Qual o programa econômico das esquerdas? O debate da planificação

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Jones Manoel
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Video Transcript:
Salve, galera! O tema do vídeo de hoje é: Qual é o programa econômico da esquerda? Nos últimos tempos, vários intelectuais como o professor Vladimir Safatle vêm destacando o quanto a esquerda não tem um programa econômico claro para apresentar.
Safatle no seu livro "A esquerda que não teme dizer seu nome", que deve estar aparecendo aqui algum lugar, e "Só mais um esforço", destacam como, via de regra, a nível de programa econômico, a esquerda está perdida, sem programa, e, no geral, se restrinja a defender um keynesianismo bastante recuado. Do ponto de vista histórico, a compreensão média das esquerdas era de que, na pauta econômica, nós deveríamos defender direitos sociais, econômicos, serviços públicos, em suma: medidas de redistribuição da riqueza de maneira geral, tendo como fundamento a criação de um sistema tributário progressivo, ou seja, que não tribute o consumo, e as classes trabalhadoras, e as camadas médias, e foque no tributo sobre renda e patrimônio da burguesia; a nacionalização dos setores estratégicos da economia e criação de empresas públicas, compreendendo que as empresas públicas têm uma permeabilidade maior às demandas populares, ou seja, é mais fácil você pautar demandas populares e a produção de valores de uso, e não valores de troca, a partir de uma dinâmica mercantil de empresas públicas. Em última instância, a própria planificação da economia, a expropriação da burguesia, e a criação de uma economia planificada a partir de um planejamento centralizado, descentralizado, mas enfim, uma economia não-mercantil.
Com a derrubada da União Soviética, do chamado campo socialista, e a crise quase terminal dos partidos comunistas, a ofensiva neoliberal desprezou qualquer positividade da ideia de planejamento. Não só isso. O Friedrich August von Hayek, que é um dos grandes teóricos do neoliberalismo, ele coloca que o planejamento econômico é o fundamento do totalitarismo.
Então não importa se o planejamento econômico é de tipo indicativo, como no capitalismo inglês, é governado pelo partido trabalhista, ou de tipo alocativo, com um planejamento tipo soviético: ambos são o fundamento do totalitarismo, e nenhuma intervenção no mercado deve ser tolerada. O mercado se autoregula. O mercado é mais eficiente.
O Estado, as empresas públicas, são corruptoras, são base de corrupção, são ineficientes, são atrasadas. Os seus produtos são de péssima qualidade, e por aí vai. Esse tipo de narrativa histórica criou uma coisa muito curiosa, que é: o grosso da esquerda, brasileira e mundial, deixou de estudar e de falar de planificação econômica.
Isso é muito curioso, porque, a partir de dados objetivos, -- esses dados vão estar todos na descrição do vídeo, em vários artigos, indicações de materiais -- a gente consegue perceber que a planificação econômica foi um grande sucesso no século 20. Seja a planificação do seu modelo socialista, seja a planificação do seu modelo capitalista como na Coreia do Sul, os maiores fenômenos de desenvolvimento socioeconômico e desenvolvimento industrial científico-técnico se deram a partir da planificação econômica. Então União Soviética, China, Coreia do Sul, Cuba, Coreia Popular (vulgarmente chamada de Coreia do Norte), Alemanha, Estados Unidos na época do New Deal, e posteriormente, reconstrução da França no pós-guerra, o crescimento e o desenvolvimento das repúblicas nórdicas, como, por exemplo, a Finlândia e a Noruega, não podem ser entendidos fora da aplicação de um planejamento econômico em suas diversas formas, com diferentes institucionalidades.
O próprio desenvolvimento da União Soviética na primeira metade do século 20 foi, até o recente crescimento chinês, o maior fenômeno de desenvolvimento socioeconômico da história da humanidade. A União Soviética passou em apenas 30 anos de um país destruído majoritariamente agrário, com analfabetismo em massa, mortalidade infantil lá em cima, expectativa de vida lá embaixo, para uma super-potência mundial com um dos maiores contingentes de cientistas, técnicos, físicos, químicos, e por aí vai, do mundo, com a população urbano-industrial com o padrão de vida e consumo relativamente boa, se comparada com a média do terceiro mundo, e vanguarda no desenvolvimento científico e técnico, como atesta a própria chamada corrida espacial. Então, o planejamento econômico, ele foi um grande sucesso.
Quando a gente aceita a premissa liberal de que planejamento econômico foi uma tragédia e o máximo que a esquerda deve fazer é se restringir a um programa econômico limitado, keynesiano, sem falar inclusive de nacionalizações, a gente aceita a premissa ideológica e o balanço que a classe dominante e seus intelectuais fazem do século 20. A Bolívia, até recentemente, antes do golpe de Estado, era o país que mais crescia na América Latina por anos, e anos, e anos seguidos, era o país com maior sucesso econômico. E isso só foi possível porque a Bolívia nacionalizou o setor de maior renda da economia: o setor do gás, e impôs um controle estatal firme sobre toda a cadeia produtiva da exploração e processamento do gás natural boliviano.
Fora de uma reflexão de fôlego sobre planejamento econômico, planificação, nacionalizações, e uma guinada radical na política redistributiva a partir do Estado, a gente não vai conseguir apresentar um programa de esquerda crível, radical, que realmente toque nas condições de vida concreta das maiorias. Inclusive a ideia de que "não o planejamento é bom, mas o problema é que, no século 20, o planejamento foi autoritário, que a gente precisa de um planejamento democrático" não resolve os problemas. Como bem disse o grande filósofo Louis Althusser: "Colocar a palavra democrático não faz com que os problemas sejam solucionados".
A gente precisa estudar concretamente os modelos de planificação econômica nas experiencias socialistas, porque eles não são iguais. Atenção, isso é muito importante: a planificação soviética não é, e nunca foi a mesma da chinesa, que nunca foi a mesma da coreana, que nunca foi a mesma da cubana, que também nunca foi a mesma da Alemanha Oriental. Você tem diferenças institucionais significativas, seja a nível de centralização das decisões, de alocação das unidades produtivas com um conjunto da economia, a participação operária na base, capaz de produzir bens de consumo, setores da chamada indústria leve, com qualidade, a articulação entre o setor militar e o setor civil no desenvolvimento e transferência de tecnologia.
Enfim, são experiências variadas que a gente não pode deixar de aprender, e dizer assim: "Não, basta criar um planejamento democrático", como se a noção de planejamento fosse, em si, um consenso. Como se todo mundo soubesse como se planifica uma economia, como se gere uma economia planificada, e basta fazer ela de maneira democrática. A esquerda precisa o quanto antes combater mais esse mito da classe dominante: de que o planejamento econômico foi uma grande tragédia, e recuperar essa noção fundamental para debater a construção de um outro mundo, de uma outra sociedade: uma sociedade socialista.
Curiosamente, os keynesianos estão à frente, inclusive dos marxistas, nesse debate. Por exemplo, vai tá aparecendo aqui um livro chamado "Chutando a escada", que é de um pesquisador que não é marxista, que procura mostrar o quanto a coordenação estratégica do Estado no desenvolvimento econômico foi central na história. Também vai tá aparecendo um outro livro aqui chamado "Estado empreendedor", que é de uma pesquisadora também keynesiana, não-marxista, mostrando a importância do planejamento, de um protagonismo científico e técnico dos Estados Unidos de maneira geral e do próprio capitalismo.
Esses exemplos são alguns dos possíveis. Existe uma gigantesca literatura, keynesiana ou pós-keynesiana, que busca destacar o papel do planejamento e da coordenação estatal nos processos de desenvolvimento socioeconômico. Onde é que tá a literatura marxista chamando os militantes a estudar, conhecer as possibilidades que a planificação econômica pode apresentar no século 21?
Com exceção do autor Paul Cockshott, que em breve vai estar sendo traduzido ao Brasil, eu sinceramente conheço bem poucos marxistas dedicados a estudar a planificação econômica. Então esse é um tema para ontem, é um tema da luta de classes pela memória e pela história. Se a gente aceita a premissa liberal de que o planejamento no século 20 foi uma grande tragédia, a gente fica desarmado para as lutas de hoje, para as possibilidades de construir o futuro.
Então vamos combater esse mito, e leiam os materiais que eu vou deixar aqui na descrição do vídeo, que eu acho que vai ser muito importante para começar esse debate para muitas pessoas, e para introduzir essa contra-história crítica à narrativa liberal e neoliberal de que o planejamento econômico foi uma grande tragédia no século 20. É isso, galera. Espero que vocês tenham gostado do vídeo de hoje.
Não deixem, por favor, de ler os materiais na descrição do vídeo. Aliás, todo vídeo tem indicação de livro, indicação de artigo, de documento, enfim, a função desse canal é a função de informação política, então não deixe de ler, se aprofundar, aliás, também curtir, compartilhar, se inscrever, escutar o Revolushow, e, se possível, ajudar a manter e melhorar o canal a partir do Apoia. se, que também está aqui na descrição do vídeo.
Um abraço. Até a próxima. Tamo junto.
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