Em 1980, numa manhã de sol tímido, Rebeca caminhava pela feira de frutas e verduras como fazia toda semana. O cheiro fresco das frutas maduras, misturado ao barulho de vozes negociando preços, preenchia o ar. Murilo, um jovem comerciante de sorriso, empilhava com cuidado as mangas de sua barraca quando notou Rebeca ao longe.
Eles já haviam se visto antes, trocado cumprimentos rápidos, mas naquele dia algo parecia diferente. Quando Rebeca passou pela barraca de Murilo, ele a cumprimentou com uma simpatia contagiante: — Bom dia, Rebeca! Hoje as mangas estão mais doces, quer provar?
Ela sorriu, surpresa por ele saber seu nome. — Bom dia, Murilo! Se estiver tão doce quanto você diz, quero uma.
Murilo riu, pegando uma manga madura e entregando-a a ela. Assim, uma amizade nasceu. Nos dias que se seguiram, Rebeca sempre passava pela barraca de Murilo e as conversas, antes rápidas e cordiais, começaram a se alongar.
Falavam sobre a vida no campo, as dificuldades de cultivar a terra e, devagarinho, descobriram que tinham muito em comum. — Minha família também planta desde que me entendo por gente — Rebeca confidenciou um dia, enquanto cortava uma maçã que havia comprado. — Mas sempre quis mais, sabe?
Talvez um dia eu possa expandir e fazer algo diferente, algo grande. — Eu também penso assim — Murilo concordou. — Gosto do trabalho aqui, da simplicidade.
Mas seria bom ter algo maior, crescer com o que fazemos. Os dois se entendiam perfeitamente, compartilhavam o sonho de um futuro melhor, e isso fortaleceu o laço que já começava a florescer entre eles. Com o tempo, o que era apenas uma amizade se transformou em algo mais profundo.
Murilo, sempre atencioso e trabalhador, passou a esperar ansioso pelos momentos em que via Rebeca na feira, e ela, por sua vez, começava a pensar nele mesmo quando não estavam juntos. Foi numa noite fria, enquanto caminhavam pela praça após mais um dia de trabalho, que Murilo, com as mãos enfiadas nos bolsos para se proteger do vento, finalmente tomou coragem e falou: — Rebeca, eu tenho pensado muito sobre nós dois. Ele parou, virando-se para ela, que o olhou curiosa.
— Acho que estamos bem juntos. Sabe, eu queria saber o que você acha de bem, de ficarmos juntos oficialmente. Rebeca sorriu, o coração acelerado.
— Eu acho que você demorou muito para perguntar, Murilo. E assim, sem pressa, sem pressões, eles começaram um relacionamento. Viviam uma vida simples, mas eram felizes.
Trabalhavam de sol a sol, acordando antes do galo cantar para cuidar das plantações e vender seus produtos na feira. À noite, só descansavam quando o cansaço finalmente os vencia, exaustos, mas satisfeitos. Alguns meses depois, decidiram morar juntos numa pequena casa que Murilo havia construído com as próprias mãos, num pedaço de terra que seus pais lhe deixaram.
A vida era dura, mas ambos sabiam que aquilo que construíam juntos era mais importante do que qualquer riqueza. Então, numa tarde comum, enquanto Murilo preparava o jantar, Rebeca entrou na cozinha com um grito de alegria que ecoou pela casa: — Murilo, nós ganhamos! Ele a olhou confuso, enquanto ela balançava um bilhete de loteria nas mãos.
— Como assim, ganhamos a loteria? Rebeca respondeu, ainda eufórica: — Eu sempre te disse que um dia ia acontecer, e aconteceu! Não é um valor enorme, mas é o suficiente para mudar nossa vida.
Murilo, ainda em choque, pegou o bilhete da mão dela, confirmando o que ela dizia. A ficha demorou a cair, mas quando caiu, a euforia tomou conta dos dois. Pela primeira vez em muito tempo, eles sentiram que estavam realmente no controle do próprio destino.
Com o dinheiro que nunca imaginaram ter, poderiam finalmente investir no futuro. Apesar da excitação, Rebeca e Murilo eram cuidadosos. Conversaram longamente sobre o que fariam com o prêmio.
Rebeca, sempre prática, sugeriu investir em. . .
. Murilo concordou, pois sabia que, mesmo com o dinheiro, o trabalho duro e a paciência ainda eram os ingredientes essenciais para o sucesso. Eles compraram hectares de terra e começaram a plantar soja, além de continuar com as frutas que já conheciam bem.
De pouco em pouco, o trabalho árduo começou a dar frutos. O casal que antes vivia do que vendia na feira agora era dono de um empreendimento agrícola de sucesso. Anos passaram e, com o tempo, eles se tornaram donos de muitas terras e produtores de uma quantidade impressionante de soja.
O que antes parecia impossível para dois jovens de origem humilde havia se tornado realidade. Eles eram milionários, mas, apesar de todo o sucesso e da vida próspera, ainda havia um vazio no coração de Rebeca e Murilo. Eles sempre sonharam em ter uma família, mas, com o passar dos anos, a gravidez nunca veio.
Após várias tentativas, tratamentos médicos e frustrações, os dois começaram a discutir a possibilidade de adoção. — Muro, eu podemos. .
. . vida.
. . para uma criança.
— Eu sei, Rebeca, e eu quero isso tanto quanto você. Mas sei que você sempre sonhou em ter um filho seu. Não quero que você desista desse sonho por minha causa.
Rebeca suspirou, com o olhar distante. — Não sei quanto tempo mais temos. Já não sou tão jovem e o tempo está passando depressa.
Mas, quando a esperança parecia estar se esgotando, a surpresa veio como um milagre. Rebeca começou a se sentir diferente e, ao fazer um exame, teve a confirmação: estava grávida. Os anos passaram, e Rebeca e Murilo, agora já idosos, começaram a pensar em aposentadoria.
Tinham trabalhado duro a vida inteira, construindo um império que jamais poderiam ter imaginado nos primeiros anos de casamento. A sucessão dos negócios estava bem encaminhada, pois Davi, o único filho do casal, já gerenciava parte das operações. O nome Davi fora escolhido com carinho, pois, amado e querido, refletia o sentimento profundo que os pais nutriam por ele.
Mesmo com todo o amor, havia uma distância entre eles que Rebeca e Murilo não conseguiam ignorar. — Ele está tão distante — Murilo disse a Rebeca, certa noite. Enquanto tomava um café na varanda da fazenda, eu sei que nunca faltou nada material para ele, mas será que falhamos em algo?
Murilo suspirou, seu olhar perdido no horizonte. Trabalhamos tanto, Rebeca, queríamos dar a ele o melhor, mas talvez tenhamos dado tudo, exceto nossa presença. Rebeca assentiu em silêncio, sentindo uma pontada de arrependimento no peito.
Davi nunca fora próximo de seus pais, criado por Isabel, a babá que passou quase 30 anos na família. Ele formou laços mais fortes com ela do que teve presente em aniversários, festas escolares e nos momentos em que Davi precisava de consolo. Ela era uma extensão da família e, por isso, apesar da ausência dos pais, Rebeca e Murilo encontravam conforto em saber que ele estava em boas mãos.
Davi, por sua vez, sempre foi mais reservado. Na adolescência, suas saídas se tornaram mais frequentes e, com o passar dos anos, ele aparecia cada vez menos em casa, preferindo ficar com amigos ou nos negócios. Para Rebeca e Murilo, essa distância era dolorosa, mas o sucesso de Davi e seu comportamento irrepreensível os fazia aceitar a situação.
Certa tarde, enquanto os pais viajavam para cuidar de negócios em outra cidade, Davi estava em casa. Isabel, como de costume, preparou o jantar. Ela sabia exatamente os pratos favoritos de Davi e fazia questão de caprichar em cada um.
Depois de tantos anos cuidando dele, o cheiro de feijão fresco e carne assada invadiu a cozinha. "O jantar está pronto", Davi chamou, ela servindo a mesa com o cuidado de sempre. Davi desceu as escadas, sentou-se à mesa e começou a comer em silêncio, como sempre fazia.
Isabel o observava de longe, satisfeita ao vê-lo degustar a comida. No entanto, algo inesperado aconteceu. De repente, Davi gritou e soltou o garfo com um barulho alto.
Ele levou a mão à boca, com o rosto contorcido. "Drga! ", exclamou, empurrando o prato.
"O que é isso? " Isabel correu até ele, preocupada. "O que aconteceu, Davi?
Está tudo bem? " Ele cuspiu o que tinha na boca e, entre os grãos de feijão, um pedaço de pedra suja apareceu. "Uma pedra no meio da comida", disse ele, incrédulo, apalpando o dente.
"Meu dente rachou! " Davi levantou-se bruscamente e foi até o espelho no corredor para examinar o estrago. Ao ver que seu dente estava realmente rachado, sua expressão mudou de irritação para raiva.
"Como você deixou isso acontecer? " Isabel gritou, voltando para a cozinha com passos firmes. Isabel, ainda em choque, olhava para o prato, sem entender como aquilo havia acontecido.
"Davi, eu sinto muito, não sei como isso foi parar aí. Deve ter sido alguma falha ao limpar o feijão. Eu não sou incompetente!
" interrompeu Davi, sua voz cheia de fúria. "Você está aqui há tantos anos e faz algo assim! Você tem noção do estrago que fez?
" Isabel começou a tremer, lágrimas já surgindo em seus olhos. "Davi, por favor, me perdoe. Eu juro que não foi de propósito.
Eu nunca faria algo assim. " Mas ele não a deixou terminar. "Cale a boca!
Eu não quero ouvir suas desculpas ridículas! " Davi esbravejou, sua voz ecoando pela casa. "Você é um inútil!
Todos esses anos aqui e é assim que me retribui? " Isabel mal conseguia acreditar no que ouvia. Davi, o menino a quem ela dedicou tantos anos, a quem ela amou e cuidou como se fosse seu próprio filho, estava ali despejando insultos que cortavam como facas.
"Eu vou te dizer uma coisa", disse Davi, se aproximando dela com os olhos fixos nos dela. "A partir de hoje, você não faz mais nada para mim. Pegue suas coisas e vai embora!
Você está demitida! " Isabel soltou seus olhos arregalados e seu corpo tremendo de medo e tristeza. "Davi, por favor, eu não tenho para onde ir.
Passei minha vida aqui com você, com sua família! " Ele virou as costas. "Não é problema meu!
Pegue suas coisas e nunca mais volte! " Isabel ficou paralisada por um momento, como se não pudesse acreditar que aquilo estava acontecendo. As lágrimas agora desciam pelo seu rosto, mas ela sabia que não adiantaria argumentar mais.
Sem dizer mais uma palavra, virou-se e subiu para o quarto, onde começou a arrumar suas poucas coisas, ainda tremendo de desespero. Enquanto isso, Davi ficou parado na sala, olhando fixamente para a janela, sua raiva ainda fervendo por dentro o impedia de pensar com clareza. O som suave dos soluços de Isabel que vinham do andar de cima parecia distante, quase irreal.
Naquele momento, não havia espaço para remorso. Alguns dias depois, Rebeca e Murilo voltaram de viagem. Logo ao chegarem em casa, perceberam que algo estava diferente.
A ausência de Isabel, que sempre os recebia com um sorriso e perguntava como foi a viagem, era evidente. O silêncio da casa pesava no ar. "Onde está Isabel?
" Rebeca perguntou a Davi, que estava sentado na sala, distraído com o celular. Davi levantou os olhos lentamente, como se a pergunta o incomodasse. "Eu a demiti", disse ele, sem muito interesse.
Rebeca e Murilo trocaram um olhar de surpresa. Isabel fazia parte de suas vidas há quase 30 anos; ela cuidou de Davi como um filho e agora, de repente, estava fora da casa. Murilo franziu a testa e olhou diretamente para o filho.
"Como assim, demitiu? O que aconteceu? " Davi perguntou, Murilo tentando entender a situação.
Davi suspirou, irritado com o interrogatório. "Ela deixou uma pedra na comida. Eu quebrei um dente por causa disso.
Não tive escolha. " Rebeca ficou de boca aberta. "Uma pedra no feijão?
Isso é sério? " Ela olhou para o marido, buscando uma explicação que fizesse mais sentido. "E por isso você a demitiu?
" Davi cruzou os braços, defensivo. "Sim, mãe, foi um erro grave. Já está feito, não adianta mais falar disso.
" Murilo e Rebeca se entreolharam novamente, mas nenhum dos dois insistiu. A viagem tinha sido cansativa e Rebeca estava com uma gripe forte, o corpo febril e a mente atordoada. .
. ela simplesmente não tinha. "Forças para continuar com o assunto naquele momento.
A gente conversa depois sobre isso", disse Murilo, percebendo o cansaço de Rebeca. Eles foram para o quarto, mas Rebeca não conseguia tirar da cabeça o que Davi havia feito. Ela conhecia seu filho, ou pelo menos acreditava que sim, e a atitude dele com Isabel era algo que ela nunca imaginou que ele pudesse fazer.
Naquela noite, ela mal conseguiu dormir. No dia seguinte, ainda se sentindo mal pela gripe, Rebeca tomou uma decisão: mesmo doente, se levantou da cama e foi até o escritório da casa, onde os monitores de segurança exibiam as imagens gravadas das câmeras internas. "O que você está fazendo?
" Rebeca perguntou, Murilo preocupado com o estado de saúde da esposa. "Quero ver o que realmente aconteceu", respondeu ela com uma voz fraca, mas determinada. Ela passou horas revendo as filmagens do dia em que Isabel foi demitida.
Ao ver Davi gritando com Isabel e fazendo gestos agressivos, seu coração se partiu. Davi estava furioso a ponto de ela acreditar que ele poderia ter feito algo pior. Quando viu Isabel saindo chorando pela porta, algo dentro dela se quebrou.
"Como Davi pode ter se tornado assim? ", murmurou para si mesma, as lágrimas escorrendo pelo rosto. A febre de Rebeca parecia piorar, e ela sabia que não poderia resolver aquilo naquele momento.
O corpo dela pedia descanso, mas a mente estava atormentada. Por fim, decidiu esperar até melhorar para tomar uma atitude. Alguns dias depois, o jardineiro da família apareceu com um pequeno pacote de ervas.
"Dona Rebeca, minha avó disse que essas ervas são boas para gripe. Se a senhora fizer um chá com elas, vai se sentir melhor rapidinho", disse o rapaz, sorridente. Rebeca ficou tocada pela gentileza do jovem.
"Obrigada, querido", respondeu ela com um sorriso fraco. "Muito bom saber que alguém está preocupado comigo. " Na mente de Rebeca, Davi, seu próprio filho, não tinha nem sequer perguntado como ela estava se sentindo desde que voltaram de viagem.
O contraste entre a indiferença de Davi e a preocupação do jardineiro a fez refletir ainda mais sobre o que tinha acontecido com seu filho. Dias depois, quando finalmente se sentiu melhor, Rebeca decidiu visitar Isabel. Ela sabia que precisava ouvir o lado dela, entender tudo o que havia acontecido.
Quando chegou à casa modesta onde Isabel morava, foi recebida com um abraço caloroso, mas também cheio de tristeza. "Dona Rebeca, não esperava sua visita", disse Isabel, com os olhos inchados de tanto chorar. "Me perdoe pelo que aconteceu.
Eu estava tão cansada aquele dia; eu juro que não sei como a pedra foi parar na comida. Nunca faria isso de propósito. " Rebeca segurou as mãos de Isabel, com os olhos marejados.
"Eu sei, Isabel, eu vi o que aconteceu, vi as filmagens, vi o que Davi fez", e começou a chorar. "Não entendo onde foi que erramos. Como meu filho pode ser tão agressivo, tão frio?
" Isabel também começou a chorar. "Davi estava muito irritado, mas ele sempre foi tão calado; talvez tenha guardado muita coisa por dentro. Não sei.
Mesmo assim, eu me preocupo com ele. O dente dele ainda dói. " Essa pergunta cortou Rebeca como uma faca: mesmo depois de tudo, Isabel ainda se importava com Davi.
Mesmo depois de ter sido humilhada e expulsa, ela se preocupava com o bem-estar dele. Rebeca não sabia o que responder. "Ele.
. . ele está bem", disse Rebeca, sem acreditar nas próprias palavras.
Quando voltou para casa, Rebeca encontrou Murilo sentado na sala, com uma expressão tensa. Ele parecia esperar por ela, e o olhar que trocou com a esposa deixava claro que havia algo importante para ser dito. "Rebeca, precisamos conversar", Murilo estava sério, quase sombrio.
"O que houve? ", Murilo perguntou ela, sentando-se ao lado dele. "Falei com algumas pessoas da empresa e a verdade é que Davi não está trabalhando como diz.
" Murilo olhou fundo nos olhos de Rebeca, tentando encontrar forças para continuar. "Ele quase não aparece no escritório, delega todas as responsabilidades e usa o nosso dinheiro para festas, viagens, bebidas. " Rebeca sentiu o mundo desabar sob seus pés.
"Mas como? ", murmurou ela, sem acreditar no que ouvia. "Ele está aproveitando da nossa boa situação.
Rebeca, não sei como não vimos isso antes", passou as mãos pelo rosto, exausto. "Ele se afastou de nós e agora está completamente perdido. " Rebeca sentiu as lágrimas voltarem, mas dessa vez era uma tristeza diferente, era uma tristeza profunda, misturada com a sensação de fracasso como mãe.
Há algumas semanas, se passaram desde que Rebeca e Murilo começaram a planejar a difícil decisão de ensinar uma lição ao filho Davi. Eles já haviam discutido o plano inúmeras vezes, ponderando se estavam fazendo a coisa certa. Embora estivessem convencidos de que Davi precisava de uma mudança drástica, a culpa e a tristeza de ambos eram evidentes.
Enquanto isso, Davi, sem a menor noção do que seus pais estavam prestes a fazer, estava em uma concessionária de luxo. Ele andava de um lado para o outro, admirando os carros de altíssimo valor. Seus olhos brilhavam ao ver o novo modelo de um carro esportivo.
Na cabeça de Davi, ele já se imaginava desfilando pelas ruas, com olhares invejosos de todos ao seu redor. A sensação de superioridade era o que mais o fazia se sentir vivo. "Esse aqui é perfeito", disse ele ao vendedor, apontando para o carro que estava admirando.
"Quero esse. " O vendedor, sempre sorridente e atencioso, começou o processo de venda, passando os documentos e o cartão de Davi na máquina. "Parece que o pagamento não foi aprovado", disse o vendedor, com um sorriso amarelo.
"Talvez seja problema da máquina. Posso tentar de novo. " Davi franziu a testa, mas manteve a pose.
"Claro, deve ser a máquina. Tenta mais uma vez. " O vendedor tentou novamente e depois mais uma vez.
A cada tentativa, a ansiedade de Davi aumentava. Já estava começando a se sentir constrangido e sua confiança começava a desmoronar. Depois de várias tentativas frustradas, ele recuou.
Deixe para lá. Deve ser um problema temporário. Eu volto mais tarde com o dinheiro em mãos, disse ele, tentando esconder a humilhação.
Davi saiu da concessionária furioso, mas sem demonstrar. Ele entrou no carro, que já possuía, um modelo caro, mas agora parecia obsoleto em comparação ao que desejava comprar. A caminho de casa, sua mente fervilhava de pensamentos.
Chegando em casa, encontrou seus pais sentados à mesa da cozinha. Rebeca e Murilo estavam sérios, com expressões tensas, que Davi não percebeu logo de início. “O cartão não passou”, disse ele, jogando a carteira sobre a mesa.
“O que está acontecendo? Preciso que resolvam isso! Não posso ficar sem comprar o carro que quero.
” Murilo e Rebeca trocaram olhares antes de responder. Murilo suspirou profundamente e disse: “Davi, precisamos conversar. ” Davi franziu a testa, impaciente.
“Conversar sobre o quê? Eu só preciso que liberem o dinheiro! ” Murilo balançou a cabeça, os olhos carregados de tristeza.
“Não é tão simples assim, Davi. Estamos falidos. ” As palavras saíram com dificuldade, como se pesassem uma tonelada.
Davi, num primeiro momento, não acreditou. Riu sem humor. “Falidos?
Como assim? Vocês só podem estar brincando! ” Sua voz estava cheia de incredulidade.
“É sério, Davi”, continuou Rebeca, com a voz trêmula. “Todos os nossos bens estão sendo vendidos. Estamos devendo muito e não temos mais como sustentar essa vida.
” A indignação tomou conta de Davi. “Vocês são uns incompetentes! Como deixar isso acontecer?
Vocês destruíram tudo! ” Ele gritava, levantando-se da cadeira. Murilo, que até então havia se mantido calmo, levantou-se também e falou com firmeza: “Baixe o tom, Davi!
Nós tentamos de tudo para manter as coisas no lugar, mas a situação saiu do nosso controle. A partir de hoje, você vai ter que se virar. A casa será vendida e nós vamos morar com seu tio em outra cidade.
” Davi ficou chocado. A ideia de perder tudo, de sair de casa, o enchia de raiva. “Eu vou com vocês, então!
Não vou ficar aqui sozinho! ” Murilo balançou a cabeça. “Não vai caber todos na casa do seu tio e, além disso, você já é um adulto, Davi.
Conseguimos um emprego para você com um amigo da família, mas não podemos mais sustentar você. Arrumamos um apartamento na periferia, o único que conseguimos com o pouco que sobrou. ” A raiva de Davi explodiu.
Ele começou a gritar, socando a mesa, sem acreditar no que estava ouvindo, mas nada podia ser feito. Murilo e Rebeca estavam irredutíveis. No fim, Davi saiu de casa com apenas uma mala, obrigado a pegar um ônibus, já que até seus carros seriam vendidos naquela noite.
Rebeca chorou sem parar; o coração dela estava em pedaços pela mentira que tinham contado, mas ela e Murilo achavam que era a única maneira de fazer Davi perceber a realidade. Eles esperavam que o choque fosse o suficiente para que ele mudasse no dia seguinte. Porém, a mentira foi descoberta.
Davi voltou à casa, decidido a pegar um de seus carros de qualquer forma. Quando entrou, viu que seus pais ainda estavam lá, a casa intacta, sem sinal de mudança. “O que está acontecendo aqui?
” gritou ele. “Vocês mentiram para mim! ” Rebeca e Murilo se entreolharam, sabendo que o confronto era inevitável.
Antes que pudessem responder, Davi começou a xingar os pais, a fúria estampada em seu rosto. Foi então que Rebeca, que sempre fora calma e contida, levantou-se e deu um tapa no rosto do filho. “Basta, Davi!
” gritou ela, as lágrimas descendo pelo rosto. “Fizemos de tudo para você ser feliz, para te dar uma vida boa, e isso só te tornou mesquinho e preguiçoso. ” Davi ficou paralisado, surpreso.
Sua mãe nunca havia levantado a mão ou gritado com ele. “Nunca mais fale assim com a gente”, continuou Rebeca, com a voz quebrada. “Nós já fizemos demais!
Te arrumamos um lugar para morar, um emprego, e você ainda acha que pode nos tratar dessa forma? ” Murilo, que até então observava em silêncio, falou: “Você só vai receber algo de nós no dia em que morrermos. ” “Davi, está na hora de crescer!
” Davi ainda tentou argumentar, mas as palavras de Murilo foram firmes e finais. Ele saiu da casa abalado, sem saber o que fazer. Pela primeira vez em sua vida, seus pais o haviam rejeitado, e ele não sabia como lidar com isso.
No dia seguinte, ao tentar contatá-los, Davi descobriu que seus pais não respondiam mais suas mensagens, e ao voltar à casa, viu que a fechadura havia sido trocada. Davi voltou para o apartamento após mais um longo dia de trabalho e se jogou na cama, exausto. O colchão era fino e desconfortável, muito diferente das camas luxuosas que ele estava acostumado a ter na casa dos pais.
O apartamento pequeno e modesto ficava longe do trabalho, e o trajeto longo e cansativo entre ônibus lotados e estações de metrô cheias era algo que ele nunca havia imaginado que teria que enfrentar. “Como minha vida chegou a isso? ” pensava Davi, olhando para o teto de umidade.
O salário que recebia agora mal cobria suas necessidades básicas. Ele se lembrava de como, em outros tempos, gastava mais do que o valor de seu novo salário em um único dia, seja em festas, roupas ou viagens. Mas agora, cada centavo precisava ser contado com cuidado.
Se comprasse demais no mercado, não teria como pagar o aluguel no final do mês. Ele havia tentado se desculpar com os pais, mandou várias mensagens, ligou incontáveis vezes, mas as respostas nunca vinham. Sentia-se rejeitado, abandonado.
Às vezes achava que aquilo tudo era um grande mal-entendido e que logo tudo voltaria ao normal. Contudo, os dias passaram, viraram semanas, e essas semanas se transformaram em meses. A verdade se fez clara: seus pais não voltariam atrás.
Com o tempo, Davi foi forçado a se adaptar à sua nova realidade. As festas de luxo e os jantares caros já não faziam parte de sua vida e ele se pegava economizando até na comida. Mesmo assim, ainda.
. . Sentia um desconforto constante; aquela vida não era para ele, ou pelo menos ele pensava assim.
Davi começou a conhecer os vizinhos, algo que ele nunca havia feito antes. A primeira pessoa com quem teve contato foi Dona Lourdes, uma senhora aposentada que vivia sozinha no mesmo andar. Certo dia, ela bateu à porta de Davi com um presente inesperado: uma blusa de lã.
— Oi, meu filho! Trouxe isso aqui para você. Percebi que suas roupas estão um pouco surradas; com os buracos, a gente precisa andar bem arrumado, né?
— disse ela com um sorriso gentil. Davi ficou sem palavras por um momento. Ele nunca imaginou que uma pessoa, até então uma estranha, faria algo assim por ele.
Pegou a blusa, um pouco sem jeito, mas com uma sensação de gratidão que o surpreendeu. — Dona Lourdes, eu não sei como agradecer. Eu não tenho dinheiro para comprar roupas agora.
Estou apertado com o aluguel — admitiu Davi, com uma voz que mal reconhecia, pois não era comum para ele mostrar vulnerabilidade. — Não precisa agradecer, meu filho; só cuide bem de você, tá? — respondeu ela, tocando levemente no braço dele antes de se despedir.
Esse simples gesto de bondade o atingiu de uma forma que ele não esperava. Ele nunca pensou que alguém faria algo tão simples e significativo por ele, ainda mais sem pedir nada em troca. Aquela pequena blusa parecia muito mais que um presente; era um lembrete de que, apesar de tudo, ainda havia humanidade ao seu redor.
Alguns dias depois, Davi teve um problema no apartamento: o cano do banheiro quebrou, e ele se viu sem dinheiro para chamar um encanador. Foi então que conheceu Ramon, um jovem da mesma idade que ele, que morava dois andares acima. Ao saber do problema, Ramon se ofereceu para ajudar.
— Eu entendo a situação, cara; esses apartamentos vivem com problemas de encanamento. Deixa que eu te ajudo — disse Ramon com um sorriso amigável. Davi ficou surpreso com a generosidade de Ramon.
Eles se conheceram melhor enquanto uma amizade começava a surgir. — Sabe, é bom ter alguém para conversar de vez em quando. Fico meio sozinho aqui — confessou Davi enquanto os dois trabalhavam.
— Também me sinto assim às vezes, mas é bom ter alguém por perto. Se precisar de qualquer coisa, só chamar — respondeu Ramon, sincero. Davi lembrava-se de estar rodeado de pessoas em festas, mas agora, a companhia simples e sincera de Ramon era algo novo e, estranhamente, mais gratificante.
Outro dia, Davi conheceu Maria, uma vizinha humilde com três filhos pequenos. Ela frequentemente recebia a ajuda dos vizinhos, mas naquele sábado, precisou de um favor urgente. — Davi, sei que mal nos conhecemos, mas você poderia cuidar das crianças por algumas horas?
Tenho que ir ao médico — pediu Maria com um olhar preocupado. Davi hesitou por um momento, mas acabou aceitando. Passou a tarde com as crianças e, apesar de serem comportadas, algo o deixou profundamente triste: as crianças eram magras e, ao abrir a geladeira de Maria para pegar um suco, viu que estava praticamente vazia.
Aquilo deu um aperto no coração. Voltou ao seu apartamento, pegou algumas coisas que tinha e preparou uma macarronada para as crianças. Quando colocou os pratos na mesa e os viu comer com tanto entusiasmo, sentiu algo diferente.
Os sorrisos agradecidos das crianças e os olhares de admiração o aqueceram de uma forma que ele nunca havia experimentado antes. — Obrigado, tio Davi! — disseram em coro, com as bocas cheias de macarrão.
Davi sorriu. Pela primeira vez em muito tempo, ele se sentiu útil de verdade. Não eram as festas ou o poder que o faziam se sentir bem.
Aquele simples gesto de cuidar dos filhos de Maria e ver a gratidão nos olhos deles fez com que algo dentro dele mudasse, ainda que ele não soubesse explicar exatamente o que era. Ele voltou para o apartamento naquela noite sentindo algo novo, algo que não sentia há muito tempo. Um dia, enquanto Davi estava sentado no sofá do seu apartamento, ouvindo a TV ao fundo, ouviu uma batida na porta.
Levantou-se devagar, sem imaginar quem poderia ser. Quando abriu, deparou-se com Maria, Dona Lourdes e Ramon, todos juntos, com expressões curiosamente sérias, mas amigáveis. — Davi, podemos falar com você?
— perguntou Maria com seu jeito doce e direto. Davi assentiu, abrindo a porta um pouco mais para que eles entrassem. — Claro, entrem.
O que houve? Os três se sentaram no pequeno sofá, e Ramon começou: — A gente tá participando de um projeto social aqui no bairro, arrecadando alimentos para fazer um sopão para quem tá em situação de rua. Estamos precisando de ajuda e queríamos saber se você pode contribuir com alguns alimentos.
Davi imediatamente assentiu. — Eu posso ajudar com 3 kg de comida. Tenho alguns mantimentos que comprei essa semana, acho que dá para doar.
— Agradecemos muito, Davi — disse Maria, visivelmente grata. — Mas, na verdade, a gente também queria te pedir outra coisa. Davi arqueou a sobrancelha, curioso.
— O que mais? — Meus filhos me disseram que você é um ótimo cozinheiro, e realmente, aquela macarronada que fez para eles, eles não param de falar até hoje. — Maria sorriu.
— Será que você poderia fazer o sopão? Davi riu, um pouco surpreso. — Bom, eu nunca pensei que seria considerado um ótimo cozinheiro, mas claro, posso ajudar com isso também.
Dona Lourdes deu um tapinha no ombro de Davi, sorrindo. — Sabia que você não ia nos decepcionar, meu filho! — É isso aí!
— exclamou Maria. No dia seguinte, Davi foi com eles até a sede do projeto social, um pequeno espaço comunitário com paredes simples, mas cheias de cartazes com mensagens de apoio e solidariedade. Na cozinha, ele se juntou a outras pessoas, todos focados na preparação do grande sopão que seria distribuído.
Davi, cercado por ingredientes, começou a trabalhar. À medida que cortava legumes, temperava o caldo e coordenava as tarefas com os outros voluntários, percebeu algo novo: a sensação de estar fazendo algo significativo. As pessoas ao redor começaram a elogiar seu trabalho.
Preparava e fazendo comentários que o deixaram visivelmente orgulhoso, Davi. “Essa é uma das melhores comidas que já provei em um projeto desses”, disse um dos voluntários com um sorriso largo no rosto. “Concordo”, acrescentou outra senhora, “o tempero está perfeito.
” Davi, sem saber muito bem como lidar com tantos elogios, sorriu timidamente. “Obrigado, eu só queria ajudar. ” Horas depois, o sopão estava pronto, e Davi seguiu com o grupo para as ruas da cidade, onde começaram a distribuir a comida para as pessoas em situação de rua.
Ao ver a fila de crianças, homens, mulheres e idosos esperando por um prato de comida, algo dentro de Davi começou a mudar. Ele observou uma cena que o abalou profundamente: uma mãe, visivelmente magra, entregando sua parte de comida para a filha pequena, que também estava desnutrida. O gesto de sacrifício da mãe, renunciando à própria refeição para alimentar a criança, tocou Davi de uma forma que ele nunca tinha experimentado.
Davi se afastou da multidão, tentando segurar as lágrimas, mas falhando. O choque daquela realidade foi demais para ele. De pé em um canto, deixou que as lágrimas corressem livremente.
Sua mente se inundava com pensamentos sobre como ele havia sido egoísta, desperdiçando oportunidades, dinheiro e tempo com festas e luxos, enquanto pessoas como aquelas mal tinham o que comer. Ele percebeu que seus pais tinham razão o tempo todo. Alguns meses depois, Davi voltava de mais um dia de trabalho.
A rotina já não era tão dolorosa quanto antes, mas ele ainda lutava contra os sentimentos de inadequação. Ao chegar ao prédio, viu Ramon sentado do lado de fora, o rosto encharcado de lágrimas. “Ramon, o que aconteceu?
”, perguntou Davi, visivelmente preocupado. Ramon ergueu o olhar e tentou se recompor, mas as lágrimas não paravam de cair. “Minha mãe”, começou ele, a voz embargada, “ela tá muito doente, precisa de uma cirurgia urgente no olho ou vai perder a visão de vez.
” Davi sentiu o peso da angústia de Ramon e se sentou ao lado dele. “E a cirurgia? Já marcaram?
” Ramon balançou a cabeça negativamente. “É muito cara e a gente não tem esse dinheiro. E mesmo se conseguíssemos um lugar no sistema público, pode demorar um ano.
Até lá, ela já teria perdido a visão. ” Davi olhou para o amigo e, sem hesitar, tomou uma decisão. “Ramon, espera aqui.
Eu vou dar um jeito nisso. ” Sem perder tempo, Davi saiu em direção à casa de seus pais. Ele sabia que, apesar de tudo, essa era a única opção.
Parado na porta da casa onde crescera, ficou nervoso, temendo que eles se recusassem a vê-lo. Após alguns minutos, Murilo e Rebeca apareceram. Fazia meses que não se viam e, embora os rostos demonstrassem emoção, tentaram manter a compostura.
“Mãe, pai,” Davi começou, sua voz carregada de arrependimento, “me desculpem por tudo. Eu realmente fui um filho horrível e mereci o castigo que me deram. Na verdade, eu merecia algo pior.
Vocês ainda foram bons em me dar um lugar para morar e um emprego. ” Murilo e Rebeca trocaram olhares silenciosos, sem interrompê-lo. “Sei que não mereço pedir nada, mas a mãe de um amigo meu está precisando de uma cirurgia urgente.
Se ela não fizer, vai perder a visão. Por favor, me ajudem. Não precisam me dar o dinheiro, só ajudem ela com a cirurgia.
” Os olhos de Rebeca encheram-se de lágrimas. Murilo, também emocionado, finalmente quebrou o silêncio: “Davi, vou te dar o dinheiro. Não sei se consigo confiar plenamente em você ainda, mas isso, isso é algo que posso fazer.
” Davi, com o coração cheio de gratidão, abraçou os pais. Depois de tanto tempo, aquele abraço parecia curar um pouco das feridas que haviam se aberto entre eles. Ele correu de volta ao apartamento e, sem perder tempo, entregou o dinheiro a Ramon.
“Cara, eu não sei como te agradecer”, disse Ramon, surpreso ao ver a quantia. “Não precisa agradecer”, respondeu Davi, sorrindo. “Apenas ajude sua mãe a ficar bem.
” Com o dinheiro, a cirurgia foi feita e a mãe de Ramon finalmente estava fora de risco de perder a visão. Davi, pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se em paz com suas ações. Davi estava sentado em seu apartamento, refletindo sobre os últimos meses de sua vida, quando ouviu uma batida suave na porta.
Ele se levantou curioso e abriu. Para sua surpresa, do outro lado estava Isabel, a mulher que cuidara dele desde a infância. Por um momento, ele ficou em silêncio, sem saber o que dizer.
A culpa o atingiu com força. “Isabel”, disse ele, com a voz hesitante, “eu. .
. eu não esperava te ver aqui. ” Isabel sorriu, mas seus olhos refletiam a emoção daquele reencontro.
“Davi, eu precisava te ver”, ela fez uma pausa, o sorriso vacilando um pouco. “Faz tempo, não é? " Davi baixou o olhar, o peso de tudo o que tinha feito e dito no passado retornando com força total.
“Isabel, eu sinto muito. Sinto muito pelo jeito que te tratei. Não tinha o direito de falar ou agir daquela forma.
Eu fui um ingrato. ” Isabel o observou por um instante, sentindo o peso das palavras sinceras de Davi. Ela, que o vira crescer, sabia que aquilo não vinha de um lugar superficial.
Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela rapidamente piscou, tentando manter a compostura. “Davi, eu não guardei mágoa. Fiquei magoada na época, claro, mas nunca deixei de me importar com você.
Você era como um filho para mim. ” Isabel sorriu novamente, dessa vez mais serena. “E agora fico feliz em ver que você está bem.
” Os dois se sentaram no sofá e Isabel começou a perguntar sobre o que ele estava fazendo da vida, como tinha sido o tempo no apartamento. Davi, por sua vez, contou sobre suas experiências recentes, desde o trabalho até as amizades que fizera no prédio. Ele falou sobre Ramon, Maria e Dona Lourdes, e como sua vida havia mudado.
“Parece que você encontrou pessoas boas”, comentou Isabel. "Isso é importante", disse Isabel, enquanto ouvia atentamente as histórias dele. Pouco depois, outra batida na porta interrompeu a conversa.
Davi se levantou e, ao abrir, encontrou Ramon. "E aí, cara", disse Ramon, entrando sem cerimônia. "Só passei para ver como você tá.
" Ele parou ao ver Isabel sentada no sofá. "Isabel! " "Ramon!
" Isabel respondeu com um sorriso ao reconhecer o jovem. "Você vai voltar a morar aqui no prédio? " perguntou Ramon, curioso.
Davi olhou para Ramon, confuso; ele não entendia por que Ramon parecia tão familiarizado com Isabel. Foi então que Ramon, percebendo a confusão de Davi, acrescentou: "Cara, não sabia que você conhecia a Isabel. Ela morava aqui antes, né?
" Davi piscou, surpreso. "Como assim morava aqui? " Isabel suspirou suavemente e olhou para Davi com um olhar compreensivo.
"Davi, o apartamento onde você está morando é meu. " Davi ficou em silêncio, o choque evidente em seu rosto. Ele tentou processar a informação enquanto Isabel continuava a explicar: "Quando você me demitiu, seus pais vieram falar comigo.
Eles estavam prestes a te expulsar de casa, mas precisavam de alguém para trabalhar com eles integralmente. Então, aceitaram que eu voltasse a ajudá-los, pelo menos temporariamente. " Ela deu um sorriso triste.
"No entanto, fiquei com pena de você. Sabia que seria difícil para você se virar sozinho, então ofereci meu apartamento para que você ficasse aqui. " Davi franziu a testa, ainda processando tudo.
"Espere, então o aluguel que estou pagando vai direto para mim? " "Sim", Isabel respondeu. "Mas não é sobre o dinheiro.
Eu queria te ajudar de alguma forma. Seus pais concordaram que era melhor assim, mas pediram que você pagasse o aluguel como forma de assumir mais responsabilidades. " Davi, depois de alguns segundos, começou a rir, embora o riso fosse mais de alívio do que de diversão.
"Isso é inacreditável! " Ele balançou a cabeça, ainda rindo. "Eu passei todo esse tempo achando que estava pagando um aluguel normal, mas na verdade estava pagando o que devia a você.
" "Bem, de uma forma. . .
" Isabel sorriu, entendendo o alívio que Davi sentia. "Não guardo rancor, Davi. E, honestamente, não é sobre o dinheiro.
Mas agora acho que já está na hora de você voltar para casa. Seus pais sentem sua falta, e eu também. " Davi, sentindo a sinceridade e o carinho nas palavras de Isabel, ficou em silêncio por um momento, refletindo.
Ele sabia que a relação com seus pais tinha mudado e que ele mesmo também havia mudado. "Eu acho que é hora sim", disse ele com um sorriso tranquilo. Dias depois, Davi voltou para a casa de seus pais.
Quando Rebeca e Murilo o viram na porta, não conseguiram esconder a emoção. Rebeca o abraçou imediatamente, enquanto Murilo, com os olhos marejados, lhe deu um tapinha nas costas. "Bem-vindo de volta, filho", disse Murilo, a voz firme, mas carregada de emoção.
Davi sorriu, sentindo o calor da acolhida. Ele sabia que o caminho até ali tinha sido difícil, mas que era necessário. Ele havia mudado, e isso era algo que seus pais podiam ver claramente.
Logo, Davi voltou à empresa da família, mas dessa vez com uma nova atitude. Ele trabalhava mais do que qualquer outro, dedicando-se de corpo e alma. Não se tratava mais de manter um status ou impressionar as pessoas, mas sim de responsabilidade e orgulho pelo que fazia.
A empresa, para ele, agora representava mais do que o sucesso dos pais; representava sua própria chance de recomeçar e de honrar tudo o que tinha aprendido. Apesar de estar de volta à antiga vida, Davi nunca esqueceu os amigos que fizera no prédio de Isabel. Ele os visitava frequentemente, ajudando no que podia.
Todo fim de semana, ele se juntava a eles em um projeto social, levando comida para os mais necessitados. Ajudar os outros se tornou uma parte essencial da vida de Davi, e ele se sentia completo ao ver o impacto que estavam causando juntos. Em uma dessas ocasiões, enquanto entregavam refeições, Ramon olhou para Davi e disse: "Nunca pensei que você se daria tão bem com isso, cara.
De um empresário de luxo a cozinheiro de sopão. É uma boa mudança. " Davi riu, lembrando-se de como havia começado.
"Acho que às vezes a gente precisa perder tudo para encontrar o que realmente importa. " Eles continuaram distribuindo a comida, e Davi, ao olhar para as pessoas que ajudavam, sentiu uma paz que nunca havia sentido antes. Ajudar os outros de fato preenchia um espaço em seu coração que por muito tempo ele nem sabia que existia.