Grandes projetos de infraestrutura que juntos formam uma das mais ambiciosas estratégias de política externa da história. Essa é a Nova Rota da Seda da China - inspirada naquela antiga rota de Marco Polo. A América Latina é uma peça-chave desse plano trilionário - o que coloca o continente em mais uma frente de tensão com os Estados Unidos.
E há quem diga que A Rota da Seda pode ser uma de armadilha pros países participantes. Eu sou Julia Braun da BBC News Brasil e neste vídeo explico o que é a Nova Rota da Seda, como ela expande a influência chinesa pelo mundo e quais os objetivos de Pequim. E também discuto por que, até agora, o Brasil resiste a fazer parte desse projeto.
Bom, a Nova Rota da Seda, também chamada de Cinturão e Rota, foi lançada em 2013, pra financiar a criação de redes de infraestrutura, como portos, usinas, pontes, vias ou redes de 5G e fibra ótica - que conectassem a China com a Europa. Mas desde então a iniciativa avançou pra África, Oceania e a América Latina, ampliando a influência chinesa nessas regiões. A estimativa é de que um trilhão de dólares já tenha sido investido nos projetos.
O nome é o mesmo da antiga e enorme rota aberta mais de 2 mil anos atrás, que atravessava toda a Ásia pra comercializar seda, especiarias e metais preciosos entre a China e o Império Romano. Agora, o projeto vai muito além do comércio internacional. Contempla zonas econômicas especiais e obras de infraestrutura terrestre e marítima em mais de 140 países muito diferentes entre si – do Afeganistão à Áustria; do Peru a Gana.
Mas não no Brasil, e sobre isso eu falo no final do vídeo. Bom, essas obras são tocadas por empresas chinesas ou com financiamento de bancos chineses, além potencialmente usarem tecnologia chinesa de telecomunicação, por exemplo. Uma grande vitrine da Rota da Seda é a mega-rede de 13 mil quilômetros de ferrovias que conecta Yiwu, na China, com Madri, na Espanha.
E que já transportou mais de 670 mil contêineres comerciais ao longo de dez anos. A Rota da Seda também financiou gasodutos e oleodutos na Rússia e no Cazaquistão. O presidente chinês Xi Jinping enxerga a Rota da Seda como sua principal estratégia econômica e de cooperação internacional.
Só que alguns analistas e críticos dizem que a Rota da Seda acaba fazendo muitos países se endividarem em excesso com a China - e para custear projetos que, em última instância, beneficiam a própria China e ampliam muito a influência geopolítica chinesa. Diz o centro de estudos Council on Foreign Relations: “Alguns investimentos do Cinturão e Rota tiveram processos obscuros de licitação, exigindo o envolvimento de empresas chinesas. Como resultado, as empresas inflaram custos, levando a projetos cancelados e a disputas políticas”.
“A China também frequentemente exige a qualquer momento o pagamento da dívida, o que permite a Pequim usar o financiamento como ferramenta para impor sua visão em temas contenciosos, como (o status de) Taiwan e o tratamento (da minoria étnica) uigur”. Na mesma linha, críticos dizem que a Rota da Seda pode causar tamanho endividamento, que vira uma espécie de armadilha pra países com governo e economia vulneráveis. Um exemplo vem do Sri Lanka, que em 2018 acabou transferindo pro governo chinês o controle de um porto local, porque não conseguiu arcar com as parcelas da dívida com Pequim.
A China, por sua vez, diz que, entre aspas, “tenta garantir a sustentabilidade comercial e fiscal de todos os projetos” Bom, toda essa influência política e econômica da China obviamente gera tensões com seu principal adversário: os Estados Unidos. Vários analistas acham que, no governo Trump, muitos países que participam da Rota da Seda vão acabar, em algum momento, no meio da disputa entre as duas potências globais. Um caso emblemático é o do Panamá, o primeiro país latino-americano a aderir à Rota da Seda, em 2017.
Mas que acabou anunciando sua saída da iniciativa, depois da pressão americana envolvendo o controle do Canal do Panamá. Lembrando que o Canal foi construído e administrado por décadas pelos Estados Unidos, mas 25 anos atrás foi entregue aos panamenhos. Trump argumenta que a China tem sido beneficiada comercialmente por essa rota, que é crucial na navegação global.
Já Pequim reagiu criticando os Estados Unidos. Como eu mencionei, a América Latina e o Caribe são bastante importantes pra Rota da Seda. Vinte e um países da região têm memorandos de entendimento com o projeto, como Uruguai, Equador, Venezuela, Chile, Bolívia, Costa Rica, Cuba, Peru, Nicarágua e Argentina.
No Equador, por exemplo, um banco chinês financiou a reconstrução de um aeroporto internacional. No Peru está uma das maiores obras da Rota da Seda: o megaporto de Chancay, parcialmente inaugurado em 2024 com a presença do próprio Xi Jinping. Lembrando que faz mais de uma década que a China promove uma grande onda de investimentos na América Latina – e se consolidou como a principal parceira comercial do Brasil.
Mas então por que o Brasil nunca aderiu à Rota da Seda, apesar de ser cortejado por Pequim? Bom, sob Lula, o governo vem mantendo a política de seguir próximo da China e de ampliar os acordos bilaterais. Mas o Brasil não tem, até o momento, planos de assinar um memorando com o Cinturão e Rota.
Os diplomatas ouvidos pelo meu colega Leandro Prazeres acham que o Brasil tenta preservar sua tradição diplomática de manter diálogo com diferentes blocos e nações, sem aderir unilateralmente a um só país ou bloco. A percepção desses diplomatas é de que entrar na Rota da Seda poderia prejudicar as relações com outros atores internacionais, inclusive com os próprios Estados Unidos. Por hoje eu fico por aqui, mas dá uma olhada no nosso canal no YouTube que tem muito mais vídeos sobre esse e outros temas de geopolítica global.
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