Para Paulo Freire, professores não devem ter medo de expressar o seu afeto aos alunos. Querer bem aos estudantes é um componente indispensável no compromisso do professor com a educação. Paulo Freire observa que é falsa essa separação que frequentemente se faz entre seriedade e afetividade na prática docente.
Principalmente sob o ponto de vista democrático, não tem sentido imaginar que um professor obtém a sua excelência quanto mais severo, frio, distante e cinzento ele se coloca diante os alunos. A afetividade não é uma qualidade que se opõe à capacidade de aprender. E por outro lado, o desrespeito, a estupidez e a grosseria jamais devem ser vistas como qualidades adequadas para estimular a aprendizagem.
Agora, afirmar que a afetividade é uma qualidade importante na educação não significa dizer que o bem querer aos alunos vai interferir no cumprimento ético do seu dever de professor no exercício da sua autoridade. Ninguém deve condicionar a avaliação de um trabalho de um aluno baseado na simpatia que sente por ele, por exemplo. A abertura afetuosa do professor tem a ver com uma outra qualidade subjetiva e indispensável do professor, que é o seu entusiasmo pela vida.
É aquela curiosidade permanente sobre o mundo, que ao mesmo tempo que não permite que o professor se torne uma criatura domesticada, ou, nas palavras de Paulo Freire, adocicado, também impede que o professor se torne amargo ou amargurado. A experiência de um professor, que está inevitavelmente ligada à experiência dos alunos, é uma experiência alegre, por natureza. Ou deveria ser.
E quando a competência e a correção do trabalho do professor não estão acompanhadas desse entusiasmo pela busca conjunta do conhecimento, alguma coisa não está indo muito bem. A alegria não é inimiga do rigor. É o contrário: quanto mais rigoroso o professor se torna nas suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, mais entusiasmado, curioso e esperançoso ele se torna.
Até porque essa alegria não é uma conquista que se obtém só no final de uma jornada, como um prêmio. A alegria faz parte do processo de busca. E o ato de ensinar e de aprender não podem se dar fora do ato da pesquisa.
Nós vimos isso nos vídeos anteriores. Paulo Freire sabe que o desrespeito à educação, aos estudantes e aos professores e professoras impõe ameaças sérias à alegria, à sensibilidade, à abertura e à própria disposição ao afeto. Por isso que não pode deixar de ser digno de nota a capacidade da própria experiência pedagógica de despertar, estimular e desenvolver nos professores, apesar de todas as ameaças, o gosto pela educação, a esperança nos alunos e a alegria que vem da oportunidade de contribuir, e às vezes de forma decisiva, com a formação dos estudantes.
Alguns chamam essa capacidade de vocação, alguns chegam a dizer que professor não seria uma profissão, mas uma missão, um sacerdócio, porque só assim eles seriam capazes de se dedicar a uma tarefa tão desvalorizada em um ambiente tão hostil. Mas é preciso ficar claro: professores não são santos que teriam o dever sagrado de aceitar os martírios com resignação e sacrificar as suas vidas em nome de um credo. Esse discurso é traiçoeiro.
É fácil para o poder público ou para as empresas de educação disseminar essa imagem do professor feliz em sua resignação. Professores são trabalhadores que, ao lado do amor que a maioria manifesta pela sua profissão, e do zelo com que cumprem as suas tarefas, apesar das condições frequentemente desfavoráveis, professores não devem deixar de lutar politicamente por seus direitos, pelo respeito à dignidade de sua profissão e pelo zelo que o poder público e privado deve assumir pelo espaço físico, pela segurança e pelos recursos educacionais que professores e alunos precisam para ensinar e aprender bem. E outra coisa.
Afirmar que a prática educativa deve ser vivida com afetividade e alegria não significa que a formação científica e a clareza política dos professores e das professoras são fatores menos importantes. A prática educativa, na verdade, é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica e domínio técnico, que em uma perspectiva ética, pode estar politicamente a serviço da transformação ou da permanência. Daí a crítica, recorrente em Paulo Freire, a respeito das forças políticas que direcionam a educação no sentido da permanência.
Da manutenção do mundo tal como ele é. A gente vê isso em projetos políticos-pedagógicos conservadores que impõem uma educação submissa, resignada e fatalista a partir da perspectiva de uma ideologia que induz os estudantes a uma formação supostamente neutra e tecnicista e impõe ao professor a tarefa de ensinar os alunos a se acomodarem ao mundo, disciplinados, mantendo a ordem, em vez de transformá-lo. É essa ideologia que está por trás de quem defende, por exemplo, que professor não é um educador.
O professor seria um treinador, um transferidor de saberes. Paulo Freire é um crítico dessa ideologia anti-humanista. Considerando que a educação é uma atividade especificamente humana, e considerando também que o ser humano é um ser inconcluso e ainda em construção, nada que diga respeito à realidade dos homens e das mulheres pode passar despercebido pelo educador.
Não importa com que faixa etária trabalhe o professor, a sala de aula deve ser necessariamente um ambiente de sujeitos se transformando e reorientando-se, e melhorando, em diálogo, sempre, com o mundo e com a realidade. E isso, porque são gente em permanente processo de busca. A profissão docente não é superior e nem inferior a qualquer outra profissão.
Mas nesse livro, que fala sobre formação de professores, Paulo Freire alerta para a exigência de um alto nível de responsabilidade ética da prática docente, deixando claro que a capacidade científica do professor é parte dessa exigência. Apesar dos dispositivos ideológicos que impõem obstáculos à formação plena, à criatividade, à cooperação e à autonomia dos alunos, dispositivos que atuam em silêncio na arquitetura da escola, na disposição das carteiras, no tablado do professor, nos uniformes, na pintura das paredes, nas sirenes de trocas de horários, nas relações de poder entre os membros da comunidade escolar; mas apesar de tudo isso, o professor, quer queira, quer não, jamais deixa de lidar, de uma forma ou de outra, com os sonhos, com as esperanças tímidas e, frequentemente, não-ditas dos seus alunos. Então, se o professor não deve, é óbvio, iludí-los com sonhos idealistas, ele não deve, por outro lado, negar o direito de os seus alunos e alunas sonharem, pensarem alto, alimentarem a esperança e atuar politicamente no sentido de superar as suas próprias condições.
O professor jamais deve se esquecer de que lida com gente, e não com nomes em uma lista ou com meros números em uma chamada. O professor não pode recusar, por exemplo, a atenção dedicada, compreensiva e afetuosa diante os eventuais problemas pessoais de um estudante. Sem prejudicar o desenvolvimento normal do trabalho com os colegas, professores não podem simplesmente se fechar ao sofrimento, às inquietações e aos fatores que estão prejudicando, de forma visível, o desenvolvimento deste ou daquele aluno ou aluna em sala de aula.
É claro, professores não são assistentes sociais, nem terapeutas, e nem devem se passar por eles. Mas professores e alunos são gente. E devem ser esses os termos da convivência entre eles.
Alunos não são números, listas ou clientes. Professores são trabalhadores, e não são máquinas, robôs programados para repetir o mesmo conteúdo ano a ano. É como gente que professores e alunos se relacionam em sala de aula.
É por isso que, apesar de todos os obstáculos que as ideologias do mercado impõem no sentido de impedir a formação plena e humana dos estudantes, Paulo Freire argumenta que sempre vale a pena lutar para superar esses obstáculos. Até porque, como nós vimos nos vídeos anteriores, jamais devemos nos esquecer que a história não está predeterminada. A história é um campo de possibilidades em permanente transformação.
É essa a percepção, de que homens e mulheres são seres programados, mas programados para aprender, e portanto, programados também para ensinar, e para intervir no mundo de forma crítica e criativa, é isso que faz Paulo Freire entender a prática educativa como um exercício constante em favor do desenvolvimento da autonomia de professores e alunos. Paulo Freire quer dizer com isso que o rigor acadêmico, a disciplina intelectual e o exercício da curiosidade epistemológica, que leva o estudante a uma compreensão científica dos objetos de conhecimento, essas qualidades não fazem do professor e da professora sujeitos necessariamente ranzinzas, desumanos e arrogantes. Nem a arrogância é sinal de competência nem a competência é causa da arrogância.
Paulo Freire até reconhece que há muitos arrogantes competentes, mas ele lamenta nessas pessoas a ausência de simplicidade, ou de humanidade, qualidades que não diminuiriam em nada os seus saberes, mas os faria gente melhor. E por isso, professores melhores. Capazes de ensinar melhor, aprender melhor e inspirar um mundo mais humano.
Com este vídeo chegamos ao final do livro Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire. Eu espero que a série tenha inspirado muitas reflexões sobre essa tarefa tão complexa que é formar professores e estimular a autonomia intelectual dos alunos. Se você gostou dos vídeos, eu recomendo amplamente que você vá na fonte original e leia o livro do Paulo Freire.
E eu não tenho dúvida nenhuma que, diante a abertura do livro, e diante o convite que Paulo Freire faz para que você interfira no texto, você também vai ter muito a contribuir na reflexão e na prática visando uma educação democrática e inspirada pelos ideais da liberdade, do respeito, da criatividade, do rigor científico e da autonomia.