Pessoal, eu tenho a responsabilidade de abordar Graciliano Ramos, o velho Graça. O velho Graça, Graciliano, foi um somatório de vivências acumuladas. Eu gosto muito de definir certas personalidades como conjunto de somas, uma vez que, de fato, né, tais vidas são marcadas por momentos tão, tão decisivos. A depender do caso, são tão difíceis e, claro, né, do tamanho da relevância de determinadas vidas. São biografias que definiram, em diferentes níveis, até mesmo os rumos do nosso país. Pessoal, eu não preciso dizer etc., mas assim, aqueles que quiserem, né, evidentemente se inscrevam aqui no canal; não se
inscrevam, negativem o vídeo, falem mal, menosprezem, xinguem, odeiem, me produzam hates. Eu estou aqui para dar aula; eu estou aqui, realmente, para dar aula. Como anunciei na semana passada, voltei ao YouTube, voltei de uma maneira decisiva. Espero, evidentemente, dar o devido prosseguimento ao meu canal. Para o encontro de hoje, eu preparei alguns materiais, materiais extraídos principalmente de cartas e textos do próprio Graça. E eu começo, dentro dessa seleção, trazendo uma breve descrição biográfica que Graciliano escreveu em 1937, fatídico ano de 1937, que é o ano do Estado Novo, o ano em que a ditadura Vargas
ficou ainda mais acirrada. Eu gosto de definir a Era Vargas como, de fato, uma ditadura que se estabeleceu desde 1930. Existem, claro, né, aqueles que preferem defini-la enquanto ditadura a partir de 1937 até 1945, quando Vargas, ele é, aqui no coloquial, né, convidado a se retirar; ele renuncia. Poucos anos depois, ele volta nos braços do povo. Mas eu acho, de fato, e trabalho com fundamentação bibliográfica, que a ditadura Vargas começou em 1930 e ficou mais acirrada em 1937. E, neste ano, então, o nosso Graciliano escreveu o seguinte: "Os dados biográficos é que não posso arranjar
porque não tenho biografia. Nunca fui literato; até pouco tempo, vivia na roça e negociava. Por infelicidade, verei Prefeito no interior de Alagoas e escrevi uns relatórios que me desgraçaram. Veja, senhor, como as coisas aparentemente inofensivas inutilizam o cidadão. Depois que redigi esses infames relatórios, os jornais e o governo resolveram não me deixar em paz. Houve uma série de desastres, mudanças, intrigas, cargos públicos, hospital, coisas piores, e três romances fabricados em situações horríveis: 'Caetés', que foi publicado em 1933; 'São Bernardo', publicado em 1934; e 'Angústia', em 1936. Evidentemente, isso não dá uma biografia que hei de
fazer. Eu devia enfeitar com algumas mentiras, mas talvez seja melhor deixá-las para os romances." Este aqui foi um trecho de uma carta que Graciliano enviou para o tradutor argentino Raúl Navarro. Aqui, nós encontramos uma característica de Graciliano, né? Ele foi um homem modesto. Ele foi, de fato, um homem que, aos nossos olhos, né, quando eu digo "nossos", eu falo da comunidade de apreciadores e admiradores da literatura do Graça. Ele foi, de fato, um homem modesto, injusto com a sua produção. Para contextualizar este início, eu acho que vale dizer o seguinte: eu conheci Graciliano Ramos de
uma maneira muito natural. Não sei como vocês aqui conheceram Graciliano Ramos; não sei se vocês gostam de Graciliano Ramos, até pelo fato de que ele é um autor que carrega uma série de preconceitos e, dependendo do caso, uma série de elogios pelos motivos errados. A depender do caso, você odeia Graciliano Ramos porque ele foi um comunista ou, dependendo do caso, você gosta porque ele foi um comunista. Vejam, são razões insuficientes, né, tanto para rejeitá-lo quanto para, assim, apreciá-lo, né? Até porque Graciliano foi um comunista com alguns austeros. Eu quero poder desenvolver isso no nosso encontro.
Pessoal, o Graciliano, ele, enquanto biografia literária, eu quero dividi-lo em, digamos, duas estruturas. De um lado, nós temos "Caetés", "São Bernardo", "Angústia", "Vidas Secas", seus romances; no outro lado, nós temos "Memórias do Cárcere", "Infância", "Viagem", que são textos de memórias. O Graciliano foi um autor versátil; escreveu ainda algumas crônicas, alguns textos jornalísticos, textos, digamos, de composição política e ele fez referência a um desses textos, né, a um desses formatos, digamos assim. Mas, antes de entrar com mais clareza nessa, digamos, assim, dialética que o consagra de um lado, o homem da confessionalidade, do outro, o romancista,
eu preciso dizer que Graciliano Ramos é o primeiro filho de 16, né, 16 irmãos. Ele é o primeiro filho de uma união ao todo de 16 irmãos. É uma família, evidentemente, uma família muito numerosa para os nossos padrões de hoje. Não sei se vocês, nas suas respectivas biografias, assim, se vocês têm bisavô, bisavó, etc., famílias numerosas, mas a minha bisavó materna, por exemplo, teve 11 filhos. Então, o número de 16 filhos não me causa, né, muita estranheza, mas talvez na vida de vocês cause. Então, Graciliano Ramos, o primeiro dos 16 filhos da união de Maria
Amélia Ferro e Ramos, que tinha, quando casou, 14 anos, com Sebastião Ramos de Oliveira, que tinha, então, 38 anos. Isso também era um tanto quanto comum, né? Muito antes de Caetano Veloso, isso era comum. Certo? Era comum. Pesquisem como tema de casa a idade que Carlota Joaquina casou com Dom João VI. Pesquisem como tema de casa; não estou entrando no mérito, certo, anacrônico. Mas, de fato, de fato é algo que a sociedade evoluiu, né? Evoluiu. Nem mencionei que Graciliano foi um soldado de vivências acumuladas. Ele é, de fato, um filho desse Agreste alagoano e se
desenvolveu em um dos nossos maiores romancistas. É interessantíssimo como autores da linha de Graciliano, como Machado, Carolina Maria de Jesus, dentre outros, saíram de espaços difíceis, complexos, hostis e alcançaram, né, a consagração. Ele, desde muito novo, passou a ter contato com a literatura, com a alfabetização; foi um homem que recebeu complemento quanto à sua alfabetização dentro de casa e um complemento bastante difícil. Bastante difícil! Quem já leu "Infância" de Graciliano Ramos sabe que... De fato, né? Sua jornada biográfica não foi nada fácil. Nessa primeira fase da sua vida, "a educação confundia-se, portanto, pessoal com chicotadas,
cocorote, puxões de orelha." A mínima transgressão implicava em castigos: castigos brutais. Ele descreveu essa fase inicial da sua infância — e leia-se da sua alfabetização — como uma fase marcada pelo medo e uma fase marcada pelo pavor. Ele, assim, com muito custo, começou a aprender as primeiras letras, e ele tinha uma dificuldade porque confundia muito o "d" com o "t". E o pai do Graciliano, Sebastião Ramos, não perdoava. E aí, então, "ao Graciliano, aprendi a carta do ABC em casa, aguentando pancada. Meu pai era terrivelmente poderoso. Éramos repreendidos e batidos. A pedagogia da palmatória se
mostrou um fracasso, e o menino pagou com lágrimas, soluços, mãos inchadas que latejavam como se funcionassem relógios dentro delas." O Graciliano chegou, nessa primeira fase da infância, a se dispensar de brincadeiras, porque as punições o deixavam assim, constrangido, machucado. "Assaltava, às vezes, um desassossego. Aterrorizava-me a lembrança do exercício penoso. Uma corda me apertava a garganta, suprimia a fala, e as duas consoantes inimigas dançavam: d e t. Esforçava-me por esquecê-las, resolvendo a terra, construindo montes, abrindo rios e açudes." Então, nesse primeiro recorte pessoal, o Graciliano é o primeiro filho num total de 16. O Graciliano nasceu
nesse Agreste alagoano, viveu dentro dessa região, na cidade de Quebrangulo. Muitos, às vezes, falam, né? Quebrangulo, né? O Quebrangulo do Graciliano, ele, filho de um comerciante, mãe jovem. Dentro desse espaço, até por ser o filho mais velho, servia como um tipo de espelho, de bode expiatório. Começou um processo de alfabetização que, como ele mesmo registrou — li aqui alguns trechos — foi traumático. E traumático, além das surras, pelas indicações bibliográficas que ele recebeu de professores e dos pais, mas especialmente dos professores. O próprio Graciliano, ainda menino, foi forçado a ler "Os Lusíadas", e para ele
foi uma experiência traumática. Foi o terceiro livro que o forçaram a ler, e o Graciliano colocou o seguinte: "Sim, senhor Camões, em medonhos caracteres borrados e manuscritos. Aos sete anos, no interior do Nordeste, ignorante da minha língua, fui compelido a adivinhar em língua estranha as filhas do modelo, a Linda Inês, as armas e os barões assinalados." Um desses barões era, provavelmente, o de Macaúbas, o dos passarinhos, da mosca, da teia de aranha. Isso aqui é interessante porque eu vejo, né, com minha experiência como professor, que muitos pais pensam, né, que a solução para o drama
pedagógico que o Brasil vive basta que analisemos os nossos índices pedagógicos, exames, etc., os testes internacionais. Enfim, né, que a solução está em simplesmente colocar os filhos em contato com o que há de mais alto na composição literária, na composição, digamos assim, das humanidades. E não é um processo simples. Exemplo: com o autor Os Idas. Pensemos assim na "Eneida", pensemos assim na "Odisseia", pensemos assim nas grandes obras. Eu preciso, de fato, que o filho aprenda a estudá-las, e existe, de fato, uma necessidade pedagógica, e o Graciliano tinha uma necessidade pedagógica correspondente. Então, como ele mesmo
disse, né, aos seus sete anos, aos seus limites, e ele não recebeu, né, a devida complementaridade, a devida orientação. E isso gerou uma experiência traumática. Então, isso serve até como um tipo de provocação aos pais que acreditam que Camões fará o serviço sozinho ou que Virgílio fará o serviço sozinho. Certo? Não é tão simples, não é tão simples. Bem, o Graciliano, até mencionei, né, ele se sentia muito constrangido pelas surras. O tipo de humilhação que ele começou a ter gerou uma angústia em relação às suas características físicas. Ele começou a se sentir cada vez mais
feio, mais tímido, vulnerável, exposto, frágil. E ele começou a ficar cada vez mais retraído, viveu dentro de casa. E ele dizia, né, "também o Graciliano, hoje aqui é um encontro que eu vou trazer muito Graciliano para conversar. Eu sou uma espécie de moderador, eu quero que o Graciliano ministre." "Se eu pudesse correr, molhar-me, enlamear, deitar barquinho no enxurro e fabricar edifícios de areia, como sábio, não pensaria nessas coisas." Ou seja, o que Graciliano está dizendo? Ele era uma criança tímida, tudo isso que eu já mencionei e que não vivia uma infância, aquela infância de ralar
joelhos, como eu tive. Talvez, né, vocês também tiveram, né? Eu joguei muito taco, brinquei de esconde-esconde, brinquei de pega-pega ladrão, certo? Enfim, eu adorava ser ladrão, inclusive. Isso talvez diga muito sobre o meu caráter. Enfim, a minha depressão... Não sei se vocês tiveram, de fato, infância. Eu sei que a geração Z não teve, já nasceram nerds. E não venham com nerds, certo? Enfim, o Graciliano, de fato, né, ele mesmo disse que conheceu a justiça dentro de casa, uma justiça injusta, uma justiça severa que o surrava. Então, se sentia rejeitado, se sentia feio, se sentia desacatado,
sentia falta de escutar "eu te amo", escutar palavras de afeto. Muito pelo contrário, se sentia profundamente humilhado pelos dois, pelos pais, pelo pai e pela mãe. Recebia apelidos que o menosprezavam, que o diminuíam, se sentia cada vez menor. Sobre isso, ele colocou: "Essas injúrias revelaram muito cedo a minha condição na família. Comparado ao bicho infeliz, considerei um pupilo enfadonho, aceito a custo." Aqui, a gente já tem esse itinerário da infância de Graciliano, que não foi nada, nada, nada fácil. Muito pelo contrário, muito pelo contrário. Só que, como ele mesmo disse, ele foi salvo pela literatura.
E não apenas durante a sua infância, ele foi salvo pela literatura em outros momentos da sua vida, por quê? Embora tivesse tido esse processo de alfabetização terrível, além desse processo de alfabetização difícil, além dessa conjuntura... Complexa essas tensões, essas dificuldades, esses ambientes. Tudo isso, tudo isso, ele conseguiu se apaixonar quase como um tipo de milagre pela literatura. Apaixonou-se por quê? Porque ele conheceu o tabelião Jerônimo Barreto e, ao conhecê-lo, ele foi apresentado à sua biblioteca. Aqui, em resumo, foi na sua biblioteca que ele começou a ser estimulado com maior leveza ao mundo dos livros. Uma
leveza que os seus pais não a fomentaram, uma leveza que Camões sozinho não conseguiu, de fato, né, desenvolver. Coitado do Camões, que seus problemas e professores não conseguiram, mas o tabelião Jerônimo Barreto, como um homem providencial, o inseriu dentro da realidade dos livros. E foi pelas mãos, então, de Jerônimo Barreto que Graciliano foi apresentado ao nosso José de Alencar. É interessante falar de José de Alencar, porque eu sei que muitos não gostam do Alencar, muitos o defenestram, muitos consideram Alencar um autor desprezível. Vai depender do caso, porque maximizam suas impressões ruins, aquilo que Graciliano não
fez com Camões. Ele não maximizou; teve uma experiência ruim por erros pedagógicos e depois ele passou, evidentemente, a ler Camões etc. O que acontece é que Graciliano foi apresentado ao "Guarani" e, lendo "O Guarani", assim como Machado de Assis, apaixonou-se; apaixonou-se pelas figuras, né? A ideia do índio, a ideia de uma certa brasilidade, de uma linguagem. E ele foi, de fato, inserido na literatura. E, como ele mesmo usava a expressão, foi "salvo pela literatura", muito a partir de Alencar. Muito a partir de Alencar. Então, Machado foi absorvido pela literatura a partir de Alencar, Graciliano, né,
a partir de Alencar. Isso mostra que Alencar não é qualquer autor. Eu vivi uma experiência traumática com Alencar; me apresentaram "Senhora" no tempo da escola, e foi uma experiência, assim, né, terrível etc., mas eu não maximizei a minha impressão com Alencar. Eu mencionei, do mesmo modo que nosso Graciliano não maximizou quanto a Camões. Bem, em poucos meses, graças à intervenção de Jerônimo Barreto, o Alencar foi complementado pelo Joaquim Manuel de Macedo, pelo Júlio Verne, pelo Monteiro Lobato. Certo? Isso num processo progressivo, né? Isso que eu quero dizer: foi apresentado pelo Machado, complementado com Machado de
Assis, complementado com Joaquim Nabuco. Enfim, enfim, enfim, a literatura brasileira começou a pavimentar a vida de Graciliano Ramos, seja através de contos soltos, de textos esparsos de autores iniciantes. O Graciliano foi, gradativamente, inserido dentro do universo da literatura, o universo brasileiro especialmente, que ele nunca rompeu. Isso é um dado interessante dessa biblioteca do tabelião Jerônimo Barreto. Graças à biblioteca do tabelião Jerônimo Barreto, Graciliano foi apresentado por autores consagrados, autores que começavam naquele momento etc. Bem, aí o Graciliano fez um grande amigo, se apaixonou pelo mundo dos livros e começou, de fato, a querer ter a
sua biblioteca. Ele começou a querer comprar livros, ele começou a querer investir nesse mundo maravilhoso. Ficou apaixonado; ficou, de fato, né, absorvido pelo itinerário dos livros. E ele ficou muito amigo do agente dos Correios, que era, de fato, um apaixonado por literatura, escrevia textos. Isso que é mais interessante: ele escrevia textos. E ele ficou apaixonado, então, pelo mundo dos livros. Graciliano, e dentro desse amor, fez um grande amigo que foi Mário Venâncio. Com Mário Venâncio, ele descobriu mais autores, autores que naquele momento eram contemporâneos, autores clássicos. Então Graciliano, ele fez, graças aos livros, né, essa
amizade que foi uma amizade que facilitou, até pelo próprio trabalho do Mário Venâncio, o Graciliano não comprar livros etc. E aí ele começou a ter acesso aos catálogos da Garnier, da Francisco Alves, as livrarias clássicas lá do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro era a capital do Brasil naquele momento. Graciliano começou a roubar ali uns trocos do pai, começou, de fato, né, Graciliano ajudava o pai no seu comércio. Enfim, nisso, Graciliano começou a formar a sua biblioteca. E, nesse movimento, ele conheceu, né, quando eu digo "movimento", eu falo do tabelião Jerônimo Barreto ou convívio com
Mário Venâncio, esse processo de compras. E ele começou a ler cada vez mais: Voltaire, Cervantes, a Luí Azevedo, enfim, disciplinado. E é uma característica de Graciliano: ele começou, como um autodidata, a aprender francês, a aprender italiano, a aprender latim. Ele começou a se envolver cada vez mais com a palavra. Aqui cabe até duas anedotas. Certa vez, Graciliano foi traduzir o "Cami" e ele não gostou do trabalho do "Cami", e ele reescreveu o livro do "Cami" quando deveria traduzi-lo. Graciliano se transformou, então, também, né, ao longo da vida, em tradutor. Graciliano, nessa jornada interessantíssima de vida,
né, de envolvimento com a palavra, num certo momento, a Raquel de Queiroz chegou a dizer que Graciliano Ramos era o único que passava ileso pelo inquérito do Aurélio Buarque de Holanda, porque, afinal de contas, segundo Raquel de Queiroz, provavelmente o Graciliano dominava mais a palavra do que o próprio Aurélio. Interessante, né? Bem, bem, o que vai acontecer, pessoal? A vida do nosso Graciliano foi, ali, muito marcada por uma tragédia. Além dessa infância terrível, Mário Venâncio se suicidou. Então, esse amigo, agente dos correios, literato, envolvido com cultura, o amigo que o apresentou a autores, o amigo
que o apresentou ao catálogo da Garnier, catálogo da Francisco Alves, esse amigo se suicidou. Então, quando pensamos na vida do Graciliano e quando a ideia de uma literatura que o salva se faz presente, ela o salvou dessa infância terrível e ela o salvou dessa marca. Graciliano, ainda menino, ainda jovem, viu o seu amigo da cultura. Se suicidar, bem, aspas, né? Ah, o Graciliano! Um choque vê-lo morto, esse amável profeta. Bebeu ácido fênico, teria me dado a espreguiçadeira onde me seguravam as novidades e os sofrimentos da artrite. E de uma novela russa, fui encontrar o infeliz
amigo estirado no sofá, junto à mesa coberta de papéis, brochuras, pedaços de lacre, almofadas e carimbos. Bem, aquilo poderia ser, né, um trauma, um afastamento de Graciliano. Ele, já muito apaixonado pelo latim, pelo francês, pela literatura, começou a escrever cada vez mais. Ele começou, de fato, a tentar se inserir em círculos literários, principalmente na capital, a capital de Alagoas, Maceió. E aí o Graciliano entra com uma nova fase, a de um operário da palavra, escrevendo, produzindo, tentando, né, a viver disso. Coisa extra que o Graciliano, de fato, nunca conseguiu. O Graciliano nunca viveu só dos
seus livros. E aí cabe uma menção ao que o Antônio Calado escreveu sobre Graciliano. Afinal, Graciliano viveu pobre. O Denis de Moraes, o biógrafo de Graciliano, né, colocou que era, de fato, “a grande tigre condenado a viver de caça tão miúda.” Essa era, de fato, a definição de Antônio Calado, que ainda acrescentava: “Ele não pensava em suas desventuras, pensava sempre em dores maiores, dores coletivas.” Eu mencionei que conheci Graciliano de um jeito meio natural. É evidente que o capítulo "Baleia" se sobressaía. Eu vivi uma experiência arrebatadora, tanto a primeira vez quanto no processo de releitura
desse capítulo. Foi a partir de "Vidas Secas" que me apaixonei por Graciliano Ramos. Vocês não conseguem ver, mas assim, eu tenho aqui um quadro de Graciliano exatamente nessa direção, aqui na minha casa. A minha cachorra, uma delas, chama-se Baleia. E eu conheci o Graciliano, muito ao natural, muito ao natural. É um tipo de autor que eu costumo dizer que parece que eu nasci conhecendo. Bem, dentro desse cenário, o Graciliano começou a trabalhar cada vez mais com seu pai. Nesse momento, Graciliano já vivia em Palmeira dos Índios. Ele, vivendo em Palmeira dos Índios, acompanhado de seu
pai, começou a ter contato cada vez mais com o povo. O pai tinha um pequeno comércio em uma cidade pequena, e o Graciliano foi se notabilizando-se assim, dentro desse espaço. Bem, avanço, e aqui tem um dado interessante também sobre o ateísmo de Graciliano, né? Porque Graciliano, desde muito jovem, se manifestava um tanto quanto contrário às festividades religiosas, até da sua família, como comemorar Natal, etc. Ele tinha uma certa intransigência. E nesse cenário de uma certa antipatia, desde novo, à igreja, cabe até uma menção que Graciliano tinha a mania de dizer, segundo Denis de Moraes e
segundo a própria Eloísa Ramos, a segunda esposa de Graciliano, que ele tinha a mania de dizer: “Graças a Deus, Deus meu, santo Deus, se Deus quiser, meu bom Deus, valha-me Deus, homens de Deus, Deus do céu, nosso Senhor.” E ele era um ateu confesso. Graciliano era esse homem, bem, bem paradoxal nesse sentido. E um dos seus grandes amigos, nessa primeira fase de vida, era justamente um padre. Graciliano também vivia isso até o fim da vida, tá? Lendo e relendo a Bíblia na sua cabeceira. O livro de cabeceira era a Bíblia, Bíblia marcada, especialmente Eclesiastes. Mas
Bíblia marcada, o Graciliano contava que conhecia versículos longos de cor, e não esses mais conhecidos, como "O Senhor é meu pastor", certo? Não, ele conhecia versículos, passagens, assim, muitas vezes inteiras. E ele era um admirador da Bíblia. Isso é um dado interessante que vai acontecer com Graciliano nessa jornada, vivendo com o pai, vivendo com a mãe, nesse pequeno comércio, já ali, né, trabalhando com a palavra, escrevendo cartas, tentando se inserir dentro de um círculo literário mais profundo. Ele recebeu o que talvez tenha sido o primeiro ato de afeto dos seus pais: a oportunidade de ir
para a capital do Brasil, tentar a sorte literária, tentar viver, de fato, com algum amparo. Mas um amparo que ajudava a pagar uma parte de um aluguel, um aluguel numa pequena pensão. O Graciliano foi então estimulado para ir ao Rio de Janeiro. Isso em 1914. Foi ao Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, ele começou a trabalhar no "Correio da Manhã" e ele trabalhava basicamente, ali, nessas funções mais operacionais dentro de um jornal. Buscou novas funções, trabalhou como suplente de revisores. Vivía, de fato, de uma maneira muito restrita, e ele precisava forçadamente fazer jejuns. Ele
era um homem que, literalmente, se tomasse café da manhã, não almoçaria. Se almoçou porque não tomou café da manhã. Ele era um homem, de fato. Isso já no Rio de Janeiro, em 1914, início da Primeira Guerra Mundial. Isso também é um dado importante. Na biografia de Graciliano, ele nasceu logo depois do golpe republicano e da Lei Áurea, e o Graciliano faleceu em 1953, ou seja, Getúlio Vargas ainda era vivo. Então, ele faleceu na volta de Vargas, né? E Vargas que foi um algoz na vida de Graciliano. Então, Graciliano, em sua jornada, viveu as traumáticas presidências
de um Hermes da Fonseca, de um Artur Bernardes, pegou a primeira fase da Era Vargas. Então, Graciliano viveu um período muito difícil, fora ainda as duas grandes guerras. Um período muito difícil para a história brasileira e também, claro, para a história do planeta. Mas enfim, foi ao Rio de Janeiro e trocou cartas com a sua mãe. Nesse cenário de vida, ele acabou, pouquinho depois dessa tentativa de se instalar, recebendo um telegrama terrível do seu pai, porque num único dia, três irmãos de Graciliano: Otacília, Leonor e Clodoaldo, e um sobrinho faleceram, tá? No único dia, vítimas
da epidemia da peste. Peste bubônica que assolava a Palmeira dos Índios. Naquele momento, a sua mãe e duas outras irmãs estavam em estado grave. Com isso, ele não pôde permanecer no Rio de Janeiro; precisou voltar. Ele ficou no Rio de Janeiro por menos de um ano e, então, recebeu esse, digamos, presente de seus pais. Os pais, tão difíceis como já mencionei, estavam no Rio de Janeiro. Começou a se ambientar, renunciava ao café da manhã para ter o que almoçar. Começou a trabalhar em jornais, começou a tentar se inserir, começou a tentar, de fato, trabalhar com
cultura, com a palavra. Ele, que já era um jovem que buscava esse espaço dentro de uma cena cultural alagoana, recebeu essa notícia terrível. Bem, ele volta, tenta prestar os devidos socorros e, nessa volta, ele então casou com a sua primeira esposa, Maria Augusta, que se casaram sem pompas, inicialmente no civil. O que vai acontecer é que o nosso Graciliano, sempre ateu, o ateu que desejava: "o que fique com Deus", acabou convencido pela esposa e casou-se no religioso. Ele casou, abençoado pelo seu padre, que era seu primo também, Sebastião Veridiano do Espírito Santo, que os abençoou
em 1917. Graciliano e Maria Augusta tiveram quatro filhos. É interessante que ele se apaixonou ainda mais por Maria Augusta, porque ela, no meio dessa tragédia familiar, mesmo correndo todos os riscos - estamos falando de peste, né, pessoal? - ela estava ali cuidando da família, tentando amparar. Ela mostrou, de fato, que era uma mulher especial, especial, especial. Situação terrível, né? Terrível. E Graciliano e ela viveram um excelente casamento. Quando eu digo excelente, não é perfeito; não quero dizer que o Graciliano só usava de ladinho, no escuro. Não quero pintá-lo aqui como um tipo de almofadinha meio
caricaturesco, certo? Mas eles viveram um grande casamento de amizade e companheirismo, evidentemente com suas brigas e tensões. Tiveram quatro filhos, isso muito rapidamente, tanto que, em 1917, quando eles casaram na igreja, já tinham dois filhos. Então, enfim, né? O que vai acontecer é que aqui até vale um tipo de adendo: o Graciliano teve dois amigos padres, tá? Dois amigos: Sebastião Veridiano e tem o padre Macedo. O padre Macedo é o padre que o visitou quando Graciliano foi preso na ditadura Vargas. O padre Macedo é uma figura especial, porque foi o primeiro homem a querer doar
sangue quando Graciliano Ramos definhava de saúde. O padre Macedo... Isso o Denis de Moraes coloca entre aspas: "Então se comoveu ao recordar o convívio". Em uma entrevista, Thiago de Melo, da Manchete, grande amigo, sujeito às direitas, era aquele: "Lembro-me dele sempre com saudade. Não havia noite em que não desse um pulo até aqui para conversar. Não admitia que ninguém falasse mal do vigário, mandava que os filhos o tomassem a bênção." Graciliano é maravilhoso, né? É maravilhoso. "Nunca acreditei", ó, padre que tá dizendo, não sou eu, tá? "Nunca acreditei que o Graciliano fosse comunista. A vida
dele, a sua conduta, era uma negação do comunismo. Graciliano era bom homem, bom amigo, sujeito direito, tinha bom coração. Sempre fez a justiça ao Vigário. A misericórdia de Nosso Senhor é muito grande. Desconfio, sim, que Graciliano foi para o céu", diz o padre. O padre que doou sangue quando Graciliano Ramos definhou. O padre... Isso até o Nelson Pereira dos Santos coloca no filme "Memórias do Cárcere". Excelente filme, excelente filme, tá? O Carlos Vereza ficou literalmente assim como Volkmer, né? "Baixou" Graciliano Ramos, assim como Jim Morrison. Você olha e pensa: "Nossa, assim é o Jim Morrison
aqui, nossa, é o Graciliano Ramos aqui!" Enfim, né? Glória Pires também está muito bem como Luiza Ramos. Enfim, é um excelente filme. Excelente, excelente filme, tá? O cinema brasileiro tem seus tesouros, tá? Tem seus tesouros! E o Nelson Pereira dos Santos é, assim, de fato, uma biografia especial quando pensamos em cinema. Ele coloca numa cena bem bonita o padre Macedo ali entregando um mantimento para Graciliano. É bem especial. Bem, Graciliano já estava em Palmeira dos Índios. Voltou com toda essa fatalidade familiar, casou-se e instalou-se. Tornou-se, agora de fato, não só um ajudante do pai, mas
um gestor da loja. Sincera, bonito nome, né? E acaba conjugado bem com o nosso Graciliano. E aí ele começou a mergulhar, de fato, né, corpo e alma no negócio. Ele, assim, enquanto intelectual, era paradoxalmente um bom administrador, que era uma coisa rara. João Nabuco, por exemplo, era um péssimo administrador e era intelectual. E tem outros tantos exemplos. O que é uma característica, né? O intelectual não sabe lidar com números, e Graciliano não. O Graciliano sabia lidar com números, fez a loja prosperar. Quando eu digo prosperar, não é que enriqueceu, certo? Mas fez a loja prosperar.
E era maravilhoso, porque há registros nesse sentido de que ele fez a loja prosperar tendo sensibilidade. Ponto fraco: ele deixava as pessoas comprarem fiado, ele se sensibilizava. Ele parcelava o que já estava sendo devido, parcelamento do parcelamento. Enfim, ele mandava bilhetes amigáveis, assim, tentando de fato estimular o pagamento, né, de determinados débitos, digamos assim. Enfim, tá? Só que chegou o ano de 1920. Graciliano, que viu seu amigo, da criatura, suicidar-se, que perdeu, em um único dia, três irmãos. O Graciliano, que foi criado com aquela infância terrível, em 1920, sua companheira, Dona Maria Augusta, aos 24
anos, morreu vítima de complicações no parto do quarto filho. Mencionei, né? Graciliano não teve quatro filhos com ela. A menina que nasceu foi batizada como Maria Augusta. Aí, pessoal, aspas: "Ao Graciliano Ramos, peço que te fale da minha vida e de meus filhos. Que te posso..." Eu dizer, meu bom amigo, sou um pobre diabo. Vou por aqui arrastando, há cinco anos não abro um livro, doente, triste, só um bicho. Tenho quatro filhos: Márcio, Júnior, Múcio e Maria, esta coitadinha, provavelmente não muito, está morta, porque vejo, né pessoal? Ela nasceu, a mãe faleceu, e aí nós
temos toda a complexidade, né? Amamentação, os primeiros meses, e Graciliano Ramos fala, né, que ela não vai virar muito, está morta. Se morrer, será uma felicidade! Para que viver uma criaturinha sem mãe? Os outros são três rapazes endiabrados. O mais velhinho, de quatro anos, conhece as letras e já começa a ler os títulos dos artigos dos jornais. Isso é importante. Graciliano Ramos ajudava os seus filhos nesse processo de alfabetização sem utilizar os métodos dos pais, os métodos que ele recebeu. Ele foi uma figura que rompeu com o processo terrível de criação. São desenvolvidos, mas o
segundo, Júnior, é de uma estupidez que espanta. Será feliz? Talvez muito atirado, vaidoso, não tem amizade de ninguém, não conhece uma letra nem quer saber das rezas que o Matias tenta meter-lhe na cabeça. E é um momento pessoal difícil porque Graciliano Ramos pensou, evidentemente, em suicídio. Quando eu digo "evidentemente", porque por toda essa conjuntura, para aqueles que conhecem a biografia de Graciliano, sabem que era muito sofrimento, e que ele de fato vivia como um sobrevivente. E acaba ficando, então, né, no campo assim até do óbvio que essa conjugação, essa ideia, essa escolha aparecesse. Encontrei dificuldade
séria, pus-me a ver inimigos em toda parte e desejei suicidar-me. Realmente, julgo que me suicidei. Talvez isto não seja tão idiota como parece, abandonando contas correntes, o diário, outros objetos da minha profissão. Havia me embrenhado na sociologia. Ele viveu uma depressão profunda, viveu o luto, andava só de preto. Viveu, de fato, uma vida marcada pela viuvez, manteve-se, né, e assim, no campo da vida privada, eh, discreto. E, mais uma vez, a literatura o ajudou a sair do poço, né, sair do inferno. Em 1926, seis anos depois da sua viuvez, Graciliano até viveu uma parte interessantíssima
da sua vida, que não é muito comentada. Ele literalmente liderou um processo em Palmeiras dos Índios para colocar o Lampião a correr. O Lampião queria saquear a cidade. Graciliano Ramos trincheira Rochedo, pald dures, pegou e botou o Lampião para correr! Especial demais, bem! Em 1927, Graciliano conheceu aquele que é, assim, um dos seus grandes amigos dentro da história da literatura, né, que é o José Lins do Rego, que, em vários momentos, o amparou materialmente, etc. Os dois tinham, muitas vezes, um convívio difícil. Até quando Graciliano se filiou, José Lins rejeitou essa filiação. Os dois tinham
divergências políticas em mais de uma oportunidade, mas viveram uma amizade muito bonita, muito bonita, muito bonita! O que vai acontecer no meio dessas complexidades? Em 1927, Graciliano Ramos foi um tanto quanto forçado a concorrer à Prefeitura de Palmeiras dos Índios. E ele não era político, professor! Como é que ele foi forçado, né? Bom, como é que ele foi forçado a concorrer? Bem, em uma cidade pequena, ele era comerciante, ele era uma figura querida, ele era, de fato, já com uma certa tradição familiar, filho de comerciante, etc., que tinha ido ao Rio de Janeiro. Aí você
gera aquele tipo de imaginário: ah, ele foi para a cidade grande, ele é homem da palavra, ele sabe francês, sabe italiano, sabe latim. Em uma cidade pequena, Graciliano Ramos era tratado como o gênio da cidade, o homem mais inteligente da cidade. E isso fez com que ele fosse, digamos assim, convidado a... E "convidado" com algumas aspas. Nós estamos falando de um país profundamente coronelista. Ah, quem já leu, né, Vitor Nunes Leal, né, "Coronelismo, enchente de voto", é cabresto. E ele foi meio que convidado. Por quê? Porque Palmeiras dos Índios estava marcada por um verdadeiro banho
de sangue nesse processo de sucessão política, e Graciliano foi escolhido por ser uma figura, né, austera, amiga, inclusive, de caciques do partido, uma figura neutra, uma certa, digamos assim, terceira via, um homem culto, essas referências que já mencionei. Então, nessa conjuntura, ele acabou, né, um tanto quanto forçado pelos Cavalcantes a concorrer à prefeitura. E ele concorreu. E aí, aspas, o que ele disse? "Assassinaram o meu antecessor, escolheram-me por acaso. Fui eleito naquele velho sistema das altas falsas, os defuntos votando." O Grac, maravilhoso! Então, pessoal, ele venceu com 413 votos, e ele não fez campanha, não
distribuiu santinhos, não deu cadeirada em ninguém, certo? Não prometeu acabar com o centrão, não disse que era uma terceira via, certo? Enfim, não fez nada disso. Muito pelo contrário! Graciliano então foi eleito prefeito e, nesse cenário, agora prefeito de Palmeiras dos Índios, e ainda vivendo, certo? Não com a mesma intensidade, não com o flerte ao suicídio, não com tudo isso, mas ainda vivendo o luto, ele se apaixonou por uma mulher que ele achou estonteante. Se apaixonou, achou ela linda, etc. E eu conheço, de fato, relatos de pessoas que viveram com Graciliano. Acreditem, visitando arquivos, conversando,
etc. Graciliano Ramos morreu louco pela Elia Ramos, de fato! Ele morreu apaixonado, apaixonado, apaixonado! Foi o grande amor da vida dele. E ele teve dois meses de flerte. E aí, isso aqui é maravilhoso! Para flertar com a dona Elia Ramos, ele ia até a missa. Então, ela era uma menina da família e tal, e ele ia à missa para flertar. Impressionante isso, né? Impressionante isso! Quando o homem quer, ele faz o que pode! Eu até tenho uma anedota nesse sentido. Certa vez, eu fiquei meio afim, eu era adolescente, eu fiquei me afim de... Uma menina
luterana e eu não entendia nada do que era luteranismo, catolicismo, etc. Eu cheguei na Igreja Luterana e fiz ali enchend flexão, queria ficar com a menina. Não sabia onde eu estava; vi que era uma igreja, eu pensava: Igreja Católica. Enfim, quando você quer, meu querido, vai em tudo, não tem conversa. Então, Graciliano Ramos simplesmente começou a viver ali, guardando o domingo, dois meses, e conseguiu, de fato, casar. Então, começou, de fato, um casamento. Recordo até porque Graciliano Ramos ficou realmente apaixonado; foi um amor que partiu dele, certo? E nisso, quando o homem começa a pensar
mais com a cabeça inferior do que com a cabeça superior, ele faz tudo rápido, tudo rápido, é dinâmico, é dinâmico, ele é ágil, dinâmico, ó, ó, cadência. A dona Eloísa Ramos descobriu em seu marido um homem gentil, embora de humor variável. Eu trago de Moraes que ela o chamava, né, por apelidos carinhosos, mas, em especial, Graci, que já era um apelido de família. Ele também a chamava, né, por apelidos carinhosos, e, em especial, de lozinha. Ela o chamava de sinhá, acho maravilhoso, né, minha sinhá. Ai ai, esse Graciliano! Ela dizia que ele era um homem
tão sensível que era capaz de levar três horas a explicar como nascem os bebês aos irmãos. Graciliano falava palavrões em abundância; isso é um fato. O Olavo, perto dele, era um homem de pouquíssimos palavrões, mas, ao mesmo tempo, a dona Eloísa Ramos dizia que ele era terrivelmente tímido, que ele era um homem muito recatado, tinha pudor, zeloso. Tem algumas passagens em que ele sentia até uma certa timidez, tá? Isso não é relato dela; isso já escutei nessas minhas pesquisas, né, que ele tinha até timidez de dar um beijinho, um selinho na frente da esposa, na
frente dos filhos. Enfim, né, e o Graciliano, nessa fase agora, depois da vida como prefeito de Palmeiras dos Índios, inclusive em Palmeiras dos Índios, tem o Museu Casa do Graciliano Ramos. O Graciliano começou a escrever cets e aí começa a perceber o nível de ética do Graciliano Ramos, porque ele era prefeito da cidade. Foi um prefeito maravilhoso, né, maravilhoso, maravilhoso, os dados. Isso não é paixonite do Thomas, é assim, ele foi um político formidável, pavimentou, construiu escolas, fez um trabalho de excelência, muito reconhecido. E foi tão reconhecido que ele acabou sendo chamado para trabalhar em
Maceió com destaques, porque uma das questões que fez com que os Cavalcantes, né, que eram a família coronelista que mandava em Palmeiras dos Índios, escolhessem um Graciliano foi no seguinte aspecto: ele não é político, não vai querer carreira política e ele é um homem íntegro. Então, ele vai fazer uma administração boa, vai ser uma boa transição, de fato. E o Graciliano, prefeito da cidade, viu o seu negócio falir. Isso eu acho maravilhoso, maravilhoso, maravilhoso, porque ele era prefeito, uma figura importante, etc. E a sua loja, a Sincera, faliu, faliu. É um nível de ética: não
teve loja da Copenhague, entenderam? Não tem isso, não tem pedalinho, não, não, não, não, não, não tem naturalização de corrupção. Sua loja, a Sincera, honrando o nome, quebrou, quebrou. Então, ele estava ali com quase 40 anos, tá? Prefeito da cidade, vivendo crises econômicas. Teve o primeiro filho com Eloísa. Não percam as contas: o quinto filho de Graciliano, que é o Ricardo, um ano depois, o segundo filho, o Roberto. E aí, pobre do Graciliano! Roberto faleceu aos 6 meses de desidratação; dá muita dor, é muita tristeza na vida do Graciliano. Agora ele perdeu um filho, já
ficou viúvo, perdeu um amigo que se suicidou, uma infância terrível. Enfim, mas, prefeito, um prefeito honroso, né. Ele ficou como prefeito 27 meses, tá, 27 meses, né, obviamente, quase 2 anos e meio. E aí ele foi convidado pelo Governador Álvaro Paes para assumir a direção da Imprensa Oficial do Estado, em Maceió. Isso em 1930. O Graciliano foi para Maceió depois de ter encerrado, né, a loja Sincera, e ele basicamente conseguiu, né, arrecadar 20 contos, e 18 foram para pagar dívidas. Então, Graciliano estava, de fato, quebrado, quebrado. E, no meio desse período, tendo perdido o filho,
prefeito na transição, perdeu o seu negócio, ele concluiu "Caetés". E aí ele entregou para Augusto Frederico Schmidt, que o conheceu graças à intervenção de Jorge Amado, mesmo Jorge Amado, defensor do comunismo. O Jorge Amado foi fundamental para fazer a ponte literária para que Graciliano Ramos fosse conhecido por Augusto Frederico Schmidt. Outro que o conheceu também nessa fase foi Aurélio Buarque de Holanda, que eu já mencionei aqui, questão da palavra, né, o Dicionário Aurélio, certo? E o Aurélio Buarque de Holanda, que lê uma peça de Graciliano Ramos, uma peça política e um relatório e tal, ficou
apaixonado pelo estilo. Ou seja, o Graciliano Ramos é um escritor tão especial que ele conseguiu deixar atraente uma peça de política, um documento, um relatório, né? Enfim, aí o pessoal entregou para Augusto Frederico Schmidt. Augusto Frederico perdeu os manuscritos, depois conseguiu reencontrar. O resultado era para ser publicado mais ou menos em 1930-31, tá? Só que acabou sendo publicado só em 1933; tanto que "São Bernardo" acabou sendo publicado em 1934. Mas não é que "Caetés" e "São Bernardo" tenham, de fato, essa distância tão curta. E aí o Jorge Amado foi, né, contemplado na própria dedicatória, além
de Alberto Passos Guimarães e Santa Rosa, mas a "tardia", já que foi publicada em 1933, o Graciliano tinha ali 41 anos. Tardia, claro, né, aos nossos olhos, né. Bem, o que vai... Acontecer, 1930: Revolução de 30, caças bruxas. O Graciliano Ramos fazia parte de um ambiente de um coronel que apoiava o adversário de Vargas, o Júlio Prestes. Então, quando a Revolução de 30 foi vitoriosa, nós temos a ascensão de Vargas, etc. O que vai acontecer? O Graciliano, evidentemente, já foi alvo, ali, alvo não no sentido pessoal até então, até porque em 1930 o Graciliano Ramos
não era o autor consagrado de "Vidas Secas", por exemplo. Mas ele fazia parte de uma administração que foi de fato perseguida. Quando nós pensamos nessas transições políticas, entendam algo: isso aconteceu lá no golpe republicano; isso aconteceu agora no golpe do Vargas. Assim, você não mudou só o presidente, um exemplo tá, você não mudou só: sai o Imperador, entra o presidente. Você muda a estrutura nacional. O Brasil é remodelado politicamente. Dependendo do caso, ele volta a estar a zero. Bem, e aí o que aconteceu? Já tinha quebrado a loja, etc. E ele recebeu de fato punições,
foi enquadrado dentro da lista de pessoas não gratas do novo governo nacional. E aí ele passou a ser demitido, não conseguiu se posicionar. Ele tinha uma relação com o governo anterior; ele era pessoalmente o homem que via, nesse primeiro momento, com muitas reticências, a ascensão do governo Vargas. E ele precisou, então, se readaptar. "São Bernardo" foi publicado em 1933. Nós ainda estamos falando de um Graciliano Ramos que não era um autor; suas conexões literárias não eram ainda tão fortes. Elas existiam, mas não eram tão fortes. Então, ele recomeçou a vida do zero, aos 39 anos,
no meio dessa crise. Ele começou a escrever "São Bernardo", que, reforço, estava pronto. O Augusto Federico Schmidt pegou os originais e esqueceu, perdeu, etc. E, no meio disso, o Graciliano estava escrevendo "São Bernardo". "São Bernardo" é, para mim, a grande obra de GR. Eu acho, inclusive, Paulo Honório um dos personagens mais importantes, interessantes e mais bem desenvolvidos da nossa literatura. Ela é, de fato, uma obra que é um ponto de passagem. Existe um Graciliano; eu não quero aqui classificá-lo daquele jeito, um pouco abjeto, até fazendo com Machado de Assis. Agora ele é realista? Agora ele
é um ponto de passagem porque é um escritor que atingiu uma maturidade, atingiu uma maturidade: ele passou, de fato, para um novo estágio de produção textual. Ele passou a ser um proprietário da palavra e não apenas um operário da palavra. Então, "São Bernardo" é uma divisão importantíssima na sua jornada. Como já mencionei, depois de "São Bernardo", "Angústia", "Vidas Secas". Começou a viver crises, ficou doente, teve que passar por intervenção médica, vivendo crises financeiras, tentando se reorganizar em matéria de trabalho. Eloí Ramos com os filhos, mais os filhos do primeiro casamento. Situação muito difícil, muito complicada.
E o Graciliano Ramos, em 1933, porque ele tinha alguma relação com o novo interventor, o Capitão Afonso de Carvalho, que conhecia o Graciliano desses circuitos literários, etc. Interventor, leia-se, o homem do Vargas dentro de Alagoas, ele convidou o Graciliano Ramos a assumir a instrução pública do Estado, uma equivalência à Secretaria de Educação. Bem, nessa conjuntura, o que vai acontecer? O Graciliano Ramos, pau, recente, Rochedo, homem que expulsou o Lampião, etc. Ah, isso aqui é maravilhoso: o Graciliano tinha um sério problema com o hino de Alagoas. Na verdade, ele não gostava de nenhum hino; essa é
a verdade. Não gostava de nenhum hino, ele não gostava da poesia correspondente, por exemplo, ao hino de Alagoas. Não gostava da sua estrutura lexical, não gostava do hino nacional e tinha um palavrão, assim, ranço ainda maior porque os alunos eram obrigados a cantar o hino nacional, e isso ele ficava possesso. O que aconteceu, pessoal? Ele proibiu que o hino de Alagoas fosse cantado nas escolas. Ai, ai! Aí, pessoal, ele ficou visado porque o governo Vargas é o governo que vai se notabilizar na sequência, não necessariamente nesse momento, pela queima das bandeiras, elevação dos símbolos nacionais.
O Villa-Lobos foi absorvido pela Era Vargas, é um exemplo. Tem gente que até hoje fala: "Ai, que saudade do período em que se cantavam ainda os hinos nacionais". Os hinos estaduais, o hino nacional... Quando eu digo hinos nacionais, hino da bandeira, as crianças sabiam o hino da bandeira, sabiam o hino da república. E hoje, dependendo do caso, a geração Z, enfim, né? Mas o que aconteceu foi o seguinte: tá, o Graciliano Ramos ficou visado. Não foi só essa sua manifestação. Ele, assim como havia sido prefeito, um prefeito sério, ele assumiu que ser um secretário sério.
Quando ele foi prefeito, ele chegou até a enquadrar o seu pai na estrutura de multa. Ou seja, o Graciliano era sério mesmo. Então, ele chegou a multar o seu pai e agora ele pegou e disse: "Bom, vou assumir essa função, vou colocar as minhas digitais, a minha interpretação sobre estrutura de escola". E era um Brasil que estava sendo remodelado; era um Brasil que começou a ver o início do MEC, era um Brasil cada vez mais estatizado, era um Brasil diferente. O que vai acontecer em 1934? Ele publicou "São Bernardo", que já mencionei, que ele começou
a escrever nesse cenário terrível. Em 1935, ele começou a tirar alguns papéis, alguns escritos soltos e esses escritos vão culminar em "Angústia". Só que em 1935 vem o movimento chamado "intentona comunista". O Graciliano deixava claro que ele simpatizava, em alguma medida, com tendências marxistas. Ele deixava claro que acreditava, de fato, na ascensão da classe trabalhadora. Ele tinha uma interpretação... O tanto quanto romantizada, frisa-se de uma teoria que era uma teoria que engatinhava no Brasil. O Partido Comunista fora fundado em 1922, então, para Graciliano Ramos, o comunismo, uma estrutura partidária, tudo isso era muito novo. Ele
não se envolveu com a ANL, ele não se envolveu com a Intentona Comunista, ele não tinha, neste momento, uma relação com Prestes ou com Olga Benário. Mas o que vai acontecer? Né? Houve isso. Ainda quero abordar aqui no canal o movimento da Intentona Comunista, que ficou consagrado assim; serviu como um B, depois, para o plano cen, que é um plano forjado, etc., que vai ser o plano que vai justificar a ditadura do Estado Novo. E aí, o Graciliano, que havia perseguido o que era o crítico da estrutura estatizante do Vargas, que em 1930 apoiava o
outro bloco, ele estava muito visado, muito visado. E aí, aspas: “A falta de provas documentais poderiam invocar as mais disparatadas alegações.” Seus filhos, Márcio e Júnior, eram comunistas fichados como diretores da Instrução Pública. Contrariar privilégios de figurões despertava rancores. Caetés e São Bernardos não se enquadravam nos cânones morais e políticos vigentes. Graciliano era um admirador de autores russos. Estamos falando de uma Revolução Russa em 17. Qualquer pretexto servia, tá? Então, em vez de ser um admirador dos franceses em primeiro nível, Graciliano era um admirador de Tolstói, do Tchekhov, enfim. Ainda, né, dentro desse processo de
falta de provas, tudo valia para denunciá-lo. Não fora ele que proibira o Hino do Estado nas escolas públicas e se recusara ao chamado patriótico do Dia 7 de Setembro? Aí, pess, acabou preso. Foi preso e passou pelas mais absurdas situações. Mais absurdas situações! Ele foi remanejado até parar no Rio de Janeiro. Então ele foi preso, né, em Alagoas e foi enviado até o Rio de Janeiro. Nesse processo de envio, passou por circunstâncias terríveis, circunstâncias insalubres. Pressões, tensões... viu o companheiro de cela se masturbar ao seu lado. Teve que ficar nu, para ele que era um
homem do pudor, né, que tinha vergonha de beijar a própria esposa na frente dos filhos. Teve que ficar nu para inspeções médicas. Não gostou da comida, evidentemente, né, se comida de hospital muitas vezes é algo terrível, né, e comida de presídio. E, naquela conjuntura, não estou dizendo aqui que daqui a pouquinho vem, né, vem um conservador: “Ah, mas tá defendendo que comida de presídio seja um banquete.” Não, conserva! Eu estou falando dentro do ângulo de Graciliano Ramos, que não precisava passar por isso. Ele não precisava comer dessa comida. Ele não precisava comer a comida de
um estuprador, certo? Ele não precisava disso. Isso porque ele não tinha nenhum crime! Ele não cometera nenhum crime. Tanto que, até hoje, é um tema em aberto, tá? Ele foi preso por quê? Ele foi preso por quê? Por quê? Porque ele não era nem filiado ao PCB! Ele vai ser filiado ao PCB na década de 40. Aqui, ele era só alguém que leu autores vinculados à esquerda e gostava de determinadas passagens. Então, por esse ângulo, eu vou ter que ser preso? Nessa mesma conjuntura, entenderam? É simples. Então, você pensa num homem, pai de cinco filhos
vivos, né, que já passou por todas essas situações, autor de "São Bernardo", autor de "Caetés", já muito respaldado pelos seus pares. Porque o Graciliano Ramos, quando ele lançou "São Bernardo", ele foi tratado assim: “Aqui está o novo Machado de Assis!” Ele começou a ser chamado de Dostoiévski brasileiro. É nesse período, é nesse período já amigo de José Lins do Rego, amigo de Augusto Frederico Schmidt. Ele era um crítico da Era Vargas, crítico de um tipo de nacionalismo arbitrário. Graciliano Ramos não é que ele condenasse os símbolos nacionais, ele condenava o nacionalismo. Ele era um crítico
do nacionalismo, mas ao mesmo tempo ele era o crítico da brasilidade. Graciliano Ramos, que é tratado, né, como um quase papa dessa leva de romancistas nordestinos: Raquel de Queiroz, José Américo de Almeida, José Lins do Rego... e o Graciliano Ramos foi preso. Teve que ficar no exposto, ah, com companheiros de celas, muitas vezes assim, terrível! Teve que ficar ao lado de criminosos. E ao mesmo tempo, na cadeia, o Graciliano Ramos começou, claro, né, a anotar o que viria a ser "Memórias do Cárcere". E na cadeia ele começou a viver um ambiente cultural, porque tinham vários
perseguidos pelo Vargas. Então, na cadeia, ele começou a aprimorar russo, ele começou a conversar sobre teoria política, como virou um enxadrista de melhor nível. Já vi relatos de que ele não jogava nada de xadrez, tá? Ele era ruim, mas na cadeia ele começou a treinar o enxadrismo. Ele foi preso no mesmo ambiente que a Olga Benário também foi presa. Então, ele inclusive estava... e o Nelson Pereira dos Santos coloca isso de um modo muito feliz. Quando a Olga Benário é enviada para um campo de concentração alemão, certo, amando do Vargas e com a concordância do
STF brasileiro de então, aí vem um conservador: “Ah, mas ela era uma comunista!” Etc. Se você acha que é válido, tá, uma mulher grávida ser enviada para o campo de concentração nazista, a nossa diferença é muito grande. É uma diferença humana. Nós não somos iguais, certo? Nós não enxergamos as coisas pelo mesmo ângulo. Uma das questões que me faz, tá, ser contra o aborto é porque a criança não tem nada a ver, tá? Não tem nada a ver. É uma outra questão, é uma outra pauta, é um outro interessado, certo? A Anita Prestes, a filha
da Olga e do Prestes, ela não tinha nada a ver! “Ah, mas ela aceita isso biograficamente, ela gosta, ela endossa.” Bem, eu estou falando do meu ângulo, tá? Do meu ângulo... a Olga Benário foi enviada, então, covardemente. O Graciliano assistiu isso. Né, o velho graça. Enfim, enfim, terrível, tá, pessoal? Terrível. Bem, só aqui dá um todo... ele conseguiu sair depois de ter passado por horrores. Com intervenção de José Lins do Rego, houve uma intervenção para que ele saísse de Drummond, Panema. Enfim, Graciliano Ramos saiu, mas não saiu em pouco tempo, né? Nossa, saiu um pouco,
não ficou preso. E durante um tempo difícil, acabou sendo solto depois de muito esforço. Muito esforço. O que vai acontecer? Ele, agora instalado no Rio de Janeiro, organizou sua mudança. Depois de algumas tentativas, inclusive de sobreviver, teve que ser acolhido por amigos. José Lins do Rego foi importantíssimo nesse momento; literalmente, teve que sustentá-lo. Quando o Graciliano esteve preso, a Eloí Ramos pegou os manuscritos, então, de Angústia, e mandou para o processo editorial. Graciliano Ramos era preciosista com seus textos, etc. Ela foi lá, pegou os textos e mandou para a editora. Ela, corajosamente, a lagoana Rochedo,
foi para o Rio de Janeiro, visitava o Graciliano Ramos, ia vê-lo bonita, fazia as unhas, etc. Ia com cabelo cheiroso. Isso deixou o Graciliano Ramos contagiado; ele se sentiu amado. Levava fotos dos filhos. Enfim, Graciliano Ramos sofreu muito, tanto que não tinha nem 45 anos e parecia que tinha 70. Bem, nesse cenário, pessoal, agora no Rio de Janeiro, ele começou a frequentar a histórica José Olímpio. Aí que ele começou a ficar amigo do Otávio Tarquínio de Souza. Aí ele começou a conviver cada vez mais com a Raquel de Queiroz. Aí é um ambiente especial, Drummond.
Aí é luxo, né? Aí é luxo! Sérgio Buarque de Holanda. Aí é algo assim... é minha Noite em Paris, certo? Aí é minha Noite em Paris. Se me perguntasse assim: "Quais dois momentos você gostaria de ter vivido?", né? Eu diria o 3 de Maio de 1888, é o primeiro deles, tá? E o segundo: eu gostaria de ter participado de apenas um encontro nessa José Olímpio. Nesse momento, eu queria sentar ali, eu queria ser a mosca varejeira, eu queria ter assistido a Graciliano Ramos, ao José Lins, o próprio José Olímpio, Portinari... Nossa! Nelson Rodrigues, esses homens
ali... um Sérgio Buarque, o Gilberto Freire, que esporadicamente aparecia. Enfim, que momento! Que momento! Que momento! Que momento! E aí, pessoal, Graciliano, precisando sobreviver, ele escreveu um conto. Escreveu no automático, e esse conto chama-se "Baleia". O que aconteceu, pessoal? Ele pegou outros textos porque "Vidas Secas" acaba sendo um mosaico. É um livro que você consegue encontrar... tá? Frações, frações. Ele não é um livro bem cadenciado. Isso não é um problema; tá? Ele é um livro que você consegue ler os capítulos isoladamente. E isso não funciona, digamos, com "São Bernardo", com "Caetés", com "Angústia", mas isso
funciona com "Vidas Secas". E aí, a partir, então, do capítulo "Baleia", em 1938, foi lançado o clássico "Vidas Secas", o livro que já me fez chorar em mais de uma oportunidade. 100 dias depois de ter sido posto em liberdade, Graciliano iniciou um novo projeto literário: escrever um conto baseado no sacrifício de um cachorro que presenciara quando criança no sertão pernambucano. Procurei adivinhar o que se passa na alma de uma cachorra. Isso que ele era. O Carp disse que ele deu metafísica à vida de um cão. Será que há mesmo alma em cachorro? Não me importo.
O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de prévia, exatamente o que todos nós desejamos. E aí nós temos o capítulo "Baleia", que todos vocês que estão aqui devem ler. Devem ler ao final desta live, live aula, né? Encontro? Enfim, bem, pessoal, em 1938, graças a um de seus amigos, né? O Prudente Moraes Neto, Graciliano foi então nomeado para exercer a função de assistente técnico na Secretaria Geral da Universidade do Distrito Federal. Aí, o Graciliano Ramos acabou sendo absorvido pelo Estado Novo. Não pelo varguismo. Ele, Drummond e outros que eram críticos do Vargas trabalharam
dentro da estrutura do Estado Novo. Em 1945, o Vargas foi convidado a se retirar. Nós temos um golpe... dando um golpe, dando um golpe. Então, é o pós-Segunda Guerra, etc. O Vargas renuncia. E aí é um momento complexo porque, primeiro, o Prestes apoiou o Vargas, apoiou o homem que havia enviado a sua mulher grávida para um campo de concentração. Isso constrangeu Graciliano Ramos. O Ricardo Ramos debochava do pai, dizendo: "E aí, pai, olha isso aí!" O Graciliano que manifestara, né? Aí, já durante a década de 30, década de 40, elogios progressivos, tá? O Prestes ficou
evidentemente constrangido porque o Prestes apoiou o Ditador Vargas. Mas, contrariando, digamos assim, até o comportamento de Graciliano Ramos, que era um homem mais reticente, com dúvidas e tal, ele se filiou ao PCB. Aí que ele se filia no final da Era Vargas, 1945, e ficou filiado até 1953. Aqui nós temos um ponto. Conservadores muitas vezes vêm isso como algo terrível. Aqui ele é... Nossa! Um arremedo de merda. Aqui o Ramos não valia que peidava! E, por outro lado, os outros, né? Muitas vezes, os esquerdistas ficavam vendo assim: "Ah, nossa! Aqui nós temos um verdadeiro Graciliano
Ramos." Aqui que nós temos, de fato, Graciliano Ramos materializando na práxis política sua jornada enquanto escritor. E nada disso, tá? Nada disso. Filiou-se. Filiou-se. Ele ficou prestes de um modo discreto. Ficou constrangido. Sua participação dentro do PCB foi uma participação muito discreta, ao mesmo tempo que tem páginas bonitas. Por exemplo, foi o PCB que pagou o tratamento médico de Graciliano no momento mais vulnerável da sua vida, que é o momento que ele acaba falecendo. E Graciliano Ramos faleceu de mãos dadas com a sua esposa, Eloí. O PCB pagou... o mesmo PCB, dentro dessas conjunturas complexas,
perseguiu, tá? Censurou, restringiu... vamos mostrar aqui um... Eufemismo, tá? Restringiu memórias do cárcere porque Graciliano Ramos, coerente como era, assim como no seu livro "Viagem", que ele relatou a sua experiência, né, na União Soviética, manifestou que viu e encontrou, como ele descreveu, processos de um modo muito cruento, muito verdadeiro. As lideranças do partido não gostaram. Historicamente, isso cabe para um outro convívio: o PCB perseguiu Otávio Brandão, Astrojildo Pereira, que foram fundadores do partido. Enfim, aqui nós temos uma janela enorme a ser explorada. A vida de Graciliano Ramos foi marcada por uma das piores tragédias, por,
aspas aqui, "Denes de Moraes". Dentro desses dissabores, já foi preso e já passou por tudo isso que mencionei. Na manhã do dia 26, Graciliano transtornou-se ao saber que o filho Márcio, depois de se desentender com um companheiro de pensão na Tijuca, foi morto com um tiro. Márcio era um rapaz de valor, inteligente, mas desde adolescente sofria de sérios problemas psicológicos. Os filhos do primeiro casamento foram mais afetados pela decomposição da família, com a morte de Maria Augusta e os atropelos da vida de Graciliano Ramos, né? Paulo Mercadante, que depois viria a ser um teórico do
conservadorismo brasileiro, que, diferentemente do que muitos de vocês falam, tá? Ele não é o autor de "Não parar, não precipitar", tá? Esse é o lema abolicionista, tá? Ele não é o autor; ele ajudou a popularizar. Sem dúvida, Paulo Mercadante foi grande amigo de Graciliano Ramos, foi seu advogado, foi seu amigo, esteve com ele quase que, eh, no dia do falecimento. Assim, foi um grande amigo, um grande amigo, e ele se encarregou, até pela própria relação com Graciliano, né, de dar a assistência jurídica. Márcio ainda, né, o Márcio era amparado pela Raquel de Queiroz, etc. E
aí, o que acontece? Aspas aqui: "Paulo Mercadante, né, sentia a dor pesada cair-lhe sobre o rosto e suas mãos cobrirem o rosto inteiro". Tá, tá falando de Graciliano, né? Falando, falar como ele contou para Graciliano... Desculpa, falar. Falando como o Márcio estava agindo, né, deslizando devagar até o queixo. Era o sentimento contínuo, a dignidade da dor traduzida num silêncio que devia estar lacerando. Ficamos por minutos e minutos sem qualquer reação, até que falou sobre a tragédia: "os destinos do filho e do moço unidos numa só desgraça pessoal". Durante dias, Márcio ficou sob os cuidados da
família, mas ele acabou se suicidando. Então, Graciliano Ramos perdeu mais um filho; Márcio se suicidou no dia 30 de agosto. Terrível. Aí nós temos um momento pessoal muito difícil, muito difícil. E dentro dessa conjuntura, Graciliano Ramos viveu um luto, depressão, sofreu e acabou, né, indo à União Soviética. E lá começou a apresentar crises de saúde e tem várias páginas memoráveis nessa sua viagem, porque lá ele começou a perguntar sobre o político, qual o comediante, o ator, como estavam perseguidos, estavam presos. Ele começou a constranger o cerceamento existente e ele virou, de fato, uma figura indigesta
pelo sistema repressivo, né, soviético. E ele colocou nos seus registros páginas que não foram bem recebidas por lideranças comunistas. Voltou e escreveu "Viagem", "Memórias do cárcere", que acabou sendo, né, um livro póstumo, recebeu até censuras do PCB, o mesmo partido que Graciliano Ramos morreu afiliado. Graciliano Ramos, como mencionei, morreu segurando, né, a mão do seu grande amor. Foi assistido no campo da doação de sangue por um desses padres amigos que ele arrebatou, né? Teve dois em especial. Ele sofreu, sofreu muito, buscou o tratamento médico, mas, de fato, né, nunca renunciou ao cigarro, complicações de saúde
nesse sentido, muito debilitado, e faleceu em 1953, deixando, de fato, o Brasil culturalmente, ao mesmo tempo, né, ah, incompleto, porém rico. Né, incompleto, porque existe sempre aquele drama que Manuel Bandeira tão bem poetizou. E o Manuel Bandeira tinha uma boa relação com Graciliano, né? O que poderia ter sido mais dez anos de Graciliano Ramos, né? Não seria pedir muito, né? Mas, ao mesmo tempo, Graciliano deixou o nosso país, né, com, ainda, né, "Infância", "Memórias do cárcere". Ah, enfim, né? Caeté, São Bernardo deixou o país muito mais rico, muito mais rico. E esse foi meu esforço
aqui, de tentar resumir essa vida. Eu fiz de extrair o máximo de informações a partir de registros, de documentos, de bibliografia, para tentar respeitar essa biografia, uma biografia tão vasta, tão rica e, evidentemente, eu deixei, né, várias páginas memoráveis para trás. Mas eu espero ainda, quem sabe, né, voltar aqui para falar mais especificamente de alguma passagem ou de algum livro de GR. Então, isso aqui acaba sendo um encontro geral sobre o velho Graça, o autor, uma vida que eu, evidentemente, quero abordar aqui, quem sabe, falando mais tecnicamente, né, de um modo mais descritivo, até mesmo
desse processo de boicote que ele recebeu do PCB sobre a sua interpretação histórico-social do Brasil, etc. Então, tem uma série de camadas que eu não explorei. Tentei, né, ah, descrever um pouco da sua jornada, dessa vida tão, tão inspiradora. Tão inspiradora! Pelo menos, aqui, Graciliano Ramos está vivo; é um autor presente. Certo? Valeu, hang loose! É isso. Valeu, obrigado, fiquem bem, fiquem com Deus. Negativem o vídeo, xinguem, ou se quiserem, positivem, comentem, elogiem, compartilhem, certo? E até a próxima segunda-feira. Valeu!