuscitou; aliás, que foi sepultado; que ao terceiro dia ressuscitou, segundo as Escrituras; e que apareceu a Cefas, a Pedro e depois aos Doze. Esse é o núcleo do Evangelho. Nós não estamos falando de uma teoria, nós estamos falando de fatos que aconteceram.
Deus se encarnou em Cristo. Ele morreu na cruz em nosso lugar, porque nós não podemos nos salvar. Não é sobre nós, é sobre Ele, é sobre a obra redentora que Ele tem a fazer.
Nós colocamos a nossa fé Nele, a nossa confiança total naquilo que Ele fez, para que Ele coloque em nós a sua graça. Esse é o núcleo do Evangelho. Esse é o Querigma.
Se eu não recebi e não fiquei firme nisso, eu abracei a fé em vão. Eu sou apenas um pagão querendo me automelhorar, achando que o que me salva é o que eu faço, quando o que me salva, mesmo, é o que Jesus Cristo fez. Esta palavra tem poder, e quando o homem adere com o seu coração, pela força do Espírito Santo, ele realmente se torna vivo, com a zoé de Deus, com a vida sobrenatural que só Deus pode dar.
Queridos irmãos, não desanimemos diante de um mar que parece vazio. Ele não está vazio; ele pode parecer deserto e devastado, mas assim como a palavra de Deus criou o universo, Deus criou o universo através da sua palavra. É pregando a palavra que Deus trará todas as coisas à existência e continuará a sua obra criadora e redentora, trazendo homens e mulheres pela verdade do Evangelho.