A HISTÓRIA DA PROSTITUIÇÃO NO BRASIL - EDUARDO BUENO

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Buenas Ideias
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Dizem que é a mais antiga profissão do mundo, só que antes de ser profissão, foi vocação, foi devoção. É, exatamente, cara, lá nos templos da grande Babilônia. Sim, ali viviam quem?
As prostitutas sagradas, porque o sexo era sagrado, porque a conjunção carnal era cósmica e elas estavam ali. Mas daí que que aconteceu? Veio a maldita moral judaico cristã e aliás, não me lembro, eles tinham sido expulsos de lá, né?
Tinham sido expulsos de lá. Aí vieram eles com essa moral, dessacralizando o sexo, punindo o sexo e punindo as prostitutas. Mas nós vamos resgatá-las no mundo e especialmente no Brasil, mas é claro, porque assim que a expansão portuguesa se alardeou por todo globo, levou consigo a prostituição europeia.
Não foi diferente no caso do Brasil, só que aqui frutificou. "Qualé que é, qualé que é? Esse país parece um cabaré".
Esse país parece um cabaré, não é brincadeira, sério, e desde o início. Claro, a prostituição chega praticamente junto com as naus e com as caravelas. Em 1549 o padre Manoel da Nóbrega, notando a falta de mulheres brancas na colônia, diz "pelo amor de Deus, nos enviem mulheres, mesmo as erradas".
Só que as erradas, não queriam dizer no caso específico prostitutas. Queriam dizer aquelas mulheres que não tinham seguido risca o figurino ao qual as mulheres eram obrigadas a se submeter: eram órfãs, eram desviantes, não eram prostitutas de profissão. E aí elas vem, mas elas não são prostitutas, a prostituição no Brasil de fato está intimamente ligada com dois fatos: a corrida do ouro e a escravidão.
A corrida do ouro, cê sabe, nos Estados Unidos ela foi totalmente mistificada, né? É uma maravilha, né? Foi o Jack London, o Mark Twain, o Bret Harte, todos esses caras fizeram livros incríveis sobre a corrida do ouro, o cinema de Hollywood e tal.
A corrida do ouro brasileira foi quase 200 anos antes da deles e ninguém a mitificou, mas também pouca gente a conhece, e a rudeza, a violência, o desequilíbrio dessa corrida lá nas Minas Gerais, foi impressionante. E quando surgem aqueles acampamentos mineiros embarrados, aquele ambiente de garimpeiro, onde tem garimpeiro, tem encrenca, né? Aliás, tu vai ver o que quer dizer "encrenca".
E aí são levadas pra lá uma quantidade bem grande, mais de trezentas, quatrocentas prostitutas, que eram o que? Escravas. Porque os senhores escravos percebem que além de se servir da mão de obra muscular dos escravos homens, poderiam lucrar se oferecessem aos serviços sexuais de suas escravas.
E aí se inicia uma perversão dupla, não apenas da da escravidão, mas como da prostituição das escravas. E aí, eles botavam as suas escravas aonde? Na vitrine, como se fosse em Amsterdã.
Mas, claro, não era na vitrine, era na janela. Tanto é que uma das primeiras nomenclaturas pra essas mulheres é "mulheres da janela". Ou pior, "meninas da janela".
Porque eles passam a oferecer meninas, menores de idade. E também 18, 19, 20, vinte e poucos anos. Quanto mais bonita a oferecida, mais dinheiro ela fazia, e eram obrigadas a faturar até dez mil réis por dia, se não eram punidas, se não apanhavam.
E o mais incrível é que quando isso se transporta plenamente para o Rio de Janeiro, há vários casos de mulheres, senhoras de escravos que prostituem, que obrigam as suas escravas a se prostituir. Não é nem um, nem dois, nem três, são dezenas de relatos sobre isso, embora fosse um fenômeno bastante concentrado na região das Minas, isso não significa dizer que não houvesse prostituição em São Paulo, onde elas se ofereciam à beira das fontes de água, onde as pessoas iam recolher a água, no Rio de Janeiro e na capital do Brasil, Salvador. Tanto é que em 1717, um viajante francês chamado La Barbinais diz que havia 255 meninas de janela em Salvador, todas enfeitadas pelos seus próprios senhores, com joias e com trajes menores chamando os seus clientes, sendo obrigadas a chamarem os seus clientes.
Mas tudo isso vai dar uma grande guinada em 1808, quando o Dom João, quando a corte portuguesa vem para o Brasil, porque o Rio de Janeiro vai se tornar uma cidade cosmopolita e como toda cidade cosmopolita do mundo, vai ter a sua rede de prostituição. Só que o caso particular do Rio de Janeiro é que ela continuaria muito, muito, muito vinculada à prostituição de escravas e aí isso já começa a permear a sociedade assim, sabe, se torna uma coisa normal, até porque o grande Jean-Baptiste Debret vai mencionar as vendedoras de doces que, além de venderem doces nas ruas, ofereciam outros obséquios, também suaves e também doces aos transeuntes, ou seja, tá mencionando claramente a existência da prostituição no Rio de Janeiro, sem mencioná-la diretamente, porque claro que sempre houve uma rede protegendo, né, aqueles que ganhavam dinheiro com a prostituição e nunca aquelas que eram obrigadas a se prostituir. A gente vai começar a encontrar relatos efetivos da prostituição a partir de 1845, quando o extraordinário doutor Herculano da Cunha faz a primeira grande radiografia da prostituição no Rio de Janeiro.
E ele diz que ela se dividia em três níveis, mais ou menos como a gente já sabe, já supunha e que é quase até hoje: a prostituição de alto nível, que já inclusive daí envolvia mulheres brancas, de início desvalidas, que passavam a atender em casas na Lapa, algumas delas costureiras, as mulheres que costuravam pra fora, que nem esse termo, na verdade perverso, mas engraçado, viria a identificá-las, né? Essas ficavam realmente concentradas na região da Lapa. Depois, vinha a prostituição de segundo nível, segundo ele, que ficavam em casas mais afastadas em Botafogo e no Jardim Botânico.
E por fim, o baixo meretrício, a prostituição perversa, rasteira, na Rua dos Ferradores, acho que o cara se ferrava e na Rua do Sabão. Cai cai, balão, cai cai, balão, na Rua do Sabão, essa mesma, Rua do Sabão, ali no centro do Rio de Janeiro. E aí começa a surgir também a figura da cafetina, cafetina você sabe, né?
A intermediária, né? Apresentava o produto pros senhores nobres das sociedades, e uma das mais famosas do Rio de Janeiro é denunciada pelo juiz Miguel Tavares. O juiz Miguel Tavares é o cara que inicia uma campanha contra a prostituição no Rio de Janeiro porque ele estabelece um vínculo intenso entre prostituição e escravidão.
Essa cafetina chamava-se "A Barbada", porque ela de fato tinha bigode e cavanhaque, embora fosse uma mulher, e atuava ali na região da Lapa. Mas olha o texto fantástico, olha a declaração incrível do doutor Miguel Tavares. Ele diz o seguinte: "não há apenas a serviço do corpo, mas da alma, porque prostituem o coração e o sentimento mais íntimo e puro.
O recato e o pudor que toda mulher, mesmo sendo escrava, tem direito. Há uma ligação intensa entre escravidão e prostituição. E para punirmos a prostituição é preciso antes acabar com a escravidão".
Miguel Tavares! Claro que, evidentemente, ele não conseguiu. De qualquer forma, ele pronuncia esse discurso em 1860, mas essa história da prostituição no Brasil vai dar uma grande guinada em janeiro de 1867, quando desembarcam no Brasil as chamadas "polacas", mulheres que tinham sido cooptadas, mulheres que tinham sido enganadas na Polônia por uma organização mafiosa, terrível, lá do Leste Europeu chamado Zwi Migdal.
Zwi Migdal é o nome de uma pessoa. Ele tinha criado uma instituição chamada "Sociedade de Ajuda Mútua de Varsóvia", e aí eles eles começam a trazer mulheres do Leste Europeu, né? A Polônia tava numa situação totalmente desequilibrada e se supõe que eles tenham trazido mais de cinco mil mulheres pro Rio de Janeiro e pra Buenos Aires!
Só em Buenos Aires esse Zwi Migdal chegou a ter três mil bordeis, se calcula que eles coordenavam pelo menos 300 bordeis no no Rio de Janeiro. As primeiras chegaram. .
. Eram 164 mulheres, 37 dessas seguiram pra Buenos Aires, né, na primeira leva, e as outras 67 ficaram no Rio de Janeiro. E aí é uma história incrível, porque elas passam a se apresentar como francesas.
É, não eram polacas, eram francesas. E o Brasil já tinha aquela subserviência total à França, tanto é que dali alguns anos, quando se inaugurasse a Avenida Central, as pessoas se cumprimentavam na rua dizendo assim: "Vive la France! ".
E um homem considerava fundamental dormir com uma francesa, porque daí assim se sentiria ele próprio quase um francês. E essas polacas, a maioria delas judias, eram forçadas a dizer que eram francesas. Mas logo se descobriu que eram polacas e tal.
E é inacreditável porque dentre essas mulheres também ia começar a haver uma hierarquia, a alta prostituição, o alto meretrício nos chamados "cafés concertos", nos chamados "bares de artistas", né? Os lugares de boa reputação, com candelabros e tal, com mulheres com kaftans, com mulheres cobertas de joias, sempre um piano bar, aliás, gerando toda uma rede de empregos, né? O garçom, o segurança, o chofer, a cozinheira, a mucama, a arrumadeira, todos eles circulando em torno dessa instituição que se torna o bordel, que se torna o cabaré.
Ao mesmo tempo, porém, existindo também aquelas que, sendo jogadas numa situação ainda pior, iam se prostituir lá na na Praça XI, lá na Cidade Nova, lá no mangue, que já existia desde aquela época, né? O baixo meretrício já era lá desde 1840 e continua sendo a partir de 1860, 1870, né? E o mangue, apesar de toda sua eventual sordidez, ele serve prum texto do Stephan Zweig, né, que era judeu, que veio pro Brasil, que escreveu "O país do futuro" e que foi lá ver a situação delas.
E o mangue também foi retratado pelo Di Cavalcanti e pelo Lasar Segall, né? Dois grandes pintores brasileiros que foram lá registrar o dia a dia dessas prostitutas do baixo meretrício, né, com um olhar generoso, com um olhar favorável, com um olhar defensor dessas mulheres que seguem lá, porque ainda tem lá a Vila Mimosa, ainda tem toda aquela situação lá no mangue. Em 1871, o mesmo doutor Miguel Tavares, né, comprova que a Constituição Imperial permitia aos senhores prostituírem as suas escravas e que não estabelecia nenhuma proibição legal à prostituição e, portanto, ela vai cada vez mais se espalhando pelo Rio de Janeiro que ele chama de "o nosso Chipre, um antro de perversidade" e era um antro de perversidade mesmo, mas não no sentido sexual, de perversão sexual, um antro de perversidade no sentido da desigualdade na qual o Brasil sempre apostou.
Com a virada do século, com o Rio de Janeiro se "afrancesando", né, com a Avenida Central sendo aberta, as prostitutas passam a frequentar inclusive lugares como a Confeitaria Colombo, né? Na Colombo as mulheres de bem iam das 14 às 17h e, a partir, das 17h30 eram as prostitutas, prostitutas de luxo, enquanto que lá no mangue continuava aquela situação, né, degradante, deprimente, da baixa prostituição. Nos anos 20, na Belle Époque, o contexto da prostituição, na Belle Époque muda muito, porque daí, né, surgem aquelas meninas de cabelo mais curto, né?
É uma forma de libertação sexual. E a prostituição vai cada vez mais se tornando um hábito, era normal o pai levar o próprio filho para introduzi-lo na vida sexual e um dos argumentos que se usava pra defender a prostituição era que dessa forma os homens poderiam dar vazão aos seus impulsos sem perturbar as meninas boas de sociedade. Então, havia todo um conhecimento da prostituição e havia mulheres que afirmavam a sua liberdade sexual também como prostitutas e realmente só quem ficava totalmente de fora desse jogo sórdido eram as mulheres donas de casa, preservadas para serem donas de casa e mães dos filhos daqueles que frequentavam os puteiros.
Só que tinha um discurso médico a favor da prostituição que era o seguinte, dizia que se os jovens pudessem desfrutar das prostitutas, eles não cairiam na armadilha do onamismo. Havia muita preocupação com o onamismo diz que viciava, não sei se ainda vicia, diz que dá cabelo nas mãos e tal, as minhas estão bem melhores que a minha cara. Então, vários médicos diziam "não, a prostituição é saudável", tal.
E além de tudo, também, dentro desse discurso moral se defendia a seguinte tese: que o amor carnal mesmo deveria ser feito fora de casa, que dentro de casa, o amor com a rainha do lar, era só um pra reproduzir. E é incrível que apesar de todas as misérias e todas as desgraças e toda a opressão que muitas dessas mulheres evidentemente foram submetidas, várias delas encontraram a sua forma de libertação, eram mulheres libertas, eram mulheres rebeldes, eram mulheres que afrontavam a moralidade vigente, várias delas ficaram famosas, várias delas ficaram ricas, então tudo é um turbilhão, né, de dubiedade, né, de inquietude, né? E claro, em geral, a vítima, a mulher, mas mesmo assim, algumas delas dominavam seus clientes.
E é incrível que também começa a haver a partir desse período, início do século, né, uma grande ligação entre os políticos e a prostituição! Haha! Eles que são os verdadeiros prostituídos, né?
E aí, muitas dessas casas, no Rio de Janeiro, capital do Brasil, se torna um local de encontro de políticos e de grandes conchavos, dos quais muitas das pros prostitutas ficam sabendo, né? Acompanham o desenvolvimento da história social do Brasil, né, ali, política do Brasil, dentro desses cabarés. Mas claro que a regra era a exclusão, especialmente no caso dramático dessas polacas, porque elas foram obrigadas a criar sua própria sinagoga, elas foram obrigadas a criar sua própria sociedade, só que quando morriam, não se permitiu que elas fossem enterradas no cemitério judeu, né?
A maior parte delas, como eu já falei, grande parte, absoluta maioria delas eram meninas judias. A comunidade judaica do Rio de Janeiro ali, muito dela ligada à Praça Onze, né, não permitiu que elas fossem enterradas, foram enterradas fora do campo santo. Até hoje é uma luta para que elas sejam reincorporadas, porque ainda existe o "cemitério das polacas", o cemitério das prostitutas judias no Rio de Janeiro.
E é muito incrível porque essa repressão à Praça Onze, ela chega no auge com a abertura da Avenida Presidente Vargas. O Presidente Vargas, né, sempre teve amantes, especialmente teve uma amante "fixa", né? Sempre frequentou esses locais.
. . Sempre não, né?
Mas eventualmente frequentava esses lugares assim, mas foi ele que, com abertura da Avenida Presidente Vargas, que você já viu no episódio sobre a Presidente Vargas, simplesmente atacou a Praça Onze, praticamente destruiu a Praça Onze, porque era um lugar do samba, da casa da Ciata, dos imigrantes espanhóis, italianos, anarquistas, e dos judeus, né? O governo Vargas nesse período era um governo altamente antissemita. Então, atacou diretamente ali o centro dessa prostituição.
. . em vez de atacar o grupo que continuou existindo, o Zwig Midal, atacou as vítimas do grupo, que viviam ali na Praça onze.
O auge desse ataque a essa região, se dá em 1951 com a destruição da Rua Conde Lages, que ficava justamente ali na região da Praça Onze. E, na mesma época, em São Paulo, se ataca o Bairro do Bom Retiro, onde também havia não apenas meninas judias, mas também toda uma zona de meretrício que é duramente atacada pelos varguistas de São Paulo e duas mil mulheres são retiradas dali, né? Porque claro, a prostituição se espalhava pelo Brasil inteiro, né?
É que há mais registros da prostituição, evidentemente, em cidades como o Rio e São Paulo. Em 1960, em São Paulo, surge a chamada Boca do Lixo. Bom, em julho de 1987 vai ter uma outra guinada dessa história quando se dá o primeiro encontro nacional de prostitutas, liderado pela grande Gabriela Leite, que era uma ex-prostituta que resolveu finalmente tentar desmascarar essa rede de hipocrisia, né, essas falsidades e todos os problemas ligados a essa "encrenca" que era a prostituição.
E "encrenca", veio de uma palavra iídiche que quer dizer "doença venérea", né? O cara apontava e dizia "encrenca". E a palavra cafetão também está ligada a isso porque vem de "kaftan", que é aquele sobretudo abotoado na frente, né, típico da Rússia, usado por esses caras sinistros aí dessa só Zwig Midal.
Só que isso vai dar uma grande guinada com o surgimento das chamadas "garotas de programa" mais do final dos anos 90 e início da internet, que vão se servir da internet como prestadoras de serviço da profissão mais antiga do mundo, algumas delas universitárias, outras desfavorecidas buscando uma forma de ganhar dinheiro que vão ser representadas pela Bruna Surfistinha. Então tá na hora, cara, de romper, de de varrer esse véu de hipocrisia que sempre cercou a questão da prostituição e que começou lá, quando o sexo passou a ser interdito lá na Babilônia, né? Começou com essa moral ocidental, moral de cuecas, moral de cuecas que vai acabar dando encrenca, é melhor vestir logo um kaftan!
E se tu quiser fazer uma incursão pelo Baixo Mundo, a gente vai sair de lá mais em levado ainda.
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