o milagre da Solidão Olavo de Carvalho bravo número 13 outubro de 1998 edição de primeiro aniversário Lima Barreto foi com Cruz e Souza e Machado de Assis um dos meus heróis skylaliano de juventude van Heroes o tipo do sujeito que pela força da autoeducação se eleva acima do meio opressivamente burro e se tornam educador de seus opressores que os três fossem pretos era coisa que não me comovia especialmente a discriminação que você sofre como parte de um grupo tem sempre o contrapeso da Solidariedade entre a multidão de coitados quanto mais o spelling de um grupo
tanto mais você se sente integrado no outro e sempre resta a esperança coletiva de que os oprimidos de hoje sejam os opressores de amanhã ruim mesmo é a discriminação que você sofre sozinho sem o consolo da palavra nós e das ideologia salvadoras rejeitado graças ao estigma da diferença mesmo pelos seus companheiros de raça de religião de bairro de geração aí você não tem para onde correr você é o próprio Cristo na cruz abandonado por todos desprovido de semelhantes nenhuma ONG vai fazer lobby em seu favor nenhuma Assembleia da Unesco vai denunciar que você é vítima
de uma graça sacanagem a rainha da Inglaterra não vai te pentear nenhuma Fundação Para socorrê-lo nenhum editorial do New York Times vai dizer que você é lindo e maravilhoso como João Pedro stédile para todos os efeitos você está excluído até mesmo da classe dos Discriminados você é aquela mancha de meio milímetro no canto de uma foto do Sebastião Salgado só o sujeito que passou por essa situação sabe que existe no mundo um tipo de mal que supera tudo que a mídia denuncia e que pensando bem é a raiz da porcaria Universal explica-me o herói do
primeiro romance de Lima Barreto recordações o escrivão Isaías caminha não sofre somente porque é preto e Pobre ele sofre porque é um sujeito honesto no meio de vigaristas um autêntico o homem de letras no meio de farsantes Vorazes e grosseiros enquanto o preto e Pobre consolava-se olhando a multidão de seus companheiros de infortúnio mas quanto semelhantes teria ele nas qualidades excelsas que o destacavam e o isolavam enquanto os irmãos tinha Cristo na cruz a parte de Isaías que mais dói não é a sua inferioridade social é sua superioridade moral mas Isaías traz ainda a marca
do ressentimento racial ao escrevê-lo e uma Barreto sente-se ainda o membro de uma determinada comunidade excluída e fala em nome dela livro resvala às vezes para o desabafo direto e quanto mais se aproxima de uma cópia literal da realidade empírica mais perdem em altitude o próprio Isaías também é de pouca estatura ele é melhor que os outros não mais forte débil e tímido reduce a uma vítima passiva da circunstâncias tudo se resolve numa horizontalidade deprimente e Como dizia Antônio Machado quando difícil é essa quando tolo Barra no barraco também o romance o seguinte Lima Barreto
a dica de toda referência é uma injustiça social presente Major Quaresma não pertence a nenhum grupo discriminado não tem nenhum Hand Cap que eu identifique a esta ou aquela multidão de vítimas ele é autossuficiente na luta pela vida é mais forte mais inteligente e mais valente que seu antagonista o presidente Floriano Quaresma não é discriminado porque algo lhe falte mas porque tem força de sobra e a generosidade de querer ajudar a seu povo este segundo herói de Lima Barreto adquire assim uma altitude que faltava Isaías ele já não é o personagem de um mero drama
social mas o herói de uma tragédia segundo Aristóteles é essencial que o herói trágico seja um homem poderoso especial fora disso suas Desventuras assinalariam apenas uma conjunção acidental de circunstâncias suprimível e sem o alcance de uma fatalidade cósmica inexplicável mas a derrota do Major ainda é parcialmente explicável ele é um gênio criativo mas convenhamos suas ideias são bem esquisitas ele tem esse resíduo fraqueza a meia loucura que o coloca meio caminho entre o herói e o anti-herói é por esse flanco que o inimigo consegue feri-lo a morte de quaresma nos deprime mas não nos escandaliza
como um absurdo completo A nela algo de razoável o ideal do reformador era incompatível não só com o ambiente mesquinho da República florianista mas com a realidade do corpo esse último pretexto da Injustiça é enfim abolido num romance seguinte de Lima Barreto vida e morte de MJ Gonzaga de Sá Gonzaga é um Policarpo Quaresma sendo demência um Isaías da Juventude e da timidez é um grande homem em toda a extensão da palavra e sua vida termina no isolamento e na resignação mas não na derrota Solitário entre seus livros o sábio desenganado observa o mundo com
um olhar sem ressentimento nem sentimentalismo cheio de uma compreensão Serena que lembra por mais de um aspecto a do Conselheiro Ayres mas livre daquele resíduo de negativismo choperiano que foi até o fim a marca registrada de Machado de Assis A trilogia barretiana mostra-nos a evolução do ideal humano do grande escritor retratada na gradação espiritual dos heróis o jovem talentoso esmagado pelo mundo o Combatente exaltado e semi louco os sábios histórico soberano e calmo que permanece de pé Enquanto o mundo em torno cai de personagem a personagem a uma progressiva depuração em interiorização do ideal que
vai se afastando da situação empírica imediata para se tornar cada vez mais universalmente humano e na mesma medida se desliga de todo ressentimento coletivo para encontrar o sentido de uma vida não na Vingança mas no perdão o perdão aqui não deve ser entendido na acepção Beata e sentimental mas no sentido etimológico de perdonare completar o dom o mundo não nos persegue porque é mais forte que nós mas porque é mais fraco Ele nos persegue porque algo lhe falta a sabedoria como no verso de Santa Yana ao superar o ressentimento coletivo o sábio escolhe a melhor
parte e é o único que no fim das contas é rico o bastante para ter o que dar Gonzaga não é verdadeiramente derrotado expelido do mundo prossegue A Busca da Verdade sempre disposto a compartilhar com o discípulo que o procure Heroes o Oprimido tornou-se educador do mundo presor juntas as três obras maiores de Lima Barreto forma um Poderoso o romance da Vitória de uma alma sobre si mesma e por meio disto sobre o mundo nota é a única obra desse gênero na nossa literatura se descontarmos a novela de Guimarães Rosa a hora é a vez
de Augusto matraga aqui o filme de Roberto Santos deu interpretação inversa injetando-lhe aquela mistura de negativismo brasileiro e Marxismo de botequim que torna a redenção de uma traga um gesto inútil por não se enquadrar como ato isolado na estratégia Geral do partido a transfiguração do Oprimido em benfeitor é um milagre que se repete em incessantemente na história raramente houve um sábio um santo um mestre cujos prodígios de generosidade não brotassem dos extremos e discriminação e solidão parecido na infância vencidos e superados pela Alquimia da maturidade é a mensagem final do Rei lear right mas isso
só acontece aqueles que sofreram a discriminação sozinhos sem ter uma raça um partido uma ideologia uma ONG e Fundações internacionais aqui se agarrar quem tem essas coisas não precisa atravessar o caminho da Sesi interior podem encontrar a livre reconforto na ilusão de que o ódio dos vencidos é um sentimento moralmente superior ao orgulho dos vencedores pode escapar da Solidão fundindo-se na massa você federante dos companheiros de partido sonhando morticinhos Justiceiros que serão na sua cabecinha imunda a poderosa do bem foi dessa ilusão Sangrenta que a leitura da trilogia de Lima Barreto me libertou mais de
30 anos atrás a diferença entre povo opressor e povo Oprimido é apenas questão de ocasião e a solidariedade com os oprimidos é apenas o verbo ideológico que busca embelezar e legitimar diante mão os massacres de amanhã Esse reconforto ético é no fundo uma fuga da consciência todo o povo Oprimido esconde os lances vergonhosos de sua própria história para poder acreditar-se melhor que os opressores não há um só movimento de libertação e de direitos que não se funde de mentira essencial em que se a fim os espetos e Futuros holocaustos durante um Milênio faraós negros arrancaram
sangue do lombo semita para terminar sendo vendidos como escravos e hoje tentar comover o mundo com seu discurso contra os judeus Comerciantes de escravos os alemães encontraram na humilhação coletiva a inspiração para perseguir os judeus e a fumaça do holocausto ainda santifica o fuzil israelense a cada tiro que dispara sobre um palestino armado de pedras assinalava a diferença de nível ético estrutural e intransponível entre o indivíduo e a comunidade para o indivíduo o sofrimento pode ser o princípio da sabedoria para a comunidade é o motor da violência que puxa o carro da história na direção
da fornalha ardente cuja beirada um cartaz anuncia justiça e paz em face disso a serenidade de MJ Gonzaga de Sá é a resposta final aos padecimentos dos jovens Isaías caminha e o heroísmo semi louco de Policarpo é uma etapa ser vencida no caminho do entendimento