Lúcia Andrade era o exemplo vivo de que o sucesso pode ser construído com o esforço. Aos 35 anos, ela era uma das empresárias mais reconhecidas do país, uma mulher que transformara uma pequena loja de roupas em uma rede de boutiques de luxo espalhadas por várias cidades. Seu rosto estampava capas de revistas, e sua fortuna crescia a cada ano. No entanto, apesar de todo o sucesso, havia algo em sua vida que a incomodava profundamente: a ausência de seu pai. Desde que se entendia por gente, sua mãe, Eliana, evitava tocar no assunto. Quando Lúcia era pequena,
perguntava insistentemente sobre ele, mas as respostas eram sempre vagas ou evasivas. Sua mãe sempre dizia que era melhor assim, que ele tinha ido embora por motivos que ela entenderia um dia. Esse dia nunca chegou; Eliana morreu quando Lúcia tinha apenas 20 anos, levando consigo o segredo que Lúcia tanto queria desvendar. Mesmo assim, a ausência de um pai nunca impediu que Lúcia se tornasse uma mulher forte. Ela aprendeu a seguir em frente, a lutar pelas coisas que queria e a não depender de ninguém para alcançar seus objetivos. Só que o vazio de não conhecer sua origem
sempre a perseguia nos momentos de silêncio. Naquela tarde, após mais uma reunião de negócios exaustiva, Lúcia decidiu chamar um Uber para voltar para casa. Não queria o incômodo de dirigir; preferia relaxar no banco de trás, longe do estresse do trânsito. Quando o carro parou à sua frente, ela entrou sem prestar muita atenção ao motorista, focada em responder alguns e-mails no celular. Apenas murmurou uma boa tarde, apressada, como costumava fazer. A viagem começou de maneira tranquila, até que algo estranho aconteceu: o motorista, um senhor de cabelos grisalhos e pele marcada pelo tempo, olhava pelo retrovisor com
uma frequência comum. Lúcia notou aquilo e começou a se sentir desconfortável, mas não fez nenhum comentário; continuou focada em seu telefone, tentando ignorar aquela sensação de que algo estava errado. De repente, o motorista quebrou o silêncio. “Você lembra de sua infância?” Lúcia perguntou ele, de forma casual. A pergunta pegou Lúcia de surpresa. Ela levantou os olhos do celular e encarou o retrovisor, onde o homem a olhava com um sorriso discreto. Ele sabia seu nome, o que não era incomum para motoristas de aplicativos, mas a maneira como ele falou, o tom quase paternal, a deixou intrigada.
“Como você sabe meu nome?” Ela perguntou, tentando manter a calma, mas claramente desconfiada. O motorista riu suavemente. “Está no aplicativo”, respondeu, sem tirar os olhos da estrada. No entanto, o tom em sua voz carregava algo mais, uma familiaridade que Lúcia não conseguia ignorar. Ela tentou afastar a sensação, convencendo-se de que estava apenas cansada demais para prestar atenção aos detalhes. Porém, à medida que a viagem continuava, o homem começou a fazer perguntas que só alguém muito próximo poderia saber. “Você ainda gosta daquele jardim de rosas que sua mãe cuidava tanto?” Lúcia sentiu o coração disparar. Como
ele sabia disso? As rosas do jardim de sua mãe eram uma lembrança íntima de sua infância, algo que ela raramente mencionava. Tentando não demonstrar o choque, ela se recostou no banco e fitou o homem mais uma vez. “Quem é você?” perguntou, agora com um tom mais sério. O motorista deu de ombros, mantendo os olhos na estrada. “Sou apenas um motorista, como você pode ver”, disse ele, mas sua voz traiu o nervosismo. Lúcia estava cada vez mais desconfiada. Decidiu não insistir no assunto, mas o incômodo em seu peito só aumentava. Algo naquela conversa a fazia lembrar
de sua mãe, de quando ela falava do pai com aquela mesma evasiva, como se houvesse um segredo guardado que ninguém podia descobrir. Finalmente, o carro parou em frente ao seu luxuoso prédio. Lúcia desceu rapidamente, ansiosa para sair daquele ambiente estranho. Antes que pudesse fechar a porta, o motorista falou novamente, desta vez com um tom que fez seu corpo inteiro congelar: “Cuide bem do que sua mãe deixou para você, Lúcia. Ela sempre quis que você soubesse de tudo, mas achava que não estava pronta.” Lúcia parou por um segundo, o coração acelerado. Ela se virou para perguntar
o que ele queria dizer com aquilo, mas o motorista já tinha saído, com o carro desaparecendo na curva da rua. Por mais que tentasse, Lúcia não conseguia ignorar o que ele disse. Como ele sabia tanto sobre sua vida? E, mais importante, por que ela sentia que o conhecia, mesmo que fosse apenas um estranho? Ao entrar no apartamento, Lúcia deixou a bolsa sobre a mesa e caminhou até a janela, olhando a cidade iluminada à sua frente. A sensação de familiaridade com aquele motorista ainda a perturbava. Pensou em como ele falara sobre sua mãe, sobre o jardim
de rosas, e sentiu um arrepio percorrer sua espinha. De repente, a ideia de que ele pudesse ser alguém importante de seu passado, talvez até o pai que nunca conhecera, começou a invadir seus pensamentos, mas isso era impossível, não era? Como ele teria aparecido assim do nada, como um simples motorista de Uber? Lúcia balançou a cabeça, tentando afastar aquela ideia absurda. Mas sabia que aquela corrida tinha mudado algo dentro dela. Não conseguia esquecer o olhar daquele homem pelo retrovisor e as palavras que ele escolhera para se despedir ecoavam em sua mente, como se fossem uma chave
para um segredo que ela estava prestes a descobrir. Sem saber o que pensar, Lúcia se deixou cair no sofá, olhando para o teto do apartamento. Era só coincidência, certo? Uma estranha e desconfortável coincidência. E, ainda assim, por mais que tentasse, não conseguia deixar de se perguntar: quem era aquele homem e por que parecia saber tanto sobre ela? O vazio que sempre carregou em relação ao seu pai começava a se mexer novamente, e Lúcia sabia que aquela corrida era apenas o começo de algo muito maior. Os dias que se seguiram àquela corrida de Uber foram estranhos
para... Lúcia, ela tentava focar em seus compromissos e reuniões, mas a lembrança do motorista misterioso continuava a rondar seus pensamentos. A cada novo encontro com doentes ou funcionários, ela sentia a mente vagar para aquele momento, quando o homem de cabelos grisalhos mencionou o jardim de rosas de sua mãe. Como ele podia saber de algo tão pessoal? Lúcia, uma mulher acostumada a controlar todos os aspectos de sua vida, agora se via perdida em um emaranhado de perguntas e sem resposta. No escritório de sua empresa, o ambiente sofisticado e silencioso normalmente ajudava a manter o foco, mas
nem isso estava funcionando. Ela sentia que algo muito maior estava prestes a se revelar, e a ideia de que aquele homem pudesse ser alguém importante para ela, talvez o pai que sempre procurou, não saía de sua mente. A possibilidade era assustadora, mas ao mesmo tempo intrigante. Por que ele teria voltado agora? E por que de forma tão discreta, sem dizer diretamente quem ele era? Naquela noite, de volta ao seu apartamento, Lúcia finalmente decidiu que precisava de respostas. Não podia mais ignorar a sensação de que aquele motorista estava tentando lhe dizer algo importante. Ela abriu o
aplicativo do Uber e procurou o histórico de corridas, tentando encontrar algum detalhe sobre ele. Havia o nome Fernando registrado, mas isso pouco dizia. Sem saber exatamente o que fazer, decidiu que a única solução seria tentar encontrá-lo novamente. Não sabia como, mas de alguma forma precisaria provocá-lo, forçando-o a revelar quem realmente era. Dois dias depois, Lúcia se viu saindo de outra longa reunião de negócios. Exausta, decidiu seguir com o plano que vinha maturando. Pegou o celular, abriu o aplicativo e chamou um Uber. Seu coração acelerou quando viu o carro se aproximando no mapa, torcendo para que
fosse o mesmo motorista. Quando o carro parou na frente do prédio, seu coração disparou; lá estava ele, Fernando, com o mesmo olhar tranquilo e o mesmo sorriso contido no rosto. Dessa vez, Lúcia entrou no carro mais consciente, determinada a não deixar a situação escapar. Ela se acomodou no banco traseiro e, diferentemente da última vez, não pegou o celular. Em vez disso, ficou em silêncio, esperando que ele iniciasse a conversa. “Boa tarde”, Lúcia disse ele calmamente, como se fossem velhos conhecidos. A familiaridade na voz dele a fez se arrepiar novamente. Por que ele falava como se
soubesse tanto sobre ela? Lúcia não conseguia mais ignorar a sensação de que algo grande estava acontecendo e decidiu agir. “Boa tarde”, Fernando respondeu ela, agora com firmeza. “Eu me pergunto como você sabe tanto sobre mim, sobre minha infância, sobre a minha mãe.” Ela o encarou através do retrovisor, tentando decifrar sua expressão. O homem permaneceu sereno, mas havia um leve tremor em suas mãos no volante. “Você sabe muito mais do que um motorista comum deveria saber”, continuou Lúcia, sem tirar os olhos dele. Fernando não respondeu de imediato. Por alguns segundos, o silêncio no carro se tornou
pesado, quase sufocante. Lúcia estava prestes a insistir quando ele finalmente falou, com uma voz mais baixa do que antes, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras: “Eu te conheço, Lúcia, e conheci sua mãe também, há muitos anos.” A maneira como ele falou parecia carregar um peso que Lúcia não estava preparada para suportar. Sua mente começou a juntar as peças e o que parecia impossível começou a tomar forma. “Você me conheceu?” repetiu ela, ainda confusa, mas já pressentindo que viria a seguir. “É você falando comigo e com a minha mãe!” Sua voz soou mais alta do
que pretendia, denunciando a ansiedade que estava sentindo. Fernando respirou fundo e, pela primeira vez desde que se conheceram, ele desviou o olhar do retrovisor. Era como se estivesse tentando encontrar coragem para dizer algo que guardava há muito tempo. “Eu sou... eu sou seu pai”, Lúcia. As palavras saíram com dificuldade, e ele parecia aliviado ao finalmente dizer o que estava preso em sua garganta. O tempo pareceu parar para Lúcia. As palavras dele ecoaram em sua mente, mas ela se recusava a aceitá-las. Como ele podia ser seu pai? Como ele poderia ter estado tão perto e, ao
mesmo tempo, tão distante durante toda a sua vida? Era como se o chão tivesse sumido debaixo dos seus pés. O homem que ela acreditava ter desaparecido sem deixar rastros, o homem que sua mãe nunca quis mencionar, agora estava bem ali, dirigindo um carro de Uber. “Isso... isso não pode ser verdade”, murmurou ela, chocada. Sua mente lutava para processar o que acabara de ouvir. Lúcia sempre imaginou como seria o dia em que descobriria quem era seu pai, mas nunca, em nenhum dos seus cenários imaginados, ela havia pensado que seria assim, dentro de um carro com um
desconhecido que de repente não parecia mais tão estranho. “Eu sei que é difícil acreditar”, disse Fernando, olhando brevemente para o retrovisor. “Eu falei com você, com sua mãe. Fui embora porque não tinha outra escolha e, desde então, venho te acompanhando de longe. Sempre soube que você estava bem, que se tornaria a mulher forte e bem-sucedida que é hoje, mas nunca tive a coragem de me aproximar, até agora.” Lúcia sentiu uma onda de emoções conflitantes invadir seu corpo. Por um lado, havia raiva: ele havia abandonado. Como ele ousava reaparecer agora, depois de todos esses anos, como
se ela devesse apenas aceitá-lo em sua vida? Mas, por outro lado, havia uma parte dela que sempre quis conhecer seu pai, entender o que realmente aconteceu e, talvez, apenas talvez, dar a ele uma chance de se explicar. “Você me abandonou! Você deixou minha mãe sozinha para me criar”, disse Lúcia, sentindo sua voz tremer de frustração e dor. “Ela nunca falou de você, nunca! Como você pode ter feito isso? Como você pode simplesmente ir embora?” Fernando suspirou profundamente, claramente atingido pelas palavras da filha. “Eu nunca quis abandoná-las, Lúcia. Eu não...” Tinha escolha? Havia coisas que você
ainda não sabe, que sua mãe quis manter em segredo para te proteger. Mas se você me der uma chance, eu posso te contar tudo. Posso explicar por que fiz o que fiz. A raiva que Lúcia sentia começou a ser misturada com uma curiosidade quase insuportável; ela queria entender, queria saber por que ele havia ficado longe por tanto tempo e por que decidirá voltar agora. Mas ainda não sabia se estava pronta para ouvir tudo o que ele a dizer. — Eu não sei se consigo ouvir isso agora — disse ela, sua voz mais baixa, quase um
sussurro. — Mas também não sei se consigo continuar vivendo sem entender por que você desapareceu. Fernando olhou para ela novamente pelo retrovisor e, dessa vez, havia um brilho de esperança em seus olhos. — Eu só peço uma chance, Lúcia, uma chance para te explicar tudo. Depois disso, você pode decidir o que fazer. Lúcia permaneceu em silêncio pelo resto da corrida, processando as palavras dele. Quando o carro finalmente parou em frente ao seu prédio, ela desceu lentamente, ainda sem saber o que pensar. Antes de fechar a porta, olhou para Fernando e, sem saber exatamente por quê,
disse: — Eu vou pensar. Depois, fechou a porta e entrou em casa, com a cabeça rodando de tantas emoções e dúvidas. Lúcia subiu para seu apartamento sentindo o peso da revelação. Ela queria respostas, mas não tinha certeza se estava pronta para lidar com a verdade que poderia surgir. Lúcia passou a noite inteira sem conseguir dormir; as palavras de Fernando ecoavam em sua mente como um mantra impossível de ignorar: "E eu sou seu pai." Revirou na cama, tentando afastar os pensamentos, mas quanto mais tentava, mais eles voltavam com força. Como ele podia ser seu pai, aquele
motorista de Uber? Um homem que parecia tão comum, tão distante da ideia que ela tinha sobre quem seu pai poderia ser. Nada fazia sentido. Sua mãe sempre fora tão reservada sobre o assunto, mantendo-o como um segredo enterrado no fundo do passado. E agora, de repente, ele reaparecia em sua vida, pedindo uma chance de se explicar. O amanhecer chegou rápido demais e Lúcia se levantou com o corpo pesado pela falta de descanso. Tentou se concentrar na rotina matinal: café, notas, organizar os compromissos do dia. Mas a revelação da noite anterior pairava sobre ela como uma nuvem.
Quando finalmente se sentou à mesa, de frente para o grande janelão que tinha vista para a cidade, percebeu que seu café havia esfriado. Não iria ficar ali, perdida nos pensamentos. Mas, em vez de mergulhar nos e-mails, fez o que há anos tentava evitar: começou a vasculhar o passado. Procurou por documentos antigos, fotos, qualquer pista que pudesse dar alguma credibilidade à história de Fernando. Em uma caixa escondida no fundo do armário, onde guardava as poucas lembranças de sua mãe, encontrou uma foto amarelada pelo tempo. Era uma imagem de Eliana mais jovem ao lado de um homem
que Lúcia não reconhecia de imediato. Porém, à medida que estudava a foto, algo no rosto do homem começou a lhe parecer familiar: era ele, Fernando. Lúcia sentiu um arrepio percorrer seu corpo. A foto, datada de pouco antes de seu nascimento, mostrava claramente que havia algo entre eles; os dois sorrindo lado a lado, com a naturalidade de quem compartilha uma vida. Como Lúcia nunca tinha visto essa foto antes? Será que sua mãe havia escondido de propósito? As dúvidas começaram a invadir sua mente de forma ainda mais insistente. Se Fernando realmente era seu pai, por que sua
mãe nunca lhe contou a verdade? Por que ele havia desaparecido sem deixar rastros, abandonando-as duas para viverem sozinhas? Lúcia sabia que sua mãe era uma mulher forte que sempre fazia de tudo para proteger a filha, mas agora sentia que havia muito mais naquela história do que ela jamais imaginara. Ela se lembrou de algumas vezes, durante a infância, em que sua mãe parecia distante, perdida em pensamentos. Lúcia nunca entendera o motivo, mas agora começava a se perguntar: em algum momento, Eliana também pensava em Fernando? Será que ela havia tentado protegê-la da verdade ou apenas evitado falar
sobre algo que a machucava demais? A cada nova pergunta, Lúcia sentia o peso da incerteza aumentar. Nos dias seguintes, tentou se concentrar nos seus compromissos de trabalho, mas era impossível ignorar o que havia descoberto. Sempre que se via sozinha, sua mente voltava àquela noite e à revelação de Fernando. Ela se pegava imaginando como seria a vida se ele tivesse ficado, se não tivesse abandonado sua mãe. Como teria sido crescer com um pai presente? A dor da ausência, que Lúcia havia aprendido a enterrar com o tempo, começou a ressurgir de forma intensa e confusa e, junto
com ela, uma raiva crescente. Ela havia vivido sua vida inteira acreditando que seu pai era alguém que havia abandonado sem olhar para trás. Agora, ele reaparecia como se pudesse simplesmente consertar tudo. As lembranças de sua infância começaram a ressurgir com uma clareza desconcertante. Lúcia se lembrou das vezes em que perguntava sobre o pai e de como sua mãe desviava do assunto, dizendo apenas que ele não estava mais por perto, sem nunca oferecer detalhes. A explicação de Fernando sobre as circunstâncias fora de seu controle parecia vazia. O que ele queria dizer com isso? E por que,
só agora, depois de tantos anos, ele se sentia pronto para contar a verdade? No escritório, seus funcionários perceberam que algo estava errado. A sempre eficiente e focada Lúcia parecia distraída, perdida em seus próprios pensamentos. Durante uma reunião com um investidor importante, ela quase cometeu um erro sério ao revisar os números. Normalmente, ela nunca deixaria passar um detalhe tão importante, mas naquele dia sua cabeça estava a quilômetros de distância. Seus sócios começaram a perguntar se ela estava bem e Lúcia, com sua costumeira habilidade, disfarçou. — Só uma semana complicada — dizia, tentando esconder a tempestade emocional
que a consumia. Crescia dentro dela, à noite, de volta ao apartamento silencioso. Ela se viu encarando o celular mais uma vez, os dedos pairando sobre o contato de Fernando. Queria ligar para ele, exigir mais respostas, mas hesitava. E se ele não tivesse uma explicação satisfatória? E se tudo fosse uma grande mentira? Ou pior: e se fosse verdade e ela tivesse que lidar com o fato de que sua vida inteira fora construída sobre meias verdades e segredos? Sentada no sofá, olhando para o telefone em suas mãos, Lúcia percebeu que estava em uma encruzilhada. Poderia simplesmente esquecer
tudo aquilo, continuar com sua vida como se nada tivesse acontecido, ou poderia mergulhar de cabeça na verdade, seja ela qual fosse, e finalmente confrontar o homem que dizia ser seu pai. Mas estava preparada para isso? Estava pronta para ouvir as verdades que ele teria a contar? O telefone tocou, arrancando Lúcia de seus pensamentos. Era Fernando; o número dele aparecia na tela, e seu coração acelerou. Depois de alguns segundos de hesitação, ela atendeu. — Lúcia, sei que você deve estar confusa — começou ele, com uma voz suave, mas ansiosa. — Eu entendo se você não quiser
falar comigo agora, mas preciso que você saiba que estou aqui, disposto a te contar tudo. Eu nunca quis te machucar, mas havia coisas acontecendo na época que você não sabe. Ela interrompeu, sua voz fria: — Por que agora, Fernando? Por que, depois de todos esses anos, você resolveu aparecer? O que mudou? Fernando ficou em silêncio por um momento, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras. — Eu sempre quis me aproximar, mas as circunstâncias e as coisas que me afastaram ainda estavam presentes. Eu não podia correr o risco de te colocar em perigo, mas agora as
coisas mudaram, e eu sinto que chegou a hora de você saber a verdade. Só quero uma chance de explicar. Lúcia não sabia o que responder. Por mais que quisesse gritar com ele, exigir respostas imediatas, algo em sua voz a fez hesitar. Ele parecia sincero, e isso a desarmou por um momento, mas a raiva ainda estava lá, queimando em seu peito. — Eu não sei se estou pronta para ouvir a verdade — disse ela, finalmente. — Mas acho que você me deve isso. Do outro lado da linha, Fernando suspirou aliviado. — Eu devo, sim, e vou
te contar tudo. Quando você estiver pronta, estarei aqui. Eles encerraram a ligação, e Lúcia permaneceu sentada no sofá, o telefone ainda em mãos. A dúvida, que já era grande, agora se transformara em um abismo. Sabia que a conversa com Fernando não podia ser adiada por muito mais tempo; ela precisava saber a verdade, mesmo que a verdade fosse dolorosa. O vazio que carregava há tantos anos finalmente estava começando a ser preenchido, mas o que isso traria para sua vida, ela ainda não sabia. Nos dias que seguiram a ligação de Fernando, Lúcia continuou vivendo como uma sombra
de si mesma. Ela se movia mecanicamente por sua rotina, mas, por dentro, estava comida pela incerteza. Suas reuniões de negócios, antes cheias de confiança e determinação, agora eram marcadas por distrações constantes. Seus sócios e funcionários percebiam que algo estava errado, mas ninguém ousava perguntar diretamente. Lúcia sempre fora uma mulher reservada, controladora de sua vida pessoal, e qualquer tentativa de invadir aquele espaço era rapidamente contida. Contudo, em seus momentos de solidão, a batalha interna era inevitável. Sabia que precisava tomar uma decisão e dar a Fernando a chance de se explicar ou cortá-lo de sua vida antes
que ele pudesse causar ainda mais danos. O problema era que, pela primeira vez, Lúcia não conseguia encontrar uma solução clara, sempre lidara com seus problemas de maneira racional, calculando os riscos e as recompensas. A situação com Fernando era emocional demais, complexa demais, para ser resolvida com frieza. Uma noite, depois de mais um dia exaustivo no trabalho, Lúcia se sentou em sua varanda, observando a cidade que nunca parava. O horizonte, iluminado pelos prédios altos, refletia a sua própria vida: brilhante, bem-sucedida, mas fria e solitária. Olhando para as luzes distantes, percebeu que, embora tivesse alcançado tudo o
que queria profissionalmente, faltava algo em sua vida, um vazio que talvez Fernando pudesse ajudar a preencher. Ou, pelo menos, lhe dar respostas que a permitissem seguir em frente de uma vez por todas. Determinada a resolver aquela questão que pairava sobre sua cabeça como uma nuvem escura, Lúcia pegou o celular e, antes que pudesse mudar de ideia, enviou uma mensagem para Fernando: — Precisamos conversar amanhã, às 19 horas, no café da rua da minha empresa. Esteja lá. Ela ficou olhando para a tela, esperando uma resposta imediata, mas nada veio. O silêncio do telefone apenas aumentava a
ansiedade que já estava sentindo. No entanto, agora que havia dado o primeiro passo, sabia que não havia como voltar atrás. Fernando estaria lá, e ela teria as suas respostas. No dia seguinte, Lúcia tentou se concentrar no trabalho, mas cada olhar para o relógio fazia o tempo parecer ainda mais lento. Suas mãos estavam inquietas; por mais que tentasse focar nos relatórios e reuniões, a expectativa do encontro à noite a corroía. Sua assistente, sempre atenta, perguntou se ela estava se sentindo bem, e Lúcia apenas acenou com a cabeça, tentando manter a fachada de controle. Às 18:30, ela
saiu do escritório com o coração acelerado. O café onde combinou o encontro era um lugar discreto, afastado do agito do centro, onde poucas pessoas iriam reconhecê-la. Não queria que aquele momento se tornasse público. Caminhou lentamente pelas ruas, tentando organizar seus pensamentos antes do encontro. O ar da noite estava fresco, e cada passo parecia ecoar o nervosismo que sentia. Quando chegou ao café, Fernando já estava lá, sentado em uma mesa no canto, observando as pessoas que passavam pela calçada. Ele usava a mesma jaqueta que vestia na última vez que se viram, e a expressão no rosto
era de preocupação. Assim que a viu, levantou-se, visivelmente. Nervoso, mas tentando parecer calmo, Lúcia caminhou até ele com passos firmes, determinada a manter o controle da situação, mas a cada passo que dava, sentia seu coração bater mais rápido. Ela se sentou diante dele sem dizer uma palavra; os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, apenas se observando. Era como se ambos estivessem tentando avaliar se o outro estava preparado para a conversa que estavam prestes a ter. Fernando foi o primeiro a quebrar o silêncio. “Obrigado por vir,” Lúcia disse, ele com a voz baixa, quase um
sussurro. “Eu sei que você não me deve nada, mas estou grato por me dar essa oportunidade de explicar.” Lúcia não respondeu imediatamente, apenas observou, estudando cada traço de seu rosto, procurando algo que confirmasse ou negasse a verdade que ele havia revelado. Havia uma parte dela que ainda queria acreditar que tudo aquilo não passava de um engano, que aquele homem não poderia ser o pai que ela procurara a vida inteira, mas o olhar dele, os traços familiares que agora ela começava a notar, indicavam o contrário. “Eu não estou aqui por você,” disse ela, finalmente, sua voz
firme, mas carregada de emoção contida. “Estou aqui por mim. Preciso de respostas, preciso entender o que aconteceu para poder seguir com a minha vida.” Fernando assentiu, visivelmente nervoso, mas determinado a falar. “Eu te devo todas as respostas e sei que você deve estar cheia de perguntas. A verdade é que eu nunca quis te abandonar, Lúcia. Eu fui obrigado a fazer isso naquela época. Sua mãe e eu… nós estávamos envolvidos em algo maior do que nós dois. Havia pessoas, gente perigosa, que ameaçaram nossa vida. Eu fui embora para proteger vocês.” Lúcia encarou-o com incredulidade. “Pessoas perigosas?
Você acha que pode simplesmente jogar isso como se fosse uma desculpa válida? Minha mãe me criou sozinha, Fernando. Eu cresci sem um pai, e você desapareceu como se eu não importasse.” Fernando abaixou a cabeça, claramente abalado pelas palavras dela. “Eu sei que nada do que eu disser vai mudar o que você passou, mas sua mãe sabia. Ela concordou que era melhor eu ir embora para que você ficasse segura. Havia coisas acontecendo, coisas que você ainda não sabe. Eu fui ameaçado, Lúcia. Minha vida estava em risco e eu sabia que, se ficasse, colocaria você e sua
mãe em perigo também. Achei que estava fazendo a coisa certa.” O silêncio que se seguiu foi sufocante. Lúcia queria gritar, queria dizer a ele que nada justificava o que ele fizera, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Por mais que ela quisesse rejeitar aquela explicação, algo na forma como ele falava fazia-a hesitar. Havia uma verdade ali, mesmo que ela ainda não soubesse qual era. “Por que agora?” perguntou ela, quebrando o silêncio. “Por que você decidiu aparecer depois de todos esses anos?” Fernando respirou fundo antes de responder. “Porque as pessoas que nos ameaçavam… elas não
estão mais por perto. E eu não podia mais continuar te observando de longe sem fazer nada. Eu precisava corrigir o erro que cometi ao te deixar. Mesmo que seja tarde demais, eu quero estar aqui para você, se você me permitir.” Lúcia ficou em silêncio, processando cada palavra. As respostas que tanto procurava estavam começando a se revelar, mas nada disso diminuía a dor que ela carregara por tantos anos. Ela olhou para Fernando e, pela primeira vez, percebeu que o homem à sua frente também carregava cicatrizes invisíveis, mas profundas. Não era o pai que ela imaginara, mas
era, de fato, o pai dela, e essa verdade, por mais difícil que fosse, era algo que ela não podia mais negar. “Eu preciso de tempo,” disse Lúcia, finalmente, sua voz mais suave do que antes. “Eu não sei como processar tudo isso de uma vez, mas se o que você está dizendo é verdade, se realmente fez tudo para me proteger, eu quero entender. Quero saber toda a verdade, sem meias palavras.” Fernando assentiu, os olhos brilhando com um misto de alívio e tristeza. “Eu vou te contar tudo, Lúcia. Tudo o que você quiser saber, só me dê
uma chance.” Lúcia levantou-se da mesa, ainda atordoada pela intensidade da conversa. “Eu te ligo quando estiver pronta para ouvir mais,” disse ela, já se afastando. Fernando a observou enquanto ela se afastava, sem insistir; sabia que agora a decisão estava nas mãos dela. Caminhando de volta para casa, Lúcia sentiu uma tempestade de emoções dentro de si. Ainda havia muitas perguntas, muitas feridas que precisavam de cura, mas, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que estava começando a desvendar o mistério que havia moldado toda a sua vida. Ela ainda não sabia se conseguiria perdoar Fernando, mas sabia
que o caminho para entender seu passado finalmente havia começado. Os dias que se seguiram ao encontro com Fernando foram marcados por um silêncio denso e uma confusão emocional que Lúcia não conseguia afastar. Embora tivesse finalmente ouvido parte da história, as palavras dele ecoavam como uma melodia completa, repleta de notas dissonantes que ela não sabia como organizar. O reencontro não havia trazido o alívio que esperava, mas, sim, mais perguntas, dúvidas e, sobretudo, um ressentimento profundo que ela não sabia como controlar. Lúcia sempre fora uma mulher racional, acostumada a organizar sua vida com precisão e clareza. O
mundo dos negócios, com suas regras rígidas e seus cálculos exatos, era um refúgio de segurança para ela. Mas agora, sentia-se arrastada para um terreno incerto, onde as emoções e as lembranças distorcidas do passado ditavam as regras. Nada fazia sentido, e isso a deixava ainda mais perturbada. Mesmo com as promessas de Fernando de que contaria toda a verdade, Lúcia se via hesitante em dar mais um passo em direção a ele. Certa noite, depois de horas de insônia, ela se levantou da cama e começou a andar pelo apartamento. Estava escuro, exceto pela luz fraca que vinha da…
Cidade, através das janelas, pegou a foto que encontrara dias antes, onde sua mãe aparecia ao lado de Fernando, e ficou observando-a atentamente. Eles pareciam felizes naquela imagem; sua mãe, sorridente, como ela raramente a lembrava, abraçava Fernando com carinho, como se tudo estivesse bem no mundo deles. Aquela foto representava uma realidade que Lúcia conhecera, um tempo em que talvez seus pais estivessem apaixonados e o mundo fosse mais simples. O que havia mudado? Quando as coisas começaram a dar errado? Essas eram as perguntas que Lúcia não conseguia parar de fazer. Ela não se lembrava de Fernando e,
para ela, ele sempre fora uma figura distante, quase mítica, alguém cuja ausência mudou sua vida de maneira silenciosa, mas profunda. No entanto, vê-lo ali, naquela imagem, ao lado de sua mãe, tão real e tangível, fez com que a distância entre o passado e o presente se estreitasse. De repente, ele não parecia mais um estranho, mas alguém que, de alguma forma, sempre estivera ali. Sentindo que estava chegando ao limite de sua paciência, Lúcia pegou o telefone e digitou uma mensagem curta para Fernando: "Amanhã, às 20 horas, no mesmo café". Era hora de ouvir tudo. No dia
seguinte, o clima em sua empresa era o de sempre, mas Lúcia estava diferente. Ela tentou focar nas decisões importantes que tinha que tomar, nas reuniões e nas apresentações, mas sentia a mente dividida. Parte dela estava concentrada nas obrigações, enquanto outra estava no que aguardava à noite. Cada olhar ao relógio a deixava mais ansiosa, e quando o expediente finalmente terminou, ela saiu do escritório com a cabeça cheia. No caminho para o café, ela tentou se preparar mentalmente, repassava as possíveis perguntas que faria a Fernando e se preparava para as respostas, mas nada parecia suficiente. Sentia que,
por mais que ele dissesse, nunca seria o bastante para preencher o vazio que ele deixara. No entanto, precisava tentar; precisava ouvir a história completa para, enfim, decidir como seguir em frente. Quando chegou ao café, Fernando já estava lá. Ele parecia um pouco mais tenso que da última vez, os traços do rosto marcados pelo tempo e por algo mais profundo que Lúcia ainda não conseguia identificar. Ele a recebeu com um aceno tímido e um olhar que, ao mesmo tempo, implorava por compreensão. Lúcia se sentou diante dele e, sem rodeios, começou a conversa: "Eu estou aqui porque
preciso entender tudo. Não quero mais fragmentos, não quero mais meias verdades. Quero saber o que aconteceu. Por que você foi embora e por que eu só estou sabendo disso agora?" Fernando suspirou profundamente, como se carregasse o peso de anos em suas costas, e começou a falar: "Lúcia, eu sei que já te disse que fui embora para te proteger, mas acho que não fui claro o suficiente na época. Sua mãe e eu nos envolvemos com pessoas erradas. Eu estava trabalhando para uma empresa que lidava com negócios legais na superfície, mas que, por trás, estava envolvida com
atividades criminosas. Eu descobri tarde demais, e quando tentei sair, fui ameaçado." Lúcia ouvia em silêncio, os olhos fixos em Fernando, analisando cada palavra. "Que tipo de negócios criminosos?" Ela perguntou, sua voz firme, mas cheia de inquietação. "Contrabando, lavagem de dinheiro... coisas que eu nunca quis fazer parte, mas quando percebi, já estava envolvido, e quando tentei me afastar, as ameaças começaram. Eles disseram que, se eu não colaborasse, viriam atrás de mim, de sua mãe e de você." Fernando fez uma pausa, como se reviver aqueles momentos fosse doloroso demais. "Foi quando decidi que a única maneira de
manter vocês seguras era desaparecer. Se eles não me encontrassem, não teriam como usar vocês para me atingir." Lúcia sentiu um calafrio percorrer sua espinha. A ideia de que sua vida e a vida de sua mãe estivessem em perigo por causa de Fernando era aterrorizante, mas ao mesmo tempo, ainda não conseguia aceitar totalmente a justificativa dele. "Por que minha mãe nunca me contou nada disso?" Fernando balançou a cabeça lentamente. "Ela queria te proteger. Eliana sempre acreditou que, se você soubesse da verdade, isso poderia te machucar ainda mais. Ela achava que era melhor você acreditar que eu
havia simplesmente sumido, que eu era o vilão da história. E, de certa forma, eu aceitei isso. Eu sabia que, ao ficar longe, estava te poupando de um mundo que você não deveria conhecer." O silêncio entre eles era pesado. Lúcia tentava processar todas aquelas informações, tentando entender o que aquilo significava para ela. A verdade era dura, mas ela sentia que precisava saber mais. "E por que você voltou agora? O que mudou?" "Depois de muitos anos, aqueles homens com quem eu me envolvi foram presos. A organização deles foi desmantelada e o perigo que me perseguia já não
existe mais. Foi só então que me senti seguro para te procurar. Mas eu sei que foi tarde demais. Eu deveria ter encontrado uma maneira antes... mas eu tinha medo." Lúcia fechou os olhos por um momento, tentando controlar a mistura de raiva e compreensão que crescia dentro dela. Parte de si queria acreditar em Fernando, queria aceitar que ele realmente tinha tentado proteger a família, mas a outra parte, a parte que havia crescido sem pai e que viu sua mãe sofrer em silêncio, queria gritar: "Você tem ideia do que eu passei sem você? De como foi crescer
sem respostas, sem entender por que meu pai não estava lá? Você pode ter feito isso para nos proteger, mas isso não muda o fato de que você me abandonou." Fernando abaixou a cabeça, claramente derrotado pelas palavras de Lúcia. "Eu sei e vou passar o resto da minha vida tentando me redimir por isso, se você me deixar. Mas se eu pudesse voltar no tempo, faria as coisas de forma diferente. Eu só... eu só quero que você saiba que tudo que fiz foi por amor a você e à sua mãe." Lúcio observou em silêncio, sentindo a dor
em cada palavra que ele dizia. Havia verdade ali, mas também havia anos de mágoa que não poderiam ser apagados com uma simples confissão. Ainda assim, pela primeira vez, ela sentiu que estava começando a entender. Talvez Fernando tivesse feito escolhas ruins, mas no fundo, sua motivação fora proteger a família. — Eu preciso de tempo para processar tudo isso — disse Lúcia, finalmente. — Não sei se estou pronta para te perdoar, mas agradeço por ter sido honesto comigo. Fernando assentiu, visivelmente aliviado por ela não ter simplesmente cortado todos os laços. — Eu espero. Vou esperar o tempo
que for preciso. Só quero que você saiba que estou aqui agora e que nunca mais vou desaparecer. Lúcia se levantou, ainda sem saber como se sentia. Parte dela queria fugir daquela confusão, mas a outra sabia que, agora que tinha as respostas, não poderia ignorá-las. Ela se despediu com um aceno e saiu do café, sentindo o peso das revelações nas costas. Ao caminhar pelas ruas da cidade, a sensação de que o passado estava começando a se resolver lentamente a acompanhou, mas o futuro ainda era incerto, e Lúcia sabia que, por mais que tivesse ouvido a verdade,
o caminho seria longo. O encontro havia sido apenas o começo. Lúcia voltou para casa naquela noite sentindo-se pesada. A confissão de Fernando havia abalado profundamente, mas, ao mesmo tempo, trouxe um tipo de clareza que ela nunca esperou ter. Por mais que fosse difícil aceitar, ela agora conhecia a parte da verdade sobre o pai que nunca esteve presente. Contudo, essa verdade, longe de ser um alívio, trazia consigo uma dor nova, mais forte do que o vazio que ela sempre carregara. Ao entrar no apartamento, ela se jogou no sofá, exausta, mas sua mente continuava a trabalhar. As
palavras de Fernando ecoavam repetidamente em sua cabeça: "Fiz isso por amor a você e a sua mãe." Lúcia não conseguia parar de pensar nisso. Como alguém poderia alegar tanto amor e, ao mesmo tempo, ter causado tanto sofrimento? O que ela havia enfrentado durante toda a sua vida não parecia ter sido resultado de amor, mas sim de abandono. Era como se a tentativa de proteger tivesse gerado um dano irreparável, e isso a corroía por dentro. Aquela noite foi longa. Lúcia não conseguiu pregar os olhos. Cada vez que fechava os olhos, a imagem de Fernando e sua
mãe na foto que encontrara reaparecia, cheia de significado, mas, ao mesmo tempo, vazia de explicações. Mesmo com tudo o que ele havia dito, as feridas não se fechavam tão facilmente. Ela sabia que, apesar de Fernando ter oferecido uma justificativa, isso não apagava as marcas que sua ausência havia deixado. Mais do que nunca, ela estava confusa. Queria acreditar nele, queria entender suas motivações, mas a dor do passado a impedia de perdoar de imediato. Na manhã seguinte, com o nascer do sol iluminando o apartamento, Lúcia se levantou sem ter dormido. Pegou uma xícara de café e se
dirigiu à janela, observando a cidade acordar enquanto seus pensamentos continuavam a girar. Ela sabia que não podia simplesmente continuar com sua vida como se nada tivesse acontecido. Agora que conhecia a parte da verdade, sentia-se compelida a buscar mais. Não podia parar pela metade, precisava descobrir tudo o que Fernando ainda não havia contado e, mais do que isso, precisava entender a história de sua mãe. Por mais doloroso que fosse, Lúcia se deu conta de que sua mãe também fazia parte daquele enigma. Eliana havia tomado a decisão de manter tudo em segredo. Ela vivera uma vida inteira
sem contar à filha o que realmente aconteceu com seu pai. Por que sua mãe nunca confiou nela com a verdade? Será que Eliana também acreditava que era melhor para Lúcia viver sem saber de tudo aquilo? A ideia de que sua mãe havia protegido-a da verdade durante tanto tempo a incomodava profundamente. Lúcia sempre havia visto Eliana como a rocha inabalável em sua vida, alguém que enfrentava as adversidades de cabeça erguida. Agora, começava a perceber que talvez sua mãe tivesse feito sacrifícios que ela nunca soube. Com essa nova perspectiva, Lúcia decidiu que não podia mais adiar as
respostas. Pegou o telefone e enviou outra mensagem a Fernando: — Precisamos continuar nossa conversa. Quero saber mais sobre o que aconteceu. Estou pronta para ouvir. Fernando respondeu quase de imediato, como se estivesse esperando por isso: — Claro, eu também acho que ainda há muito que precisamos conversar. Podemos nos encontrar hoje no final da tarde? Lúcia concordou, marcando outro encontro para o café onde haviam se encontrado antes. Sabia que seria difícil, mas não podia mais. Ela queria entender completamente o que havia acontecido com seus pais, mesmo que a verdade fosse dolorosa. Às 17 horas, Lúcia chegou
ao café. Desta vez, sentiu-se mais preparada emocionalmente, mais controlada, mas ainda assim a ansiedade borbulhava em seu peito. Fernando já estava lá, como da outra vez, com o semblante preocupado. Ao vê-la entrar, ele esboçou um pequeno sorriso, mas não houve muita troca de palavras. Eles sabiam que o que estava por vir seria difícil. Lúcia se sentou diante de Fernando e, antes que ele pudesse começar, ela tomou a iniciativa: — Eu quero saber mais sobre minha mãe, sobre o que vocês realmente passaram. Você disse que estavam em perigo, mas o que realmente aconteceu? Por que ela
nunca me contou nada? Fernando assentiu lentamente, como se estivesse esperando essa pergunta. Ele respirou fundo antes de responder, escolhendo cuidadosamente as palavras: — Sua mãe e eu passamos por momentos muito complicados, Lúcia. Quando nos envolvemos com aquele grupo, achamos que estávamos entrando em um negócio legítimo. Eu trabalhava como consultor financeiro e, no início, parecia ser um trabalho comum. Mas com o tempo, percebi que a empresa estava envolvida com coisas que não deveriam. Tentamos sair, mas já estávamos presos, e foi quando começaram as ameaças. Eles sabiam onde morávamos, sabiam que tínhamos... Lúcia o interrompeu: — Mas
por que minha mãe nunca... Me contou isso, ela confiava tanto em mim. Sempre foi tão aberta comigo em outros assuntos. Por que ela não disse nada sobre você? Fernando abaixou os olhos, claramente abalado pela pergunta. Eliana era uma mulher forte, Lúcia. Ela sempre quis te proteger do pior. Quando eu saí de casa, achamos que ao me afastar, eles deixariam vocês em paz, mas sua mãe vivia com medo de que, se você soubesse de tudo isso, poderia te machucar. Ela também tinha esperança de que um dia eu voltasse, que as coisas se resolvessem. Só que, conforme
os anos passaram e eu não voltava, ela achou que o melhor seria enterrar tudo. Foi um sacrifício que ela fez por amor a você. Lúcia sentiu um nó se formar em sua garganta. Sabia que sua mãe havia sido uma mulher de sacrifícios, mas nunca imaginou a profundidade do que Eliana havia feito por ela. "Então ela nunca desistiu de você", perguntou quase num sussurro. Fernando levantou os olhos tristes, mas cheios de sinceridade. "Ela nunca desistiu de mim, mas também não podia viver esperando eternamente. Quando os anos passaram e eu não pude voltar, ela seguiu em frente.
Ela te criou sozinha da melhor maneira que podia. E foi assim que eu entendi que talvez fosse melhor ela te dar uma vida sem os fantasmas do passado." As palavras de Fernando atingiram Lúcia como uma faca. Tudo o que ela achava que sabia sobre sua mãe parecia estar sendo reescrito diante de seus olhos. Eliana não havia simplesmente deixado o passado para trás por vontade própria; ela fizera aquilo porque achava que era a única maneira de proteger Lúcia, de dar a ela uma vida sem medo. Lúcia ficou em silêncio, processando tudo. Por mais que quisesse explodir
de raiva ou se encher de tristeza, tudo que sentia era um peso esmagador em seu peito. Sua mãe vivera com medo, escondendo a verdade para protegê-la. E Fernando, por mais que tivesse cometido erros, acreditara que estava fazendo o que era melhor. Mas essa proteção havia causado mais danos do que eles jamais poderiam imaginar. "Eu não sei se algum dia vou perdoar vocês completamente por tudo isso", Lúcia disse finalmente, sua voz firme, mas suave. "Minha vida foi construída sobre segredos e omissões, e isso me feriu mais do que qualquer coisa. Mas eu também entendo que, de
alguma forma, vocês acreditaram que estavam me protegendo. Só que vai levar tempo para que eu consiga processar tudo isso." Fernando assentiu, com o rosto marcado pela tristeza e pelo arrependimento. "Eu entendo, Lúcia, e estou disposto a esperar o tempo que for necessário. Eu só quero que você saiba que estou aqui agora. Não vou desaparecer novamente." Lúcia olhou para o homem à sua frente, seu pai, e percebeu que, por mais que a verdade doesse, ela precisava encará-la. A vida que ela conhecia nunca mais seria a mesma. Mas talvez, aos poucos, ela pudesse começar a reconstruir o
que foi quebrado. Não seria fácil, e o caminho seria longo, mas agora, pela primeira vez, ela sentia que estava começando a conhecer a história completa de quem realmente era. Ao sair do café, Lúcia sentiu um peso se levantar de seus ombros, mesmo que parcialmente. Sabia que ainda havia muito a ser processado, muitas feridas a serem curadas, mas o primeiro passo havia sido dado. A verdade, por mais dolorosa que fosse, estava finalmente emergindo e agora, talvez, Lúcia pudesse começar a imaginar um futuro em que ela e Fernando pudessem, de algum modo, construir algo novo, algo que
ela nunca teve antes: um relacionamento de verdade. Os dias que se seguiram à revelação de Fernando foram marcados por uma mistura de alívio e confusão. Lúcia sentia como se estivesse navegando por um oceano de emoções desconhecidas, sem rumo certo. Agora que sabia mais sobre o passado de seus pais e sobre o verdadeiro motivo do desaparecimento de Fernando, era como se tudo ao seu redor estivesse mudado. O mundo, antes ordenado e controlado, agora parecia uma teia intricada de escolhas, sacrifícios e segredos. Ela queria se sentir aliviada por finalmente conhecer a verdade, mas, em vez disso, sentia
uma agitação interna, um conflito constante entre a razão e a emoção. Parte dela compreendia que Fernando havia agido sob uma pressão terrível, tentando proteger sua família de algo perigoso. No entanto, outra parte, a parte mais ferida, que viveu anos sentindo-se abandonada, não conseguia aceitar tão facilmente. O dano estava feito e, embora Fernando estivesse tentando consertar as coisas, as cicatrizes permaneciam. No escritório, Lúcia tentava se manter focada, mas tudo parecia distante: as reuniões importantes, as decisões financeiras, os contratos a serem fechados. Tudo isso que antes a definia agora parecia secundário. Mesmo cercada por seus funcionários e
sócios, Lúcia se sentia sozinha, envolta em seus pensamentos. Era como se sua mente estivesse dividida entre a Lúcia empresária de sucesso, que construíra tudo com suas próprias mãos, e a Lúcia filha, que estava descobrindo pedaços de sua história que jamais imaginou. Ela começou a se questionar sobre o que realmente queria. Antes, tudo parecia claro: expandir seus negócios, construir um império, ser independente e nunca depender de ninguém. Mas agora, a presença de Fernando em sua vida fazia com que velhas feridas fossem reabertas. Será que tudo o que ela havia feito até ali foi motivado pela ausência
dele? Será que, em sua busca por sucesso, estava tentando preencher um vazio deixado por seu pai? Essas perguntas a atormentavam. Cada vez que pensava em Fernando, sentia uma mistura de raiva e saudade, como se parte dela desejasse o que nunca teve: a presença de um pai, enquanto a outra parte quisesse continuar rejeitando qualquer tentativa de aproximação. Ela sabia que Fernando estava disposto a fazer parte de sua vida agora, mas será que ela queria isso? Será que, depois de tantos anos, ainda havia espaço para ele? Certa tarde, após uma reunião particularmente desgastante, Lúcia decidiu que precisava...
Afastar-se de tudo por um tempo, pegou o telefone e mandou uma mensagem para sua assistente informando que tiraria o restante da semana para cuidar de assuntos pessoais. Precisava de um tempo para pensar, longe da correria dos negócios e das responsabilidades diárias. Ela voltou para seu apartamento, mas o espaço que antes lhe trazia conforto agora parecia vazio. As paredes brancas e os móveis minimalistas refletiam o vazio que ela sempre sentiu. Lúcia percebeu que havia criado um ambiente que, de certa forma, refletia sua vida: tudo controlado, organizado, sem espaço para emoções desordenadas ou lembranças do passado. Mas
agora esse controle estava desmoronando; a presença de Fernando havia rompido as barreiras que ela havia erguido em torno de si mesma. Decidiu sair, pegou as chaves do carro e dirigiu-se apenas para sentir o movimento, o vento entrando pelas janelas como se isso pudesse acalmar a tempestade que rugia dentro de sua mente. Ela dirigiu pelas ruas da cidade, passando por lugares que traziam lembranças de sua infância: o parque onde costumava brincar, a padaria onde sua mãe a levava todos os domingos, o prédio da escola. Tudo parecia carregado de memórias que, de alguma forma, agora pareciam diferentes.
Lúcia percebeu que, embora sua mãe tivesse sido uma figura central em sua vida, havia partes de sua história que ela não conhecia, e isso a incomodava profundamente. Sentia-se traída, não apenas por Fernando, mas também por Eliana. Como sua mãe pôde esconder tanto dela? Como ela pôde achar que, ao manter todos aqueles segredos, estava realmente protegendo sua filha? Talvez Eliana estivesse tentando fazer o melhor, mas o resultado era claro, e Lúcia havia crescido sem a chance de entender plenamente quem ela era, de onde vinha e o que havia realmente acontecido com sua família. Depois de horas
dirigindo, Lúcia estacionou o carro em uma pequena praça afastada. O lugar estava quase vazio, apenas algumas pessoas caminhando com seus cães e algumas crianças brincando. Ela se sentou em um banco, observando o movimento tranquilo ao seu redor. A calmaria da praça contrastava com o turbilhão dentro dela; era como se a paz ao redor intensificasse sua própria inquietação. Lúcia sabia que estava em um ponto crítico de sua vida. Precisava tomar uma decisão, e não apenas sobre Fernando; precisava decidir como queria lidar com tudo que havia descoberto, como queria seguir em frente. Poderia continuar rejeitando o pai,
mantendo-o à distância, ou poderia tentar, aos poucos, reconstruir algo com ele, mesmo que fosse algo frágil e incerto. Mas, mais do que isso, Lúcia sabia que precisava enfrentar suas próprias emoções. Durante anos, ela havia se escondido atrás de sua carreira e de sua força pessoal, evitando qualquer tipo de vulnerabilidade. Agora, pela primeira vez, sentia-se exposta, e isso a assustava. Não sabia como lidar com o que estava sentindo, e o medo de se abrir para Fernando e se machucar novamente era esmagador. Enquanto observava as crianças correndo pela praça, Lúcia percebeu que parte dela sempre desejou algo
que nunca teve: uma família completa. Embora sua mãe tenha sido tudo para ela, sempre faltou algo, um espaço que, por mais que ela tentasse preencher com sucesso e independência, nunca foi realmente preenchido. Talvez fosse isso que a estava impulsionando a dar a Fernando uma chance; talvez ela quisesse, de alguma forma, reparar esse pedaço quebrado de sua vida. Após algum tempo, Lúcia pegou o telefone e, sem pensar muito, ligou para Fernando. Ele atendeu rapidamente, como se estivesse esperando por isso. "Lúcia," ele disse, a voz carregada de cautela e esperança. "Eu estive pensando," começou ela, tentando organizar
as palavras. "Eu não sei se posso te perdoar pelo que aconteceu, mas acho que preciso entender melhor. Preciso saber mais sobre você, sobre o que realmente aconteceu. Talvez, se eu conseguir entender completamente, possa começar a lidar com isso." Fernando permaneceu em silêncio por alguns segundos, e Lúcia podia imaginar o quanto aquelas palavras significavam para ele. Finalmente, ele respondeu com a voz baixa, mais sincera: "Eu estou aqui, Lúcia. Eu vou te contar tudo o que você quiser saber, e vou esperar o tempo que você precisar para que possamos tentar reconstruir algo." Lúcia desligou o telefone com
uma sensação estranha. Não era alívio nem exatamente tristeza, mas algo no meio-termo. Sentia que havia dado mais um passo, pequeno mas importante. Não sabia onde aquilo a levaria e ainda não tinha certeza de como se sentia a respeito, mas agora, pela primeira vez, estava disposta a tentar. Ao voltar para o carro, enquanto observava o fim de tarde se aproximando, Lúcia percebeu que o caminho para a cura seria longo, mas que talvez houvesse uma possibilidade de reconciliação, tanto com Fernando quanto consigo mesma. Ela sabia que o processo seria difícil, cheio de altos e baixos, mas também
sabia que não poderia continuar ignorando o passado. Talvez, enfrentando suas dores e aceitando sua história, Lúcia pudesse finalmente encontrar paz. No dia seguinte à conversa com Fernando, Lúcia acordou cedo, sentindo uma estranha mistura de leveza e peso. Leveza por finalmente ter tomado uma decisão sobre como lidar com o retorno de seu pai, mas o peso de saber que, dali em diante, teria que enfrentar verdades dolorosas. Aquele seria um caminho longo, cheio de incertezas, e Lúcia estava longe de saber se, ao final, ela realmente conseguiria perdoá-lo. Mas o que importava agora era que ela havia decidido
seguir em frente em busca de respostas. Sentada à mesa da cozinha, Lúcia observava a cidade começar a se mover do outro lado da janela. O céu estava limpo, o sol tímido, mas o peso em seus ombros permanecia. Ela sabia que, por mais que estivesse disposta a tentar entender Fernando, isso não significava que tudo seria resolvido com facilidade. Pelo contrário, a cada nova revelação, mais peças daquele quebra-cabeça complicado se apresentariam, e ela teria que decidir como encaixá-las em sua vida. Decidida a não ficar parada, Lúcia pegou o telefone e mandou uma mensagem. Para Fernando, marcando um
novo encontro para aquela tarde, hoje à tarde, às 16 horas, no café de sempre. Precisamos continuar de onde paramos. Ele respondeu quase de imediato, confirmando o encontro com um tom de respeito e paciência que Lúcia, de certa forma, apreciava. Ele parecia entender que tudo precisaria ser feito em seu tempo. Antes de sair para o encontro, Lúcia fez algo que evitara durante toda a sua vida: foi até o velho baú de sua mãe, guardado em um canto do armário. Ali, Eliana havia deixado várias memórias: cartas, fotos, documentos antigos que Lúcia sempre evitara mexer. Não que tivesse
medo do que encontraria, mas sim porque parte dela não queria lidar com aquelas lembranças. O passado de sua mãe era algo que, por muitos anos, Lúcia julgava como seu próprio fardo. Agora, contudo, sentia que talvez as respostas que ela buscava estivessem em algum lugar ali, naquele baú que nunca teve coragem de abrir. Com as mãos trêmulas, Lúcia destrancou o pequeno cadeado que mantinha o baú fechado. Ao abrir a tampa, a poeira do tempo subiu no ar, e ela observou, quase reverente, o que estava ali dentro. Havia fotografias antigas, muitas das quais ela já conhecia: momentos
de sua infância, sorrisos congelados no tempo, ela e sua mãe abraçadas em frente a algum lugar que já não conseguia identificar. Havia também cartas que sua mãe havia guardado, algumas de parentes distantes, outras de amigos de longa data. No entanto, o que chamou a atenção de Lúcia foi um pequeno envelope amarelado, lacrado e endereçado. Seu coração bateu mais forte; por que sua mãe teria deixado uma carta para ela escondida ali, entre as memórias do passado? Ela hesitou por um momento antes de abrir o envelope, sentindo o peso emocional daquele gesto. Com cuidado, puxou o papel
de dentro e começou a ler a carta, escrita à mão pela mãe. Parecia ter sido redigida em um momento de grande angústia. Eliana começava a mensagem com palavras de carinho, dizendo que sempre amou Lúcia mais do que tudo na vida. Mas, conforme as linhas avançavam, a dor e a tristeza transpareciam. Eliana admitia que havia coisas que nunca contara à filha, segredos que ela acreditava serem necessários para protegê-la. Falava de Fernando, do perigo que eles enfrentaram quando ele desapareceu, e de como ela havia decidido não contar nada para poupar Lúcia de uma realidade que poderia ter
destruído sua infância. No entanto, a parte que mais chamou a atenção de Lúcia foi quando sua mãe escreveu sobre o medo que sentia. Eliana tinha medo de que um dia Lúcia fosse descobrir a verdade de maneira dolorosa, sem a chance de compreender as escolhas que ela, como mãe, havia feito. A carta terminava com um pedido de perdão. Eliana esperava que um dia Lúcia pudesse entender e perdoá-la por ter guardado aqueles segredos, acreditando que estava fazendo o melhor pela filha. Lúcia sentiu as lágrimas escorrerem pelo rosto enquanto terminava de ler a carta. Sua mãe sempre fora
uma mulher forte, mas aquela carta revelava um lado vulnerável que ela nunca tinha visto. Pela primeira vez, Lúcia começou a enxergar o sacrifício que Eliana havia feito, o peso que ela carregara sozinha para proteger a filha. Era doloroso, mas ao mesmo tempo trazia uma compreensão que Lúcia não esperava encontrar tão cedo. Sua mãe havia feito o que achava certo, mesmo que isso significasse viver uma vida de silêncios e verdades. Depois de algum tempo, Lúcia se recompôs e guardou a carta com cuidado, sabendo que precisaria dela como um lembrete não apenas das decisões difíceis que sua
mãe havia tomado, mas também da complexidade de suas próprias emoções. Ela não estava mais lutando apenas com os fantasmas de Fernando, mas também com as escolhas de Eliana. Tudo aquilo a fazia sentir um peso que jamais imaginara. Quando chegou ao café, Fernando já estava lá, como sempre, esperando. Desta vez, Lúcia se aproximou de maneira diferente. Havia algo em seu semblante que indicava uma mudança. Ela estava mais calma, mais centrada, mesmo que ainda carregasse muitas perguntas. Sentou-se diante de Fernando e, por um momento, eles ficaram em silêncio, cada um analisando o outro. — Eu encontrei uma
carta da minha mãe hoje — Lúcia disse, sem rodeios. Ele olhou surpreso, mas respeitou o silêncio que se seguiu, esperando que ela continuasse. — Ela escreveu para mim, admitindo que me escondeu a verdade sobre você, sobre o que aconteceu, e pediu desculpas por isso. Fernando abaixou a cabeça, visivelmente tocado. — Sua mãe era uma mulher incrível, Lúcia. Ela sempre quis te proteger, mesmo que isso significasse carregar o peso de tudo sozinha. Eu sabia que ela fazia isso e, por isso, aceitei ficar afastado. Ela queria que você tivesse uma vida segura, longe de todo o caos
que enfrentamos. Lúcia respirou fundo. A presença da carta em sua mente tornava aquele momento ainda mais difícil, mas também mais necessário. — Eu entendo porque ela fez o que fez, mas isso não muda o fato de que agora eu tenho que lidar com toda essa bagagem, com esses segredos que moldaram a minha vida. Fernando assentiu, e sua expressão refletia o peso do que Lúcia estava sentindo. — Eu sei que tudo isso é muito para você, e eu sei que minha ausência, de uma forma ou de outra, causou dor. Mas estou aqui para te ajudar a
entender tudo. Eu não quero mais que você tenha que lidar com essas questões sozinha. Lúcia observou por um momento, sentindo que as paredes que havia construído em torno de si estavam começando a rachar. Por mais que Fernando tivesse cometido erros, por mais que sua mãe tivesse guardado segredos, havia algo maior ali. Talvez fosse o amor que, apesar de todas as circunstâncias, os três ainda compartilhavam, mesmo que de maneiras diferentes. — Eu quero continuar essa conversa — Lúcia disse, finalmente. — Quero entender mais sobre o que aconteceu, sobre você e minha mãe, mas vou precisar de...
Tempo. É preciso que você seja honesto com Fernando. Não me esconda mais nada. Fernando olhou para Lúcia com uma seriedade que ela não esperava. — Eu prometo que não vou te esconder nada. Tudo o que você quiser saber, eu vou contar; só peço que tenha paciência comigo. Algumas coisas ainda são difíceis de reviver. Lúcia assentiu. Sabia que a jornada que estava começando não seria fácil. Havia muita dor, muitos segredos a serem desvendados, mas ela estava disposta a continuar. Pela primeira vez, sentia que estava começando a entender o passado de seus pais e isso a fazia
acreditar que, talvez, no final de tudo, pudesse encontrar a paz que tanto procurava. O encontro com Fernando havia deixado Lúcia em um estado de introspecção que ela ainda estava tentando processar. Agora, ela tinha uma parte importante da história, mas sentia que ainda faltava muito para compreender o que, de fato, acontecera entre seus pais. A carta de sua mãe havia sido um baque emocional, mas também uma peça fundamental no quebra-cabeça de sua vida. Saber que Eliana tinha tentado protegê-la não amenizava o peso da verdade, mas dava a Lúcia uma nova perspectiva sobre o amor e o
sacrifício que sua mãe havia carregado em silêncio. Na manhã seguinte ao encontro com Fernando, Lúcia acordou com uma sensação de urgência. Ela sabia que não podia continuar vivendo sem obter todas as respostas, sem mergulhar fundo nas questões que a perturbavam há tanto tempo. Mais do que nunca, sentia que precisava não só entender o passado, mas confrontá-lo de uma vez por todas. Decidida a encontrar mais sobre a história de seus pais, Lúcia pegou o telefone e ligou para Fernando. Ele atendeu rapidamente, sua voz calma, mas levemente preocupada. — Lúcia, — disse ele, como se já esperasse
o motivo da ligação. — Precisamos conversar novamente. Mas desta vez quero que seja diferente. Não quero apenas suas palavras, quero ver os lugares, quero sentir a história. Preciso entender o que vocês viveram. Fernando ficou em silêncio por alguns segundos, pensando na proposta. — Eu entendo. Acho que está na hora de você ver onde tudo aconteceu. Podemos começar pela casa onde morávamos. É o lugar onde tudo começou e terminou, de certa forma. A menção à casa fez Lúcia sentir um frio na espinha. Ela não se lembrava muito do lugar, pois era muito jovem quando sua mãe
decidiu se mudar, buscando um novo começo longe das lembranças dolorosas. No entanto, as poucas memórias que tinha eram nebulosas e fragmentadas, como se o tempo houvesse apagado parte daquilo para protegê-la. Agora, a ideia de revisitar aquele lugar, o epicentro de tudo que havia acontecido, a deixava inquieta, mas ao mesmo tempo determinada. No mesmo dia, Lúcia se encontrou com Fernando em frente à antiga casa. O lugar que antes fora o lar de sua família agora parecia pequeno e desbotado pelo tempo. A pintura das paredes estava descascada, o jardim, antes bem cuidado, estava tomado pelo mato. Ao
olhar para a fachada envelhecida, Lúcia sentiu uma onda de nostalgia misturada com tristeza. Aquela casa, que um dia fora cheia de promessas e felicidade, agora parecia um símbolo de tudo que havia se perdido. Fernando, ao seu lado, observava a casa com um olhar distante, como se estivesse revivendo momentos que ele preferia esquecer. — Esse era o nosso refúgio — disse ele, com a voz baixa. — Aqui, por um tempo, nós fomos felizes. Sua mãe e eu sonhamos em criar você longe dos que... Se aproximando, Lúcia não conseguia imaginar o que seus pais tinham vivido naquele
lugar. Para ela, era apenas uma casa antiga cheia de memórias esquecidas, mas para Fernando era muito mais do que isso; era o lugar onde sua vida, seu casamento e sua relação com Lúcia começaram a se desfazer. — Por que você decidiu me trazer aqui? — perguntou Lúcia, ainda absorvendo a atmosfera carregada de emoções. — O que aconteceu nessa casa que foi tão importante? Fernando suspirou, passando a mão pelos cabelos grisalhos, claramente tentando encontrar as palavras certas. — Foi aqui que tudo desmoronou — disse ele, finalmente. — Foi aqui que sua mãe e eu percebemos que
não poderíamos mais viver a vida que queríamos. Quando as ameaças começaram, achei que poderíamos resistir. Achamos que, se ficássemos unidos, nada nos atingiria. Mas eu estava errado. Ele apontou para a porta da frente, que agora parecia velha e deteriorada, mas que um dia fora o símbolo de proteção de sua família. — Certa noite, depois de mais uma ameaça, sua mãe e eu discutimos. Ela estava com medo e eu estava tentando manter a calma, fingindo que tudo ficaria bem. Mas a verdade é que eu já sabia que estávamos em perigo. Eu só não queria aceitar, não
queria admitir que falei em proteger vocês. Lúcia ouviu aquelas palavras com um nó na garganta. Era difícil imaginar seus pais naquela situação: sua mãe atormentada pela vida, cheia de medo, e Fernando tentando sustentar a fachada de força. Por um momento, ela sentiu compaixão por ele, algo que não esperava sentir tão cedo. O que ele passou, as escolhas que teve que fazer, não pareciam mais tão fáceis de julgar. — Foi então que decidimos que eu precisava ir embora — continuou Fernando, sua voz mais suave. — Eu achava que, se eu saísse da jogada, eles deixariam vocês
em paz. Eu não queria abandonar você e sua mãe. Lúcia, foi a decisão mais difícil da minha vida, mas eu acreditei que era o único jeito de garantir a segurança de vocês. Lúcia sentiu as lágrimas se acumulando nos olhos, mas piscou rapidamente para afastá-las. Ela sempre imaginou o abandono como um ato de egoísmo, uma fuga covarde, mas agora, ao ouvir sua versão da história, tudo parecia diferente. Ele realmente acreditava que estava fazendo o certo, mesmo que isso significasse se afastar da filha. — Você nunca pensou em voltar? — perguntou Lúcia, sua voz tremendo levemente. —
Nunca pensou em tentar encontrar uma maneira de nos proteger sem precisar ir embora? Fernando balanço a cabeça, sua expressão marcada pela dor do arrependimento. "Eu queria voltar todos os dias, Lúcia, mas as ameaças continuaram. Mesmo depois de eu desaparecer, eles ainda monitoravam vocês. Eu achava que se eu aparecesse, as coisas poderiam piorar. Só quando a organização foi desmantelada, anos depois, é que comecei a pensar em te procurar." Lúcia ficou em silêncio por um momento, tentando processar tudo. A história de Fernando era mais complicada do que ela jamais imaginou. Ele não havia simplesmente fugido; ele havia
tomado uma decisão que, em sua mente, era a única forma de manter sua família a salvo. Porém, ao fazer isso, ele também havia deixado um vazio imenso na vida de Lúcia, algo que ela nunca conseguiria preencher completamente. "Eu entendo agora por que você foi embora," disse ela finalmente. "Isso não significa que não doeu. Crescer sem um pai foi difícil e eu passei muitos anos tentando entender por que você não estava lá." Fernando assentiu, a tristeza em seus olhos visível. "Eu sei, Lúcia, e não espero que você me perdoe por tudo. Só espero que agora você
possa entender um pouco mais sobre o que aconteceu. Nunca foi minha intenção te machucar, mas sei que acabei fazendo isso de qualquer forma." Eles ficaram em silêncio por mais alguns minutos, ambos contemplando a casa e as memórias que ela carregava. Para Fernando, aquele lugar era um símbolo de decisões difíceis e sacrifícios feitos em nome da segurança de sua família; para Lúcia, era um lembrete de tudo que ela perdeu ao longo dos anos. No entanto, agora que conhecia a verdade, ela sentia que podia começar a reconstruir a relação com seu pai, mesmo que isso levasse tempo.
"Vamos entrar," sugeriu Fernando, quebrando o silêncio. "Talvez você queira ver o lugar onde cresceu, mesmo que por pouco tempo." Lúcia hesitou por um momento, mas acabou concordando. Eles entraram na casa juntos, e Lúcia foi inundada por uma série de lembranças que estavam trancadas em algum canto de sua mente. O chão de madeira rangia sob seus pés e o cheiro de mofo era forte, mas ela reconheceu os pequenos detalhes: o corredor onde costumava correr, a sala de estar onde brincava com seus brinquedos, o quarto que um dia foi seu. Era como se ela estivesse revisitando uma
parte de si mesma que havia sido esquecida. Conforme exploravam a casa, Fernando continuava a contar mais detalhes sobre a vida que tiveram ali, sobre como sonharam em dar a Lúcia um lar cheio de amor e segurança, e como esses sonhos foram destruídos pelas circunstâncias que fugiram ao controle. Ao sair da casa, Lúcia sentiu que, embora houvesse muito mais para entender e processar, aquele encontro com o passado foi necessário. Pela primeira vez, ela conseguia enxergar seu pai sob uma nova luz, não apenas como o homem que abandonou, mas como alguém que, mesmo falhando, tentou fazer o
que achava ser o melhor. Enquanto caminhavam juntos em silêncio, Lúcia percebeu que a estrada para a reconciliação seria longa, mas que estava disposta a trilhá-la. Talvez, no fim, ela e Fernando pudessem encontrar um caminho para reconstruir algo que, por tanto tempo, parecia estar perdido. Depois de visitar a antiga casa com Fernando, Lúcia se viu mergulhada em uma nova perspectiva de tudo que havia acontecido em sua vida. Pela primeira vez, ela começava a entender as razões que levaram seu pai a tomar decisões tão drásticas. Ao mesmo tempo, compreendia os sacrifícios que sua mãe fez para protegê-la
da verdade, mesmo que isso tivesse criado um muro de silêncio entre elas. Aquela visita trouxe à tona uma série de emoções conflitantes que Lúcia sabia que precisaria lidar com cuidado. De volta ao seu apartamento, Lúcia sentou-se no sofá, fitando a cidade através da grande janela. O movimento constante de carros e pessoas parecia contrastar com a imobilidade de seus pensamentos. Fernando, o homem que ela julgou durante toda a vida, não era mais o mesmo. Aos seus olhos, ele não era apenas o pai ausente; era um homem que viveu entre a cruz e a espada, preso em
decisões que jamais poderiam ser fáceis. Lúcia passou os dias seguintes imersa em pensamentos, tentando conciliar a nova realidade com as emoções que ainda carregava. Era como se uma parte de si quisesse dar a Fernando uma chance, enquanto a outra, a parte que viveu tanto tempo com o ressentimento, se recusava a perdoar completamente. Ela sabia que, se decidisse seguir em frente com a relação, precisaria fazer uma escolha difícil e abrir seu coração para um homem que, mesmo com as melhores intenções, a feriu profundamente. Um dia, enquanto revisava relatórios de trabalho em sua mesa, Lúcia sentiu o
telefone vibrar. Era uma mensagem de Fernando; ele perguntava como ela estava e se poderiam se encontrar novamente para conversar. Ele não queria pressioná-la, mas sabia que ainda havia muito para esclarecer, muitos detalhes que não haviam sido discutidos. Lúcia leu a mensagem e ficou em silêncio por um momento. Sabia que aquele encontro seria decisivo. O que quer que dissessem um ao outro a partir de agora poderia determinar o futuro da relação deles. Depois de refletir, Lúcia respondeu à mensagem e combinou encontrar Fernando no mesmo café onde sempre conversavam. Desta vez, no entanto, havia uma tensão maior
dentro dela; não era apenas uma conversa comum, era um momento de decisão, um confronto entre o passado e o presente. No dia do encontro, chegou ao café um pouco antes do horário combinado. Sentou-se à mesa de canto, observando o movimento ao redor, preparando-se emocionalmente para o que viria a seguir. Assim que Fernando entrou, Lúcia percebeu que também estava tensa. Fernando se sentou à sua frente, e por alguns minutos, nenhum dos dois falou. Havia algo no ar, uma tensão palpável, como se ambos soubessem que aquele momento era crucial. Lúcia respirou fundo, quebrando o silêncio. "Eu pensei
muito sobre tudo," começou ela, "sobre você, sobre minha mãe, sobre o que..." Eu descobri recentemente e, apesar de entender melhor agora o que aconteceu, isso não faz com que o passado desapareça. Eu vivi anos da minha vida sem você e isso deixou marcas que não vão sumir tão facilmente. Fernando assentiu lentamente. — Eu sei, Lúcia, e eu não espero que você me perdoe de um dia para o outro. Só estou tentando ser honesto com você agora, como eu deveria ter sido desde o começo. — Eu quero acreditar em você — disse Lúcia, sua voz firme,
mas com uma ponta de vulnerabilidade. — Mas é difícil. Eu ainda estou lidando com tudo o que descobri e, sinceramente, não sei como me sentir sobre isso. Uma parte de mim quer dar a você uma chance, quer tentar reconstruir algo, mas outra parte... outra parte ainda está magoada. Fernando respirou fundo, olhando para Lúcia com uma expressão séria. — Eu entendo e sei que estou pedindo muito de você. Tudo o que posso te dizer agora é que estou aqui. Vou continuar aqui, esperando. Eu não vou forçar nada e nem espero que as coisas voltem ao normal
rapidamente, mas quero que você saiba que não estou mais fugindo. Eu não vou desaparecer de novo. O silêncio que se seguiu àquela declaração foi pesado. Lúcia sabia que Fernando estava sendo sincero, mas isso não tornava a decisão mais fácil. Havia tanto a ser considerado, tantas camadas de dor e ressentimento que ainda precisavam ser trabalhadas, mas, ao mesmo tempo, ela percebia que essa era a oportunidade de reconstruir algo que por tanto tempo esteve perdido. Ela não precisava perdoar imediatamente, mas poderia dar um primeiro passo. — Eu vou ser honesta com você — Fernando disse, ela, com
a voz levemente trêmula. — Eu não sei se estou pronta para perdoar completamente, mas estou disposta a tentar. Estou disposta a te dar uma chance, só que isso vai levar tempo. Eu preciso de espaço para processar tudo isso. Fernando sorriu, um sorriso tímido, mas cheio de alívio. — Eu não poderia pedir mais do que isso. Só o fato de você estar disposta a tentar já significa muito para mim. Lúcia sentiu um pequeno alívio ao dizer aquelas palavras, embora ainda estivesse cheia de incertezas. O simples fato de admitir que estava disposta a dar uma chance a
Fernando trouxe um pouco de paz. Ela sabia que a reconciliação seria lenta e que o relacionamento deles jamais seria como o de outras famílias. No entanto, talvez houvesse uma maneira de construir algo novo, algo que eles nunca tiveram antes. Os dois conversaram por mais algum tempo, discutindo detalhes da vida de Fernando nos anos em que esteve afastado. Ele contou como tentou seguir em frente, mas nunca conseguiu realmente deixar de pensar em Lúcia e em como ela estaria. Admitiu que muitas vezes pensou em voltar, mas o medo de colocar a vida dela em risco impediu. Por
mais difícil que fosse para Lúcia ouvir tudo isso, ela começou a entender melhor o fardo que Fernando carregava, e isso ajudava a vê-lo sob uma nova luz. Ao final da conversa, Lúcia e Fernando saíram juntos do café. O clima entre eles, embora ainda carregado de incertezas, era mais leve. Parecia que estavam aprendendo a se comunicar de maneira honesta, algo que nunca haviam feito antes. O silêncio que se seguiu, enquanto caminhavam pela rua, era confortável, diferente dos silêncios tensos de antes. Quando chegaram à esquina onde se despediram, Lúcia olhou para Fernando e, com um sorriso pequeno,
mas sincero, disse: — Vamos continuar assim. Não vai ser fácil, mas eu acho que podemos tentar. Fernando assentiu, mas sem querer pressionar. — Vamos sim, Lúcia. Eu estou aqui. Enquanto se separavam e seguiam seus caminhos, Lúcia sentiu que havia feito a escolha certa. Não era uma decisão definitiva, e ela sabia que o processo seria longo, mas aquele era o primeiro passo em direção a algo novo. Ela ainda estava lidando com o passado, ainda processando tudo que havia descoberto, mas agora sentia que havia uma direção a seguir. De volta ao seu apartamento, Lúcia se sentou na
varanda, observando o céu escurecer lentamente. Havia muito trabalho emocional pela frente, e ela sabia que o relacionamento com Fernando nunca seria perfeito, mas de alguma forma, aquela complexidade toda trazia uma nova esperança. Talvez, no fim, o amor, por mais tortuoso que fosse o caminho até ele, pudesse prevalecer. Enquanto as luzes da cidade começavam a brilhar, sentiu que, apesar de todas as dores e dificuldades, ela estava no caminho certo, e isso, por si só, já era um grande passo. Nos dias que seguiram a decisão de Lúcia de dar uma chance a Fernando, a relação entre pai
e filha começou a tomar uma forma diferente: mais delicada, mas ainda assim promissora. Ambos sabiam que não seria uma transformação repentina ou fácil, mas havia um sentimento de esperança permeando suas interações. Lúcia ainda carregava consigo a cautela, o medo de se abrir completamente, mas, ao mesmo tempo, sentia que algo dentro dela começava a ceder, mesmo que lentamente. As conversas entre eles tornaram-se mais frequentes, embora ainda carregassem um certo grau de formalidade. Fernando sempre respeitava o tempo e o espaço de Lúcia, ciente de que qualquer passo em falso poderia fazer com que ela recuasse. Ele sabia
que a confiança que estava sendo construída era frágil, como vida recém-moldada, e que precisava ser tratada com cuidado. Certo dia, Fernando sugeriu algo que Lúcia não esperava. — Que tal jantarmos juntos amanhã? Só nós dois. Podemos conversar mais e tentar uma convivência que não temos antes. A proposta pegou Lúcia de surpresa. Embora eles estivessem se comunicando mais, ainda não haviam passado muito tempo juntos fora dos encontros rápidos no café. Lúcia hesitou por um momento, mas finalmente assentiu. — Tudo bem. Podemos fazer isso. Ela sabia que, se quisesse seguir a ideia de dar uma chance, Fernando
precisaria abrir novas portas. Não seria fácil, mas era necessário para que pudessem construir algo, mesmo que pequeno. No dia seguinte, Fernando a... convidou para um restaurante longo Doo, e da sofisticação que costumava frequentar por conta do seu trabalho. Era um lugar aconchegante, com mesas de madeira e uma decoração rústica quase familiar. Lúcia, ao entrar, se surpreendeu ao perceber que se sentia confortável ali. Era um lugar que, de certa forma, combinava com a proposta do que estavam tentando reconstruir: um espaço simples, mas com potencial para se tornar algo acolhedor. Durante o jantar, Fernando se esforçou para
manter a conversa leve. Falavam sobre o dia a dia, sobre pequenos detalhes da vida que antes passavam despercebidos em meio ao caos emocional que ambos enfrentavam. Lúcia, a princípio, ficou um pouco retraída, mas, aos poucos, foi se soltando. Havia algo de natural na forma como Fernando conduzia a conversa; ele não forçava intimidade, não trazia à tona temas pesados sem que ela estivesse preparada. Em vez disso, ele deixava que o momento fluísse, respeitando os limites que ambos ainda sentiam. Conforme o jantar avançava, Lúcia começou a perceber pequenos detalhes sobre Fernando que nunca havia anotado antes. Ele
falava com cuidado, mas havia um humor sutil em suas palavras, uma leveza que ela nunca associou a ele quando era mais nova. Fernando não era o homem sombrio que sua ausência havia criado em sua mente; ele tinha camadas que ela jamais imaginou explorar. Aos poucos, Lúcia começou a relaxar, rindo de algumas histórias que Fernando contava sobre sua vida antes de conhecê-la. Eram memórias de sua juventude, de aventuras e erros, histórias que ele nunca tivera oportunidade de compartilhar com ela. Lúcia se pegou ouvindo atentamente, absorvendo cada detalhe. Pela primeira vez, sentiu que estava conhecendo Fernando, não
como o homem que abandonou, mas como alguém com suas próprias falhas, medos e esperanças. Aquela percepção a tocou profundamente, pois mostrava que, além de toda a dor que sua ausência causou, Fernando ainda era uma pessoa que tinha algo a oferecer. Após o jantar, eles decidiram dar uma pequena caminhada. A noite estava fresca e as ruas estavam tranquilas. Lúcia e Fernando caminharam lado a lado em silêncio por alguns momentos, até que Fernando quebrou o silêncio com uma pergunta inesperada: "Lúcia, você já pensou em como seria a nossa vida se eu não tivesse ido embora? Já imaginou
como seria a nossa convivência como pai e filha?" A pergunta fez Lúcia parar por um instante. Ela nunca gostou de pensar no que poderia ter sido; para ela, o passado era algo fechado, uma sequência de eventos dolorosos que não poderia ser alterada. No entanto, naquele momento, a pergunta de Fernando ressoou de uma forma diferente. Ela se permitiu imaginar, por um breve instante, como seria se ele tivesse ficado, se eles estivessem crescido juntos como uma família. "Para ser honesta, eu sempre tentei evitar esse tipo de pensamento", respondeu Lúcia, olhando para as estrelas no céu. "Eu sabia
que pensar no que poderia ter sido só me traria mais dor, mas agora... eu não sei, talvez as coisas pudessem ter sido diferentes. Talvez nós pudéssemos ter tido uma vida normal ou talvez não." Fernando assentiu, compreendendo a resposta dela: "Eu também penso nisso às vezes, sobre como as coisas poderiam ter sido diferentes se eu tivesse encontrado outra maneira de lidar com os problemas, mas não podemos mudar o passado, Lúcia. Podemos, no máximo, tentar aprender com ele." "Sim, eu sei", Lúcia respondeu com um suspiro. "É difícil, mas acho que estou começando a aceitar isso." O silêncio
que se seguiu não era desconfortável; pelo contrário, havia uma sensação de compreensão mútua entre eles. Era como se ambos estivessem finalmente em paz com o fato de que, por mais doloroso que o passado tivesse sido, o presente oferecia uma nova chance, não para apagar o que aconteceu, mas para construir algo em cima das ruínas. Nos dias seguintes, Lúcia e Fernando continuaram a se encontrar. Às vezes, Fernando a convidava para jantar em casa, cozinhando pratos simples, mas com carinho, algo que Lúcia não estava acostumada. Aqueles momentos juntos, embora pequenos, começaram a criar um sentimento de proximidade
que Lúcia nunca imaginou ter com ele. A presença de Fernando, que antes a deixava tensa e desconfortável, agora começava a se tornar parte de sua rotina. Um dia, enquanto jantavam, Fernando trouxe à tona um assunto que Lúcia não esperava: "Você já pensou em visitar o túmulo da sua mãe comigo? Acho que seria importante para nós dois. Ela foi uma parte importante de nossas vidas e acho que podemos homenageá-la juntos." A menção à mãe mexeu com Lúcia. Desde que Eliana faleceu, ela raramente visitava o túmulo. Para Lúcia, a dor da perda ainda era algo difícil de
processar, e ela evitava confrontar aquela realidade. No entanto, ouvir Fernando sugerir a visita de maneira tão sincera a fez perceber que talvez aquilo fosse importante. Sua mãe, mesmo em sua ausência, ainda estava no centro de tudo o que aconteceu; ela merecia ser lembrada e honrada por tudo o que fez. "Eu nunca pensei nisso", disse Lúcia, olhando para o prato como se tentasse encontrar as palavras certas. "Mas acho que você tem razão. Talvez seja a hora de visitarmos o túmulo dela juntos." Fernando assentiu, respeitando o espaço que Lúcia ainda precisava para processar a ideia: "Podemos ir
quando você estiver pronta. Não quero apressar nada. Sei que esse é um passo importante para nós dois." Lúcia sentiu uma onda de emoções ao considerar a ideia. Visitar o túmulo de sua mãe com Fernando era um passo grande, mas, ao mesmo tempo, parecia o caminho certo. Ao longo de todo aquele processo de reconciliação, Eliana sempre esteve presente, mesmo que de forma indireta. Agora, talvez fosse a hora de encerrar esse capítulo juntos. Nos dias que se seguiram, Lúcia pensou muito sobre a visita ao túmulo. Sabia que aquela seria uma experiência difícil, mas também entendia que, para
seguir em frente, precisava confrontar o passado de maneira completa, e isso incluía sua mãe. Eliana havia sido uma figura central em sua vida e... Mesmo após a morte, ainda influenciava suas decisões e seus sentimentos. Finalmente, depois de uma semana de reflexão, Lúcia ligou para Fernando. “Eu acho que estou pronta. Podemos ir ao cemitério amanhã?” Do outro lado da linha, Fernando respondeu com suavidade: “Obrigado, Lúcia. Eu sei o quanto isso significa para você. Estarei com você.” E assim, com mais esse passo, Lúcia sentiu que a ponte entre ela e Fernando estava se solidificando. O caminho ainda
seria longo e cheio de desafios, mas, pela primeira vez em muito tempo, ela sentia que estava no controle de suas emoções. Ela estava disposta a seguir em frente e, com Fernando ao seu lado, sabia que, aos poucos, poderiam encontrar a paz que tanto buscavam. No dia seguinte, Lúcia acordou com um peso no peito. Sabia que o dia seria desafiador. Visitar o túmulo de sua mãe com Fernando não era apenas uma questão de enfrentar o luto, mas também um momento crucial na jornada de reconciliação entre pai e filha. Era como se estivessem indo ao coração de
todas as dores que ambos carregavam, e ela não sabia ao certo como lidaria com as emoções que inevitavelmente viriam à tona. O clima parecia combinar com o humor de Lúcia: o céu estava nublado e uma leve brisa soprava pelas ruas, criando uma atmosfera de melancolia. Ela se vestiu com simplicidade, sem a usual sofisticação de sua vida empresarial, como se quisesse estar mais conectada a quem realmente era, longe da imagem que normalmente projetava para o mundo. Fernando a pegou em casa no início da tarde. Ele parecia apreensivo, como se também estivesse consciente do peso daquele momento.
Ao longo da viagem até o cemitério, o silêncio predominou entre eles, mas não era desconfortável; ambos sabiam que as palavras eram desnecessárias naquele momento. O que estavam prestes a enfrentar não era algo que pudesse ser resolvido com conversas banais. Quando chegaram ao cemitério, Lúcia sentiu o coração apertar. Não era a primeira vez que visitava o túmulo de sua mãe, mas nunca tinha feito isso com Fernando. A presença dele tornava tudo mais intenso. A cada passo que dava em direção ao túmulo, era como se estivesse caminhando para confrontar todas as feridas que ficaram abertas durante anos.
O túmulo de Liana estava localizado em uma parte tranquila do cemitério, cercado por árvores altas que lançavam sombras sobre as lápides. O silêncio era quase absoluto, interrompido apenas pelo som do vento soprando entre as folhas. Ao chegarem diante da lápide, Lúcia sentiu as lágrimas começarem a brotar, mas se segurou; queria se manter firme, pelo menos por um momento. Ao seu lado, Fernando também estava visivelmente emocionado. Ele olhava para a lápide com um olhar distante, como se estivesse revivendo memórias que havia tentado enterrar junto com Eliana. Por um longo momento, nenhum dos dois falou; ficaram ali,
apenas absorvendo a presença de Liana, sentindo sua falta mais intensamente do que nunca. Lúcia foi a primeira a quebrar o silêncio: “Eu sinto que durante todos esses anos evitei isso; evitei vir aqui com frequência porque, de certa forma, não queria aceitar que minha mãe tinha partido. E agora, com você aqui, parece que estou encarando a verdade de uma vez só.” Fernando assentiu lentamente, sem desviar os olhos da lápide: “Eu entendo o que você está sentindo. Para mim, voltar aqui sabendo que Eliana se foi é como enfrentar tudo o que deixei para trás, tudo o que
eu perdi.” Lúcia sentiu o peso das palavras de Fernando. Ela sabia que, para ele, aquela visita era mais do que apenas uma homenagem à sua mãe; era uma oportunidade de enfrentar o passado, de se reconciliar com a ideia de que, por mais que tenha feito o que achava certo ao deixá-las, ele também perdeu algo precioso: a chance de viver ao lado de Eliana e Lúcia. Depois de alguns minutos em silêncio, Fernando suspirou profundamente, como se estivesse reunindo forças para dizer algo que vinha guardando há muito tempo: “Lúcia, há algo que eu preciso te contar; algo
que guardei por todos esses anos, mas que acho que você merece saber agora.” Lúcia olhou para ele, surpresa. Não esperava que houvesse mais segredos, especialmente naquele momento. Seu coração disparou com a ideia de que mais uma revelação poderia estar prestes a abalar sua vida novamente. “Do que você está falando?” A voz de Lúcia saiu firme, mas por dentro, ela já se preparava para o pior. Fernando hesitou, como se as palavras fossem difíceis de sair. “Quando eu saí de casa, quando decidi que precisava me afastar para proteger vocês, não foi apenas pelas ameaças que recebi. Foi
porque eu descobri algo sobre mim mesmo que mudaria a nossa vida para sempre.” Lúcia olhou confusa, mas permaneceu em silêncio, esperando que ele continuasse. “Eu nunca te contei isso porque achei que não fazia diferença; que o importante era manter vocês em segurança. Mas agora percebo que deveria ter sido honesto desde o início.” Ele respirou fundo antes de finalmente dizer: “Eu estava envolvido em negócios arriscados porque precisava de dinheiro. É muito dinheiro, e esse dinheiro era para pagar um tratamento médico.” Lúcia franziu a testa, tentando entender. “Tratamento médico para quem?” “Para mim,” Fernando respondeu com a
voz baixa. “Eu estava doente na época. Descobri que tinha uma condição grave no coração, algo que, se não tratado, poderia ser fatal. Eu precisava de um tratamento caro, e as coisas saíram do controle. Eu me envolvi com gente perigosa para conseguir o dinheiro rápido, mas acabou que essa escolha quase destruiu nossa vida.” Lúcia sentiu o chão desaparecer sob seus pés. Nunca soubera que Fernando havia passado por algo assim. Durante toda a sua vida, a imagem que tinha de seu pai era de um homem que simplesmente as abandonou para fugir de ameaças externas, mas agora tudo
se reconfigurava em sua mente. Ele estava fugindo, sim, mas também estava tentando sobreviver. “Por que você nunca me contou isso antes?” Lúcia perguntou. "A voz trema. Eu merecia saber. Eu sei," Fernando disse com o olhar triste. "Eu deveria ter te contado, mas na época tudo parecia tão desesperador. Eu achei que, se conseguisse resolver o problema por conta própria, poderia voltar para vocês e seguir em frente. Mas as coisas saíram do controle. O tratamento deu certo, mas eu já estava envolvido em algo muito maior, e quando percebi, já era tarde demais para voltar." Lúcia ficou em
silêncio por um momento, processando as palavras de Fernando. Era difícil conciliar a imagem que tinha de seu pai com o homem que estava diante dela, confessando mais um segredo guardado durante anos. Ela se sentia atraída, sim, mas ao mesmo tempo compreendia a motivação dele. Fernando estava lutando pela própria vida, e isso o levou a tomar decisões que, no fim das contas, acabaram custando o relacionamento com sua família. "Eu não sei o que dizer," Lúcia finalmente murmurou, olhando para o túmulo de sua mãe, como se procurasse respostas. "É tanta coisa para processar, tantos segredos, tantas mentiras.
Mas agora faz mais sentido; tudo isso faz mais sentido." Fernando assentiu, parecendo aliviado por finalmente ter contado a verdade. "Eu só quero que você saiba que, mesmo com tudo que aconteceu, eu nunca deixei de pensar em você. Nunca deixei de me importar. Eu sei que isso não muda o que fiz, mas espero que possa te ajudar a entender um pouco melhor o que realmente aconteceu." Lúcia continuou em silêncio, absorvendo tudo. Parte dela ainda estava magoada, ferida pelos segredos que Fernando manteve por tanto tempo, mas outra parte, uma parte que estava crescendo a cada dia, começava
a entender que, apesar de todos os erros, seu pai sempre esteve lutando: lutando por ele, lutando por ela e lutando por Eliana, mesmo que de formas tortuosas e imperfeitas. Ela olhou para Fernando e, pela primeira vez, sentiu uma sensação de paz, não porque tudo estava resolvido, mas porque, finalmente, ela tinha todas as peças do quebra-cabeça. A verdade, por mais dolorosa que fosse, estava completa. "Eu entendo," Fernando, Lúcia disse suavemente. "Eu entendo o que você fez. Por mais errado que tenha sido, de certa forma eu acho que minha mãe também entenderia. Ela sempre tentou nos proteger,
assim como você, só que as coisas saíram do controle." Fernando sorriu tristemente, assentindo. "Eu gostaria de poder mudar o passado, mas agora só posso seguir em frente. E se você me der essa chance, eu vou fazer o meu melhor para estar presente daqui para a frente." Lúcia olhou para a lápide da mãe uma última vez, antes de se virar para Fernando. "Eu acho que é hora de deixarmos o passado onde ele pertence. Vamos seguir em frente, mas desta vez juntos." Fernando segurou a mão de Lúcia por um breve instante, e os dois ficaram ali, diante
do túmulo de Eliana, sentindo que, finalmente, o peso estava sendo aliviado. Havia um longo caminho pela frente, mas ambos estavam dispostos a caminhar juntos. Depois da visita ao túmulo de sua mãe, Lúcia passou dias em um estado de profunda reflexão. As revelações de Fernando, somadas às próprias emoções que a visita despertou, a deixaram em um turbilhão de sentimentos. Sentia que, aos poucos, estava juntando os pedaços da história de sua família, mas havia algo que ainda não se encaixava completamente: uma sensação persistente de que, apesar de todas as verdades que Fernando tinha revelado, ainda havia mais
sob a superfície, algo que ele ainda não tinha contado. Olhando para o horizonte pela janela de seu apartamento, Lúcia sabia que não poderia ignorar essa sensação por muito tempo. Ela havia aprendido, ao longo de sua vida, a confiar em seus instintos, e seus instintos lhe diziam que Fernando ainda escondia algo. Decidiu que era hora de confrontá-lo novamente, desta vez exigindo a verdade completa, sem meias palavras, sem segredos. Marcou o encontro com Fernando no café de sempre, mas, desta vez, sua abordagem seria diferente. Quando ele chegou, Lúcia já estava sentada, aguardando com uma determinação silenciosa. Fernando
sorriu ao vê-la, mas logo percebeu o clima sério que pairava sobre ela. Ele se sentou, ajustando-se na cadeira, sentindo que algo estava prestes a acontecer. Lúcia começou, sem rodeios: "Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você ainda não me contou. Eu sinto que ainda há algo que está me escapando." Fernando franziu a testa, como se estivesse tentando entender o que ela queria dizer. "Lúcia, eu já te contei tudo. Sei que foi muita coisa para processar, mas não há mais segredos, pelo menos não que eu tenha guardado de propósito." Ela o encarou por um
momento, estudando suas reações. "Eu sei que você está tentando ser honesto, mas eu sinto que ainda há algo sobre toda essa história que você não me contou. Algo que talvez você ache que não é importante, mas que pode mudar tudo." Fernando ficou em silêncio por alguns instantes, claramente desconfortável. Ele olhou para as mãos, como se estivesse decidindo se devia ou não continuar. Depois de um suspiro longo e pesado, ele finalmente falou: "Há algo mais, sim," admitiu, sua voz baixa. "Algo que até agora eu não tive coragem de contar, porque achei que você já estava lidando
com o suficiente, mas acho que você tem razão: você merece saber tudo, mesmo que isso complique ainda mais as coisas." Lúcia ficou imóvel, sentindo o peso daquelas palavras. Seu coração acelerou, mas ela não deixou transparecer. Estava pronta para ouvir o que quer que fosse. Fernando respirou fundo antes de continuar: "Lembra-se de quando te contei sobre os negócios em que me envolvi para pagar o tratamento? Sobre como acabei nas mãos de pessoas perigosas?" Lúcia assentiu; aquela parte da história ainda estava fresca em sua mente. Fernando prosseguiu, escolhendo as palavras com cuidado. "O que eu não te
contei é que, além de precisar do dinheiro para mim, eu também precisava pagar uma dívida muito maior." "E sua mãe? Acumulamos ao longo dos anos. Eu estava envolvido com um grupo que fazia lavagem de dinheiro e, inicialmente, eu acreditava que era apenas uma operação financeira legal, mesmo que arriscada. Mas logo percebi que estava enredado em algo muito mais perigoso." Lúcia sentiu um frio percorrer sua espinha. "Que tipo de perigo estamos falando aqui, Fernando?" Ele olhou diretamente para ela, seus olhos cheios de arrependimento. "Eu estava trabalhando para pessoas envolvidas com atividades criminosas, muito além do que
eu imaginava no começo: contrabando, tráfico de influência... coisas que eu nunca quis fazer parte. Mas que, uma vez dentro, era difícil sair." O coração de Lúcia batia acelerado; o que ele estava dizendo mudava tudo. "Por que você nunca me contou isso antes?" Fernando fechou os olhos por um breve momento, como se tentasse se proteger das lembranças. "Eu achei que, ao me afastar, poderia te proteger desse mundo. Mas o fato é que eles nunca deixaram de me vigiar. E, durante anos, mesmo depois de eu ter me afastado, essas pessoas ainda representavam um perigo para mim. Por
isso eu nunca voltei." Lúcia ficou em silêncio, processando o que havia acabado de ouvir. Seu pai estava envolvido em algo muito maior, muito mais perigoso do que ela jamais imaginou, e, de certa forma, isso explicava ainda mais por que ele havia sumido de sua vida. "E por que só agora você está me contando isso?" Ela perguntou, sua voz séria. "Porque eu achava que, ao te manter longe dessa parte da história, eu estava te protegendo," Fernando respondeu com tristeza. "Só que agora eu... o que você precisa saber é que havia uma motivação por trás da minha
ação." Ele observou. "Um desejo de evitar o pior, mesmo que de uma maneira distorcida." Ele acreditava que estava fazendo o melhor para mantê-la segura. "Essas pessoas... elas ainda estão por aí. Ainda representam um perigo." A pergunta saiu antes que ela pudesse se conter. Fernando balançou a cabeça lentamente. "Não, elas foram presas há alguns anos, em uma operação policial que desmantelou toda a organização. Foi só depois disso que eu comecei a pensar em te procurar novamente. Mas, mesmo assim, o medo de que você pudesse estar em perigo me manteve afastado por mais tempo do que eu
gostaria de admitir." Lúcia sentiu uma mistura de alívio e frustração. Por um lado, estava aliviada por saber que o perigo não era mais iminente. Mas, por outro, sentia-se enganada por Fernando, que não havia compartilhado isso antes. Ele mantivera segredos que moldaram sua vida de maneiras irreversíveis. "Eu não sei como processar tudo isso, Fernando," ela admitiu, com a voz pesada. "É muita coisa. E pensar que, enquanto eu crescia, você estava envolvido em algo tão perigoso... não sei se consigo simplesmente aceitar isso." Fernando observou sua expressão, refletindo a dor que sentia por ter causado tanto sofrimento. "Eu
sei que é difícil, Lúcia, e eu não espero que você me perdoe de imediato. Mas agora você sabe a verdade, sabe o que realmente me afastou. E, por mais doloroso que seja, eu espero que isso te ajude a entender que eu nunca quis te abandonar sem motivo." Lúcia assentiu, ainda atordoada. "Eu entendo, mas vai levar tempo para aceitar isso completamente." Ela ficou em silêncio, olhando pela janela do café, enquanto tentava absorver a nova informação. Era como se o chão de sua vida estivesse sempre em movimento, sempre se rearranjando, conforme mais verdades emergiam. A ideia de
que Fernando havia se envolvido com pessoas perigosas, que ele esteve o tempo todo tentando escapar de um mundo que poderia ter destruído sua família, era algo que ela não poderia simplesmente ignorar. Mas, ao mesmo tempo, percebeu que aquela era a peça final do quebra-cabeça. Agora finalmente, ela tinha todas as respostas. O que faria com elas, no entanto, ainda era incerto. "Eu preciso de um tempo para pensar sobre isso," disse Lúcia, levantando-se da mesa. Fernando assentiu, compreendendo. "Claro, eu estarei aqui sempre que você precisar." Lúcia saiu do café com a mente turva, seus pensamentos voando em
várias direções. Ela sabia que estava em um ponto decisivo de sua vida. Tinha finalmente todas as informações que sempre quis, mas isso não tornava a situação mais fácil. O passado de seu pai era sombrio e complicado, e ela sabia que, para seguir em frente, precisaria fazer as pazes com isso. Enquanto caminhava pelas ruas movimentadas, sentiu que, de certa forma, estava começando a encontrar um caminho. Não seria um caminho simples, nem sem dor, mas, pela primeira vez em muito tempo, ela sabia que podia finalmente deixar o passado para trás, ou pelo menos começar a tentar. Lúcia
passou os dias seguintes tentando processar a última revelação de Fernando. Ele havia se envolvido com pessoas perigosas, e isso mudou o rumo da vida dela de maneiras que ela nunca poderia imaginar. Por mais que já soubesse que Fernando havia se afastado para protegê-las, a profundidade da situação em que ele estava envolvido era algo que ela jamais previu. Agora sabia que o medo que ele carregava durante todos esses anos tinha raízes muito mais profundas do que ela imaginava. Ela se pegou pensando em sua mãe. "Será que Eliana sabia de tudo aquilo? Será que ela sabia do
verdadeiro motivo por trás da saída de Fernando, ou também foi mantida no escuro?" Essas perguntas não a deixavam em paz. Ela sentia que ainda precisava encontrar respostas sobre o que sua mãe sabia e como isso influenciou a vida que elas levaram juntas. Em uma manhã nublada, depois de refletir profundamente, Lúcia tomou uma decisão. Ela precisava ver seu pai uma última vez, entender de uma vez por todas o que realmente havia acontecido, e isso exigia que todos os segredos fossem finalmente revelados. Ela sabia que esse seria o momento decisivo para decidir se poderia ou não seguir
em frente com a relação que estavam começando a reconstruir. Lúcia pegou o telefone e ligou para Fernando, pedindo... que ele se encontrasse com ela no parque próximo ao apartamento onde ela morava era um lugar onde costumava ir quando queria pensar em silêncio, cercada pelas árvores e pelo som suave das folhas ao vento. Fernando concordou imediatamente, e Lúcia sentiu um nó de ansiedade se formar no estômago; ela sabia que esse encontro poderia mudar tudo. Quando Fernando chegou, ele percebeu rapidamente que o clima entre eles era diferente. Lúcia estava tensa, focada, como se estivesse prestes a travar
uma batalha interna que ele não podia prever. Ele se aproximou hesitante, mas sem querer pressioná-la. — Obrigado por me encontrar aqui — disse Lúcia, tentando manter a voz firme. — Eu sei que já conversamos sobre muitas coisas, mas eu preciso de mais clareza sobre o que realmente aconteceu e preciso que você seja completamente honesto desta vez, sem omissões. Fernando assentiu, reconhecendo a gravidade do que ela estava prestes a pedir. Ele se sentou ao lado dela em um banco do parque, olhando ao redor por um momento, como se o ambiente natural fosse um contraste gritante com
a escuridão do que ele estava prestes a revelar. — Eu prometo que vou ser completamente honesto com você, Lúcia — disse ele, com a voz baixa e séria. — Eu sei que o que já te contei é muito para aceitar, mas estou pronto para responder qualquer pergunta que você tenha. Lúcia respirou fundo antes de começar. — Eu quero saber o que minha mãe sabia de tudo isso. Ela sabia da profundidade do perigo em que você estava envolvido? Sabia das pessoas com quem você estava lidando? Fernando hesitou por um momento, como se aquela pergunta trouxesse de
volta memórias dolorosas. Ele olhou para Lúcia, e seus olhos revelaram um misto de tristeza e arrependimento. — Eliana sabia que eu estava em uma situação complicada, mas nunca soube de todos os detalhes. Eu tentei manter isso longe dela o máximo possível. Não queria que ela vivesse com o mesmo medo que eu estava sentindo, mas ela percebeu que as coisas não estavam certas, e no final acho que ela sabia mais do que deixava transparecer. Lúcia sentiu um aperto no coração ao ouvir isso. Sua mãe, a pessoa que sempre tentou protegê-la, estava lidando com o conhecimento de
que Fernando estava envolvido em algo perigoso e, ainda assim, continuou tentando manter a vida delas em equilíbrio. — Então ela sabia, de alguma forma — murmurou Lúcia, mais para si mesma do que para Fernando. — Ela viveu com esse peso e nunca me contou. Fernando olhou para Lúcia com compreensão. — Ela fez o que achou que era melhor, assim como eu tentei fazer. Ela queria te proteger, Lúcia, de um mundo que não queria que você conhecesse. Lúcia sentiu uma mistura de tristeza e raiva. Sua mãe e Fernando haviam mantido tantas coisas dela, acreditando que estavam
fazendo o melhor, mas, ao fazer isso, deixaram-na crescer cercada por segredos, por meias verdades que moldaram a forma como ela via o mundo e sua própria família. — Por que ninguém confiou em mim? — Lúcia perguntou, sua voz quebrando. — Vocês dois achavam que eu não era forte o suficiente para lidar com a verdade? Que eu não podia saber o que estava acontecendo na minha própria família? Fernando ficou em silêncio por um momento, claramente abalado pela pergunta. — Lúcia, não era uma questão de não confiar em você. Era medo, medo de que, se você soubesse
de tudo isso, pudesse te machucar de maneiras que não poderíamos prever. Tanto eu quanto sua mãe queríamos te proteger, mesmo que isso significasse esconder a verdade. Mas olhando para trás, sei que cometemos um erro. Lúcia olhou para ele, suas emoções à flor da pele. Ela entendia, em algum nível, o que Fernando estava dizendo; entendia que ele e sua mãe agiram com medo, com amor, tentando evitar que ela fosse puxada para um mundo sombrio e perigoso. Mas, ao fazer isso, eles a deixaram crescer sem saber de onde vinha, sem compreender as complexidades de sua própria história.
— Eu passei anos da minha vida acreditando que você me abandonou porque não se importava — disse Lúcia, com a voz embargada. — E agora eu descubro que não era só isso. Você estava tentando proteger a si mesmo e a mim; mas, no processo, me deixou sozinha. E minha mãe... ela também me escondeu tudo isso. Eu a amava, Fernando. Ela era tudo para mim, e agora eu vejo que ela também carregava segredos que nunca compartilharia comigo. Fernando assentiu, sentindo o peso das palavras de Lúcia. — Eu sei que não posso desfazer o passado, Lúcia. Sei
que o que fiz, o que sua mãe fez, te afetou profundamente, mas agora que você sabe a verdade, espero que isso te ajude a entender que não foi por falta de amor. Nós tomamos decisões erradas, sim, mas foi porque achávamos que estávamos fazendo o melhor para você. Lúcia ficou em silêncio por um longo momento, olhando para o céu nublado acima. O vento soprava suavemente, e ela sentiu uma sensação de calma se instalar dentro de si, mesmo em meio à tempestade de emoções que ainda carregava. Ela sabia que o passado não podia ser mudado, sabia que
não podia apagar os anos de ausência, as dores e as dúvidas. Mas agora, com todas as peças finalmente no lugar, sentia que podia começar a deixar esse peso para trás. — Eu entendo — ela disse finalmente, sua voz suave, mas firme. — Eu entendo porque vocês fizeram o que fizeram, e de certa forma consigo aceitar isso. Mas também sei que preciso de tempo para me curar dessas feridas. Fernando assentiu, seus olhos cheios de uma mistura de tristeza e esperança. — Eu vou estar aqui, Lúcia, sempre que você estiver pronta, e espero que, com o tempo,
possamos seguir em frente juntos. Lúcia olhou para ele pela primeira vez desde que começaram a se reaproximar. Sentiu que essa ideia não era tão impossível. Ela sabia que levaria tempo, que o processo de reconciliação. "Era lento e difícil, mas também sabia que estava disposta a tentar. Vamos seguir em frente," ela disse com um pequeno sorriso. "Mas desta vez, sem mais segredos. Eu não quero mais descobrir nada no futuro que você tenha escondido de mim." Fernando sorriu de volta, aliviado. "Sem mais segredos," prometeu ele. Os dois permaneceram sentados no parque por mais algum tempo, em silêncio,
observando o movimento das árvores ao vento. Lúcia sentia dentro de si que aquele confronto final era necessário. Com todas as verdades finalmente reveladas, ela agora tinha a chance de seguir em frente, não apenas com Fernando, mas consigo mesma. Embora o caminho para a cura fosse longo, ela sabia que havia dado o primeiro passo, e esse passo, por mais pequeno que fosse, era o começo de uma nova fase em sua vida: uma fase de entendimento, de aceitação e talvez de perdão. As semanas que se seguiram ao confronto final entre Lúcia e Fernando foram marcadas por uma
sensação de alívio e uma calma estranha, quase como se a tempestade que dominara suas vidas estivesse finalmente se dissipando. Pela primeira vez, Lúcia sentia que havia alcançado um ponto de compreensão em sua relação com o pai. Apesar de todas as mentiras, omissões e segredos, Fernando se mostrou disposto a abrir sua vida por completo para ela, e isso, de certa forma, fez com que Lúcia começasse a baixar as defesas, permitindo-se considerar um futuro em que ele pudesse ter um papel mais presente. No entanto, mesmo com essa calma, Lúcia não conseguia se livrar de uma sensação incômoda.
Era como se algo ainda pairasse sobre ela, algo invisível, mas que a seguia silenciosamente, à espreita. Ela tentava ignorar essa sensação, atribuindo-a aos anos de tensões que estavam finalmente sendo resolvidos, mas em seu íntimo sabia que era mais do que isso. Fernando, por sua vez, também parecia mais tranquilo. A cada encontro, ele se mostrava mais à vontade, menos retraído. Ele e Lúcia começaram a criar pequenos rituais juntos: almoços aos domingos, caminhadas no parque, conversas longas sobre o passado e o futuro. Eles estavam lentamente reconstruindo algo que Lúcia nunca imaginou que pudesse existir. Era como se
a relação que ela sempre quis ter com o pai estivesse finalmente tomando forma, ainda que de maneira hesitante. Mas a paz que os envolvia não duraria por muito tempo. Certa tarde, enquanto Lúcia estava no escritório, centrada em resolver pendências de trabalho, seu telefone tocou. Era uma ligação de um número desconhecido. Ela hesitou por um momento antes de atender. "Alô," disse ela, sua voz formal como costumava fazer em ligações de negócios. "Senhora Lúcia Andrade," uma voz masculina soou do outro lado da linha. O tom era firme, quase mecânico. "Sim, sou eu," respondeu ela, agora com uma
desconfiança. "Aqui é o Inspetor Carvalho, da Polícia Federal. Precisamos conversar com a senhora sobre assuntos relacionados ao seu pai, Fernando Andrade." Lúcia sentiu seu coração disparar. A última coisa que esperava era ter a polícia envolvida novamente em sua vida, especialmente agora que tudo parecia finalmente se acertar. Sua mente imediatamente voltou às revelações de Fernando sobre seu envolvimento com pessoas perigosas no passado. "Será que algo do passado dele estava retornando para assombrá-lo?" "A luz sobre o que exatamente se trata?" perguntou, tentando manter a calma. "Precisamos que a senhora venha até a delegacia para que possamos discutir
melhor o assunto. É algo delicado, sua presença é necessária." Sem outra escolha, Lúcia marcou um horário para ir até a delegacia no final da tarde. Assim que desligou o telefone, uma onda de ansiedade tomou conta dela. O que poderia ser? Será que algo novo estava prestes a ser revelado sobre o passado de Fernando? Ou pior, será que o perigo que ele mencionou anteriormente ainda não estava completamente eliminado? Ela tentou se concentrar no trabalho pelo resto do dia, mas sua mente não parava de especular sobre o que a aguardava. Quando chegou a hora de ir à
delegacia, seu estômago estava embrulhado e seu corpo tenso, como se estivesse se preparando para enfrentar uma tempestade iminente. Ao chegar à delegacia, foi recebida pelo Inspetor Carvalho, um homem de meia-idade, com uma expressão severa, mas não hostil. Ele a conduziu para uma sala de reuniões simples, onde começaram a conversar. "Senhora Lúcia," começou ele, olhando diretamente para ela, "precisamos alertá-la sobre uma situação que envolve o seu pai. Acreditamos que algumas pessoas com quem ele se envolveu no passado não foram completamente neutralizadas." Lúcia sentiu um arrepio percorrer sua espinha. "Como assim? Ele me disse que essas pessoas
foram presas, que o perigo havia acabado." O inspetor suspirou, como se já esperasse aquela reação. "A maioria deles foi presa, sim, mas um dos principais líderes da organização conseguiu escapar. Achávamos que ele estava fora do país, mas agora temos indícios de que ele voltou. E mais do que isso, acreditamos que ele possa estar buscando vingança." A palavra vingança ecoou na mente de Lúcia. "Vingança contra quem? Contra meu pai?" O inspetor assentiu lentamente. "Sim, sabemos que Fernando colaborou com as autoridades no desmantelamento da organização, o que provavelmente fez com que esse homem o visse como um
traidor. Temos informações de que ele pode estar tentando se reaproximar do círculo de Fernando, e isso inclui você." Lúcia sentiu o mundo girar por um momento. Não era apenas Fernando que estava em perigo; ela também. A ideia de que alguém perigoso estava à espreita, observando-a, fez com que todo o seu corpo ficasse em alerta. "Por que não fomos avisados antes?" perguntou Lúcia, tentando manter a calma. "Se esse homem estava solto, por que só agora estamos sabendo disso?" "Recebemos essa informação recentemente. Estamos monitorando seus movimentos e tentamos manter tudo sob controle sem alarmar vocês, mas achamos
que era importante avisá-la para que tome precauções." Lúcia sentiu uma mistura de medo e raiva. Eles haviam tentado esconder a verdade, da mesma forma que Fernando fizera no passado, acreditando que estavam protegendo-a. Mas a sensação de... Estar sendo mantida no escuro novamente a irritava profundamente. O que devo fazer agora? - perguntou, tentando manter a voz firme. O melhor é que você e seu pai fiquem atentos a qualquer movimento estranho. Temos policiais monitorando a situação, mas seria prudente que vocês tomassem medidas de segurança. Evitem lugares movimentados ou que possam ser previsíveis. Se notarem algo suspeito, nos
avisem imediatamente. Lúcia assentiu, ainda atordoada. A ideia de que sua vida estava em perigo e que Fernando também poderia estar novamente em risco fez com que toda a paz que ela vinha construindo desmoronasse. Ela agradeceu ao inspetor, pegou as instruções detalhadas de segurança e saiu da delegacia com a cabeça cheia de preocupações. Quando chegou, Lúcia ligou imediatamente para Fernando. Ele atendeu rapidamente, e a preocupação em sua voz era evidente. - Lúcia, está tudo bem? - Não, Fernando, não está. Ela contou a ele tudo que o inspetor Carvalho havia dito e sentiu o silêncio tenso do
outro lado da linha. - Eu sabia que algo assim poderia acontecer - disse Fernando, sua voz tensa. - Eu achei que o perigo já tivesse passado, mas parece que ainda estamos sendo perseguidos pelo que aconteceu. Lúcia respirou fundo, tentando conter as lágrimas que começavam a se formar. - O que faremos agora? Vamos nos proteger, Lúcia. Fiquem atentos, tomem todas as precauções. Não vamos deixar que isso nos destrua. Já passamos por muita coisa e não vamos permitir que o passado volte para nos assombrar. Embora as palavras de Fernando fossem reconfortantes, Lúcia sabia que o medo agora
estava mais presente do que nunca. O perigo que ela achava ter sido deixado para trás estava à espreita novamente, ameaçando tudo que ela e Fernando estavam tentando reconstruir. Ela sabia que os próximos dias seriam cruciais e, pela primeira vez em muito tempo, Lúcia sentiu que a verdadeira batalha estava apenas começando. A tensão pairava no ar. Desde a visita à delegacia, Lúcia sentia como se a qualquer momento o perigo pudesse se materializar, transformando sua vida em um caos do qual ela havia passado anos tentando se afastar. As revelações sobre o homem que estava solto e que
possivelmente estava de volta para se vingar de Fernando deixaram-na em constante estado de alerta. Cada som, cada movimento suspeito na rua ou no prédio em que morava parecia uma ameaça. A paz que ela vinha reconstruindo ao lado do pai agora parecia frágil, prestes a desmoronar. Fernando, por outro lado, parecia ainda mais determinado a proteger Lúcia. Ele não queria que o passado, que havia custado tanto à relação entre eles, voltasse para roubar o que estavam começando a reconstruir. Nos dias seguintes àquela revelação, ele tomou medidas rápidas: contratou seguranças particulares, mudou temporariamente para um apartamento em uma
área mais segura da cidade e insistiu para que Lúcia fizesse o mesmo. Embora relutante, ela acabou concordando. Sabia que, por mais forte que tentasse ser, o perigo era real, e ela precisava ser prática. Por mais que tentassem manter a calma, a situação entre Lúcia e Fernando começou a ficar cada vez mais tensa. O medo que antes estava controlado agora permeava cada conversa, cada decisão que tomavam. Fernando, visivelmente preocupado, ficava cada vez mais protetor, insistindo em verificar cada detalhe da rotina de Lúcia, o que a deixava incomodada. Embora entendesse as razões do pai, Lúcia não podia
deixar de sentir que sua vida, que ela havia lutado tanto para retomar, estava escapando de suas mãos. Certo dia, enquanto estava no escritório, Lúcia recebeu uma ligação inesperada de Fernando. Seu tom de voz estava tenso, quase desesperado, e isso fez com que o estômago dela se revirasse de imediato. - Lúcia, eu acho que alguém me segue. Hoje, quando estava voltando para casa, vi o mesmo carro passando por mim várias vezes. Acho que estão nos observando. Lúcia sentiu o coração acelerar. - Tem certeza? Você está se sentindo bem? - Estou, mas... - Não pode ser, Fernando!
Sabia que ele estava certo, mas a ideia de estar sob constante vigilância deixava Lúcia angustiada. Já não era apenas o fantasma do passado, agora era uma ameaça real e presente. Tentando controlar a situação, ela respondeu com firmeza: - Ok, eu vou me encontrar com você em breve. Não vamos deixar que isso nos paralise. Lúcia terminou o expediente o mais rápido que pôde, dirigiu-se para o apartamento onde Fernando estava temporariamente. A viagem foi marcada por uma mistura de medo e ansiedade. Ela estava cansada de viver sob o peso de segredos e ameaças, e agora, mais do
que nunca, desejava que tudo acabasse de uma vez por todas. Quando chegou ao apartamento, encontrou Fernando à espera. Sua expressão era tensa e preocupada. Ele a recebeu com um abraço, algo que ainda era novo para ambos. Lúcia, que antes havia erguido muros intransponíveis ao redor de suas emoções, agora começava a permitir pequenas brechas, e o gesto de Fernando, mesmo simples, a tocou. - Eu não vou deixar que nada aconteça com você, Lúcia - disse ele, com uma determinação na voz que Lúcia não costumava ouvir. - Eu sei - respondeu ela, tentando manter a calma. -
Mas não podemos viver assim para sempre, Fernando. Precisamos descobrir quem está por trás disso. Precisamos encerrar esse ciclo. - Estou tentando, Lúcia - Fernando suspirou. - Mas essas coisas... O homem que está atrás de nós é esperto. Ele evitou as autoridades por anos e, se ele estiver realmente de volta, temos que ser cuidadosos. Ele é perigoso. - Não podemos viver sempre fugindo - ela respondeu firme. - Eu estou cansada disso. Já passamos por muita coisa e não vou deixar que essa sombra continue controlando nossas vidas. Fernando ficou em silêncio por um momento, mas Lúcia sabia
que ele concordava. Ela não era mais uma criança indefesa que precisava ser protegida; sabia se cuidar, sabia como enfrentar as adversidades. E, acima de tudo, sabia que juntos poderiam encontrar uma solução para aquilo. Enquanto discutiam sobre os próximos passos, o telefone de Fernando tocou. Era a segurança. Lúcia observou enquanto ele ouvia atentamente do outro lado da linha. Seu rosto ficou ainda mais tenso, seus olhos fixos em algo distante, como se estivesse tentando processar rapidamente o que estava ouvindo. "Entendido", disse ele antes de desligar. Ao se virar para Lúcia, seu rosto refletia a gravidade da situação.
"Alguém foi visto nas proximidades do prédio", explicou ele, mantendo a voz controlada. "A segurança está reforçada, mas acho que precisamos ser ainda mais cautelosos. Não é seguro que você continue indo ao escritório todos os dias, pelo menos por enquanto." Lúcio olhou, tentando manter a calma. "Então, o que vamos fazer? Ficar escondidos para sempre?" "Não para sempre, mas até descobrirmos mais sobre os movimentos dele." Lúcia sabia que Fernando estava certo, mas a ideia de ter que abrir mão de sua rotina e de sua liberdade a deixava irritada. Ela sempre se orgulhara de ser uma mulher forte,
independente, que controlava sua própria vida, e agora sentia que estava sendo forçada a voltar a uma posição de vulnerabilidade. E, embora soubesse que era temporário, o medo que a cercava a todo momento era opressor. "Eu vou cooperar", disse ela finalmente, "mas não vou me esconder. Se vamos lidar com isso, precisamos ser proativos. Não vou passar o resto da minha vida olhando por cima do ombro." Fernando assentiu, respeitando a decisão dela, mas seus olhos ainda estavam cheios de preocupação. Nos dias que se seguiram, a tensão entre eles os uniu ainda mais. Cada movimento, cada passo, era
calculado. A segurança foi reforçada tanto no prédio de Lúcia quanto no de Fernando, e eles começaram a tomar medidas preventivas para garantir que nenhum deles fosse pego de surpresa. Lu odiava a sensação de ser vigiada, mas sabia que, por ora, era necessário. No entanto, apesar de todas as precauções, a ameaça parecia estar sempre presente. Certo dia, Lúcia notou algo estranho enquanto voltava para casa, após uma visita rápida à empresa: um carro que ela tinha visto no dia anterior a seguia a uma distância cautelosa. Seu coração disparou, mas ela se forçou a manter a calma. Ligou
discretamente para a segurança, informando sobre o veículo, enquanto dirigia por um caminho diferente. Para confirmar suas suspeitas, o carro continuou seguindo-a. Quando chegou à garagem de seu prédio, Lúcia viu dois seguranças já à sua espera. O carro misterioso deu meia-volta e desapareceu na esquina. Ela desceu do carro, tentando manter a compostura, mas seu corpo tremia levemente. Aquela foi a confirmação que ela precisava: eles estavam sendo vigiados, caçados. O passado de Fernando, com todas as suas sombras, havia finalmente alcançado ambos. Agora não havia como escapar. Lúcia sabia que a única maneira de superar essa situação seria
enfrentá-la diretamente. Mas como fazer isso quando o inimigo parecia sempre estar um passo à frente? Os dias se transformaram em um jogo de nervos para Lúcia e Fernando. A constante sensação de estarem sendo observados, seguidos, tirava deles qualquer resquício de normalidade. O que antes era uma vida relativamente estável agora se transformara em um campo minado de cautela e vigilância. Cada passo que davam, cada vez que saíam de casa, era com o peso de uma sombra sobre seus ombros. A segurança foi reforçada a níveis quase extremos. O escritório de Lúcia havia sido adaptado para garantir sua
proteção, com seguranças discretos monitorando cada canto. Por sua vez, Fernando ficou cada vez mais preocupado e vigilante, passando horas em contato com as autoridades e com a equipe de segurança que havia contratado. Mas mesmo com todas essas medidas, Lúcia sabia que o perigo estava mais perto do que nunca. Uma noite, enquanto jantavam juntos no apartamento de Fernando, o clima estava mais carregado do que o normal. Ambos tentavam manter a conversa leve, mas o peso da situação era impossível de ignorar. Lúcia olhava para Fernando e podia ver a exaustão em seu rosto. Ele estava tentando protegê-la
de tudo, mas também sabia que era o epicentro do problema. O passado que o envolvia não apenas o colocava em perigo, mas também colocava Lúcia no caminho da vingança de um homem perigoso. "Precisamos descobrir uma forma de acabar com isso", disse Fernando. Lúcia pousou os talheres sobre o prato. "Não podemos continuar vivendo assim, isso não é vida." Fernando suspirou, passando a mão pelo rosto cansado. "Eu sei, Lúcia, mas é mais complicado do que parece. Esse homem é... ele é esperto, conseguiu fugir por anos, mesmo com a polícia em sua cola. Ele conhece todos os truques
e sabe se manter nas sombras. Está jogando conosco, e isso torna tudo ainda mais perigoso. Mas ele quer algo de você. Não teria voltado apenas para observar. Ele quer vingança e não vai parar até conseguir isso." Lúcia falava com firmeza, mas por dentro sentia a pressão crescendo. Ela sabia que estava certa, mas, ao mesmo tempo, temia o que aquilo significava. O homem que estava atrás de Fernando não era um criminoso qualquer; ele era calculista, paciente e, acima de tudo, implacável. Enquanto não atingisse seus objetivos, não haveria paz. Foi então que Fernando levantou a cabeça, uma
ideia se formando em sua mente. "Lúcia, e se nós o atraíssemos?" Lúcia franziu a testa, confusa. "O que você quer dizer?" "Ele quer me pegar, certo? Está nos seguindo, esperando o momento certo. Então, e se nós dermos a ele esse momento?" A ideia de Fernando atingiu em cheio: uma armadilha. A ideia era perigosa e arriscada, mas, ao mesmo tempo, fazia sentido. Se eles continuassem apenas reagindo, estariam sempre um passo atrás. Mas, se criassem uma oportunidade controlada, poderiam ter a vantagem. "Você está falando sério?", perguntou ela, ainda processando a ideia. Fernando assentiu, agora mais decidido. "Sim,
já estamos sendo seguidos. Ele está esperando o momento certo para agir." "Então vamos dar esse momento a ele. Vamos controlar a situação e fazê-lo pensar que estamos vulneráveis, e quando ele tentar nos atingir, estaremos prontos." Lúcia ficou em silêncio por um momento, ponderando as implicações. Era arriscado, sem dúvida, mas era melhor do que continuar vivendo em constante fuga, sem saber. Quando o próximo golpe viria se fizermos isso? Começou. — Lúcia, temos que fazer da maneira certa. Nada pode dar errado. Fernando assentiu. — Eu o sei, por isso vamos precisar da polícia. Eles terão que nos
ajudar a montar essa armadilha e, quando ele aparecer, estarão prontos para capturá-lo. O plano começou a se formar. Lúcia sabia que precisaria de força e foco para enfrentar o que estava por vir. Não era apenas sobre se proteger; era sobre retomar o controle de suas vidas, sobre encarar o perigo de frente, finalmente se libertar das amarras do passado. Na manhã seguinte, Fernando fez contato com o inspetor Carvalho, o mesmo que havia alertado Lúcia sobre o retorno do criminoso. O inspetor ficou inicialmente relutante com a ideia, mas, depois de ouvir os detalhes e avaliar a situação,
concordou em participar da operação. Eles precisariam planejar tudo com cuidado, sem deixar brechas. A armadilha seria simples, mas eficaz. Eles fingiram que Fernando e Lúcia estavam baixando a guarda, criando um momento de vulnerabilidade que o criminoso não resistiria. A ideia era simples: uma noite em um restaurante que Lúcia frequentava regularmente, sem seguranças aparentes, sem grandes medidas de proteção. Fernando estaria exposto e o homem, acreditando que finalmente teria a chance de atacar, se revelaria. O dia marcado para o plano chegou rapidamente, trazendo consigo uma tensão quase palpável. Lúcia se vestiu com calma, mas o coração batia
acelerado. Sabia que aquela noite seria decisiva, mas o medo de que algo saísse do controle a deixava em estado de alerta máximo. Fernando, por outro lado, parecia determinado. Ele sabia que era o único caminho para acabar com aquilo de uma vez por todas. Quando chegaram ao restaurante, a polícia já estava posicionada discretamente. Homens aísan circulavam pelas proximidades, prontos para agir assim que fosse necessário. O inspetor Carvalho havia garantido que tudo estava sob controle, mas Lúcia não conseguia se livrar da sensação de que algo poderia dar errado. Enquanto jantavam, Lúcia e Fernando mantinham as aparências, agindo
casualmente, como se nada estivesse acontecendo; mas, por dentro, ambos estavam em um estado de alerta absoluto, esperando o momento em que o criminoso faria seu movimento. E então aconteceu. Lúcia notou um homem parado na entrada do restaurante, observando-os. Ele parecia discreto, mas seus olhos estavam fixos em Fernando. Era o sinal que ela esperava e soube imediatamente que aquele era o homem que os vinha perseguindo. Ela deu um olhar rápido para Fernando, que, ao perceber, manteve a calma, mas a tensão sentiu sutilmente. Era o momento. O homem começou a se mover lentamente em direção à mesa
onde estavam. Lúcia sentiu o coração disparar, mas manteve o rosto sereno. Tudo dependia de como agiriam nos próximos minutos. Quando o homem estava perto o suficiente, prestes a fazer seu movimento, Lúcia notou algo no olhar dele: uma raiva fria e calculada, misturada com a intenção clara de vingança. Antes que ele pudesse se aproximar mais, um policial disfarçado entrou em ação, seguido por vários outros que se materializaram ao redor. O restaurante, que até então parecia um lugar pacífico, se transformou rapidamente em uma cena de ação controlada. O homem foi imobilizado em questão de segundos, mas não
sem antes resistir violentamente. Lúcia e Fernando assistiram enquanto a polícia o levava, sentindo uma mistura de alívio e exaustão. Tudo tinha corrido conforme o plano, mas o impacto emocional era enorme. Finalmente, o homem que os caçava estava sob custódia; o perigo havia sido neutralizado naquela noite. Ao voltarem para casa, Lúcia e Fernando não disseram muito. Estavam exaustos física e emocionalmente, mas sabiam que, a partir daquele momento, poderiam finalmente começar a deixar o passado para trás. Enquanto Lúcia se preparava para dormir, pela primeira vez em meses, sentiu uma leveza que não experimentava há muito tempo. Ainda
havia feridas a serem curadas, e o caminho pela frente não seria fácil, mas agora, com o perigo atrás das grades e o passado finalmente confrontado, ela sentiu que havia, de fato, uma chance de recomeçar. Deitada na cama, Lúcia fechou os olhos e, pela primeira vez em muito tempo, dormiu em paz. O amanhecer do dia seguinte chegou com uma leveza que Lúcia não sentia há muito tempo. Ao abrir os olhos, ela percebeu que, pela primeira vez em meses, havia dormido profundamente, sem os pesadelos que a atormentavam, sem o peso constante da vigilância que vinha sentindo. O
perigo havia passado, e a prisão do homem que os perseguia trazia consigo um encerramento que ela não sabia se um dia alcançaria. Embora a tensão dos últimos meses ainda deixasse resquícios em sua mente e corpo, Lúcia sabia que a verdadeira batalha havia sido vencida. Levou alguns minutos para se levantar, permitindo-se ficar na cama, saboreando o silêncio e a calma que haviam abandonado sua rotina. Ela se levantou, vestiu-se, e, depois de preparar um café, sentou-se na varanda de seu apartamento, observando a cidade despertar. Ao longe, o sol já despontava no horizonte, iluminando lentamente os prédios e
as ruas ainda sonolentas. Enquanto tomava o café, os pensamentos de Lúcia vagavam por tudo o que acontecerá nos últimos meses. Era difícil acreditar em como sua vida havia mudado tão drasticamente. A relação com seu pai, antes uma ferida aberta, agora começava a cicatrizar. Eles haviam passado por tantas provas, tantas revelações dolorosas, que seria fácil desistir no meio do caminho. No entanto, ambos escolheram lutar; escolheram reconstruir o que parecia impossível. E, embora o caminho ainda fosse longo, havia uma sensação de vitória, de que eles haviam superado os obstáculos mais difíceis juntos. Fernando apareceu algumas horas depois.
Quando Lúcia abriu a porta e o viu ali, percebeu como ele também parecia diferente. Havia uma calma em seu semblante que não estava presente antes, como se o fardo que ele carregara por anos estivesse finalmente sendo aliviado. — Você está bem? — ele perguntou, entrando no apartamento. Lúcia assentiu, oferecendo um sorriso pequeno, mas genuíno. — Sim, estou. E você? Fernando sorriu de volta. — Acho… Que estou aprendendo. Os dois se sentaram juntos na sala, compartilhando um silêncio confortável, um silêncio que não precisava ser preenchido com palavras. Era o tipo de tranquilidade que só vinha depois
de uma tempestade, o tipo de paz que ambos haviam lutado tanto para alcançar. "Eu estava pensando," disse Lúcia, quebrando o silêncio suavemente, "sobre como vamos seguir em frente a partir daqui." Fernando a observou atentamente, esperando que ela continuasse. "Nos últimos meses, nossa vida foi uma corrida constante para sobreviver, mas agora que isso passou, acho que temos a chance de construir algo real, algo que nunca tivemos. Eu quero que sigamos em frente, mas de uma maneira que faça sentido para nós dois." Fernando assentiu, sua expressão suave, mas cheia de sinceridade. "Eu também quero isso, Lúcia. Quero
recuperar o tempo perdido, mesmo sabendo que nunca poderemos apagar o passado. Mas podemos escolher como seguir daqui para a frente." Lúcia sabia que ele estava certo; não era possível apagar o que havia acontecido, nem o que ambos haviam perdido ao longo dos anos. Mas isso não significava que o futuro não pudesse ser diferente. Pela primeira vez, ela sentia que tinha a chance de moldar um relacionamento com seu pai, sem as sombras do passado interferindo. O perigo estava finalmente fora de cena, e agora eles tinham uma nova tela em branco diante de si. Nos dias seguintes,
a rotina de Lúcia começou a voltar ao normal, mas com algumas mudanças significativas. A empresa que havia sido seu refúgio durante tantos anos agora era apenas parte de sua vida, e não todo o seu mundo. Ela começava a entender que seu sucesso profissional, embora importante, não definia completamente quem ela era. Pela primeira vez, Lúcia estava se permitindo priorizar outras áreas de sua vida, como as relações pessoais que havia negligenciado por tanto tempo. Fernando, por sua vez, passou a fazer parte ativa dessa nova fase, e eles começaram a se ver com mais frequência, sem a pressão
dos segredos e das verdades ocultas. Os almoços de domingo se tornaram um hábito, mas agora eram encontros verdadeiros, onde compartilhavam histórias e lembranças, sem medo de expor vulnerabilidades. Certa tarde, durante um desses almoços, Lúcia fez uma sugestão que há muito vinha pensando. "Eu queria que você viajasse comigo," disse ela, pegando Fernando de surpresa. "Viajar para onde?" ele perguntou, confuso, mas curioso. "Para onde minha mãe e eu sempre falávamos em ir quando eu era pequena. Ela dizia que um dia nós duas faríamos uma viagem juntas, para longe daqui, para um lugar onde poderíamos relaxar e deixar
os problemas para trás. Mas nunca tivemos a chance. Acho que seria uma boa forma de honrar isso agora." Fernando ficou em silêncio por um momento, visivelmente tocado. "Acho uma ótima ideia," disse ele. "Finalmente, eu gostaria de fazer isso com você. Honrar sua mãe e, ao mesmo tempo, criar novas memórias juntos." Lúcia sorriu, sentindo uma onda de emoção percorrer seu corpo. A viagem não seria apenas uma maneira de honrar Eliana, mas também de fechar um ciclo. Era o começo de algo novo, e Lúcia sabia que, ao lado de Fernando, ela finalmente estava pronta para abraçar essa
nova fase de sua vida. A viagem foi planejada com calma, sem a pressa que costumava dominar a vida de Lúcia. Eles escolheram um lugar tranquilo, longe da agitação da cidade, onde pudessem se desconectar e se reconectar um com o outro. A paisagem natural e a simplicidade do lugar refletiam o que Lúcia estava buscando: reflexão e um recomeço genuíno. Durante a viagem, pai e filha caminharam por trilhas, conversaram longamente sobre o passado e o futuro e, acima de tudo, aprenderam a aproveitar a companhia um do outro de uma forma que nunca tinham feito antes. Havia risos,
havia lembranças dolorosas sendo partilhadas, mas, acima de tudo, havia uma compreensão mútua que só o tempo e as adversidades que enfrentaram juntos poderiam proporcionar. Ao final da viagem, quando estavam prestes a voltar para casa, Lúcia olhou para Fernando enquanto se despediam da paisagem que os rodeava. "Eu sei que ainda temos muito para aprender um sobre o outro," disse ela, "mas pela primeira vez sinto que estamos no caminho certo, e isso significa muito para mim." Fernando, visivelmente emocionado, assentiu. "Significa muito para mim também, Lúcia. Nunca vou poder apagar o que aconteceu, mas fico feliz de termos
essa chance de recomeçar." Enquanto voltavam para a cidade, Lúcia sentia uma sensação de leveza e esperança que não experimentava há muito tempo. O passado havia sido finalmente confrontado, e, embora as cicatrizes ainda estivessem ali, elas não eram mais um peso insuportável; eram apenas parte de quem ela era, parte de sua história, mas não definiam mais seu futuro. Ao chegarem de volta ao apartamento de Lúcia, Fernando se despediu com um abraço caloroso, algo que agora parecia natural, como se sempre tivesse sido assim. "Eu te vejo no domingo?" perguntou ele, com um sorriso. "Claro," respondeu Lúcia, sorrindo
de volta. "Almoço de sempre." E, ao ver Fernando se afastar, Lúcia entrou em seu apartamento e fechou a porta, sentindo uma paz profunda. Pela primeira vez em muito tempo, sentia que estava exatamente onde deveria estar: o passado finalmente estava em seu lugar, e o futuro, antes tão incerto, agora parecia cheio de possibilidades. Ela se sentou à mesa da sala, olhou pela janela e sorriu. Estava pronta para o que viesse; o recomeço finalmente era seu.