Neste exato momento, trilhões de bactérias, fungos e vírus estão trabalhando dentro do seu e do meu intestino. E acredite, isso é algo muito bom. Eu sou Mariana Alvim, repórter da BBC News Brasil em São Paulo, e neste vídeo vou falar da microbiota intestinal, esse conjunto de micróbios que vivem dentro da nossa barriga desde nossos primeiros momentos de vida e que tem um papel quase sempre silencioso, mas muito importante, da nossa imunidade à saúde mental.
E fica aqui comigo até o fim do vídeo, que vou contar o que os cientistas já descobriram sobre como manter uma microbiota saudável. Só bem recentemente, com o desenvolvimento da genética, é que os cientistas conseguiram explorar em detalhes que micróbios são esses, o que eles fazem e como influenciam diversos sistemas do nosso corpo. Eu conversei com dois pesquisadores brasileiros que estão produzindo e acompanhando estudos inovadores sobre a microbiota e mergulhei em trabalhos científicos sobre ela.
Vamos lá? Primeiro, assim como cada pessoa tem uma impressão digital diferente, todo mundo tem sua combinação particular de micróbios no intestino. Ela vai se formando ao longo da vida, no contato com o ambiente e com diferentes alimentos, por exemplo.
Mas estudos têm mostrado que a primeira infância é crucial na formação da microbiota, e até o tipo de parto que nos coloca no mundo faz diferença: no parto normal, já entramos em contato com a microbiota vaginal da mãe, o que é positivo para que esses germes do bem ocupem nosso corpo. Existem evidências de que a amamentação também contribui para a formação de uma microbiota diversa e saudável. Deixando claro aqui que o corpo tem diversas microbiotas – da boca, do nariz, do pulmão e assim por diante.
Mas o médico e professor Manoel Álvaro de Freitas me contou que a intestinal é a mais importante e numerosa. Ela está nos intestinos delgado e grosso, mas o intestino grosso é como se fosse a “metrópole” dos micróbios. E as bactérias, de nomes estranhos como Bacteroidetes, Firmicutes, Actinobactérias e Proteobactérias, são quem predominam ali.
Por isso, o Manoel focou mais nelas na nossa conversa. O professor trouxe, aliás, um dado interessante sobre as bactérias: A gente tem mais bactéria do que gene. A gente tem 22 mil genes, tem 100 trilhões de bactérias, as bactérias, a genética das bactérias, é muito maior do que a nossa como ser humano Aqui na BBC News Brasil, eu fico sempre de olho em novos estudos científicos.
E a produção sobre a microbiota só tem aumentado nos últimos anos, chegando a um recorde de citações em 2021, como mostram dados do PubMed, que reúne pesquisas da área de saúde. Pesquisas relacionadas à microbiota abordam até mesmo a covid-19. Algumas linhas de pesquisa consideram que a covid pode ser mais grave em pessoas com obesidade e diabetes tipo 2 porque elas normalmente têm disbiose, que é um desequilíbrio no funcionamento da microbiota.
É justamente esse tipo de desequilíbrio que pode fazer com que algum germe que mora na nossa microbiota em algum momento possa fazer mal. O comportamento irregular da microbiota poderia contribuir para uma reação inflamatória descontrolada à infecção pelo coronavírus, desencadeando a chamada tempestade de citocinas, substâncias agressivas que o sistema imunológico libera para atacar um invasor. Mas que, em excesso, podem acabar danificando células e órgãos vitais do nosso corpo.
Uma pesquisa recente da Universidade Chinesa de Hong Kong com amostras de fezes mostrou que a microbiota de quem tem a covid longa é diferente de pessoas que nunca tiveram covid ou que não adquiriram a covid longa. Depois de seis meses da infecção com covid, aqueles que sofriam com sintomas persistentes tinham menor presença de bactérias geralmente benéficas, como a Blautia obeum, e maior presença de bactérias que podem se tornar nocivas, como a Ruminococcus gnavus. Eu usei a covid como exemplo aqui, mas também existem estudos buscando descobrir o papel da microbiota no câncer, nas alergias, na obesidade, na depressão… A gente não sabe se a microbiota é a causa ou o efeito.
Se a disbiose levou à doença, ou se a doença levou a um processo de disbiose. Na obesidade, já está começando. Já tem trabalhos mostrando que o ratinho magro e o ratinho gordo, quando você pega a microbiota do ratinho gordo e passa para o magro ele engorda; quando você pega do magro pro gordo, ele emagrece.
Então isso é um fato. Depressão. .
. quando a gente fala do segundo cérebro, é justamente por isso. O intestino é formador de neurotransmissores: serotonina, dopamina: tudo isso acontece com as bactérias que produzem esses neurotransmissores.
Então está muito vinculado, tanto é que a gente chama de segundo cérebro, não é? É o sistema nervoso entérico. Você talvez tenha visto na imprensa que hoje em dia já existe transplante de fezes.
Essa operação de colocar a microbiota saudável de uma pessoa em outra pessoa com algum problema de saúde, por meio das fezes, vem sendo estudada como tratamento para inflamações intestinais, obesidade e infecções com bactérias muito resistentes. O transplante ainda é raro no Brasil. Cientistas da Faculdade Médica de Minnesota, nos Estados Unidos, publicaram recentemente um artigo afirmando que o transplante de fezes é uma boa opção para tratar a infecção recorrente pela bactéria Clostridioides difficile, que causa uma infecção conhecida pela sigla CDI.
O curioso é que esse problema frequentemente começa com o uso de antibióticos, remédios que são usados para aplacar a infecção por alguma bactéria. Mas, no fim, eles acabam abalando a microbiota como um todo e abrem brechas pra bactérias oportunistas. Aliás, esse tipo de desequilíbrio é um dos motivos pelos quais especialistas e a Organização Mundial da Saúde defendem o uso mais responsável de antibióticos.
Aqui no Brasil, o professor Manoel é um dos fundadores do InHaMMi, um instituto ligado à Universidade Federal de Alagoas que estuda a microbiota intestinal. Ele e a equipe montaram uma espécie de banco de fezes para doação e realizaram transplantes de microbiota em 21 pessoas no segundo semestre de 2021. Agora, eles devem fazer transplantes em mais 19 pacientes a partir de julho.
Os transplantes que vêm sendo realizados em Alagoas são principalmente para o tratamento de doenças inflamatórias intestinais. A gente pode trabalhar pesquisando doadores, que é uma coisa muito complexa. .
. Você conseguir doadores. Por uma série de razões.
Pelo fato de as pessoas não terem esse costume, porque quando você fala fezes, é uma coisa que não presta, que pode ser desprezado, tudo isso. Então você tem que criar uma maneira de convencer as pessoas de que eles, as pessoas que podem ser doadores, são pessoas que têm uma saúde plena, que têm uma microbiota equilibrada, que a gente chama de eubiose, e que você pode ajudar outras pessoas. Bem, agora o que eu prometi no começo do vídeo: o que podemos fazer no dia a dia para ter uma microbiota saudável?
Como tudo que tem a ver com a saúde, a resposta inclui uma combinação de fatores: boa alimentação, prática de atividade física, boas noites de sono, não fumar… Uma microbiota saudável, em geral, é diversa — tem um grande número de espécies, que cumprem funções variadas. Outra característica importante da microbiota é ser resistentes a perturbações – um exemplo é o impacto causado por antibióticos. A alimentação é uma grande aliada para isso.
Daniel McDonald, diretor do Projeto Americano do Intestino, contou para a BBC que o estudo da microbiota de milhares de pessoas nos Estados Unidos sugere que aqueles com dietas com mais vegetais têm uma microbiota mais diversificada. Por outro lado, ao que tudo indica, os alimentos ultraprocessados não seriam nada recomendáveis. Mas ainda não se sabe o quão rápido a nossa microbiota intestinal muda quando alteramos nossa alimentação.
Há pesquisas que mostram algumas mudanças dentro de alguns dias, mas uma microbiota saudável provavelmente é cultivada no longo prazo. Isso porque, segundo me disse o biólogo e professor Victor Marin, a microbiota vai se acostumando com o que comemos ao longo da vida. Ele acrescentou que a combinação dos alimentos também é importante e pode compensar comidas que, isoladas, não são saudáveis.
Por exemplo, a combinação de massas e temperos da cozinha italiana; ou de salsicha com repolho fermentado, da cozinha alemã. Também tem um exemplo brasileiro. Uma refeição que a pessoa consome arroz, feijão, linguiça, batata frita e verdura todo dia.
E a pessoa é saudável, tá tudo certo com a saúde, não tem colesterol alto, não tem triglicerídeos. . .
ela está impecável. Só que aí você fala: não, mas tem linguiça, linguiça não é bom. Vamos tirar da alimentação?
Só que é microbiota. A microbiota da pessoa, vamos dizer assim, ela já está acostumada. Porque a gente vem evoluindo com a microbiota há muitos anos.
Desde quando a gente existiu, a microbiota veio evoluindo junto. Então a gente tá bem. Quando a gente ingere alguma coisa que causa esse desbalanço, é aí que pode causar doença.
E os probióticos, produtos que prometem melhorar a nossa flora intestinal – ou seja, a microbiota? Segundo os especialistas que eu entrevistei, eles até podem ajudar, mas os efeitos são limitados. No Brasil está saindo alguns probióticos sim, mas não são probióticos que têm uma quantidade grande de bactérias.
A gente tem 100 trilhões de bactérias, você 9 bilhões, não é muita coisa. Então é importante a riqueza, a diversidade desse probiótico. O probiótico hoje mexe com 45 bilhões de dólares por ano, é uma fonte incomensurável da indústria farmacêutica é essa parte de probióticos, né?
Então os probióticos são importantes? São. Agora, saber qual probiótico, seria interessante estudar a microbiota de cada pessoa, e aí você faria uma medicina personalizada, e daria o probiótico adequado a cada pessoa.
O professor Victor Marin faz outra ressalva a esses produtos. Tem um problema, só para concluir, de isolar essas bactérias do trato gastrointestinal. Porque elas são anaeróbicas.
Elas não gostam do oxigênio. É difícil cultivar. É bem difícil, essas que estão sendo consideradas as mais importantes, as que têm um efeito para a saúde.
Mas tão estudando separado as bactérias e tão vendo que cada uma tem. Na minha opinião, elas têm quando estão juntas. Quando começa a separar, não vai dar muito certo.
Por isso é que a gente tem que ingerir o alimento. E não a bactéria isolada, ou o probiótico. Na minha opinião, tem que correr atrás dos alimentos E aí você vai falar: "Tá, mas isso foi sempre assim.
" Mas agora está entendendo o porquê. Bem, é isso pessoal! !
Esse tema é tão interessante que daria para passar o dia inteiro falando disso, mas por hoje é só. Conta nos comentários quais assuntos de saúde vocês gostariam que a gente abordasse num vídeo. Obrigada e até a próxima!