Muito boa noite, meus queridos amigos, alunos, seguidores. Em primeiro lugar, agradecer, claro, à faculdade Bel Vista por receber esse lançamento do meu novo livro, "Amor à Sabedoria". Fico muito honrado e lisonjeado; acho que não haveria lugar melhor no Brasil para lançar esse livro, porque é uma instituição que certamente entende a proposta que me anima, que me inspira, que é interdisciplinar, que é filosófica, teológica, literária e que é baseada no Amor à Sabedoria, como o próprio nome do livro diz. Este é um ambiente em que se ama a sabedoria nas ciências da economia e do
direito. Eu queria compartilhar com vocês a minha profunda alegria de ter convidado cinco amigos para dialogar comigo e com vocês sobre este livro, que é fruto de um diálogo com certos autores. Então, antes de mais nada, muito obrigado, Bruna, Ana, Lua, Gabriel, Hugo e Lucas. Estou lisonjeado de estar com vocês, ouvir vocês. Obrigado, desde já, pelo tempo que dedicaram para ler algumas páginas, talvez, do livro; e certamente tudo que vocês dirão calará fundo no meu coração e na minha inteligência, porque tenho certeza de que a filosofia não se faz sozinho. Eu vou apresentar brevemente o
livro e passar a palavra para eles, e depois a gente vai dialogar livremente numa mesa redonda. Por volta dos 16, 17 anos, eu realmente passei a levar a sério a leitura. Eu passei a me perguntar — a gente viu nesse vídeo ainda há pouco — das questões existenciais que subjazem a toda escolha profissional, pessoal e moral, né? Afinal, quem eu sou? O que eu estou fazendo aqui? Deus existe? O que é o amor, a morte, a felicidade, a amizade? Portanto, fui me dedicar à filosofia, a ler os filósofos e levá-los a sério, como portadores da
verdade, ou aqueles que podem nos aproximar da verdade, ou aqueles cujos erros nos mostram, pela via negativa, pela via do erro, o acerto e a verdade. Então, eu fui marcado por certos autores, principalmente clássicos, e me esforcei para entender. E, à medida que eu encontrava um autor que era relevante para mim, eu sentia a necessidade incoercível de ensiná-lo. O Lucas será o primeiro a falar; nem combinamos o local, a ordem, mas já tinha pensado nisso porque me acompanha há 10 anos. O Lucas se tornou meu aluno em 2014, ou 15? 16! Com o estudo de
Santo Tomás de Aquino e Aristóteles. Eu precisava entender Santo Tomás de Aquino depois de ter mergulhado em Santo Agostinho. A maneira que eu tive de estudá-lo sistematicamente, por três ou quatro anos, foi ensiná-lo. Então, eu tive excelentes cobaias: eu lia, estudava, interpretava e ensinava, né? Então, o meu trabalho intelectual há muito tempo é um trabalho de... agora, por exemplo, eu estou mergulhado na Sagrada Escritura, na Bíblia, e criei um clube de leitura católica da Bíblia exatamente para ensinar. Todo professor, primeiro, tem o compromisso de aprender para poder ensinar. Então, o meu estudo foi todo voltado
ao ensino. Nesse sentido, claro que a gente sempre lê mais do que ensina, obviamente a proporção não é igual, mas aqueles autores que me chamavam a atenção, eu gostava e gostaria de ensinar a partir dos comentadores, a partir de uma tradição que se tornou a minha tradição: platônica, agostiniana, uma tradição intelectual católica que se relaciona à vida intelectual com a vida espiritual. Por isso, Santo Agostinho figura na capa do livro como grande modelo de teólogo, filósofo, literato e de alguém que era um apaixonado que descobriu a filosofia por Cícero, que passou a buscar a verdade
e que, depois, considerou a possibilidade, ainda no nível intelectual, de que a verdade fosse Cristo. Depois, deu o salto à conversão na fé e passou a ser também um teólogo e escreveu de forma magnífica as suas confissões e tantas outras obras. Então, por exemplo, já entrando no conteúdo e passando esse pano de fundo que o inspira, Santo Agostinho é objeto de um dos ensaios do livro, um ensaio de apresentação geral das confissões que eu lecionei num curso que dei sobre Santo Agostinho, cursos livres em casa antes do advento — quer dizer, não antes do advento
da internet, mas antes da minha entrada na internet — dos anos de várias obras de Santo Agostinho, né? Principalmente "As Confissões", em que eu lia e comentava as obras a partir de comentadores, a partir de tradutores, e isso foi, de algum modo, eu acho que o Lucas vai comentar isso. Eu, pelo menos, gostaria de ouvi-lo. É extraordinário transformador, porque vocês vão — espero que tenham essa experiência concreta na noite de hoje — daqui a duas horas, eu espero que estejam num estado contemplativo, num estado reflexivo, num estado profundamente filosófico em que essas palavras vão germinando
no nosso coração e na nossa inteligência e vão nos fazendo ver mais. Vão caindo as escamas dos olhos e a gente vai, de algum modo, compreendendo num passo de compreensão, de cognição, de algum aspecto da realidade. No caso de Santo Agostinho, por exemplo, uma realidade do Amor, a realidade de Deus, a realidade da união amorosa com Deus. Então, em determinado momento desses estudos, eu tomava notas, planos de aula, marcava os próprios livros e precisei organizar na forma de um texto, né? E aí vem um exercício posterior de formalização e organização do pensamento na forma de
ensaios, ensaios livres, alguns pequenos, de cinco a sete páginas. Vou já falar dos prefácios e outros maiores, que são mais exigentes, de 50, 70, chega a 100 páginas. Nessa edição, não escolhi só autores propriamente católicos ou cristãos, porque cedo aprendi a levar muito a sério os pagãos que vieram antes de Cristo, sobretudo os gregos. Estou com uma amiga platônica aqui, a Bruna, também ama Platão como eu, por isso que nós somos irmãos de alma platônica. Também ensina os diálogos de modo muito vivaz e brilhante. Eu estou convencido de que o ral Aldo Emerson tem razão
ao afirmar que filosofia é Platão, e Platão é filosofia. Como música é bar, e bar é música. Meu querido amigo Álvaro pode contestar isso com propriedade; ele dirá que é Chopan, Schumann, talvez, e poesia, Shakespeare. E então eu buscava essas grandes referências, essas grandes obras. Platão foi o meu companheiro, e eu percebi que, para entender Platão, precisava aprender a entender Homero. Assim como eu estou absolutamente convencido, hoje em dia, talvez muito tarde até, de que, para entender Santo Agostinho ou Santo Tomás e toda a tradição intelectual cristã, é necessário, antes, entender e mergulhar na Bíblia.
Estou fazendo isso tarde, já velho; deveria ter feito isso muito antes. A Bíblia está, obviamente, contemplada no livro, e a partir de um livro do Peter Kreeft chamado "Três Filosofias de Vida", que explora filosoficamente a vida como vaidade, no Eclesiastes; a vida como sofrimento, no Livro de Jó; e a vida como amor, no Cântico dos Cânticos, que são livros sapienciais do Antigo Testamento. Então, fui estudar Homero, por exemplo, e aquilo que o ensaio propõe: propõe um elemento, um aspecto; destaca um ponto importante de uma obra que é inesgotável como a Ilíada. Então, o ensaio sobre
Homero, por exemplo, "Patos Trágicos de Aquiles", eu comecei a estudar os gêneros clássicos: da epopeia, da tragédia, da lírica, e da comédia. Me perguntei sinceramente: mas eu estou vendo que Aquiles parece um herói trágico, né? Ele tem uma dimensão trágica no seu drama com Agamemnôn, com Briseida, a morte de Pátroclo e assim por diante. Então, eu fui... Óbvio, eu nunca me senti original. Eu debato isso em relação ao Chesterton: a originalidade, a autenticidade, né? Porque originalidade não é uma virtude; a autenticidade, sim, mas a origem não. Chesterton dizia que o novo é só o esquecido.
Se você acha que uma coisa é nova, é porque você esqueceu, porque você não conhece quem já pensou antes de você. Eu nunca tive essa presunção e fui atrás dos comentadores, atrás dos autores que falavam de Homero e que debatiam a dimensão trágica de Aquiles. Em segundo lugar, um grego de quem eu gosto muito, que é Sófocles, com a grande tragédia da Antígona. Passei anos refletindo sobre Antígona e inquieto com a interpretação que os juristas costumam dar a ela: apenas uma oposição entre a lei natural ou divina e a lei positiva. Eu sempre achava que
tinha alguma coisa a mais; eu achava que isso não resolvia, era muito moderno, muito menor para debater o problema que, na verdade, eu não sabia qual era. Era um problema antropológico profundo: por que tanta necessidade de um sacrifício? Até que eu cheguei, com a minha esposa, ao Padre João Paulo Dantas, que é um teólogo professor da faculdade de Lugano, na Suíça, que é meu compadre por acaso e que participou do lançamento em Belém anteontem. Ele disse uma coisa muito bela que eu gostaria de reproduzir aqui: há três mulheres onipresentes no livro, três mulheres cujo perfume
se percebe no livro: Nossa Senhora, Virgem Maria, a quem eu dedico o ensaio; o silêncio de Maria; a Laíse, minha esposa, eventualmente citada aqui, que é uma grande interlocutora; e a minha filha Isabel, que foi para o céu muito cedo, a quem eu dedico o livro. Que, de algum modo, tornou toda essa busca e essa reflexão muito mais concreta e profunda, principalmente na dimensão cristã característica que é a da Cruz. Apenas dois ensaios eu escrevi neste ano de 2024: o ensaio sobre Fulton Sheen, "A Divina Trindade do Amor Humano", que é uma reflexão sobre a
natureza do amor conjugal, que tem nos últimos capítulos uma reflexão sobre o sofrimento. Amar é sair de si; amar é também padecer. Ele se refere aos pais que não podem ter filhos, por exemplo, ou àqueles que perdem o cônjuge. Eu acho que ele não menciona a morte de um filho, mas pertence à reflexão profunda sobre um amor que supera a morte, que é o amor conjugal, que é um amor humano e divino ao mesmo tempo. E um outro ensaio que foi sobre o Gustavo Corsão, "A Descoberta do Outro". Gustavo Corsão era um ateu prático até
por volta dos seus 40 anos. Quando morre sua esposa, ele percebe, como engenheiro mecânico, que a sua ciência, a sua técnica, nada diz sobre as coisas mais importantes, né? Ele se sentiu estúpido, idiotizado, diante de algo que deveria ser refletido e considerado, que é a morte — nossa e de quem amamos — e se volta à filosofia atomista e depois se converte pela cruz. Então, foi importante também esse ensaio, "A Glória da Cruz", em que eu trato desse aspecto que hoje eu conheço também existencialmente. A morte, por exemplo, é tema de um prefácio que eu
escrevi ao livro do Thá de C.S. Lewis, "Preparação para a Morte". Então, vejam, Homero e Sófocles estão na sessão desses pagãos sábios que buscaram a sabedoria, que amaram a sabedoria, que constituíram o que depois veio a ser o amor à sabedoria, que é a filosofia. Muitos devem ter reconhecido no título a etimologia própria da palavra filosofia, que significa exatamente amor à sabedoria. O que nós estamos fazendo aqui? Amando a sabedoria, dialogando. O que nós vamos fazer? Já já estamos, já fazendo nesta mesa: trocando, dialogando, conversando, criticando, no melhor sentido do termo, depurando o argumento em
busca de uma verdade que não é minha, nem da Ana, nem da Bruna, nem do Gabriel, nem do Hugo, nem do Lucas, nem do Álvaro, nem da Milena, mas é a verdade em si, o Logos, né? Então, a gente, nesse ato de amizade, de diálogo, procura, junto à sabedoria. Só que a gente não faz isso. Só com os vivos. O Chesterton, a quem eu dedico um ensaio aqui, dizia que a tradição é a democracia dos que também já morreram e dos que também pensaram e contribuíram de algum modo, principalmente aqueles que tiveram muito a dizer
e souberam traduzir o seu pensamento em obras imortais, em obras clássicas. Se você não lê o Fulton Sheen, ou se você não lê o Joseph Pieper, ou o Cange, ou Victor Frankl, entre outros autores que eu menciono no livro — não só esses, mas outros também, ou Dante Alighieri, a quem eu dedico o mais longo ensaio do livro, ou Dostoiévski ou Zola — você terá um horizonte diminuído, reduzido. Na segunda parte, são esses estudos sobre Homero, Sófocles, a Sagrada Escritura, Santo Agostinho, Dante, Dostoiévski e Manzoni. A primeira parte, que entrou depois, seria uma espécie de
apêndice, que eu achei por bem colocar antes, porque os textos são menores; são prefácios que eu escrevi na forma de ensaios a obras relevantes editadas muito recentemente no Brasil. Aqui eu agradeço publicamente ao meu amigo editor Hugo Langoni, que me convidou a escrever dois dos prefácios que estão no livro: o prefácio ao livro "O Evangelho de Maria: a Mulher que Venceu o Mal", do Padre Exorcista Gabriel, publicado pela Editora Petra, e o livro "Só Quem É Ama: Canta Arte e Contemplação", de Joseph Pieper, editado pela Quadrante. Conhecendo o editor que propôs o prefácio e que
me conhece um pouco, a maneira como eu ensaio e reflito, meus prefácios são muito inspirados no modo como Benedito Nunes, meu mestre mencionado na introdução, fazia; ou como Maria Carvalho fazia; ou como o grande George Steiner fazia. Nunca é um prefácio meramente erudito ou escolar ou protocolar de dizer quem é o autor, quais são as suas obras, qual é a sua tradição intelectual e porque essa obra é importante. Não. São ensaios em que eu normalmente ponho o autor em diálogo com outros autores e que o provoco, o contexto e o desafio, e o interpreto. Essa
é a palavra, a partir da minha capacidade, a partir do meu horizonte de pré-compreensão, para usar um termo do filósofo Gadamer, que é católico. Então, por exemplo, fui convidado a prefaciar o livro "Em Busca de Sentido", uma edição para jovens da Editora Aust. Mas "edição para jovens" não quer dizer que seja outro livro que não seja o mesmo clássico "Search for Meaning" (A Busca de Sentido), cujo título original era "Um Psicólogo no Campo de Concentração". Por razões mercadológicas mudaram para esse título em inglês, e assim ficou. Por um motivo que me escapa, esse livro ganhou
diversas edições nos Estados Unidos e foram vendidas, editadas o mesmo livro de diversas maneiras. Por isso, há diversos livros como este "Em Busca de Sentido" para jovens leitores, que é o mesmo livro. Eu refleti que há uma filosofia do Logos, que é o Platonismo; há uma religião do Logos, que é o Cristianismo; e há uma psicologia do Logos, que é a Logoterapia do Victor Frankl. Então, o Logos é um só. O Logos é a unidade da realidade, a fonte do ser que unifica e estrutura toda a realidade, assim como o pensamento que a contempla. Portanto,
a Logoterapia, o pensamento do Frankl, no fundo, é um teísmo filosófico e, no fundo, é o reconhecimento da existência de Deus, que nós, cristãos, reconhecemos ser Cristo, Senhor. Então, começo com o Evangelho de São João, por exemplo, e faço uma interpretação cristã do Victor Frankl. Joseph Pieper, que é o livro "Só Quem Ama Canta", são quatro ensaios pequenos do Pieper, também, que é um autor extraordinário, que me provoca muito e me levou à reflexão sobre a epifania da arte. É um tema platônico clássico do Fedro, de que a beleza sensível é a única forma, a
forma da beleza é a única forma que se manifesta na sensibilidade e que, da sensibilidade, nos leva à contemplação das formas inteligíveis ou das ideias inteligíveis. Então, a beleza é uma epifania dela, como que rompe uma contemplação que não se reduz à sensibilidade ou aos sentidos, mas que nos leva a uma dimensão espiritual e nos faz cantar. E aí eu reflito sobre esse Platonismo do Pieper, que era um tomista. Então, a gente tem Santo Tomás, Santo Agostinho, Platão, Aristóteles e outros autores contemporâneos, todos servem como parâmetros e balizas para uma reflexão que é ensaísta. Também
prefaciei um livro do Alfredo S. sobre virtudes, chamado "Virtudes Fundamentais". O mesmo livro, que aliás depois foi publicado com os dois livros do Joseph, que eram as virtudes cardeais e as virtudes teologais, que depois ficou unificado com "Virtudes Fundamentais", e interpreto as virtudes cristãs como modulações do amor de Deus; a caridade é a forma de todas as virtudes. Então, tem um ensaio sobre Alfredo Sanches, o Fulton Sheen, já falei. O trecho para casar, que foi prefaciado este ano ainda, fui convidado para prefaciar esse livro porque estava estudando a vida de Cristo do Fulton Sheen e
postei alguma coisa, e a Editora Eclésia me convidou para prefaciar o "Três Para Casar", que eu já conhecia pela Editora Petra, inclusive. Então, é uma oportunidade de comparar traduções, de refletir; é um convite delicioso esse de prefaciar, porque eu me sinto obrigado a dialogar e compartilhar com os leitores aquilo que me parece mais relevante. Bem, acho que mencionei pelo menos 16 autores do livro. Já mencionei brevemente a capa, mencionei o padre. Falta essa referência: por que esses pagãos? E por que esses autores não necessariamente cristãos? Porque acredito que a filosofia de inspiração cristã deva ser
feita em diálogo com qualquer autor sério. Que busque a verdade, seja ele pertencente ou não à tradição católica ou mesmo cristã. Certamente, o Victor Frank, como eu chamo, é um santo secular e certamente não é um filósofo; é um sábio, alguém que encarnou uma sabedoria muito profunda, que é a capacidade de sustentar o sentido objetivo da vida e de buscá-lo, ajudando os outros a que o busquem e o encontrem, como médico, como terapeuta, como filósofo, ou Dostoiévski, que é um ateu convertido e que viveu na pele, na carne, todos os debates intelectuais do século XIX,
sobretudo o ateísmo, e que parece advogar o ateísmo na figura do Ivan Karamazov, mas, ao mesmo tempo, também a fé no além. Então, é uma obra que me chamou muita atenção, "Os Irmãos Karamazov". Também está presente aqui o Manzoni, que também é um convertido e teve relação com todas as linhas de pensamento do seu tempo, que era calvinista, mas que flertou também com o iluminismo e a maçonaria e acabou aderindo à fé católica. Ele escreveu uma obra monumental também, um ensaio que não entrou aqui, mas que talvez no próximo volume dessa estirpe seja "A Montanha
Mágica", do Thomas Mann, que é uma obra também extraordinária. São obras da literatura, obviamente, mas que são filosóficas e que questionam Deus, e, portanto, têm um alcance teológico. Então, eu baguncei essas disciplinas, por assim dizer. Eu explorei as fronteiras; aprendi a fazer isso com o Benedito Nunes, que sempre transitou nas fronteiras da filosofia e da literatura. Por fim, tive uma grande referência intelectual na figura do padre Fabrício Meroni, que introduziu, por exemplo, Gabriel, talvez lembre disso, a teologia do corpo no Brasil. A primeira tradução das catequeses sobre o amor humano do Papa João Paulo I
foi pelo meu querido amigo padre Fabrício Meroni, enquanto ele ainda estava em Belém, aqui na editora do Sagrado Coração, a EDUSC, com o Centro de Cultura e Formação Cristã. Quando eu era um moleque, moleque mesmo, essa é a palavra, com meus 18, 19 anos, o padre Fabrício falou: "Você não está preparado para o logos de Cristo". Então, padre, você não tem razão, ainda para estudar; você precisa primeiro purificar as suas paixões. Vá estudar os gregos e não me enche o saco. E eu obedeci. Estudar os gregos não lhe enchi o saco suficientemente, porque eu era
um hedonista, era um católico esteta; eu queria ler o catecismo e achava que ele falava. Ele falou: "Acompanhe o Benedito Nunes. Aprenda com o seu silêncio, aprenda com a sua humildade, aprenda com a sua devoção, aprenda com a sua reverência ao conhecimento." E o padre Fabrício falava de Caravaggio, falava de Barth, falava de Santo Agostinho, e o Benedito Nunes falava de Baudelaire, de Rimbaud, de Saint-Exupéry, e eu ficava ali, moleque, olhando aquilo e vendo um universo. No meu ensaio sobre "A Montanha Mágica", que não entrou, eu falo do Camus e do Kafka, e o Hans
Kertop, que é o jovem que está olhando. Eu me senti exatamente assim; aliás, no livro "A Crise da Cultura" e "A Ordem do Amor", que têm alguns exemplares disponíveis ainda aqui, que é meu primeiro livro de ensaios, eu dedico um ensaio chamado "A Montanha" para o padre Fabrício. Ele é corpulento, ele é gordão assim, e parecia uma montanha a ser escalada. Então, esse universo que eu quero fazer com vocês, meus caros leitores, é introduzir nesse universo humanístico de amor à sabedoria que eu fui introduzido por esses mestres, por esses autores e que pude compartilhar também
com alunos que hoje considero mestres, como é o caso do Lucas, a quem eu passo inicialmente a palavra por ordem de antiguidade. Muito obrigado. [Aplausos] Obrigado, estão me ouvindo bem? Perfeito. Bem, meu amigo, muito obrigado pelo convite; é uma alegria muito grande estar aqui nesta mesa. Como havíamos conversado antes, esse livro realmente é uma vida colocada em páginas. De certo modo, eu fiquei muito marcado com tudo que falaste, porque quando disseste do moleque, eu também me vi nessa história. Eu vejo minha vida muito tocada pela tua vida. Eu lembro que certa vez estávamos na Paulista,
numa palestra que vieste dar em São Paulo para lançar o livro "Crise da Cultura" e "A Ordem do Amor", e eu abracei você e falei... no final, virei para Sofia e falei: "Ele não faz a mínima ideia do quanto ele tocou minha vida". Assim, não faz a mínima ideia, porque é um toque que, às vezes, é tão profundo que nos marca para sempre. E eu, lendo esse livro, começando pelo título dele, "Amor pela Sabedoria", fiquei muito marcado, porque talvez seja um dos títulos que mais, digamos, não são muito comuns para os tipos de livros de
vida intelectual ou de intelectualismo que se vende por aí. Eu digo por quê. Porque a gente fala muito hoje sobre vida intelectual, mas a vida intelectual parece que só gira em torno das virtudes cardeais. Parece que a virtude da sabedoria não existe mais, né? Parece que todos nós queremos ser prudentes, temperantes, justos, fortes, mas onde está a consumação de tudo isso? E quando eu vi essa busca pela sabedoria e disseste também nesse início sobre a tua vida, de que percebi que deveria ser algo encarnado na vida, fiquei muito marcado, porque tem uma história que eu
acho que já contei uma vez, que foi o dia que minha vida foi tocada profundamente. E nós já nos conhecíamos; eu era um moleque e bem menos maduro... [Música] Eu lembro que estava muito empolgado, tinha saído do ensino médio, estava lendo muitas coisas, lendo, lendo, lendo. Eu sabia que eu queria... e até meu último... Suspiro. Queria fazer isso e só que eu era muito, muito imaturo. Eu lembro que eu queria saber de referências, referências, livros, livros, livros, livros, livros, livros. Era só o que eu queria saber e eu achava "virtuoso" me afastar da família, achava
"virtuoso" não ser um bom amigo, achava, achava "virtuoso", com a ignorância que eu tinha e tenho, digamos, achar superior aos demais, porque os jovens da idade não faziam aquilo. Eu achava muito justo que aquilo fosse assim; eu achava um princípio de justiça. Parecia muito justo que assim fosse. E eu lembro que um dia, já na aula de São Tomás de Aquino, quando ela saiu daquela aula, quando ela foi para a sede do dialético, que emprestava para a sua tia dormir às vezes, né? Na casa dela, ela emprestava para ela dormir lá, né? Mas na sede
do dialético. E eu lembro que foi a primeira vez que, ao final de uma aula, não era algo que era sempre muito comum, mas eu lembro que a Laise veio me visitar e o carinho que trataste ela naquele dia, naquele dia me marcou profundamente, de uma maneira que eu fiquei: "Tem alguma coisa muito errada na forma que estou vivendo". Alguma coisa muito errada, muito, muito, muito. Tem o amor à sabedoria que nos leva, tem o amor à filosofia que nos leva ao abismo quando esse amor pela sabedoria não, quando esse amor à filosofia não é
amor pela sabedoria. E aí que eu percebi que alguma coisa teria que ser mudada aqui. Eu percebi que nos meus estudos não poderia haver um amor a um livro que não me levasse a amar mais meus pais, meu irmão, que não me levasse a comprometer existencialmente a minha vida. E nesse dia eu sei que eu tive uma mudança. Foi um entortador de vidas, um desentortador de vidas, podia dizer. E por isso me marca tanto esse amor à sabedoria, esse título, né? Porque não somente escreveste para que lêssemos e conhecêssemos sobre outros autores, mas tem um
adágio que sempre falavas nas aulas sobre São Tomás, em todas as aulas sobre introdução à filosofia, quando introduzias algum autor: "Na vida de um homem de letras, a sua biografia existencial confunde-se e, de certo modo, se unifica na sua vida intelectual". Então, a nossa dimensão biográfica e a nossa dimensão intelectual estão em um matrimônio indissolúvel, e uma se separa da outra, leva à morte, né, de sua esposa, né? Então, eu percebi que existia uma relação nupcial aqui, uma relação nupcial que nós não poderíamos nem poderemos abandonar. E quando nós vamos, agora, partindo desse ponto inicial,
eu pensei muito na jornada que fizeste, olhando pra biografia e olhando para os outros livros que publicaste, primeiro "Crise da Cultura", "Ordem do Amor", "Virtudes no Cotidiano" e "No Caminho das Virtudes", e agora esse "O Amor à Sabedoria". Eu penso que cada um deles teve também um papel que descreve um pouco uma biografia intelectual, sem a qual nós não vamos entender esse livro. Primeiro, "A Crise da Cultura" e "Ordem do Amor". O barco está no meio do mar, as tempestades estão atacando ele. Nós só podemos falar: "Senhor, nos salva, por favor". Basicamente, todos nós talvez
estamos começando a estudar filosofia porque nós víamos que tinha alguma coisa errada com o que estávamos vendo à nossa volta. E eu acho que esse é um primeiro princípio: perceber que existe algo que não está correto, algo que parece estar estranho, existe um desconcerto no mundo que talvez nós quiséssemos olhar para algum outro lugar. E esse diagnóstico da "Crise da Cultura" e "Ordem do Amor" me foi muito, muito vivo, né? Porque eu vi esses ensaios sendo publicados no Liberal. Eu lembro daquele ensaio "O Filósofo do Equilíbrio", que foi na época do curso de São Tomás,
que me manifestava essa sede que tinhas e que tens de busca filosófica. Então, esse primeiro livro manifesta essa jornada de perceber que existe uma crise, perceber que existe uma crise que não acontece em instituições e potestades, mas acontece no íntimo do coração humano. E perceber que existem certos autores e certos clássicos que são universais porque os seus temas não são deste tempo. São aqueles que, por obras valerosas, se vão da lei da morte, libertando, que é o esquecimento, que nos faz beber o copo do Letes, né? Do rio Letes, a gente vai se esquecendo, a
gente vai se perdendo. Então, esse primeiro livro mostra essa primeira preocupação; era uma preocupação de reagir a um certo movimento. Mas o movimento que deveria começar sendo interior. Então foi isso que eu percebi. Depois, na figura de Sócrates, como não pensar na figura de Sócrates, né? Eu acho que também deve ser muito viva a figura de Sócrates para que nós leiamos esse livro e perceber como a figura de Sócrates é importante também para ti, em certo sentido. Os encontros de Sócrates, eu não penso que devam ser muito diferentes daquelas reuniões do dialético ou até mesmo
dos encontros que fazíamos depois, em que falávamos de filosofia sem falar sobre nenhum autor, falando sobre a vida matrimonial, falando sobre amizade, falando sobre certas angústias que passavam no coração. Eu lembro de um retiro que fizemos juntos em um certo momento, que o que nos se pede de nós, porque percebemos que não basta só conhecer as coisas que nos rodeiam; é preciso que tenhamos um certo ardor. É preciso que nos urge. Por favor, perdoa. Esse retiro era de silêncio. Imaginem eu e o Lucas no retiro de silêncio. A gente passava, assim, se olhava, se abraçava
e se deixava, ficava. Não precisava. Eu ia... Ia preservar a gente boa. Olhava o que o outro estava lendo e ficava [Música] assim querendo e se contentar. Mortificava a língua de São Tiago; aquele que não dou uma língua não é religioso, sabe que... Mas eu, isso foi muito marcante, esse tempo. Foi talvez o momento em que tomamos decisões muito importantes na nossa vida. Depois disso, decisões que nos marcaram para sempre. Olhando para a figura de Sócrates, ele me falava uma coisa que me marca muito e que eu certamente aprendi de ti, né? No Fedro, ele
falava que existe um tipo de escrita que permanece no coração do aluno e essa escrita não morre nunca. Lembro do Brunetto Latini no Inferno, que ele fala: "Guarda o meu tesouro, meu tesourinho, o meu tesouro no qual eu ainda vivo". De certo modo, eu não consigo não levar isso para minha vida e não pensar que aquilo que nós transmitimos é, de certo modo, uma forma pela qual nós ganhamos uma certa imortalidade. Não orgulhosa e não vaidosa, por quê? Porque por um certo dom que nós não conhecemos ainda nesta vida, nos é dada a graça de
não saber todos os efeitos que o nosso trabalho faz na vida dos outros. Então, é um grande dom, é um grande tesouro, uma grande proteção. E eu percebo que quando olhamos para Sócrates, ele mostra naquela capa uma certa firmeza. Todos choram, mas ele, mesmo estando no momento de maior sofrimento, busca nos mostrar que, apontando para o alto, o que mais importa, de fato. Então, isso me marca porque essa figura é importante para que possamos conhecer um pouco desse trabalho. Ensinar filosofia, não ensinar uma matéria escolar; ensinar filosofia é ensinar uma forma de amor. Ensinar uma
forma de amor que nós só podemos aprender de quem ama. Só quem ama consegue ensinar. Estudar de fato é para os que amam. Um conselho que sempre me deste, e eu me permito a falar aqui, foi que o professor não é aquele que ama ensinar, mas o que ama aprender. Por isso que lembro que quando a gente estava voltando, às vezes de carro, você me falava assim: "Tem que conseguir um jeito de estudares, de estudares bem, estudares muito bem, estudares da melhor forma possível. Você preservar como ouro esse tempo de estudo." Eu pensava: "Não, mas
ensinar deve ser muito bom, né?" Mas a gente esquece que nós só podemos dar aquilo que nós recebemos. E só torna-se algo, de certo modo, eterno na vida dos outros, se, de certo modo, eles leem essas obras através da nossa vida, que foi também o escrito que este clássico produziu, segundo nosso grande York Steiner. Então, de certo modo, esse livro que tem a capa de Sócrates, "As Virtudes no Cotidiano", me marca muito porque ele também prefigura esse amor à sabedoria que é esse livro. Por quê? Porque o Sócrates, um pagão, nós poderíamos pensar, como muitos
podem pensar, que "Ué, não bastaria ler os autores cristãos". E aqui eu me permito aprender uma lição, que é uma lição que aprendi de ti. Sempre os cursos eram na terça-feira: São Tomás, quarta: Aristóteles. Por quê? Porque não dá para separar um do outro. Inclusive, se queremos amar verdadeiramente São Tomás, inclusive, se queremos amar verdadeiramente Dante, não podemos separá-los. Por quê? Porque aquele que acha Aristóteles um estulto não vai perceber a grandeza do que São Tomás superou; não vai entender a grandeza da poesia de Dante; não vai entender porque Virgílio consegue levá-lo até as portas,
por assim dizer, até que outra mais digna do que eu possa alcançar. Digamos, a razão nos ajuda a curar certa humanidade ferida em nós que dispõe essa humanidade para certa graça que vem posteriormente de Deus. Então, isso me marca muito, né? Só que a busca pelas virtudes sempre parece muito positiva. A gente sempre fica: "Quero buscar essa virtude, aquela virtude." Parece algo muito positivo. Parece, de certo modo, por vezes, que nós caímos em uma certa competição de virtudes. Mas o que torna a nossa gravidade em relação à vivência das virtudes algo mais consistente é quando
nós percebemos que a virtude, para nós, ela só pode existir em formato de cruz. E por isso que a segunda capa me marca muito, porque eu lembro quando não estava a capa pronta. E eu lembro do dia que estavas decidindo a capa e que estávamos em Marituba. A gente se encontrou e estava terminando de escrever o prefácio daquele livro. E estavas em dúvida qual capa escolher. Eu, pouco sábio e demais pagão, falei para escolher do Fedro, e o sábio falou para escolher a de São Pedro e Cristo. Cadê o Dom? E eu percebo que toda
virtude tem também que encontrar esta da cruz. Por quê? Porque até a virtude pode ser feita por orgulho. De certo modo, em tese, uma virtude exterior pode ser feita por orgulho. Então, quando eu olhei aquela capa, eu fiquei pensando muito depois na experiência que tiveste, né? Que marcou profundamente. E eu fiquei pensando que aquilo nos convida para um ponto a mais, um ponto a mais. O ponto ao qual aquela capa nos convida é perceber que nós queremos buscar as virtudes. Queremos! Mas se você quer buscar as virtudes, esteja preparado também para a parte mais bela
delas, que tem formato de cruz, mas que vem com muito sofrimento. E eu fiquei muito marcado com isso por causa disso, porque nós estamos indo para um lugar: "Fugir! Salvar nossa vida!" E: "Para onde vais?" "Estou indo fugindo." E: "Côndom?" "Para onde vai, senhor?" "Estou indo morrer ali. Estou indo passar por esta morte." E por isso que me parece que esse livro também é uma preparação para esta busca pela sabedoria, porque a sabedoria não pode existir. Sem esse passo anterior, de certo modo, a gente pode olhar para essa, perceba: eu tô falando do livro. Entenda,
eu tô falando muito do livro; é totalmente o livro. E esse sofrimento pode parecer algo que é pedido de forma muito extraordinária, né? E, de certo modo, eu percebi, um dia desses, que, de fato, é uma coisa muito extraordinária. Mas tu mostrastes que, se nós levamos a sério a vida filosófica e a fé, nós devemos estar preparados para isso; nós devemos estar plenamente preparados para isso. E isso mostra que a filosofia deve me levar a essa conclusão de que a morte é uma facada, uma dor. Ela nos deixa como se tivéssemos atingidos por um raio,
mas ela pode ter uma certa redenção, uma ressurreição que vai transformar aquelas virtudes que outrora buscávamos em algo muito mais... muito mais provado no fogo. Então, por isso que me marcou tanto aquela capa, né? Naquele momento. E depois podemos lembrar, né, que eu lembro que, um dia depois dessa capa, teve o lançamento do livro que fizeste aqui em São Paulo também, e fizeste o lançamento do último livro, né? No Caminho das Virtudes. E falaste uma frase que me marcou muito: "Eu estou morto." Eu estou morto. E eu lembro que, naquele dia, eu cheguei em casa,
mandei uma mensagem para você e falei: "Eu sinto que é futilidade tudo que eu faço, tudo que eu estudo. Eu sinto que é futilidade." Porque, de fato, diante de coisas tão grandes, assim, de tantas coisas que a gente pode elevar, por que continuar fazendo isso? E a gente percebe que, talvez, muitas coisas estivessem sendo feitas por amor próprio mais do que por amor a Deus. De certo modo, o que queríamos fazer? Queríamos morrer para estar... quero morrer para estar com Cristo. São Paulo disse. Mas o que precisamos fazer? Caritas ur; nós nos urge, nos convoca,
nos puxa. Santo Agostinho falava na "Vas da Trindade" que, ah, com uma biga, a caridade nos puxa, sabe? Uma forma que nos tira todo o nosso ser. E, por isso, que eu percebo que esse livro também é uma consumação disso, porque não basta que nós leiamos livros. E nós estamos falando de pessoas que leem e vivem ensinando livros, e ensinando pessoas a ler livros; é isso que estamos fazendo. Mas isso só vai ter um grande valor se nós mostrarmos que esses livros exigem algo gravíssimo de nós e que, se isso não for vivido, vaidade das
vaidades, T da vaidade. Então, quando eu li o livro e li, sobretudo, o ensaio de Dante, me parece que nós podemos passar por essa tripla jornada, né? E qual é? Agora, sim, no sofrimento, nossa vida estava numa selva escura, uma selva escura. E essa selva escura é o quê? É, de certo modo, essa letargia que nos dá quando nós sofremos algo muito grande; um certo motor que nos convida a fazer outra coisa, nos convida a ter uma nova direção. E depois o que Dante começa a fazer? Ele começa a olhar para as estrelas e começa
a ter uma esperança. Veja, Dante estudava todas as artes do trivium, do quadrivium, né? Estudava todas essas artes da geometria, astronomia, música, aritmética. E o que parece que é feito aqui, e que eu consegui ler também na tua vida docente, que também esse livro é uma extensão, eu consigo perceber que nós devemos ensinar os nossos alunos a continuar olhando as estrelas. Mas não basta que nós ensinemos eles a olharem as estrelas; é preciso fazer com que eles percebam que as estrelas podem nos dar esperança, de certo modo, porque elas apam para amor. Que o amor
que as estrelas... Esse é o ponto de partida. Essa é a verdade chave que acontece entre, talvez, as virtudes socráticas de um Sócrates e o Santo Agostinho que está aqui, o coração inflamado; é o mesmo, só que para o que ele se inflama, qual o objeto do seu amor? Ele encontrou ordem desse amor; ele pode encontrar, como somente no amor divino, sim, mas esse amor divino perpassa, toca, se consubstancia, de certo modo, em cada amor humano que nós temos, que nos leva pro alto. Feliz o que vos ama; feliz o que ama o amigo em
vós e o inimigo por causa de vós, né? Só não perde nenhum amigo aquele em quem todos são queridos, naquele que nunca perdemos. Santo Agostinho falava. Então, agora sim, temos o mesmo amor pelos clássicos, o mesmo amor pela filosofia, só que agora percebendo que nós podemos amar mais a filosofia do que nós pensamos que amamos nos nossos momentos de maior ardor. Naquela juventude de maior ardor, Platão, "República"; que maravilha! E eu percebo que existe um amor ainda mais forte porque, antes, a "República" era algo maravilhoso, mas agora eu percebo que aquela ideia do bem da
qual ele falava é sério mesmo; é de verdade, é sério mesmo, e é Deus. A gente pode encontrar, de fato, Cristo aqui. A gente pode fazer esse percurso e, se nós fizermos esse percurso, não podemos temer ter de voltar a esta caverna muitas vezes para buscar muitos que podem estar lá. E podemos reconhecer também nossa própria jornada, sentir uma certa compaixão de "Eu sei como é isso, porque eu também já estive nesse sofrimento." Os sofrimentos, então, agora ganham uma dimensão de sabedoria. A gente pode ler a "Eneida" não mais pelo esteticismo que a "Eneida" nos
traz, mas podemos ler esta obra, encontrando nela frases, sentenças, pensamentos que vão fazer com que eu viva meu matrimônio melhor, a minha paternidade de maneira melhor. Eu lembro que nosso grande amigo Ian, quando eu me mudei de Belém do Pará para São Paulo, ele me abraçou e falou que é um verso do Virgílio: "Essas coisas serão boas de serem lembradas um dia." Do nada, ele tirou isso porque ele falou isso porque está na vida, de certo modo, e certa vez teve um amigo que, nessas leituras, falava: "Olha, tinha um amigo meu que estava sofrendo muito.
Ele pediu ajuda, mas eu também estava sofrendo muito. Eu poderia ficar no meu sofrimento, eu poderia não... seria de fato, talvez, um dever de justiça que eu estivesse lá, mas não basta só o dever de justiça. Existe uma caridade que nos move". Assim, poderia ser lembrado de diversas maneiras, qualquer trecho das escrituras. Mas, pela minha fraqueza de então, pode ser que este meu amigo se lembre do verso de Virgílio que se fala, né? Da Dido, a rainha exilada, e os Eneias, seus companheiros troianos, pedem asilo para ela. E ela fala assim: "Olha, nós não sendo
ignorantes acerca dos males, por eu já ter sofrido muito, aprendi a socorrer os miseráveis". Então, meu sofrimento ganha um sentido novo. Meu sofrimento agora é um dom, é um tesouro que só vai frutificar na vida dos outros se não sobrar nada dele para mim. De certo modo, eu acho que esse livro traz muito isso. O ensaio que pedi para comentar e comentei só sobre a Divina Comédia. Aqui, de certo modo, com quanto não pareça, pode ser lido nessa chave, me parece. Então queria agradecer muito o convite e, na verdade, eu queria comentar mais sobre o
ensaio, mas me perdoe, mas porque realmente foi algo que me marcou profundamente. Eu acho que talvez seja algo que seja, talvez, mais valioso que isso. Talvez eu vou agora passar a palavra para a minha amiga Bruna, invertendo a ordem da antiguidade, porque é a amiga mais recente e eu acho que vai, e talvez mudar a chave mais biográfica e pessoal para uma chave mais objetiva do livro. Assim, eu acho... Você me pôs numa encrenca. Depois de ouvir esse tributo à amizade a Alcibíades, não foi capaz de fazer um tributo à amizade a Sócrates. Isso foi
um tributo à amizade. Só quem tem amigos verdadeiros há 10, 20 anos entende o que foi feito aqui. O livro está ali, naquele discurso. E, caramba, eu vou tentar falar da melhor maneira que eu puder, tá? Que você me emocionou. Vamos lá. Bom, é o seguinte: quem não me conhece, eu... assim, né? Porque aqui é um círculo um pouco novo para mim. Mas, de qualquer forma, eu fico impressionada com as afinidades entre o meu trabalho e o do Vitor. É impressionante, né? Quando eu li a introdução, eu falei: "Meu Deus do céu". E aqui, nessa
mesa, eu não conhecia ninguém. Conheci todo mundo hoje pessoalmente e me sinto entre irmãos. É esquisito e maravilhoso. Isso é amor à sabedoria, tá? Isso nos une. Isso foi a Academia de Platão. É isso que ele quis fundar. Isso é a saída espiritual que ele buscava no meio daquele inferno que era Atenas da época, né? Eu sempre costumo dizer que, nós às vezes, ficamos nos lamentando no nosso tempo. "Pelo amor de Deus! Vamos pegar os períodos...". Ah, os períodos de apogeu! Vamos ver que era uma desgraça também! Outro dia eu estava... fui fazer uma formação
de professores naquela escola de Porto Velho e achei por bem começar com São João Crisóstomo falando dos problemas da educação do seu tempo. "Ó, os pais que não olham para os filhos! Em vez disso, se preocupam mais com a comida do cavalo do que com o professor que vai enfiar o conhecimento na alma dos filhos", né? Então, eu acho que o amor à sabedoria realmente nos coloca diante da condição humana, né? E é por isso que, quando a gente está com pessoas assim, a gente nunca viu, mas é como se nós sempre estivéssemos fazendo a
mesma coisa, né? Então, muito obrigada mesmo, Vitor. É um privilégio. Só por esse primeiro discurso seu, já estou muito feliz hoje. Mas enfim, quando o Vitor me fez essa proposta, eu li um pouco o livro, li a introdução e depois fui averiguar os prefácios. Logo que eu vi o prefácio dele e o de Piper, eu falei: "Ai, meu Deus do céu, a beleza!". Eu sou professora de estética, filosofia política e história da filosofia moderna, mas estética é a única disciplina que eu dou com alegria, tá? É a única, é a única! Porque pensa, filosofia política
e história da filosofia moderna... e ó, para seminaristas, tá? Eu sou professora do seminário da minha diocese. Eu chego na sala e falo: "Olha, meu curso aqui de história da filosofia moderna é a preparação para os heresias que vocês vão enfrentar em Teologia. Então, fiquem firmes! A gente vai conseguir, é com base na tese de doutorado do Full Touchin. Segurem firme que a gente chega lá!". Mas enfim, estética não. Estética é evidentemente uma disciplina que eu digo: "Vocês só precisam entender o que acontece na missa para entender meu curso". Então, o Joseph Piper é uma
referência importantíssima. Um dos meus livros favoritos é aquele em que ele explica a relação entre ócio e contemplação e fala dos dias santos, que são justamente dias de ócio, mas porque são dias de contemplação, né? E eu havia visto... Ah, tá ali o Álvaro! Eu falei: "Meu Deus, bom, tem um músico na plateia, tem um músico no público e um poeta na mesa. Estou feliz!". Porque, vejam só, quando eu li esse ensaio do Vitor, eu falei: "Bom, eu vou fazer mais ou menos o que ele faz para fazer jus ao livro, né?". Você fez jus
ao livro como ninguém fará aqui melhor, então... mas nós vamos tentar acrescentar algo, tá? Mas assim, eu preciso fazer jus ao livro, né? Nesse prefácio do Vitor... Piper, o que a gente tem nas Entrelinhas? Então, vou tentar trazer aqui algumas coisas que ele não menciona, mas que estão nas Entrelinhas. É para acrescentar algo, certo? Assim, quando eu li esse ensaio que chama "Epifania da Beleza", né, ele, evidentemente, passa rápido, mas ele tem nas Entrelinhas — é óbvio, né? Platão tem a música de Santa Agostinho tá ali, ele não menciona, mas está ali, né? E tem
um diálogo de Platão que não é muito lido e eu gostaria muito que fosse mais lido, viu? Estou fazendo propaganda. "As Leis" é o meu diálogo favorito. É o último dia — eu gosto do Platão a Velice, né? Dos últimos escritos: "Filebo", "Político", "Sofista". "As Leis" é o Platão pelo qual eu sou mais apaixonada. O "Fedro", embora o "Fedro" seja meu diálogo favorito, o diálogo dos estetas é uma homenagem à poesia lírica, tá? O "Fedro", do começo ao fim, é Platão que expulsou os poetas da cidade. Não expulsou só os maus poetas, tá? Foram os
poetas — só as perversões dos poetas, você sabe como são os antigos, né? Mas, de qualquer forma, o Platão não só foi um grande poeta, como ele faz um tributo ao valor, assim, ao estatuto próprio da arte, que é introduzir educação, tá? Então, assim, não tem como dissociar. Não tem como dissociar arte e educação. A arte é o princípio da educação. Por isso que esse sábio Padre te mandou se ver com os gregos, né, antes de fazer coisas mais sérias. E, de fato, eu lembro que, a primeira vez que li, eu peguei a "Ilíada" nas
mãos e tinha 19 anos. Era uma imbecil, mas, quando eu peguei a "Ilíada" nas mãos, eu tinha lido bastante poesia brasileira, porque eu sempre gostei de poesia. Eu gosto de Platão, mas minha vida intelectual é completamente voltada à poesia. É uma coisa um pouco íntima, mas é de fato, tá? E, aí, quando eu li Homero pela primeira vez, dos 10 primeiros versos da "Ilíada", na tradução do Odorico Mendes, aquela insanidade maravilhosa, eu falei: "Isso é poesia! Homero é o cego profeta das formas!" Tá tudo aqui, tá tudo, tudo aqui! E, desde então, eu li Homero,
li Homero, li Homero. Quando cheguei em Platão, eu já tinha passado por Homero, tinha passado por Sófocles, e realmente a gente percebe que toda a cultura grega está ali condensada em Platão. Por isso que ele é tão formidável, porque ele concentra toda aquela sabedoria veiculada com beleza, nesse projeto pedagógico, nessa visão de formação da alma, que é a filosofia como ele a concebe, né? Platão é o educador. Mas, enfim, no diálogo "As Leis", que é um diálogo a Velice de Platão, então, ninguém pode falar que aquilo não tem uma fase. Não! Platão é um autor
que tem uma unidade impecável. Todo mundo fala da unidade de Aristóteles, mas em Platão a gente também percebe isso. As "Leis" e a "República" são diálogos que devem ser lidos juntos, né? E, ali no comecinho das "Leis", no segundo livro, é onde Platão vai falar justamente sobre a propedêutica. Como é que começa uma educação? É pela arte e é pela música, né? E é engraçado que, eu trouxe algumas frases: Platão diz, no segundo livro das "Leis", que a educação deve sua origem a Apolo e às Musas. O homem não educado não conta com o treinamento
nos corais, certo? Ou seja, aquele que não aprendeu a medida na prática da arte, na prática da música, que vai saber de virtude? Que vai entender de moderação? Que vai saber de síntese? Através do visível, encontrar o invisível, né? Então, representar adequadamente o que concebe ser belo é uma aptidão que distingue a educação correta. Então, veja, Platão, no começo das "Leis", ele está preocupado em dizer que existe uma educação correta, mas, para ele mostrar que existe uma educação correta, ele distingue a música correta, a música bela e a música que não é bela. É maravilhoso
isso, né? Essa coisa... Ah, Platão expulsa os poetas! Toda essa... Isso que se diz sobre Platão, na verdade, eu acho que a gente às vezes precisa ler com menos preciosismo e mais bom senso. O que a gente faz com nossos filhos, como de conversa? A primeira coisa que a gente faz é proibir, é censurar. Censurar tudo que vai deformar uma deles. E Platão é o educador. É evidente que ele precisa censurar muita coisa ali, né? Então, é muito engraçado que todos esses pedagogos, esses cristãos do cristianismo primitivo — que é o que tenho estudado no
momento —, eles são platônicos, mas com alegria. Eles não têm problema nenhum. Ah, não, tem que proibir mesmo. Isso aí, pá, não vai ao teatro, não ver perversidade romana! É maravilhoso porque eles falam com uma leveza e uma alegria que nós, tintos do uso da arte pelos iluministas, não conseguimos mais falar. Não temos que respeitar todas as asas, não! Isso é uma novela para te perverter! Você não precisa fazer com que seu filho se submeta à perversão. Ele pode ver coisa melhor, tá? Então, são coisas. Nós temos que recuperar a coragem daqueles homens, tá? Da
era, assim, todo mundo ali na coleção da patrística. Vocês sabem que eu estou falando, mas estou falando de tudo que vem até Santo Agostinho, certo? Aqueles homens eram platonistas, assim, muito naturais. Eles nem precisam citar. Eles estão embebidos de Platão até o fundo da medula e são educadores. E esse tema da condenação da arte que deforma é... Muito forte neles! Por quê? Porque a arte é o que forma o belo, é o que forma. Pelo que o Vittor acabou de dizer, que eu não preciso repetir, é porque justamente a forma que se nos apresenta de
maneira sensível. E a música é a linguagem primacial; a música é a linguagem primacial. Ela é como se fosse a forma do próprio Logos. Assim, digamos assim, se o Logos pudesse ter uma forma, ela é a linguagem prima, não digamos assim, todo o comunicar. Ela é a forma do comunicar, tá? Por isso que a música comove através dos tempos, que ela é a própria forma do comunicar, né? Eh, eh, então Platão, quando ele, nas Leis, começa a estudar as diferenças da expressão musical, bom, ele diz assim: é evidente que alguém que se exprime na música,
de acordo com o belo, isso faz bem pra alma dele. Agora, alguém que, se exprimindo adequadamente, ele acha que é belo, que é feio, aquilo tá deformando a alma dele, né? E assim, o livro II, a primeira metade do livro II, foi toda nessa toada, né? Maravilhosa! Ele faz uma analogia, evidentemente, entre as posturas; a analogia entre as virtudes e as melodias. Ele diz coisas como as posturas e melodias que se vinculam à virtude da alma ou do corpo ou alguma imagem destes são universalmente belas. A questão, esse realismo estético de Platão, que é único,
que importa, tá? Por que vocês, acho que a estética como disciplina não entra, ninguém, século X para frente, no meu curso, não entra ninguém, por tá tudo em Platão que importa, o resto é conversa fiada. O Schiller, coitado, que é um grande poeta, maravilhoso autor da Noiva de Messina e outras coisas maravilhosas, amigo do... Eles têm uma correspondência. O Schiller, coitado, ele acreditou que ele precisava prestar um tributo a defender a objetividade do gosto. Ó a desgraça que fez Kant na vida dos estetas e dos poetas, tá? Ele escreve um texto maravilhoso chamado "Clássicos", que
ele diz: eu vou tentar falar na linguagem, defender a objetividade do belo no linguajar kantiano. Eu falo, coitado, né? Era melhor ter continuado fazendo belo, escrevendo poesia como ele fazia bem! Perda de tempo, mas é bonito! Porque você vê ali que o artista genuíno, ele sabe que o belo é real. Ele sabe que o belo é real. E aí, só que claro, ele tá naquela cultura daquela época em que Kant é referência. Eu tô dizendo isso porque a estética, do ponto de vista da história da filosofia, é considerada uma disciplina que surge no século XVI,
né? E, na verdade, do século X para frente. Por que todo mundo começa tanto a querer falar do belo, belo, belo? Porque esqueceram no que ele consiste, tá? Porque a gente teve, durante todo o século XVI, o uso da retórica como propaganda para veicular o projeto moderno. A novela pega um brilhante artista como de La Tour; conheço a obra completa, mas é um propagandista, contamina, estraga, contamina, estraga. E aí, o que acontece? Você tem que começar a se perguntar: "Mas pera aí, o belo é o que mesmo?" E aí você começa a ter uma sucessão
de tratados estéticos entre os ingleses e os franceses empiristas, sobretudo, porque se perdeu o... Evidentemente os antigos, medievais e até o renascimento, eles tinham uma clareza tão absoluta. Pelo amor de Deus, é epistemologia; não precisa, isso aqui não precisa ter uma disciplina, isso é claro como o dia. Quando se perde, a gente entra na fase da degradação, né? Das artes ou do... dissipar assim, o sentido geral das artes, é que a gente precisa da estética como disciplina. É uma coisa fantástica, né? Mas enfim, em Platão tá absolutamente tudo que nós precisamos e tudo o que
melhor nos alimenta a respeito do significado da experiência dessa epifania da beleza na nossa vida, né? Por isso que eu achei fantástico, quando o Vítor apresentou isso aqui, ele é tomista, o Piper, mas é platonista. Esse tema é o tema que Platão disse tudo sobre esse tema, né? E tá tudo maravilhosamente expresso no Fedro, né? Enfim, e aí ele diz que as posturas e melodias são universalmente belas, enquanto que aquelas que se vinculam ao vício são exatamente o contrário. Por isso, Platão considera a afirmação segundo a qual o valor da música reside em seu poder
de proporcionar prazer à alma absolutamente inaceitável. Tá? O valor da música não reside em seu poder de proporcionar prazer à alma; a ordem não é essa. E falar isso para Platão é o quê? Qual é o termo que ele usa nas leis? Impiedade! Ele fala impiedoso achar que o prazer é o ponto importante. Veja! E o fundamento da crítica platônica a qualquer forma de arte é desvincular da piedade, é o desvincular da moralidade, desvincular da virtude. E ele diz: o ponto é o seguinte: quando nós exprimimos o belo em si, por que nós estamos exprimindo
o real? Agrada, mas não é porque me dá prazer que tem valor. E hoje a gente inverteu o processo; a gente inverteu. Por isso que no final do prefácio do... ele deixa pro final falar justamente da gradação, né? Mas quando eu li, assim, me veio à tona também um... me veio à mente também um outro texto muito platônico, que é a Música, um diálogo de Santo Agostinho. É totalmente platônico, negócio do começo ao fim, né? E assim, sabe o que é mais incrível? A primeira frase desse diálogo de Santo Agostinho, que é "Uma Música", é
uma pergunta! É um diálogo entre um professor e um aluno, né? E é uma pergunta sobre o mé... nome do metro de uma palavra. Então ele menciona ali um termo e fala: "me deu metro!" Né? Por quê? Porque ele tá tentando. Nessa primeira parte, Definir música e, para definir música, ele começa justamente perguntando pro aluno o nome do metro. Ou seja, a gente percebe de cara que, quando os antigos pensam música, eles pensam poesia também. Agora, quando a gente pensa poesia, sendo a música a linguagem primacial, a poesia — me perdoa, tá? — a poesia
é já uma forma degradada da música no plano hierárquico, mas degradada por quê? Porque tem a questão das línguas serem distintas. Então, é um Uno que se tem que se dobrar ao múltiplo, né? Então, você cai, é a música com uma primeira cadência; ainda assim, a poesia tá lá em cima, por quê? Porque é intrínseco à poesia a música a própria forma da poesia, né? Que é o metro. Eu acho assim, tem esse ensaio sobre Dante, que eu ainda não li, mas A Divina Comédia, com aquela sucessão de tercetos entrelaçados, meu Deus do céu, é
uma obra assentada na Trindade. É uma experiência fascinante. Também, minhas primeiras experiências literárias sérias foram com A Divina Comédia, né? E a coisa que mais me chamou atenção, porque eu era idiota demais para entender a parte mais — e que eu fui entender um pouco depois — mas foi o metro. Por quê? Porque, justamente, pelo menos a educação literária mínima eu tinha para acessar aquilo. E quando eu cheguei no Paraíso, eu falei: "não, tá, agora eu tô entendendo 'por quê' desse livro". Agora, eu entendi: o purgatório é difícil, o inferno é belo, mas é um
belo perturbador. Agora, quando você chega na primeira parte do Paraíso, você fala: "tá, eu entendi o que é esse livro, onde é que a gente tá chegando e sobre o que esses tercetos entrelaçados estão assentados", né? E, e, e, justamente, mas é a forma como é que a gente tem a expressão da Trindade permeando toda aquela obra. É engraçada, é na forma, é no ritmo, né? Em poesia, basicamente, a gente tem a melodia e harmonia repetidas como na rima e no metro básico. Tá? É música, os mesmos componentes musicais que a gente tem na poesia;
por isso que há uma queda, mas tá ali pertinho, tá? E, nesse diálogo de São Agostinho, a música ele define como a ciência do bem modular, porque bem modular é um tema platônico. A gente tá aqui no livro dois das leis, né? Bem modular, porque um qualquer cantor tem que modular, certo? Agora, se ele modula adequadamente ou não, é outra história. Se ele modula bem, aí realmente a gente tá no campo do quê? De uma disciplina liberal, dessas que libertam, dessas que nos colocam diante do sentido da condução humana, né? Então, por quê? Porque ele
diz o seguinte: modular, quando você modula com o único fim de modular, basicamente, você tá buscando harmonia pela beleza da harmonia em si mesma. Isso vai produzir uma beleza e vai encantar, mas é porque minha finalidade é puramente harmonia que encante. É secundário; o prazer da arte é secundário, digo para vocês. É secundário. A forma é o principal, e o artista verdadeiro e autêntico é o que sabe disso. É o que sabe disso. Por isso que, pelo amor de Deus, não, não poetas e artistas nunca percam tempo escrevendo tratados de estética, não precisa, não precisa,
tá? Enfim, e foi tudo isso que eu fui pensando, né? Enquanto eu lia esse... olha como é rico esse prefácio, o prefácio de poucas páginas, ó quanta coisa ele faz pensar. E ainda que eu vi o índice, eu falei: "nossa, isso aqui é um PR, mas isso aqui, esse livro tem uma unidade". Esse livro tem uma unidade porque esse prefácio aponta em várias direções. Quando ele vai retomar ali Dostoiévski e Dostoiévski Manzoni, recuperando o encantamento do mundo na era moderna, pelo amor de Deus, positivista, ateísta, etc. É apontamento, tá aqui, né? Esse prefácio serve de
prefácio àquele ensaio, né? Então, são coisas muito bonitas. Mas, enfim, o que essa história de que algo agrada porque antes é bom, porque antes é certo, porque antes é objetivamente belo, né? E é, na verdade, esse o espírito de todos os comentários que faz o Piper a respeito da relação entre ócio, contemplação, beleza, arte, né? Tem o ensaio do Bento XVI, vocês que têm aquele livro que saiu recentemente pela Molokai, né? O Que É Cristianismo, é o testamento espiritual do Bento. Tem um ensaio lindo ali dentro, chama Música na Liturgia; ele fala sobre as consequências,
né? Ah, depois do Concílio Vaticano I, como é que ficaria, como é que ficaria, ele com essa questão da participação, mas como é que vai ficar a música? E ele é um alemão apaixonado por Bach, evidentemente, e ele diz uma coisa maravilhosa naquele ensaio, ele fala assim: "A música sacra alimentou toda a tradição musical ocidental, que é o negócio único." É o negócio único. A gente tem aqui Villa-Lobos fazendo as Bachianas, né? Que você menciona também, que, na verdade, é a percepção de que toda a musicalidade brasileira tá sentada em Bach, o Brasil, que é
um país católico, né? E Bach, que é aquele que compunha para Deus, dizia isso de maneira muito clara, tá? Então, são todos esses temas que vêm à nossa mente quando a gente lê esse prefácio. Enfim, tem um outro tópico importante nesse trabalho de Santo Agostinho que é o tópico da medida, e aí ele começa falando de métrica. E o que que ele vai falar na música, inteiramente do começo ao fim, de medida, porque, justamente, o aprendizado do metro é como se fosse a propedêutica do aprendizado da medida, que é a base do aperfeiçoamento das virtudes,
e sobretudo da principal virtude que… É a sabedoria que exige o equilíbrio entre as disciplinas de que fala o Cerante, como menciona o Vitor no primeiro prefácio desse livro. É bonita a unidade desse livro, e ela é realmente algo admirável e que precisa ser ressaltado. Tá, enfim, por último, eu não controlei um pouco o tempo; vocês me desculpem, mas isso é o que eu diria assim para que vocês entendam a quantidade de entrelinhas que tem nesse prefácio. Porque, quando alguém que estudou muito, que pensou muito, que meditou muito vai escrever um prefácio, ele tem que
fazer escolhas, cortes, tem que citar o autor. Mas a quantidade de reflexão para que ele consiga parágrafos tão precisos como esses que o Vitor consegue nos prefácios são todas essas entrelinhas dos anos de estudo, meditação, luta, sacrifício e vida, entende? Então, o que é bonito desse livro é que ele é todo cheio de vida, né? E se a gente ler com atenção, a gente vai conseguindo perceber as meditações que fizeram parte dessa vida. Para retomar o que ele falou sobre o caráter biográfico, tá? Nesse epifania da beleza, então, para encerrar, só quem ama canta, né?
A arte, a contemplação, o que a gente aprende no Fedro, o que a gente percebe na experiência estética, nessa epifania, é justamente que, quando a gente tem essa visão estética de que o belo é algo real, profundamente real, basicamente a educação primeira, que é a que as artes nos dão, é nos ensinar a olhar. Para olhar, é também aprender a ter uma atitude teocêntrica, olhar para... mas é um olhar que se abre para o alto. E esse olhar para o alto, essa atitude teocêntrica, é justamente a atitude da arte autêntica, porque é aquela que é
capaz de conduzir a essência da condução humana. Então, se o artista que não olha para o alto, ele é o que é esquecido, ele é o que não produz nada de valor, né? E é engraçado porque, mais ou menos que fala, né? Então, se você não está fazendo, basicamente, se você não está fazendo algo tendo Deus em mente, você não vai fazer nada de valor. Tá? Se seu espírito não estiver ali, se você não tiver essa interação entre vida e intelectual, espiritual, você não vai fazer nada de valor. É verdade! A quantidade de versos que
eu já joguei fora na vida, vocês não fazem ideia! Porque, se não tem Deus no meio... É engraçado! Ele fala do três para casar, né? Assim como no matrimônio, se não tem Deus, não fica de pé. Ah! Na escrita, no trabalho criativo, se não é para Deus, não vale nada, de verdade. E é engraçado que Platão olha o tempo todo para o bem, para o sumo bem. A academia foi erigida para que as pessoas fossem capazes de aprender a olhar para o sumo bem. Ele estava buscando ali o que foi preciso que Deus trouxesse. Mas,
enfim, o objetivo era aquele. Quem lê Platão percebe, né? E por isso Platão é realmente um filósofo muito inspirador, e eu acho o maior filósofo de todos os tempos, mesmo, né? É claro que todas as pessoas que têm interesse pela dimensão espiritual do real, o Piper, mesmo sendo tomista, trata aqui um tema completamente platônico, né? Que é justamente a arte. Então, essa necessidade de pensar o papel do belo, da arte, da epifania, é absolutamente fundamental para o início, como propedêutica e como renovação perpétua desse nosso compromisso de busca pela verdade. Nós somos seres de carne,
e o belo é como que o presente legado a nós como ponte para o verdadeiro. Tá? Então, é engraçado que a obra platônica inteira é isso. Ela é uma ponte que nos permite acessar... Ela é assim! A gente que tem que atravessar. Tem alguns diálogos que todo mundo diz que são aporéticos. São... Caramba! A resposta está lá, só que você que tem que achar, tá? A resposta está ali, sim! Quem disse que é poético? Nada! Está ali. Mas você tem que fazer um esforço. É engraçado porque, para a gente se aperfeiçoar também, a gente tem
que fazer um esforço. Não adianta pedir para Deus, a gente tem que fazer um esforcinho. Mas na vida tudo é assim. Isso é próprio do ser humano, mas essa ponte nos é dada pela beleza e pela beleza do real, que é a primeira coisa de que o Vitor fala neste prefácio. E depois, quando ele encontrou no Gustavo Corção falando de Chesterton, algo muito semelhante, se impressionou. Mas por que ele encontrou o mesmo? Ó, porque ele estava falando da verdade. Tá? Enfim, então, é por isso que o ideal contemplativo da filosofia, a celebração artística e sua
relação com o sentido da vida, a liturgia, e a arte, e a dessacralização e vulgarização da arte são subtópicos desse prefácio. Eu peguei esses subtópicos e concentrei com base em umas reflexões sobre Platão, né? Ah, só para vocês perceberem a profundidade do tipo de reflexão que está sendo proposta aqui, né? E, por último, eu diria: a arte tem esse papel educador. Ela pode, evidentemente, que ela forma, mas, como eu disse lá no início, ela também deforma. A arte pode gerar uma alma com muita facilidade. As artes deformam uma alma com muita facilidade; nós vivemos isso.
E aí, a pergunta que eu deixo para todos vocês, e que provavelmente é uma pergunta que o Vitor quer que vocês se façam, porque ele termina justamente falando da dessacralização e vulgarização da arte, é a seguinte: em que experiências epifânicas a nossa vontade? Porque, vejam só, se a música, que é a linguagem primacial, é a forma... Mesma do comunicar, cuja expressão moral é... qual que é a expressão moral máxima do comunicar? É a comunhão, né? A Eucaristia, a comunhão dos Santos. Isso tem a ver com o quê? Com querer e com vontade. E a pergunta
que fica é: em que experiências epifânicas a nossa vontade? Eu acho que essa é a pergunta fundamental que o Piper nos faz e que o Vitor nos convida a nos fazer por meio desse prefácio. Tá, é isso que eu posso fazer aqui hoje. Então, obrigada, Vitor. Foi um prazer. Eu tô realmente muito impressionado com essas falas da Bruna e do Lucas e, certamente, ficarei também com as próximas. Conta-se que Santo Afonso Maria de Ligório, já velho e um pouco senil, pedia que lhe lessem algum livro sobre Nossa Senhora e pegaram o "Glória de Maria", que
é uma obra-prima. Santo Afonso começou a gostar; ele diz: "Nossa, que belo!" É como se ele tivesse tão distanciado dele mesmo e do que ele escreveu e, talvez com a memória debilitada, que ele, eu imagino, contemplasse as glórias de Maria que o livro dele permitia e se embrenhasse em um estado de oração, que era o objetivo. Eu consegui, sinceramente, Bruna, na tua fala, ter essa epifania, porque isso é filosofia genuína, platônica, que fala de outras formas e que encontra uma unidade muito profunda que eu encontrei, que tu encontraste, que já estava em ti. Porque a
Bruna não foi iniciada por mim, naturalmente, na filosofia, mas que encontrou nessas páginas tanta profundidade, tanta beleza. E, assim como o Lucas, que foi iniciado por mim na filosofia também, já na Vega, com remos próprios em alto-mar da poesia clássica, inclusive, e que agora me devolve esse diálogo. Esse é o amor à sabedoria. E vocês percebem uma certa tensão contra o tempo, a eternidade que rompe e o desejo de ficar. Eu ficaria sem nenhuma. A gente ficava duas, três, quatro horas sem cansar, na sede do dialético, na casa da mamãe. A gente não cansaria. No
retiro, não podia falar, né? Então, no retiro, a gente fica que dias nesse estado. Por isso que é tão bom. Mas o estado é de contemplação. Então, que vocês tenham essa experiência epifânica da beleza a partir dos textos, a partir da fala da Bruna, a partir do livro. Esse é o objetivo. Eu vou passar a palavra para o Gabriel, porque o Hugo e a Ana escolheram ensaios da segunda parte de Homero e "Sfoc", e o Gabriel pensou em falar, geralmente, genericamente, sobre a visão católica. E eu tô ansioso por isso também. Um tomista fenomenológico terá
muito a dizer, talvez, sobre esse platonismo agostiniano, que é o meu e que é um grande intelectual, um grande professor, um professor da casa. E também é só fazer uma perguntinha se o livro pode ajudar no currículo, se tem a ver com essa proposta também da Bela Vista. Porque eu pensei nisso ao escolher a Bela Vista: que instituição acolheria o lançamento de um livro como este, que é relativamente inclassificável, porque é de filosofia, teologia, literatura, educação, como foi bem enfatizado. Filosofia é educação, é formação, né? A partir das formas verdadeiras. E a Bela Vista me
veio à mente como instituição que pratica essa proposta universitária. Muito obrigado, Vitor. Com certeza, preparem-se. Então, eu, bom, o Vitor me conhece já também razoavelmente bem, sabe que, apesar de ser também um grande admirador de Platão, eu sou aquela pessoa que realmente considera que o cume da filosofia está em São Tomás de Aquino. E as outras, hoje, as outras... o resto são materiais de estudo de São Tomás ou notas a São Tomás. E, de fato, aqui, eu até sendo um pouco tomista, resolvi escrever uma fala muito breve sobre esse tópico específico, né? Eh, então aqui,
e se vocês permitem a monotonia, eu vou lá. O livro de Vitor que temos em mãos não pode ser tomado de assalto como uma única investida, mas precisa ser conquistado aos poucos e o modo de escaramuças bem planejadas, pois espraia sobre a grande diversidade de temas e autores. Crítico do especialismo, faz suas as palavras de C. Tilly: "Toda ciência cultivada isoladamente não é somente imperfeita, mas oferece perigos que todos os homens sensatos se conheceram". Fim da citação. Portanto, penso que seja conveniente possuir um mapa da mina antes de explorá-la, desvelando a atitude fundamental que anima
a obra. Me parece que se condensa nos ensaios "Espiritualidade da Inteligência" e "A Vocação de um Santo Secular", bem como na introdução, nas quais são manifestas as intenções metafísicas e pedagógico-terapêuticas da obra. Amor à sabedoria, né? O filósofo que o Vitor também gosta muito e é mencionado na introdução, em seu clássico "Espírito da Filosofia Medieval", afirma, ao discutir a relação entre o pensamento clássico greco-romano e a filosofia cristã, algo de suma importância: "O cristianismo a princípio não revoluciona a totalidade do saber ocidental, mas antes dirige-se ao aprofundamento de certos problemas fundamentais da existência". Não há
grandes diferenças com relação aos modos pitolianos da cosmologia antiga e o escolástico de conceber o cosmos, como funcionam os planetas, a Terra em relação aos demais planetas do sistema solar. Nesses temas, digamos assim, de filosofia empírica, né, de ciências da natureza, como a gente diz hoje, não existem grandes diferenças, nem na sua tomada de posição, nem a sua tomada de posição é substancialmente diferente. Quer dizer, a modo como os greco-romanos e os medievais relacionam-se com o mundo é fundamentalmente o mesmo, pois como diz Vitor, a filosofia clássica não se contenta com investigações parciais e respostas
limitadas, buscando antes a unidade de sentido do todo do universo. Fim da citação. Meta que também é buscada pelos doutores medievais. Ou seja, há uma atitude comum. Que anima ambos, né? Quais seriam, então, esses problemas que, digamos assim, são inovados, desenvolvidos, pelo cristianismo? Diz-se que não é nada além de Deus e da Alma. Quer dizer, toda a filosofia cristã, de certa forma, redunda na reflexão a respeito da natureza de Deus e da Alma. As outras coisas, né, são também objeto de reflexão do pensador cristão, do filósofo católico, mas não são necessariamente algo que é uma
exclusividade que ele aporta ao mundo. A exclusividade consiste, justamente, nisso: na reflexão a respeito de Deus e da Alma. Tem-se aqui o CNE temático de qualquer filosofia cristã, que, por força da natureza de seu objeto, faz-se necessariamente católica; isto é, universal e omniabarcante. Nesse sentido, a revelação cristã oferece um campo hermenêutico e uma norma negativa. O que significa um campo hermenêutico? Um determinado, digamos assim, ambiente espiritual que possibilita o desenvolvimento do próprio pensamento. E norma negativa, no sentido de que ela impõe certos limites, como, por exemplo, a nossa pele, que impõe limites para os nossos
órgãos, para que haja um bom desenvolvimento desse sistema filosófico, né? Então, hermeneuticamente, ela dá ao filósofo a tradição, a qual consiste na hierarquia e no modelo dos conceitos, das ciências e dos autores, ao passo que não interfere diretamente no trabalho filosófico enquanto tal, realizado à luz da razão natural comum a todos os homens e mulheres de todos os tempos, mas apenas se limita a guiar o filósofo pelas encostas do pensamento. Assim, a sacralidade do dado revelado irriga a terra boa da racionalidade secular e científica. Isso se torna possível graças ao caráter essencialmente ideal da filosofia
pura. E aqui eu acho que eu tomo uma certa distância, eh, do ser pura, pura. Antes de ser cristã, é produto máximo da natureza humana, enquanto em si, de um espírito encarnado e finito. Nesse sentido, explica Edith Stein, na introdução de sua obra "Ser Finito e Ser Eterno", que a filosofia possui três notas essenciais: o filosofar vivo, a atitude contínua do espírito e a cientificidade filosófica. O filosofar vivo é isso que a gente está fazendo aqui, né? Pensando filosoficamente as coisas. A atitude contínua do espírito é, propriamente falando, o hábito filosófico. O filósofo é filósofo,
ainda que não esteja exercendo a sua filosofia. Quer dizer, de certa forma, o esforço constante que nós fazemos por sempre passar, digamos assim, pela reflexão todas as coisas que caem na nossa experiência cotidiana é uma expressão desse hábito que nós construímos ao longo da nossa vida, né? Como, por exemplo, vocês falaram, e que aponta dramaticamente para essa questão biográfica. Então, esse hábito, propriamente falando. E a cientificidade, quer dizer, a filosofia, ela sempre exige necessariamente algum tipo de rigor. Eh, como, por exemplo, que Platão demonstra nos seus diálogos: Aristóteles, São Tomás de Aquino, Edmund Husserl, Kant,
toda a grande tradição filosófica, ainda que na sua, digamos assim, no seu desnível, né, do quão próximos estão da verdade, buscam esse ideal de rigor, de objetividade, né? Essas notas dizem respeito à filosofia, à própria natureza da filosofia enquanto ideia, ciência pura e ideal. No entanto, ela se soma a elas. Se soma o estado atual da filosofia. Quer dizer, a gente tem essa filosofia que é, em certo sentido, um próprio caminho, eh, único para alcançar essa sabedoria natural, mas essa ideia que nos supera tem suas realizações temporais. A realização temporal, o estado atual da filosofia,
é sujeito ao tempo e ao contexto dos seres racionais que a pensam. Aí as notas essenciais ganham a carne de um sujeito concreto que, eh, para alcançar o ideal da sabedoria plena, tem aí a filosofia pura. É bem aí que a filosofia pura se torna cristã, budista ou ateia. Não de modo determinista, mas segundo a livre autodeterminação do espírito. Então, ao contrário do que se defende muitas vezes, não seria simplesmente uma certa forçação do meu contexto que, pelo fato de eu ter, eh, tido uma certa educação no colégio, ou seja, onde for, eu vou ter
uma filosofia segundo, eh, o pensamento de Santo Tomás de Aquino, ou de Platão. Mas não, o espírito verdadeiramente filosófico se autodetermina nessa reflexão, né? Vemos Victor bastante consciente dessa dinâmica ao comentar a necessária pertença a uma tradição, a qual se manifesta em nosso tempo sob a forma da tensão entre o mundo clássico e medieval e a modernidade. Aqui cito: "Para buscar seriamente a sabedoria, eu precisava dialogar com clássicos e modernos, encontrando a minha identidade intelectual. Pois tanto a visão religiosa quanto a visão secular podem ser profundamente mapeados. Dos seus antagonismos, há intelectuais secularistas que não
vislumbram nada antes do Iluminismo do século XVII, ao passo que há intelectuais religiosos que pararam no século XI." Fim da citação. Então, a miopia só pode ser encarada de frente mediante o confronto da pessoa inteira com o fim da sua existência: a felicidade plena, que enche de sentido as agruras deste mundo. No entanto, a razão prática que nos guia para o bem supremo deve ser ela mesma sistematicamente precedida pelo esforço especulativo de obtenção da verdade. Aqui eu cito o Piper, em outra obra, eh, que explica o seguinte: "E, em realidade, o bem". Nesse sentido, o
conceito de razão prática está necessariamente compreendido e expresso no de razão teórica. A faculdade básica, digamos, aquilo que há em comum, é a razão teórica que se amplia e se torna prática. O teórico penetra totalmente no prático de maneira semelhante a como o genérico se manifesta no específico. Ou, quer dizer, por exemplo, o modo como a animalidade se manifesta no ser humano. A razão é prática apenas enquanto é teórica, porque em essência, anterior a toda prática, é apreensão teórica da realidade. A razão especulativa se torna prática; tudo que é prático, em última análise, tem sua
raiz no teórico e o pressupõe. Chegamos à mesma conclusão se partirmos da relação do objeto da razão teórica. Com o objeto da razão prática, o objeto próprio da primeira, ou seja, da razão teórica, é a verdade das coisas. O da razão prática, o verdadeiro, como medida da ação; o verdadeiro que se estende ao bem. O objeto da razão prática expressa e compreende, ao mesmo tempo, o objeto da razão teórica. Este, o verdadeiro, se torna na medida em que entra em relação com o objeto da vontade, que é a razão prática e que o anima. Fim
da citação. Portanto, o filósofo deve primeiramente se orientar à teoria para, em seguida, ordenar-se à ação. Vítor o afirma assertivamente ao contrastar a atitude contemplativa teórica final dos filósofos clássicos com o ativismo moderno. Aqui, cito: "O conhecimento objetivo do mundo comporta uma transformação subjetiva interior do filósofo, que acolhe amorosamente a verdade em seu espírito, sem querer dominá-la ou transformá-la". Talvez aqui resida a diferença mais radical entre o modelo cristão de intelectual filósofo e a versão moderna politizada de intelectual sofista, como Rousseau, Marx e Sartre. Fim da citação. Diante dessa postura, o desafio do filósofo cristão
cresce exponencialmente, pois os filósofos ateístas, Aral Altos da desesperança, como pontua Vítor, não cessam a investida contra os bens da eternidade ao propagarem sua ideologia niilista e relativista. Cito aqui São João Paulo II em um discurso que fez em um Congresso: "Eis que, num gigantesco desafio, o homem moderno, desde o Renascimento, se dirigiu contra essa dimensão de salvação, a mensagem do evangelho, e se pôs a rejeitar a Deus precisamente em nome da sua dignidade enquanto homem, primeiro reservado a um grupinho de espíritos, a inteligência que se considerava como scola. O ateísmo hoje tornou-se um fenômeno
de massa". Fim da citação. Como diz Hanus Bauta no quinto volume de sua monumental obra "Glória", ele diz o seguinte: "Os cristãos, como guardiões de uma metafísica da pessoa completa em uma era que esqueceu tanto ser quanto Deus, são incumbidos da pesada responsabilidade de conduzir essa metafísica de totalidade através das mesmas provações que seus contemporâneos, mas a metafísica não é uma mercadoria que pode ser comprada e vendida pronta; nós mesmos devemos pensá-la". Fim da citação. Esse pensar metafísico se traduz numa autêntica cruzada da inteligência, na qual o sentido contemplativo da filosofia clássica se transforma em
oração e escola de virtudes. Já que, e aqui cito O. Thomas J. White, um dominicano que expõe muito bem sua ideia, "o misticismo sem conteúdo intelectual é algo tão perigoso quanto a especulação árida sem amor". Fim da citação. Mas que, Vítor o diz assim: a partir do modelo marcante apresentado na homilia sobre a vocação cristã de São José Maria Escrivá, a vocação do intelectual cristão exige um trabalho de estudo constante, convertido em oração e apostolado, e vivido como um consenso de responsabilidade e dever. Fim da citação. Tal vocação encontra a sua expressão, neste caso, em
uma adesão filial ao tomismo criativo, a qual traz consigo a consciência de que a verdade encontrou uma morada privilegiada no pensamento de São Tomás de Aquino, onde a harmonia do sistema é consoante com a própria integração ontológica da realidade. E aqui acho que, nisso, estamos na mesma página, que é o tomismo. Ele não é, propriamente falando, um mero aristotelismo cristão, e isso é, inclusive, o que justifica em grande medida o interesse de filósofos tomistas como Joseph Pieper ao platonismo. São Tomás era platônico, sim, tanto quanto era aristotélico. Então, quer dizer, há de fato uma plenificação
dessas duas tendências. Me parece, aqui, nas palavras do Vítor: "O tomismo é uma posição de espírito tão bem escolhida, tão afastada de todos os extremos, onde se cavam os abismos, tão central em relação aos cumes, que somos conduzidos a ele de todos os pontos do saber e dele irradiamos, sem falhas, no caminho, no pensamento e na experiência, em todas as direções". Fim da citação. Isso está na "Crise da Cultura". Não, isso está aqui também, no ensaio sobre o "Cetil", ah, sobre Kant. Com efeito, o tomismo vivido, mais do que apresentado nestas páginas, não se limita
aos cânones das manuals ou da repetição de fórmulas consagradas. Na verdade, antes converte-se agostinianas em doutrina sobre a vida interior, reflexão dinâmica sobre a vida humana. Em certo sentido, creio que é possível encontrar certos ecos de uma basilar afirmação de João Paulo II, dita na encíclica "Fides et Ratio", e aqui cito: "A metafísica não pode ser vista como alternativa à antropologia, pois é precisamente ela que permite dar fundamento ao conceito da dignidade da pessoa, assentada na sua condição espiritual. De modo particular, a pessoa constitui um âmbito privilegiado para o encontro com o ser e, consequentemente,
com a reflexão metafísica". Fim da citação. A perda da dimensão propriamente metafísica transcendente da pessoa nos leva à neurose coletiva do nosso tempo, na qual o sentido último da existência humana é negado pelo niilismo, que converte a vida em algo inútil e descartável. Pergunta-se Vítor, em diálogo com Frank: "E aqui, Vítor, a razão teórico-especulativa começa a se tornar terapêutica prática". Preparando a próxima seção da obra, cito: "Se a existência humana é uma paixão inútil, como reza a célebre definição de Sartre, por que não a resolver e liquidar pelo suicídio? Como explicar a crescente onda de
violência, de drogas, de alcoolismo, a banalização sexual e a sensação generalizada de vazio existencial em sucessivas gerações dos séculos XX e XXI?" Fim da citação. Aqui propõe-se, como primeira resposta à crise anteriormente esboçada, a busca dialógica e maiêutica pela interioridade, em sua visão defendida por Frank. O Vittor diz que ele se engajou na busca socrática do cuidado da alma a partir do diálogo sobre o sentido último e na inabalável da existência, o Logos Divino procurado pelos filósofos gregos, capazes de revelar e ordenar. A própria alma é fim da citação. Tal ordenação se faz a base
do amor, da doação. Esse movimento de retorno, informado e amoroso a si mesmo, é remédio definitivo contra qualquer crise de identidade. Foi chamado por Santo Tomás de Aquino de "reditus", completa, na qual cito aqui: "Todo aquele que conhece a sua própria Essência logo retorna a ela, identificando-se plenamente consigo mesmo." Inclusive isso é bem interessante; ele fala isso no "Liber de Causis", comentário ao "De Causis", que era um filósofo neoplatônico. [Música] Contudo, não é possível alcançar tal autotranscendência por meio de autoanálises egoístas, como bem salientam SOS e Frânio. A condição humana exige que passemos pelo cadinho
do sofrimento. Cito: "O sofrimento deixa de ser sofrimento no momento em que encontra um sentido, como o sentido do sacrifício." Fim da citação. No momento em que isso acontece, talvez devêssemos falar em momentos; encontramos a liberdade própria da vontade de sentido, a qual se ordena à felicidade, que já não significa plenitude das virtudes morais e consecução de obras externas, mas luta cética e interior para purificar os desejos egoístas de prazer ou poder, convertendo-os em serviço, trabalho, amor e sacrifício. Fim da citação. Trata-se de um comprometimento total, assim como afirmado por F. Baltasar em outro ensaio
seu chamado "O Desafio da Filosofia Católica no Tempo Presente". Cito: "Quem ama a filosofia se deixa inflamar pela sabedoria; quem não a ama vê no saber apenas um punhado de conceitos áridos; e quem ama por conhecer coloca em jogo toda a sua personalidade." E tal colocar-se em jogo não é um movimento irracional que põe em dúvida a objetividade do conhecimento, mas antes é a condição metodológica prévia para se atingir a objetividade mesma, quer dizer, é a condição para qualquer tipo de pensamento. Esse amor é sabedoria, pensamento propriamente filosófico. Finalmente, impõe-se a ordem dos amores que,
na filosofia católica, sempre se fundamenta na Ordo e na Ordo Cognoscendi. Ou seja, a ordem do amor que sempre se fundamenta na ordem do ser e na ordem do conhecer. Isto é, o darse tem suas raízes no terceiro que, em certo sentido, é fruto de um mais profundo ser-se: ser a si mesmo, ser a si mesmo em profundidade e no conhecer-se. Pois, como diz o adágio, ninguém pode dar o que não tem. Apenas assim a filosofia pode se realizar completamente em seu triplo caráter: epistemológico, estético e ético, fundado na inesgotável atividade metafísica da pessoa, coisa
que aparece no livro, inclusive na própria estrutura dele, as três áreas perfeitamente contempladas. Tenho certeza de que quem explorar o livro do caro amigo Vittor terá uma excelente, um excelente panorama introdutório dessas questões tão importantes, ainda que sutis para nós. E boa leitura! Muito obrigado, Gabriel. Maravilha! Vou passar a palavra para minha amiga Ana. Eu teria muito a comentar e fico realmente agradecido pela leitura tão atenta, tão precisa e com tanto diálogo ao trazer o falto a Edit Stein Gilson. Isso é, ou seja, ele poderia escrever um outro livro; ele poderia escrever um prefácio ou
um estudo do meu livro. E é essa teia, como do ion das argolas, que vão se... é a comunhão dos Santos intelectuais. Nesse sentido, é o círculo dos sábios em que um vai tocando o outro e galvanizando. Esse é o diálogo que vocês estão convocados e convidados também a participar. Claro que esses professores ilustres são um pouco mais experientes do que talvez a maioria, porque têm um background, têm exatamente... Mas eles começaram com um primeiro livro, e esse pode ser uma introdução ao amor à sabedoria. Eu não dei esse título porque é um título um
pouco feio, né? E eu cultivo a beleza. Então ficou só "Amor à Sabedoria", mas o objetivo é introduzi-los a ela. Bom, muito obrigada. Eu quero começar, na verdade, agradecendo ao Vitor o convite de estar aqui. Confesso que fui ouvindo o Lucas, o Bruno, o Gabriel, e fui pensando: "Meu Deus, onde é que o Vitor me meteu?" Porque, embora eu tenha formação filosófica, eu me considero aqui uma advogada entre filósofos. Mas aí o Gabriel me consolou quando disse que "o filósofo é filósofo, ainda que não esteja exercendo a filosofia". Então eu me senti muito contemplada. O
Vítor também, sem saber, me consolou quando falou: "Olha, nós estamos vivendo aqui a tensão entre o temporal e o eterno." E eu que passei o dia minando e revisando contratos de mútuo sinto essa tensão com toda a força nesse momento. Então, essa atenção está muito presente em mim agora. Antes de falar sobre o ensaio que escolhi, que foi o ensaio a respeito de "Antígona" de Sófocles, para não decepcionar os filósofos aqui presentes... Mas eu prometo que não farei uma fala chata contrapondo o direito natural e o positivismo, porque ninguém aguenta mais essa chave de leitura
de "Antígona". Eu queria comentar dois aspectos da introdução do livro do Vitor com os quais me tocaram especialmente e com os quais eu me identifiquei muito fortemente. Eu acho que a primeira coisa foi ver, no percurso intelectual do Vitor, essa grande abertura que ele tem para a tradição secular da modernidade, e como isso moldou a percepção filosófica dele. Em alguma medida, isso se assemelha muito à minha própria história. A minha própria formação filosófica e o meu acesso aos clássicos e aos filósofos cristãos vieram posteriormente ao meu acesso a uma tradição secular moderna. Esse percurso é
muito interessante porque me faz ver algo que é o segundo ponto que chama a atenção nessa introdução: quem busca a verdade busca Deus. né, acho que é isso que o Vitor coloca de uma maneira muito bonita quando ele fala, num parágrafo que me tocou muito, a descoberta de que esse objeto que é a sabedoria, né, me atraía. A descoberta de que esse objeto que me atraía era uma pessoa. Isso foi uma coisa que eu vivenciei muito fortemente na minha vida, né, quando eu comecei a estudar seriamente filosofia. Quando eu estava no mestrado em filosofia do
direito, comecei por um viés de autores de tradição secular moderna e me vi cada vez mais próxima, eh, de algo que eu entendia que era uma possível contemplação da verdade. Eu vi que o que eu buscava era uma pessoa e que esse encontro da verdade se dá quando a gente encontra uma pessoa, né, que é Cristo. Então, eh, isso foram duas coisas que me comoveram muito especialmente nessa introdução. E aí, passando aqui propriamente para Antígona, né, de Sófocles, que é um ensaio, que é uma peça que o Vitor, né, trata em um ensaio muito denso,
inclusive do ponto de vista, né, da sua análise, eu acho que é útil, talvez aqui, porque eu sei que muitos estão com o livro, mas ainda não leram o ensaio, né, fazer aqui uma breve exposição, eh, do que é que trata esse ensaio. Bom, a história de Antígona, eu acho que a maior parte já conhece, né. Antígona é essa heroína, né, que deseja sepultar o seu irmão Polinice, né, cujo sepultamento fora negado por Creonte, que é um rei eh autoritário, né, impiedoso. E, se ela desrespeitar essa determinação de que Polinice não pode ser sepultado, Antígona
vai pagar com a sua própria vida. E essa história, né, de Antígona, né, o Vitor começa esse ensaio dizendo uma coisa muito interessante: diz, olha, existe uma primeira chave de leitura sobre a qual eu não quero falar. E eu também não quero falar. Vitor, não se preocupe, eu vou passar apenas por ela, que é de que esse é um ensaio em que, de fato, o que nós vemos é uma contraposição muito forte, muito evidente, entre aquilo que a gente chama lei positiva e lei natural, e a ideia de que o requisito da legitimidade da autoridade
se dá, né, quando essa autoridade é capaz de observar o valor do ser humano por meio do respeito a algo que nós chamamos de direitos humanos. Então, essa é uma primeira chave de leitura desse ensaio que o Vitor apresenta, mas não explora, que é uma chave de leitura que a gente costuma fazer, né, nos cursos de filosofia do direito, especialmente quando a gente quer apresentar essa visão do direito natural. A segunda chave de leitura dessa obra, ela é muito mais profunda, né; ela vai revelar esse conflito religioso e filosófico que é incorporado nessa obra, e
eu achei muito interessante porque o Vitor fala: "Olha, ainda assim, as leituras que eu havia feito a respeito, as interpretações de Antígona, ainda me pareciam, eh, extremamente insuficientes." E aí, depois de muito procurar, né, e buscar, o Vitor adota, nesse ensaio, a leitura do Ren Gir, que é muito interessante. E o Ren Gir, ele vai dizer, de uma maneira aqui muito, muito resumida, o seguinte: que Polinice, né, esse, esse irmão de Antígona, ele representa essa figura do bode expiatório, né, essa figura do bode expiatório que, na verdade, é uma ocultação, né, dessa inocência da vítima
por meio de uma violência que é compartilhada socialmente, mas com a ideia de fundar um pacto social que permita que essa sociedade, eh, continue. Né, apenas resumindo aqui, eu não quero, eu não tenho os elementos para fazer uma leitura aqui profunda do Gir, né, mas eu quero levantar aqui, na minha fala, fazer três comentários, eh, que me chamaram muito especialmente atenção na leitura que o Vitor faz de Antígona. Né, que é uma questão, né? Tem uma coisa também, a gente fica relendo os trechos de Antígona, e aí eu estava lendo e e e vendo materializada
também a palestra da Bruna sobre a beleza, né, é impressionante. E eu fiquei pensando: "Nossa, eu preciso ver Antígona em formato de ópera, que deve ser uma coisa." E eu fiquei pensando: "Já sei que vai ser meu programa na sexta, amanhã à noite, eu vou procurar no YouTube, vou colocar, preciso ver esse diálogo em ópera." Né, mas o primeiro, o primeiro comentário que eu tenho a fazer, que me chamou muito a atenção, algo que o Vitor traz aqui na página 221, quem está com o livro pode até acompanhar, né? É que, em alguma medida, eh,
Antígona, ela incorpora um drama existencial universal, um drama existencial que, muito provavelmente, todos nós já passamos em algum momento da nossa vida, em maior ou menor grau. E essa chave de leitura do Vitor, nesse esse ensaio, nos nos mostra exatamente esse drama existencial, né, que é o que é revelado aqui por esse parágrafo em que o Vitor, né, pergunta: "A heroína de Sófocles é arrojada ou desmesurada, ativa na realização de seu próprio destino ou vítima passiva de uma maldição que gera mais morte e destruição? Fiel aos deuses ou possuída por um assombro suicida?", né. E
eu fiquei pensando que, na nossa vida, né, de cada um de nós, a gente passa, em alguma medida, por esse drama e que é o drama que pode ser traduzido nos seguintes termos: né, ser fiéis aos nossos valores em um mundo secular e ateu, né, ou sucumbir ao conforto, né, de uma vida sem conflitos ou sucumbir ao... Conforto de fazer parte de uma unanimidade que não reage como essa de Tebas, né? Que é muito bem retratada aqui. É uma unanimidade falseada de muitas pessoas. Diz a própria Antígona que só não tem coragem de falar, mas
que estão pensando tudo aquilo. E um outro drama, né? A partir dos nossos princípios ou por um senso de utilidade, de utilitarismo e consequencialismo. Ah, em que medida os sacrifícios que nós estamos dispostos a fazer pelas coisas em que acreditamos - sacrifícios em prol da família ou sacrifícios familiares e sacrifícios em prol da nossa crença - sacrífcios, ah esses que são sacrifícios pessoais, valem a pena diante da imprevisibilidade do nosso destino e diante dessas forças do mundo que nos constrangem, da mesma forma que Antígona, né, era constrangida? Aqui, me parece que o Vitor termina essa
sessão do ensaio, eh, com essa, essa, essa... ele, ele, ele desenvolve isso mais para a frente, mas esse é um grande questionamento que paira no ensaio, que é respondido nas ações seguintes. No, no, no, no momento seguinte, o Vitor abre um tópico em que reflete a respeito da consciência individual versus o poder político. E aí eu me lembro, né? Isso, isso me, isso me fez recordar uma frase de um autor que eu sei que também é muito caro ao Vitor, que é o John Fines, que, inspirado em São Tomás de Aquino, diz: "Se os propósitos
da Lei requerem ações que ninguém deveria fazer, a nossa obrigação moral é desobedecer." É isso que faz Antígona, às custas de muitas coisas. É uma escolha trágica, em alguma medida, é a escolha da Cruz, né, de que você falava. E aí, diante de todas essas perguntas, né? Dessa pergunta: “Ser fiel aos nossos valores ou sucumbir ao conforto?”, né? Ser guiado pelos princípios ou nos deixarmos levar por uma visão de utilidade, consequencialismo me parece que a resposta para essa pergunta é dada no ensaio e é dada, eh, no próprio texto original, né? A resposta a essa
pergunta também é dada por Sócrates, quando ele aponta para o alto, né, e diz que a melhor resposta, né, diz Antígona, ah, é entender que a resposta não está na mera materialidade. A resposta está em ter um olhar para a eternidade, portanto, um olhar para a morte e para a perenidade da nossa vida, que faz com que nós confrontemos os nossos valores com aquilo que realmente permanecerá, com aquilo que é eterno. E Antígona fala isso, né? Isso está na página 225, reproduzido pelo Vitor. Eh, ela diz: “Não me aflige essa sina, essa causa, né, que
paira sobre ela em virtude da sua desobediência civil. Porém, se aceitasse para um filho morto de minha própria mãe que jogassem no ermo o corpo sem sepulcro, isso me afligiria. A morte não me aflige; para ti, talvez agora eu pareça uma louca. Talvez essa loucura eu deva a um outro louco. No entanto, a morte não me aflige porque ela, como fala em muitos outros momentos, né, dos diálogos, ela fala: 'Esse não é o meu destino eterno'.” Então, essa postura de um tremendo desapego em relação à vida se dá por força de uma visão muito clara
da perenidade da nossa vida material. Isso é algo que eh, é muito bonito, né, ver em um autor pagão, inclusive, né? Que é o Sófocles. E aí, o segundo comentário que eu tenho a fazer a respeito desse ensaio é que, embora o Vitor identifique Antígona com a figura cristã, né, com o próprio Cristo, aqui a todo momento, enquanto eu lia o ensaio, eu me lembrava de um outro personagem, que é o Pilatos. Eh, e eu vou explicar por quê. Eh, a todo momento esse, esse, esse ensaio do Vitor me fez recordar o julgamento de Cristo
e a narração que o Vitor faz da Antígona porque me parece que a coragem de Antígona, quando ela se coloca em defesa de alguém que ela considerava não inocente propriamente, eu acho que isso fica claro, mas é não merecedor da figura de bode expiatório - como é colocada aqui - contrasta com a covardia de Pilatos no julgamento de Cristo. E eu fiquei a todo momento vendo aquela cena do julgamento de Cristo e vendo, eh, como é que Antígona ia ali, né, diante daquela figura injustamente, ah, eh, eh, condenada. E aí, eu também não pude deixar
de me recordar de um trecho da sacra do Papa Bento XVI, né? Que eu acho que faz uma conversa maravilhosa com o ensaio do Vitor e com Antígona. O Bento XVI diz o seguinte: “A justiça é espezinhada pela covardia, pela pusilanimidade, pelo medo da ditadura da mentalidade dominante. A voz sutil da consciência fica sufocada pelos gritos da multidão.” A em Cristo era multidão, né? Dos judeus, aqui, a multidão de Tebas, né? A indecisão, o respeito humano dão força ao mal. Eh, então, eu coloco muito em paralelo, né, essas figuras e ao mesmo tempo eu fico
pensando na atualidade dessa reflexão no nosso momento contemporâneo, quando eh, a gente olha para um fenômeno que inclusive é muito associado, né, com o fenômeno das redes sociais, que é um pouco dessa nossa cultura que a gente chama de cultura do cancelamento, né? Eu não gosto muito dessa terminologia, mas isso, isso é real. O que que a gente percebe em Antígona? A gente percebe em Antígona a incorporação de uma virtude mestra, que é a virtude da prudência. Eh, em várias, várias vezes nos diálogos, Antígona, quando conversa com Creonte, ela diz: “Olha, você tem apenas uma
parte da verdade, mas existe uma outra parte que é de que Pólis não começou essa guerra.” Sozinho, né? Houve alguém que, em primeiro lugar, começou. A gente precisa olhar o contexto inteiro, e essa prudência de Antígona se opõe a uma violência generalizada. É alguém que levanta a mão e diz assim: "Pera aí, vamos quebrar essa unanimidade cega ou essa unanimidade covarde e vamos tentar entender a coisa sobre uma perspectiva mais complexa, né? Uma perspectiva mais prudente de fato." E eu achei muito interessante quando o Vitor disse que a Antígona rompe com, né, com uma unanimidade.
E me parece que eu tenho aqui alguns alunos meus, né, no curso de Direito, e é um trabalho que a gente faz muito em sala, na Bela Vista, quando a gente trabalha o método do caso, né? Que é entender que um dos nossos grandes papéis enquanto advogados juristas é romper de forma consciente, não por uma rebeldia contra o senso comum, né? Não porque nós queremos ser do contra, mas é porque a gente entende que uma unanimidade que se forma de uma maneira muito fácil pode estar guiada por duas coisas: ou uma profunda ignorância ou um
tremendo medo. Então, que nós, na qualidade de juristas, precisamos ter a virtude da prudência que Antígona tinha. E eu acho que isso é uma outra coisa que fica muito interessante, né, no ensaio do Vitor. E, por fim, meu terceiro comentário é que eu não sei se o Vitor vai ter tempo de responder a isso, mas em um dos trechos, em uma das sessões do ensaio do Vitor, trata-se de uma figura que aparece em Antígona, que é a figura de Hemôn, né, que é o noivo de Antígona e que, para Vitor, ele representa a razão democrática
diante de um absolutismo. [Música] É aquele que diz o seguinte: "Pai, né, Creonte, você não escuta o choro da cidade por soltar essa moça? A cidade clama." E aí Creonte fala: "Eu vou ser governado por Tebas, né? Vou ser governado por essas pessoas todas." E aí eu fiquei pensando numa tensão que existe no ensaio, Vitor, que é de um lado a gente pode encarar se a gente encara a democracia a partir de uma perspectiva estritamente procedimentalista ou em termos meramente numéricos. É difícil a gente ter essa ideia da razão democrática porque, Cristo, por exemplo, foi
condenado democraticamente, né? E aí a gente começa a ter um problema de pensar: "Bom, que conceito é esse de democracia, de razão democrática, aqui do Hemôn?" Porque, vejam, o conceito de democracia, se nós entendermos a partir de uma perspectiva meramente numérica, como meramente a formação de uma maioria ou meramente a formação de uma unanimidade, ela pode levar a resultados grotescos, assim como até então vinha sendo na história de Antígona, até que ele diz: "Olha, não, mas na verdade as pessoas estão com medo de falar. Não é que elas não aderem ao que você deseja." E
aí a gente precisa pensar no nosso sistema democrático sobre um viés profundo também. Nesse sentido, eu acho que essa é uma outra reflexão que me surgiu, né, aqui nesse ensaio. E eu falo isso porque eu acredito que, assim como eu, você deve ser profundamente imbuído de um espírito democrático. Isso é uma coisa que a gente precisa dizer. Tá? Quando a gente faz esse tipo de questionamento, isso não quer dizer que nós estamos afastando a democracia do nosso horizonte. Isso precisa, a gente precisa dizer, que nós precisamos entender o que é essa razão democrática, sob pena
de a gente entender que democracia é meramente também contagem numérica. E às custas de quê? Às custas de, né, ou de ignorância ou de medo? Isso levanta uma reflexão muito profunda em filosofia política que talvez seja muito pouco usual na leitura de Antígona, mas que eu acho que vale a pena a gente refletir e explorar. Bom, eram esses os três comentários, né? Como vocês podem ver, tem muita coisa pra gente pensar a partir do ensaio do Vitor. É muito rico! Mas eu quero mais uma vez agradecer ao Vitor pela oportunidade de estar aqui, que eu
considero também uma oportunidade, Vitor, de homenageá-lo não somente pelo grande intelectual que você é, mas também pelo grande amigo que você é, né? Meu do meu marido, Daniel. Eu me lembro que uma das nossas últimas conversas, no final de 2023, você falou uma coisa que me veio de forma muito marcante quando eu estava lendo esse livro, que é: "Eu tenho dúvidas sobre muitas coisas a que sou chamada, mas eu tenho certeza de que sou chamada a uma coisa que é escrever, a ser alguém que escreve pras pessoas lerem." E é muito bonito ver a concretização
disso nesse livro tão rico, né, que eu tenho certeza que ainda vai ser continuado com muitos outros livros que nós esperamos, né, ansiosamente, que você publique. Então, muito obrigada! Muito obrigado, Ana! Não esperava menos de ti, que leitura fina! E veja, a gente poderia pautar qualquer um desses 16 ensaios e ficar muito, muito tempo. Mas eu vou passar a palavra logo pro Hugo, a quem eu agradeço mais uma vez, que é diretamente responsável por dois dos ensaios do livro, para ouvi-lo e representar — como já foi dito algumas vezes — o poeta da mesa, né?
Além de acadêmico. Obrigado! Não espalha isso, não. É, não tô! Numa posição completamente constrangedora aqui, né? Por diversas razões: primeiro, por ser o último a falar depois do Lucas, né, que falou com a... né, do coração da Bruna, que, né, desfiou. Aí, um... um rosário de conhecimento, assim, né? Eh, eu, eu lá cumpri todos os os requisitos da academia, mas toda vez que eu voltava pra academia, o mercado editorial me puxava de volta, né? Ainda estou tentando vencer essa batalha. Eh, depois, o mestre da ordem aqui, né, você viu que... eh, eu usei um tempo
numa metafísica da totalidade, que eu achei tão bonito! Eu não sei nem o que significa, mas, mas... eh, sim, eu vou usar. Eh, e a Ana que falou com a graciosidade, assim... e aí eu chego e olho o meu tipo de anotação, assim, eh, e eu super preocupado porque o cara do soneto podia escrever um soneto e resolver o problema. O cara do estacionamento falou assim: "Eu fico aqui até 20:40." Eu tô assim com a minha esposa, assim: "Ó, 20". Então eu sou o último, eh. Mas você sabe, não? Ainda tem o fato de que
a Bruna vai me fazer arquivar o meu Tratado de Estética. Você viu esse negócio desse cara? Mentira! Mas eu concordo: Platão é, de longe, o poeta mais legal de todos, o mais bonito! E você pode fazer uma experiência: você pega um poeta, um artista, um músico, qualquer pessoa que trabalha com criação artística, e pede para ele ler um desses estetas do século XVI para cá. Ele vai... não vai prosseguir, não representa! E se a gente ler Platão, fala assim: "A gente tá falando de uma coisa que eu experimento em primeira pessoa". Isso é tanto é
que, depois do século XVI, o que que é mais legal de ler sobre criação? Fala: lê os próprios artistas falando dos seus processos criativos, porque tá muito mais próximo da realidade das coisas do que essa geração toda! É muito melhor ler o Ariano Suassuna falando de como ele escreve do que você pegar os... né, aqueles ensaios todos escritos, né, do século XI para cá, do século XVII para cá, que muitas vezes são ininteligíveis mesmo. Eh, e bem, graças a Deus, vocês não me expulsaram da república! E, e ganhou... eu, eu vou... assim, minha fala vai
ser muito de uma experiência própria, eh, e, e assim, vocês todos aqui estão aqui por uma razão, e certamente porque têm uma relação especial com os livros. E vocês já devem saber que, por mais que a gente tenha questões que vão inquietando a gente, ou mesmo na vida acadêmica, né, a gente passa às vezes 2, 3 anos no mestrado, 4 anos num doutorado, a gente lê muito, mas aqueles livros que tocam no coração da gente nunca são necessariamente os livros que a gente escolheu para resolver alguma questão, alguma dúvida, tá fora da nossa escolha. Eh,
esses livros que mudam as nossas vidas, né? E, e a gente todo mundo tem uma história pessoal, né, dos livros e pode ser mais ou menos glamorosa, né? A minha é péssima! Eu tava lá no Rio, perdi os pontos de ônibus porque tava com 13 anos. Eu descia no lugar errado porque eu não queria parar de ler o... o "Salinger" com 13 anos de idade, assim, eh, e... e sabe, não, não escolhi! Caiu na minha mão aquele livro e, depois, adolescente, quando li o "Fante", lá, me achava super, sabe, né, descolado, não sei o quê
lá, mas... e esses livros que marcam a gente estão completamente fora da nossa razão, assim! A gente não escolhe o livro que vai marcar a gente, eh. E eu, esses dias, tô vencendo uma resistência minha e eu me envergonho de... porque, assim, qualquer pessoa que mexe com o livro vai falar assim que a melhor coisa que tem que fazer só tem uma coisa necessária: re ler! E eu sempre fui um cara muito, assim, né, muito avesso às releituras para não macular aquela experiência. Até hoje eu não consegui ler o "Salinger" de novo porque pode ser
que eu olhe e fale: "Nossa, eu perdi tantos pontos de ônibus da minha vida por causa disso!" Né? Eh, mas eu tô vencendo, eh, e revisitando os clássicos. Mas não só os clássicos nesse sentido da importância histórica, mas daqueles clássicos do coração. Então, né, voltei a ler alguns ensaios da Natália Ginsburg, pô, que me encantam muito, eh, e voltei, peguei o "Quixote" de novo e... e, e claro, né, eu voltei às "Confissões". Depois do doutorado, eu fiz o doutorado basicamente nisso, em teoria da literatura, que é uma coisa completamente inusitada: você pegar Santo Agostinho para
estudar na teoria literária, que é uma coisa que ninguém nem sabe o que que faz, e nem os caras que fazem! Eh, e... e aí, tô tendo a experiência do cara: essas questões que eu achei que estavam resolvidas, inclusive academicamente resolvidas, não estão resolvidas! Elas voltam e voltam com uma cara diferente. Falei: "Cara, eu tinha resolvido isso no doutorado! Por que eu tô lendo aqui de novo e tô voltando com as mesmas questões?" Porque esses clássicos nascem do amor à sabedoria e não se esgotam! Por isso que a Bruna pode ler Platão 50 vezes, vai
ser sempre uma coisa nova, né? E São Tomás, Ed Stein, ou qualquer coisa, pode ser que eu volte a ler os livros da minha adolescência e sinta a mesma coisa. E então, esse livro chegou nesse timing, assim, sabe? Não tá no nosso controle e é... é uma leitura. Eu acho que vocês vão ter esse tipo de experiência também! Todo mundo que tá aqui na mesa certamente teve de que a gente não tá fazendo uma leitura por obrigação porque... Eu ia estar aqui, precisava falar alguma coisa, mas é quase como, "eh", uma sensação de cumplicidade mesmo,
né? É como estar entre iguais. Eu, como sou carioca, vou usar um termo de crime, né? Como se estivesse roubando, roubando e dessas fontes que são as nossas fontes, né? E só carioca pode fazer esse tipo de piada. E então, o que eu queria dizer, e eu acho que é o que você queria com esse livro, é que essa não fosse uma leitura do "tô lendo". Porque o Vitor é um intelectual público, e é legal fazer parte desse movimento, né? Um cara que tá ganhando destaque, ou tá na moda, falar em virtude, sabedoria. A Pri
tá na moda, há um milhão de coisas que a gente pode pegar como exemplo, mas eu acho que o desejo, e eu fico feliz de ter experimentado isso, é de ler isso no "tô lendo" em família mesmo, porque eu tô visitando, como todo clássico, tô visitando meus parentes. É isso, eh, e essa foi mesmo a experiência que eu tive. E tive essa experiência de maneira mais palpável nesse ensaio que eu vou comentar, eu vou comentar muito brevemente mesmo, eh, mas que eu acho que é a experiência que, né, é o epítome do que você queria
com o livro. Se você me permite achar o que é o que você quer. Mas assim, eu tenho certeza de que é, porque todos nós partilhamos desse amor à sabedoria, seja da forma como for, seja fazendo versos que não são tão legais quanto música. Mas, né, mas é um pouco mais degradante, mas não tanto degradante, eh, mas eu acho que é assim, é a experiência de todos nós. Estamos aqui, a gente não tá aqui numa quinta-feira à noite, assim, nesse horário, eh, embora, sei lá, a Ana tá pensando na sexta-feira à noite para ver uma
ópera. Eu tô me sentindo muito constrangido porque eu quero que as crianças durmam na sexta à noite para eu tomar uma cerveja e dormir também. E, né, então, eu nem cheguei no ponto com 18 anos, pergunto sobre Thomas Mann. Não sei, gente, aos 18 anos, estava no FRJ fazendo as coisas, eh. Mas, voltando à parte bonita do negócio, eh, que é o, assim, é o ensaio do Aquiles e talvez seja um dos mais curtos dessa sessão toda de ensaios, né? Tem alguns ensaios que poderiam ser livros próprios, né? Eh, mas eu acho que ele serve
como um pouco do resumo dessa experiência da leitura desse livro e que eu acho que é o que de melhor o intelectual pode conseguir. Vocês sabem, tem o ensaio que se refere ao Aquiles. Ele trata, e eu acho isso um mérito impressionante. Porque quando a gente normalmente trata, menos eu que venho das letras, mesmo, a gente trata esses textos muito clássicos. Tem uma forma de tratá-los que é uma forma até que você aborda por uma maneira meio formal, né? Então, a tragédia é aquele gênero que retrata os homens, né, tal, tal, tal. Isso, isso, isso.
O épico retrata homens superiores. Eh, isso é muito útil, claro, didaticamente é muito útil. A gente aprende isso nas letras mesmo, né? Um manualzinho pra escola, é uma forma de ler essas coisas. Mas isso corre o risco da frieza, né? Que assim, tudo bem, pode ser isso formalmente. Mas não é isso que faz a Ilíada ser lida hoje, meu Deus do céu. Né, imagina, eh, até porque a Inteligência Artificial, daqui a pouco, fala: "me dá essa forma" e uma hora vai chegar uma Ilíada, né? Até às vezes com, né? Eh, mas não é isso que
faz a gente se comover diante da Ilíada, eh. E o que faz a gente se comover diante de um livro é uma pergunta que acontece quando a gente termina o livro. Ou uma que é, e eu tive essa experiência dentro do O Silêncio do Chacondo. Era um livro assim fascinante, ganhou o Nobel. Tudo. Fechei o livro e falei: "Cara, que que eu faria aqui?" E essas respostas nunca são fáceis. E a experiência do Aquiles, que é a experiência desse ensaio, me deixou até agora perguntando: "Cara, o que que eu faria?" E a minha resposta é:
não tem nada para fazer nesse caso, porque eles não conheceram a Cristo. Aquiles não conheceu a Cristo porque Aquiles, o grande herói da Ilíada, é a ira dele que é cantada. Eh, e tem uma hora lá que eles estão na batalha, ele desiste de batalhar porque o camarada LOMEMON deu uma zoada nele lá, roubou a escrava dele. Aí ele falou: "não". Só que ele não batalhar, naquele universo grego, no universo épico, significa o quê? Bom, ele não vai ser o herói, ele não vai ter a glória. O que que mais, né? Tem uma citação do
Aubar maravilhosa, Wbar maravilhosa, e fala, né? Pô, a beleza da vida, do mundo sensível, dessa glória toda era a grande glória dos gregos. Aquiles tá querendo dizer não para isso, eh. E ele diz não com aquela expressão de assombro que é: "Nossa!" Que a gente vê muito nos nossos filhos. O assombro diante da morte, né? Sabe quando o filho descobre que um dia os pais não vão estar aqui para sempre? Que destrói, né? Fala: "papai, um dia você vai morrer". Cara, é pra gente uma coisa completamente corriqueira. Um dia o papai vai morrer, né? É
a criança. Porque o assombro da morte, né? Aquela visão infantil que a gente tem que recuperar, que o Chesterton louvava tanto, né? E que o Corção captou no Chesterton, eh. Então, o argumento que Aquiles usava falava assim: "Cara, a morte nivela todo mundo, né? Assim, que adianta eu ter sucesso aqui na na, na..." Na guerra, é tal, mas no final das contas, é tudo pó, né? Eh, acontece que ele volta para a batalha porque o Pátroclo, que é o amigo dele, que foi mandado no lugar dele para a guerra com as armaduras dele, morre. E
aí ele fala: "Cara, meu amigo morreu no meu lugar, por minha causa." Aí ele vai lá e, né, daí ele é o herói. Mas essa pergunta, vê, isso não resolve a questão do Aquiles; ele não resolve a questão de que a morte realmente nivela todo mundo, eh, o que ele estava querendo lá era, mas tudo bem, ele tinha um motivo superior. Mas hoje a gente sabe que esse motivo superior é bonito de ver, ele vencendo o medo dele. Mas vamos pensar: é vanglória, né? E os gregos não conseguiam olhar um palmo à frente, eles não
tinham Revelação ainda. E por isso que eu digo: não tem resposta certa para o Aquiles. É bonito, é heróico e é épico, como tem que ser, que ele vença a batalha dele, grave seu nome e venha a ser um herói de fato. Mas se ele tivesse voltado para casa, para ter uma vida normal, uma vida longa, como ele cogitou, talvez fosse uma medida de prudência. Assim, você vai vencer para ser, para a sua própria vanglória, ou você vai voltar para a sua casa? Se essa pergunta fosse colocada pra gente hoje, se a razão fosse a
vanglória e voltar pra casa, lá para Jund, para minha esposa, para meus filhos, desculpa, eu vou voltar para Jund, para minha esposa, para meus filhos, né? Essa questão só fazia sentido se o horizonte máximo aquele grego. Por isso que a pergunta ecoa, porque assim, a nossa resposta hoje não seria a resposta grega. Por mais que a gente tenha esse manancial, isso foi o que o Santo Agostinho descobriu nas Confissões. Porque normalmente a gente interpreta a relação de Santo Agostinho com a literatura pagã dentro daquele fala: "Não, eu ficava lá chorando pela Dido morrendo, mas eu
não chorava pelo estado da minha alma." E aí em geral o pessoal fala assim: "Ah, então, Prof. Agostinho é um filisteu, né? Não quer saber daquelas letras e tal." Mas o Agostinho era um grande poeta, assim, talvez só equiparado a Platão mesmo, sabe? Eh, todas as Confissões, por exemplo, em que ele fala, uma frase dessa é composta de trechos, o topoi da literatura clássica antiga toda. Ele é o novo Odisseu, só que qual é o lance? Ele vai seguindo o modelo do topoi. Por exemplo, Dido morre nas praias de Cartago, e o Eneas vai embora,
larga ela porque ele tem uma missão a cumprir. E por isso o pessoal falava que a Eneida era o grande primeiro épico cristão, porque ele tem um senso de missão. E então, Dido fica na beira da praia. O que ela faz? Ela se mata. Agostinho vai para Cartago, Santa Mônica está lá na beira, mesma cena da Eneida, mesmo lugar. O filho vai embora escondido, ela vê ele indo embora, ela começa a chorar. O que ela faz? Vai para a igreja rezar. Ou seja, Santa Agostinho está empapado da literatura clássica, mas a literatura clássica não dá
conta da experiência nova que nasce com o cristianismo. E por isso, quando eu li isso, falei: "Cara, eu aqui... eles não iam ter como responder. Ele não tinha essa experiência que agora a gente tem." Eh, e assim, um ensaio muito curto, mas esse eu continuo: o que eu faria? Porque agora eu tenho essa experiência, entendeu? A sabedoria se revelou, né? Ela veio até aqui, mostrou uma... ela tem um rosto agora, eh, um rosto chagado, né? Eh, que é o grande ensaio do Bento XVI que ele comenta um salmo e fala: "Olha que grande escândalo a
beleza faz com a gente, desvie o olhar dela." Né? Que beleza é essa? Que é o Cristo chagado, a gente não consegue olhar. Não tinha beleza nele, né? Eh, estou emendando uma coisa na outra, mas vocês estão tão quietinhos assim, eh. Mas, eh, então... eu, claro, posso só fazer um comentário brevíssimo: a frase famosa do idiota do Dostoiévski, "A beleza salvará o mundo", que está citada na epígrafe desse "Fá" que a Bruna comentou, epifania da beleza, é sobre Cristo chagado. A beleza que salvará o mundo é a beleza de Cristo chagado, em quem não se
vê beleza do ponto de vista humano. Exato, lembrei disso. E então, o que eu queria, assim, é quase um testemunho de leitura, isso, mais como um comentário. Eu estou tão longe da academia, tanto tempo que eu acho que perdi a mão, mas essa experiência do eu, que é o assombro que o próprio Aquiles sente diante da morte, é o que eu sinto diante da experiência do Aquiles. E que é a chave, né? O assombro é a chave de qualquer obra de arte, mas não só disso, de qualquer filosofia. É aí que nasce tudo, o conhecimento
da criança nasce como no assombro, né? Você já viram uma criancinha pequena na banheira tomando banho? Bate na água assim, cara, enquanto você está com seu relógio, ela está assombrada. A gente perdeu isso. Aquiles sentiu isso diante da morte. Cogitou deixar a glória dele de lado por conta disso. A sabedoria, a busca da sabedoria, o amor pela sabedoria, assuma a forma que for, ela nos interpela. Isso é perigoso, por isso também. E então, que bom que Cristo veio, o caminho mesmo, deu esse caminho pra gente. A gente está pisando em... Coitado do Aquiles, que não
tinha o caminho. Entendeu que não foi revelado para ele. E que bom que você está tocando nesse caminho pra gente. Acho que era isso que eu queria dizer, né? Que sim, você está pegando isso tudo, mas o horizonte está maior, está mais amplo, e a gente só tem a agradecer a isso mesmo. Você sabe que tem uma máxima do discernimento dos espíritos que é: "Pelo fruto, o conhecereis." É o básico. Você usa para saber se uma ação é boa ou se é ruim. Qualquer manualzinho, a primeira coisa é... E a gente está aqui. Eu termino
um pouco, acho que falo por todo mundo: a gente está aqui. Isso é o fruto, né? Todo mundo aqui em família. Então, acho que a gente pode falar que o fruto desse seu trabalho, dessas cruzes todas, é muito positivo. É esse sentimento de familiaridade e essa experiência que eu tive, que a Bruna teve, que a Ana teve, que o Gabriel teve, que o Lucas teve com esse livro e com seu trabalho, em geral. Isso pra te dar ânimo mesmo para continuar, porque ficar longe da família é muito ruim. Não é assim? Você deve estar pensando
na AL em casa e tal. Eu entendo. Então, mas né... Obrigado, né? Vai vencer a sua guerra. Não pela vanglória de Aquiles, mas né... obrigado, obrigado. Gente, facilmente eu poderia comentar cada intervenção por 30 minutos, sem exagero, e facilmente também cada interlocutor poderia comentar por muito mais tempo as outras intervenções. A gente poderia ficar numa mesa redonda que, se Deus quiser, vamos poder usufruir no círculo dos sábios no céu, porque tem um tempero de eternidade, tem um sabor. Por exemplo, eu comentei aqui com o meu amigo Gabriel, rapidamente, a citação que ele mencionou como sendo
minha. Eu reconheci; eu não estou senil como Santo Afonso. Eu vi que na verdade foi um erro de diagramação da citação, porque eu sabia que não tinha sido eu. Então, mas já me suscitou, e cada ensaio, cada fala dessa me deu vontade de fazer um ensaio explicando melhor e comentando. O que a gente quer, o objetivo da mesa, foi plenamente cumprido, né? Por quem a pensou, que fui eu. Porque o que a gente queria é que vocês se sentissem envolvidos, motivados a entrar nessa conversação. Ah, você, eu só li, mas quem sou eu? Só li
um primeiro livro. Tudo bem, ponha esse livro na pauta. Traga esse único livro que você leu. Traga o Sellinger para debater com Homero, né? Se você leu Herman Hesse ou se você leu Harry Potter, não interessa. O legal é a minha filha, com 11 anos, já começa a fazer isso, porque já leu muitos livros. É comparar, é contrastar e encontrar a verdade. Amicos Plato, S amica Veritas. Nós amamos Platão, mas podemos dizer com Aristóteles que a verdade é mais amiga aqui. Platão, nós amamos. Santo Tomás, nós amamos. Santo Agostinho, né? Mas a gente chega diante
de Cristo, por exemplo, e fala: "Esta é a verdade." Então, sintam-se convidados à leitura do livro. Muito obrigado pela atenção. Muito obrigado, Bruna, Ana, Gabriel, Hugo, Lucas... e vocês. Me comoveram, me lisonjearam. Eu não mereço a leitura tão atenta, carinhosa e generosa que vocês fizeram. Eu realmente admiro muito cada um de vocês e, se o livro fosse lido só por vocês, eu já me sentiria muito satisfeito. Espero realmente que este livro seja uma iniciação na vida de amor à sabedoria que vocês presenciaram aqui, sendo retratada de modo tão sincero, tão existencial, tão profundo por esses
verdadeiros amantes da sabedoria e por mim mesmo. E esse é um caminho de fé, de beatitude, de consolo. O consolo da beleza, o consolo da verdade. E o Lucas lembrou do que eu disse de fato, e repito: eu estou morto, né? Mas, ao mesmo tempo, estou Pascal, red vivo também. E cada releitura e cada experiência dessa me faz ter muita gana de viver, porque a gente antecipa a experiência da contemplação beatífica do céu. Então, existe um sentido muito profundo que eu deixei bem claro do começo ao fim, que é o de encontrar a Deus por
Cristo, de amá-lo, de conhecê-lo, de buscá-lo. E isso nos anima, né? Isso nos motiva, isso nos entusiasma, porque no fundo é o próprio Espírito de Deus que nos visita e nos faz buscá-lo. Essa dinâmica também está muito presente em Santo Agostinho, né? Consola-se, diz Pascal: "Tu não me procurarias se já não tivesses encontrado." Esse consolo... eu espero que o livro cause a vocês. Muito obrigado, e que bom que está sendo gravado. Uma outra coisa que me ocorreu dizer: depois que tiverem lido, revejam no YouTube; depois que tiverem lido o ensaio sobre Piper, revejam, porque vocês
vão contrastar e perceber uma leitura muito mais madura e experiente. Ao mesmo tempo, vocês também vão ter pensado em outras coisas, né? Se eu falo de Mozart no ensaio do Piper ou de Bar no mesmo ensaio, vocês terão experiências diferentes. E essa é a graça que eu espero do livro. Eu vou ficar aqui para assinar com muita alegria, e a gente tem infelizmente o teto das 9:30, então talvez a gente precise ser dinâmico. Muito obrigado de coração. [Aplausos] Muito bom, muito bom. Eu quero... se vocês... vocês têm a prioridade máxima. Tenham um presente para você,
ô amigo. Obrigado, o livro da rep. A gente... você só que... [Música] Ela só pegar. E eu estou esperando teu vídeo no YouTube ansioso. É, agora eu vou fazer, depois de hoje, tá? Será sobre isso, cara. Vou resgatar meu carro lá. Queres que eu vá assim rapidinho? Tenha... quero, quero, quero! É prioridade! Pro... está de partida. Vamos ver, né? Se o cara ficou com meu carro lá. Tá jovem ainda? Aí é meio com essa, né?