A HISTÓRIA NÃO FAZ SENTIDO

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Ciência Todo Dia
O que veio primeiro: o fósforo ou o isqueiro? Você sabia que Cleópatra está mais perto dos Beatles n...
Video Transcript:
Qual desses dois objetos vocês acham que foi inventado antes? O isqueiro ou o fósforo? Digita aqui nos comentários o seu palpite e você já vai descobrir a resposta.
Agora, começando de verdade, roda a vinheta! Mas, Pedro, não tem vinheta! Então faz uma e roda!
Você se acha mais inteligente do que os seus pais? E quanto aos seus avós, você também se acha mais inteligente do que eles? É provável que você seja mais educado do que eles, mas será que você pode dizer que é mais inteligente?
Essa pergunta é mais do que retórica. Ela representa muito bem uma tendência nossa. Nós geralmente pensamos na história como uma forma de progresso.
O tempo passa e a civilização avança. Ou seja, as pessoas que vieram antes de nós eram de alguma forma menos capazes do que nós. Mas será que isso é verdade?
Hoje nós vamos voltar ao passado para aprender duas coisas. Primeiro, que os nossos antepassados eram mais inteligentes do que nós imaginamos. E segundo, a história não faz sentido.
Com licença, senhor, você sabe me informar se no ano que nós estamos a Primeira Guerra Mundial já acabou? Primeira? Vai ter uma segunda?
Hoje nós chamamos a guerra que aconteceu na Europa entre 1914 e 1919 de Primeira Guerra Mundial, porque existe uma segunda guerra 20 anos depois. Mas alguém em 1920 chamaria a Primeira Guerra Mundial de A Grande Guerra e ficaria assustado com o conceito de uma segunda guerra desse tamanho iria acontecer. O curioso é que provavelmente nada disso faria sentido se você viajasse no tempo.
Você talvez pense que o nome Primeira Guerra Mundial surgiu quando deram o nome de Segunda Guerra Mundial para Segunda Guerra Mundial. Mas aqui você cometeu um erro clássico. Você assumiu que a história faz sentido.
Mas temos certeza de que em 1942 todo mundo chamava a guerra que estava acontecendo de Segunda Guerra Mundial e a guerra anterior de Primeira Guerra Mundial. Mas provavelmente o nome Primeira Guerra Mundial é mais antigo do que a Segunda Guerra Mundial. Tá, pera, como assim?
Os nossos antepassados eram mais inteligentes do que nós imaginamos. Hoje em dia, vários pensadores e franquias de videogames consideram a Terceira Guerra Mundial como possibilidade e criam mundos e histórias inteiras com base nisso. Da mesma forma, logo após o fim da Grande Guerra, já existiam especulações de uma possível Segunda Grande Guerra no futuro.
Então, a ideia de chamar a Grande Guerra de Primeira Guerra Mundial já existia no começo da década de 30, antes mesmo de a Segunda Guerra Mundial estar no horizonte. Então, mesmo sem ser o termo mais popular, chamar a Grande Guerra de Primeira Guerra Mundial durante uma viagem no tempo, talvez não gerasse a reação que nós esperamos. E parando pra pensar, isso faz sentido.
Humanos hoje são basicamente os mesmos de algumas centenas de milhares de anos atrás. Nenhuma pessoa viva hoje é tão diferente de um homem das cavernas. A grande mudança está nas condições do mundo que nós habitamos.
Então se hoje nós temos medo de uma terceira guerra mundial, mesmo sem ela ter acontecido, faz sentido que a ideia da segunda guerra mundial já existia antes de a guerra começar. E sabe uma outra coisa que existia antes do esperado? O poço de elevador, que é o espaço em um prédio no qual o elevador é colocado.
Essa sempre me pega. O poço de elevador foi criado antes do elevador pelo inventor Peter Cooper. Em 1853, Peter fez o projeto para um edifício Cooper Union Foundation.
E nesse projeto, existia um espaço reservado para um elevador ser colocado. Mas o primeiro elevador moderno, seguro para humanos, só foi inventado alguns anos depois do projeto do prédio. Então, o Peter Cooper simplesmente imaginou que cedo ou tarde, as pessoas cansariam de subir escadas e inventariam um elevador seguro.
Isso sim que é um visionário que entende a principal razão por trás dos avanços da tecnologia. A preguiça. Mas sabe qual que é o melhor dessa história?
O elevador não foi nem colocado no prédio dele. Em parte porque o Cooper previu errado a forma do elevador. O poço que ele projetou era circular, mas os primeiros elevadores eram quadrados.
Mas calma que ele não ficou sem elevador. Depois foi construído um elevador cilíndrico sob medida para o prédio dele. E falando em cilindros, como você abriria uma lata dessas?
Provavelmente usando um desses. Sim, isso é um abridor de latas. Muito chique.
Na minha época não tinha coisa desse tipo. Tá, mas como você abriria uma lata sem usar um abridor de latas? Se você for escoteiro ou alguma coisa assim, você talvez tenha essa habilidade, mas a maior parte das pessoas assistindo esse vídeo agora provavelmente não conseguiria abrir uma lata sem um abridor de latas.
Deixa um comentário se você seria uma dessas pessoas. E se você não sabe abrir uma lata sem um abridor de latas, essa é uma habilidade que era bem comum quando a comida enlatada foi inventada em 1840. Abridores de lata foram inventados como uma conveniência 30 anos depois que comidas enlatadas foram inventadas.
Se eu tivesse que chutar e adivinhar, eu diria que os dois foram inventados juntos porque eu não sei abrir uma lata sem um abridor. Então como isso era feito no passado? Uma das formas típicas de abrir uma lata era usando pedras grandes.
Agora fica a pergunta, você consegue imaginar como? Não, não, não assim! Calma!
Não vale destruir a lata. Você precisa conseguir comer o que tem dentro dela depois. Não se incomode se você não conseguir pensar na solução.
Os seus antepassados eram inteligentes. E a resposta não é óbvia. O método típico é usar uma pedra ou rocha grande e lisa e raspar a tampa da lata por uns vários minutos até você causar uma perfuração na tampa.
E aí você usa uma faca ou uma colher para desfacar a tampa. E falando em invenções, vamos voltar para o fósforo e para o isqueiro. Qual dos dois foi inventado antes?
E aqui tem uma armadilha. Parece que um isqueiro é mais complicado do que um fósforo. O fósforo é uma coisa só.
Você tem que raspar ele manualmente para acender. E o isqueiro parece ser um mecanismo mais elaborado. Então, se a gente acredita que a tecnologia vai aumentando de complexidade do passado para o futuro, você provavelmente esperaria que o fósforo fosse mais antigo do que o isqueiro.
E você estaria redondamente enganado, que nem o posto do levador do Cooper. O fósforo de fricção, ou só palito de fósforo, só foi criado em 1827 por John Walker, e até chegar ao tamanho que ele tem hoje, foram alguns anos de aperfeiçoamento. Mas Johann Wolfgang Dobbereiner criou o que era chamado de Lâmpada de Dobbereiner, que pode ser considerado o primeiro isqueiro, 4 anos antes do fósforo.
Inclusive, já que nós estamos falando de invenção, eu acho que essa é a hora perfeita pra eu dar uma mensagem pra você que é apaixonado por tecnologia. A Alura é a maior escola de tecnologia do país e eles ficaram muito felizes quando eu dei a ideia de fazer um vídeo falando sobre como a nossa visão da história muitas vezes não faz sentido. E parando pra pensar, a Alura já topou fazer uns vídeos bem diferentes comigo aqui no canal.
E isso porque ela é uma parceira de muito tempo. E eu uso quando eu quero aprender uma ferramenta nova, como quando o ChatGPT lançou e eu fiz curso de prompts na Alura. Não importa se você quer começar agora na área Tech ou se você quer dar um novo passo na sua vida profissional ou pessoal, pode confiar na Alura como seu ponto de partida ideal.
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E agora, voltando ao vídeo, eu acabei de comentar da esperteza de antepassados relativamente recentes. Essas coisas aconteceram no máximo há uns 200 anos. Você provavelmente até tinha parentes vivos nessa época.
Então eu acho melhor a gente voltar muito mais, pro Egito antigo. E eu aposto que todos nós sabemos algumas informações sobre ele. Por exemplo, ele foi uma sociedade antiga localizada no noroeste da África, perto do rio Nilo.
Ele era uma sociedade politeísta. Eles acreditavam em deuses como Set, Osiris, Ra e Hórus. Era uma civilização formada por um faraó, ou como conhecemos, um rei.
Eles construíram as pirâmides obeliscos e tinham um sistema de irrigação que saía do rio Nilo e ia para as plantações. E todos esses feitos são impressionantes e alguns ainda são parcialmente misteriosos. A técnica exata que era usada para mover as pedras que foram usadas para montar pirâmides ainda é debatida.
Os egípcios. Nós temos guindastes e eletricidade. Mas mesmo sem tecnologia avançada, os nossos antepassados deram o jeito de empilhar toneladas de pedra quase 140 metros de altura.
Mas espera, quais antepassados? Nós associamos os egípcios antigos com as pirâmides de Giza, mas o Egito é uma civilização que durou quase 3 mil anos. Se você não entendeu, eu vou repetir.
O Egito é uma civilização que durou quase 3 mil anos! Isso são aproximadamente 150 gerações de seres humanos. Vocês realmente acham que essa minha pequena descrição do Egito vai ser o suficiente pra contar 3 mil anos de história?
Pensa só no tanto de história que você aprendeu só sobre os últimos séculos na escola. Guerras mundiais, corrida espacial, invenção do posto de elevador. .
. E ainda assim o nosso entendimento da história recente é limitado. Então, imagine uma história de milhares de anos de duração, que aconteceu há milhares de anos.
É comum que, para facilitar a nossa compreensão histórica, nós pensamos nela de um modo reduzido e estruturado. Então, se pensarmos que a Cleópatra era egípcia, e lá era o lugar onde estavam as pirâmides, nós podemos pensar que ela, com certeza, estava mais próxima das construções das pirâmides. Ela respirou aquele ar egípcio.
Só que as pirâmides foram construídas 2. 500 anos antes da Cleópatra. Ou seja, a Cleópatra está mais próxima dos Beatles na linha do tempo do que das pirâmides do Egito.
O Egito é tão velho que durante o reino de Qaym-u-Aset-u-Quarto existiam profissionais dedicados a recuperar e estudar construções e objetos milenares do próprio Egito. Ou seja, existiam arqueólogos no Egito antigo dedicados a estudar o Egito ainda mais antigo. Por uma boa parte da história do Egito, as pirâmides de Giza já eram antigas o suficiente para fazerem parte do passado remoto.
A Cleópatra não estava lá para a construção das pirâmides, mas os mamutes estavam. Tá, peraí, cara. Mamutes?
Sim, mamutes estavam lá. Talvez não literalmente nas pirâmides. Mesmo sendo dominantes no período Pleistoceno, alguns dos elefantes peludos ainda habitavam a terra quando as pirâmides foram construídas.
Só que nessa época, os seus últimos registros foram encontrados há quase 4 mil anos na ilha russa chamada Wrangel, que fica a quase 12 mil quilômetros do Egito. Ou seja, não, os mamutes não ajudaram diretamente a construir as pirâmides, era o que vocês estavam pensando. Foram aliens.
E o que eu quero expressar com esse choque sobre o quão longevo foi o Egito antigo, é que nós nunca vamos entender ele completamente. Cada antepassado seu, em cada período histórico, teve uma vida tão cheia e complicada quanto a sua. Eles eram como você, só que em situações diferentes.
Quando nós lidamos com a história, é muito comum nós encaixarmos os momentos históricos em eras, períodos, impérios e idades. E essa é uma forma de nós encaixarmos esses períodos históricos em uma espécie de gaveta. E aí a gente consegue se mover mais facilmente entre um e outro.
O Egito Antigo, o Império Romano, o Império Bizantino, a Idade Média. E a história desses períodos históricos são contadas com base em quais evidências e ideias nós temos sobre esse período histórico. E aqui é preciso tomar cuidado, porque como nós temos a posição privilegiada de ainda existir no mundo, isso pode levar a certos vieses quando nós pensamos no passado.
E um dos mais comuns é justamente a ideia de que a história está em constante progresso e de que o passado, o antigo, é necessariamente ultrapassado, seja em tecnologia, ciência ou até moralmente. Mas o antigo não é necessariamente ultrapassado, muito pelo contrário. A lógica aristotélica, por exemplo, foi dominante por quase 2 mil anos e ela é importante até hoje.
Os gregos não foram ultrapassados intelectualmente por milhares de anos. E o Império Romano foi responsável pelas maiores obras de engenharia do passado, com tecnologias para concreto, aquedutos e estradas, muitas das quais foram perdidas depois da queda do Império, além de uma organização militar enorme que só seria replicada milênios depois com Napoleão. E isso não é para dizer que a Idade Média foi um período de trevas, sem avanços intelectuais ou tecnológicos, o que também é uma visão errada da história, até porque a ideia de trevas para se referir à Idade Média é colocada para dar ênfase para a Era do Iluminismo, que marcou a modernidade.
Um exemplo simples são as raízes da Química Moderna, que começaram na Alquimia, que era uma arte praticada principalmente nesse período da Idade Média, e que levaria à invenção do fósforo, por exemplo. Então, se nós tomamos a palavra antigo ao extremo, associando o antigo com o ultrapassado, nós temos grandes chances de quebrar a cara. Pense nisso da seguinte forma.
Se a história realmente é progressiva e humanos modernos são melhores do que humanos do passado, então os humanos do futuro vão ser melhores do que nós. Mas isso não necessariamente parece verdade. Até onde nós entendemos a biologia humana, nós somos basicamente os mesmos por toda a história, apenas em contextos diferentes.
Então precisamos tomar cuidado quando nós vamos tentar entender a história para não colocarmos o nosso julgamento moderno em um estudo historiográfico. Sim, existem várias ideias que antes eram vigentes e hoje são consideradas ultrapassadas ou antiquadas, porque a sociedade demanda novas perguntas e encontra novas respostas para elas. É daí que nascem novas formas de ver o nosso cotidiano.
E isso é ótimo. É uma forma de progresso. Ou pelo menos de mudança.
Mas julgar o passado com as lentes modernas vai nos deixar cego para as lições que nós podemos tirar da história. Nós temos a tendência de pensar que quem cometeu atos cruéis no passado fizeram isso por serem monstros, pessoas fundamentalmente ruins. Mas isso é uma ilusão perigosa.
Quem cometeu as atrocidades era tão humano quanto eu e você. E se nós não estivermos dispostos a reconhecer que nós também somos suscetíveis a sermos levados a extremos, nós nunca vamos conseguir prevenir que o pior da humanidade se repita. Até porque nós mesmos provavelmente fazemos coisas hoje em dia que um dia vão ser extremamente mal vistas.
E eu tenho certeza que ninguém vivo hoje quer que o nosso legado seja resumido por é sério que eles queimavam combustíveis fósseis e respiravam gás carbônico? Se quisermos aprender com o passado e realmente progredir, nós precisamos respeitar a humanidade dos nossos antepassados, o que inclui aqueles que fizeram coisas que nós não gostamos. Porque a verdade é que nenhum deles é tão diferente de nós hoje.
Não dá pra aprender as lições que a história tem pra nos ensinar se nós pensarmos que nós já sabemos tudo sobre como o mundo funciona, ou se nós acharmos que nós hoje somos muito melhores do que aqueles que vieram antes de nós. No fim, eu espero que a nossa história sirva de inspiração pra alguém no futuro fazer melhor do que a gente. Esse é o nosso legado, a nossa marca que vai continuar aqui por muito tempo depois de nós mesmos.
E eu espero que agora a história tenha feito um pouco mais de sentido pra vocês. Muito obrigado e até a próxima.
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