O milionário ignorou a garota que lhe pediu ajuda para encontrar o caminho de casa. Dias depois, ficou em choque ao vê-la chorando na lápide de sua falecida esposa. Mariana vivia de um jeito simples, mas cheio de carinho. O apartamento onde morava com sua filha, Ana Clara, era pequeno e meio desgastado, mas para elas era um lar. As paredes já precisavam de pintura, o sofá tinha um rasgo coberto com uma manta colorida, mas o riso da menina deixava tudo mais bonito. Para Mariana, o maior luxo era ver a filha feliz; apesar das dificuldades, a vida
não era fácil. Mariana fazia bicos como manicure, faxineira e, às vezes, cuidava de crianças para ganhar o necessário para colocar comida na mesa. Mas, naquela noite, algo parecia estranho; ela sentia um aperto no peito, uma sensação que não sabia explicar. Ana Clara, com seus 8 anos, já estava dormindo no colchão da sala porque o calor no quarto era insuportável. Mariana tinha acabado de lavar a louça do jantar: arroz, feijão e um ovo frito, e estava pensando em como pagaria o aluguel atrasado. De repente, alguém bateu na porta. Não foi uma batidinha normal, era uma batida
forte e decidida. Mariana congelou e olhou pelo olho mágico, mas não conseguiu ver quem era. A rua estava silenciosa; só o barulho de um cachorro latindo ao longe cortava o silêncio. Mais uma batida, ainda mais alta, e seu coração disparou. "Quem é?", perguntou, tentando manter a voz firme. "Abre a porta, Mariana. É a Verônica!" A voz fez os pelos de sua nuca se arrepiarem. Verônica... só de ouvir o nome, Mariana sentiu o estômago embrulhar; ela sabia o que aquilo significava. Verônica não era uma visita, era um problema, era dona do dinheiro que Mariana tinha emprestado
meses atrás, desesperada para pagar contas acumuladas. A mulher era conhecida pelo jeito frio e cruel, e Mariana já tinha ouvido histórias terríveis sobre o que acontecia com quem atrasava os pagamentos. "Verônica, eu não tenho nada para te dar hoje, por favor, volta amanhã", Mariana gaguejou, a voz tremendo. "Mariana, se você não abrir essa porta agora, vai ser pior." A resposta veio como uma faca cortando o ar. Sem escolha, ela destrancou a porta devagar. Verônica entrou como se fosse a dona do lugar, acompanhada de dois homens grandes com caras fechadas. Eles não disseram nada, só cruzaram
os braços e ficaram de pé como estátuas ameaçadoras. Verônica tinha um sorriso no rosto, mas era um sorriso que gelava a espinha. Ela olhou ao redor, reparando em cada detalhe do apartamento, e depois fixou os olhos em Mariana. "Eu te avisei que não tolero atraso. Você sabia disso?" A voz era calma, mas cheia de veneno. "Eu tô tentando de verdade, só que as coisas estão difíceis... todo mundo tem desculpa, Mariana." "Mas eu não trabalho com desculpas. Eu trabalho com dinheiro." Verônica interrompeu, dando um passo para mais perto. Mariana sentiu as lágrimas começarem a se formar,
mas segurou o choro; não queria parecer fraca, mesmo sabendo que estava. Ela tentou argumentar, prometer que pagaria tudo, implorar, mas nada adiantava. Verônica apenas ouvia, impassível, como quem ouve o barulho de uma torneira pingando, sem impaciência. Foi então que Verônica olhou para o colchão na sala e viu Ana Clara dormindo. Mariana percebeu o olhar da mulher e entrou em pânico. "Por favor, ela não tem nada a ver com isso! É só uma criança!" A voz de Mariana saiu mais alta do que ela queria. "Exatamente! E crianças são ótimas garantias. Talvez isso te ensine a levar
as coisas a sério," Verônica respondeu, como se estivesse falando de algo insignificante. Mariana tentou se colocar entre Verônica e a filha, mas um dos homens segurou seu braço forte. Ela gritou, se debatendo, mas era inútil. Verônica se aproximou do colchão e pegou Ana Clara, que começou a acordar assustada. "Mamãe?" disse Ana Clara, a voz ainda sonolenta. "Tá tudo bem, filha! Não vai com ela! Fica comigo!" Mariana chorava, tentando se soltar. Verônica olhou para trás antes de sair pela porta com a menina nos braços. "Você tem uma semana, Mariana. Se o dinheiro não aparecer, ela não
volta." A porta bateu com força e o apartamento mergulhou no silêncio. Mariana caiu de joelhos, sentindo o chão frio contra a pele; a sensação de impotência esmagava-a. Sua filha, sua razão de viver, tinha sido arrancada de seus braços e ela não fazia ideia de como ia trazê-la de volta. A partir daquele momento, tudo mudou. Ana Clara estava assustada quando abriu os olhos. O mundo que conhecia tinha desaparecido. Não estava mais em casa, no colchão com cheiro de amaciante barato que a mãe sempre usava. Não ouvia mais o som da televisão que ficava ali ligada até
tarde, ou o barulho da rua que entrava pela janela. Em vez disso, tudo parecia estranho e frio. Ela estava em um quarto pequeno, com uma cama velha e uma cadeira de plástico no canto. As paredes eram cinzas, sem vida, e o único som era o tic-tac de um relógio distante. A luz fraca de uma lâmpada balançava no teto, projetando sombras nas paredes. Ela tentou lembrar como tinha parado ali; a última coisa que se lembrava era da voz da mãe gritando seu nome e dos braços fortes daquela mulher estranha que a carregou para longe. O pânico
voltou como uma onda, fazendo seu coração bater rápido. A porta do quarto estava trancada, e a menina sentia a garganta seca. Estava sozinha, sem sua mãe, sem ninguém para dizer que tudo ficaria bem. Horas depois, ou pelo menos parecia que horas tinham passado, a porta se abriu. Verônica entrou acompanhada pelos dois homens que Ana Clara já tinha visto antes. A mulher olhou para a menina com aquele sorriso frio, o tipo de sorriso que fazia até o ar do quarto parecer mais pesado. "Então você é a pequena Ana Clara. Espero que..." Seja obediente, crianças, que não
são, têm problemas. A voz dela era como uma faca cortante, sem qualquer sinal de compaixão. Ana Clara não disse nada; queria gritar, correr, mas suas pernas estavam como pedras. Verônica caminhou até a cama e sentou-se na beira, olhando para a menina como quem avalia um objeto. “Não precisa ter medo. Se sua mãe fizer o que deve, você vai voltar para casa rapidinho”, ela disse, mas o jeito como falava não tinha nada de tranquilizador. Ana Clara sentiu as lágrimas escorrendo pelo rosto, mas tentou engolir o choro; não queria parecer fraca na frente daquela mulher. “Quero minha
mãe,” disse baixinho, quase sem força. “Todos querem alguma coisa, pequena. Eu quero dinheiro. Sua mãe me deve, e você é a forma dela lembrar que não pode fugir disso,” Verônica respondeu, levantando-se como se fosse a coisa mais normal do mundo. Os dias seguintes foram uma mistura de medo, solidão e confusão. Verônica não deixava Ana Clara sair do quarto por muito tempo; quando saía, era para a cozinha ou banheiro, sempre sob o olhar dos dois homens que a seguiam como sombras. Eles não falavam com ela, mas Ana Clara sabia que estavam ali para garantir que ela
não tentasse fugir. A casa era grande, mas fria, tanto no clima quanto na energia; não tinha fotos, não tinha enfeites, não tinha nada que mostrasse que ali vivia alguém de verdade. Era tudo impessoal, como se fosse apenas um lugar de passagem. Na cozinha, a geladeira tinha pouca comida, nada que lembrasse os pratos simples, mas cheios de amor que sua mãe fazia. Ana Clara comia pouco, mais por medo do que por falta de fome. Uma noite, ela tentou falar com um dos homens; estava no corredor, a caminho do banheiro, e olhou para ele com a coragem
que nem sabia que tinha. “Quando eu vou voltar para casa?” perguntou, sua voz tremendo. Ele não respondeu, só olhou para ela com uma expressão dura e desviou o olhar. Era como se não a enxergasse como uma criança, mas como algo que ele precisava vigiar, como um objeto. O tempo parecia passar devagar. Ana Clara ficava no quarto tentando se distrair com qualquer coisa; arranhava as paredes com a unha, contava os riscos na madeira do chão ou olhava pela janela que dava para um quintal pequeno e cercado por muros altos. Às vezes, ouvia o som de carros
passando na rua e isso fazia seu peito apertar. Lá fora, o mundo continuava girando, mas para ela parecia que o tempo tinha parado. As noites eram ainda piores; o quarto ficava escuro e Ana Clara ouvia os barulhos da casa: passos pesados, portas rangendo, vozes abafadas. Sempre que fechava os olhos, lembrava da mãe, da voz dela, dos braços que a abraçavam quando tinha medo. Ela se perguntava se a mãe estava bem, se estava tentando encontrá-la. Essas lembranças eram a única coisa que a fazia segurar firme, mesmo quando o medo parecia grande demais. Uma vez, Verônica entrou
no quarto com uma sacola de roupas; jogou-a na cama sem cerimônia. “Use isso. Não quero que fique parecendo uma mendiga por aqui,” disse com o mesmo tom seco de sempre. As roupas eram velhas, mas limpas. Ana Clara olhou para elas e depois para Verônica, que continuava parada, observando-a como se estivesse esperando alguma reação, mas a menina não disse nada. Aprendeu rápido que qualquer palavra errada poderia trazer mais problemas. Apesar de tudo, Ana Clara tentava ser forte, lembrava das coisas que a mãe dizia: “Você é valente, minha menina.” Essas palavras ecoavam em sua cabeça toda vez
que o desespero ameaçava tomar conta. Mesmo naquele lugar estranho, cercada por pessoas que pareciam não se importar com ela, a menina agarrava-se à esperança de que sua mãe faria alguma coisa para trazê-la de volta. Mas, enquanto os dias passavam e Verônica continuava fria e distante, Ana Clara começou a entender que estava nas garras de alguém que não sabia o que era amor, e isso a assustava mais do que tudo. Mariana acordou naquela manhã com o peso do mundo sobre os ombros; era como se o coração dela não batesse mais no peito, mas tivesse sido arrancado
junto com a filha. A casa estava um caos; não era só o colchão vazio na sala ou as roupas de Ana Clara que ainda estavam espalhadas, era o silêncio, o silêncio da ausência de Ana Clara. A menina costumava acordar antes dela, correndo pela casa, sempre cheia de energia. Agora, aquele barulho que dava vida ao apartamento tinha sumido. Ela se sentou no chão da sala, abraçando as pernas, e encarou o relógio na parede. Cada minuto que passava parecia um martelo batendo em sua cabeça, lembrando que o tempo estava correndo contra ela. Verônica tinha dado uma semana,
sete dias, para conseguir uma quantia absurda que Mariana nem sabia por onde começar a procurar. Com as mãos tremendo, pegou o celular e começou a fazer ligações. Ligou para a irmã que vivia em outra cidade, ligou para uma antiga colega de trabalho, ligou até para vizinhos; explicou, implorou, mas sempre recebia a mesma resposta: “Desculpa, Mariana, eu não posso te ajudar.” Mariana sabia que precisava fazer mais, não podia simplesmente ficar esperando. Então, saiu de casa sem rumo, andou pelas ruas da cidade, perguntando para si mesma onde conseguiria aquele dinheiro. Passou por lojas, restaurantes, até igrejas, sem
saber ao certo o que procurava. Sentia o olhar das pessoas, como se elas soubessem que algo estava errado, mas ninguém dizia nada. Cada rosto que cruzava era só mais um lembrete de que ela estava sozinha. Foi então que teve a ideia de ir à delegacia; talvez a polícia pudesse ajudar. Chegando lá, ela foi recebida por um soldado que parecia ter visto de tudo e mais um pouco. “Moça, vou ser sincero: casos como esse são complicados. Sem provas, sem o endereço certo, fica difícil agir,” ele disse, enquanto digitava algo no computador. "Computador, mas é a minha
filha! Ela foi levada, vocês não podem simplesmente ignorar isso!" Mariana respondeu, a voz trêmula, mas cheia de desespero. O policial suspirou; ele não queria ser insensível, mas também sabia como aquele tipo de caso terminava na maioria das vezes. "Vamos registrar o boletim, tá? Mas, por enquanto, a melhor coisa que você pode fazer é tentar resolver isso do seu jeito," disse ele, com um olhar que misturava pena e cansaço. Mariana saiu dali com um nó na garganta. "Resolver do meu jeito, o que isso quer dizer?" Ela repetia essa pergunta na cabeça enquanto voltava para casa. O
sol estava se pondo e a luz alaranjada parecia zombar dela, como se dissesse que mais um dia tinha passado sem nenhuma solução. Ao entrar no apartamento, sentiu o cheiro de Ana Clara no travesseiro jogado no chão. Isso foi suficiente para derrubá-la de vez. Sentou-se no chão e chorou como nunca tinha chorado antes. Não era um choro só de tristeza, mas de impotência, de raiva. Sentia ódio de Verônica, de si mesma e até da vida, que parecia estar sempre contra ela. Mas, no meio das lágrimas, algo mudou. Mariana começou a pensar que ninguém faria isso por
ela; nem a polícia, nem os amigos, nem vizinhos. Se alguém fosse salvar Ana Clara, seria ela mesma. Limparam o rosto com as costas da mão, levantou-se e olhou para o espelho na parede. Estava com o rosto vermelho e os olhos inchados, mas, pela primeira vez desde aquela noite, sentiu algo parecido com determinação. Na manhã seguinte, Mariana começou a investigar por conta própria. Foi atrás de qualquer pessoa que pudesse conhecer Verônica, visitou lugares que achava que a mulher poderia frequentar, perguntando discretamente sobre ela. Não foi fácil; a maioria das pessoas não queria se envolver. Só o
nome de Verônica já fazia as pessoas baixarem o tom de voz e mudarem de assunto. Depois de horas andando pela cidade, ela encontrou um velho conhecido que parecia saber algo. "Mariana, você não devia mexer com essa mulher; ela é perigosa, todo mundo sabe disso," disse ele, olhando para os lados, como se estivesse com medo de que Verônica aparecesse do nada. "Eu não tenho escolha! Ela está com a minha filha. Você tem filhos? Porque, se tivesse, saberia que eu vou até o inferno para trazê-la de volta," respondeu, com os olhos fixos no homem, como se isso
pudesse convencê-lo. Ele suspirou e, finalmente, deu algumas pistas. Não era muito, mas era um começo. Mariana agora tinha o nome de uma rua onde Verônica costumava fazer negócios. Era uma área perigosa, cheia de gente que parecia viver à margem de tudo, mas Mariana não se importava. Seu medo de Verônica era menor do que o medo de nunca mais ver Ana Clara. Ela foi até lá no mesmo dia, observando de longe, tentando entender como poderia se aproximar. Não queria chamar atenção, não sabia exatamente o que fazer, mas sabia que tinha que tentar. Cada segundo perdido era
um segundo longe de sua filha. Enquanto isso, sua cabeça era uma tempestade de pensamentos. Lembrava-se das noites em que cantava para Ana Clara dormir, das manhãs em que dividiam o pão porque não tinha dinheiro para mais nada. Tudo o que tinha feito na vida era pela filha e, agora, sentia que estava falhando como mãe. Mas essa sensação só a fazia lutar com mais força. Mariana não sabia como, mas tinha tomado sua decisão: não ia parar até trazer Ana Clara de volta, mesmo que isso significasse arriscar tudo. Meses se passaram e Verônica já estava cansada da
presença de Ana Clara. Naquele dia, ela planejava algo cruel para a menina. Disse que iriam dar uma volta, mas o que aconteceu foi bem diferente do que havia prometido. Ana Clara sentiu o carro parar de repente. Ela estava no banco de trás, com o corpo todo encolhido, e olhou pela janela. Não sabia onde estava, mas não parecia um lugar amigável. Era uma estrada longa, cercada por mato alto que balançava com o vento. Não havia luzes nem casas por perto, só o silêncio quebrado pelo barulho do motor. Verônica virou-se para Ana Clara com uma expressão decidida,
como se a menina fosse um estorvo. "Não vou mais perder meu tempo com você," disse Verônica, com a voz firme e cortante. Ana Clara arregalou os olhos, sem entender direito o que estava acontecendo. Ficou imóvel, o coração batendo tão rápido que parecia que ia sair do peito. "Desce agora!" Verônica ordenou, sem nem levantar a voz, mas com uma firmeza que tornava o ar do carro mais pesado. A menina hesitou, olhando para os lados como se estivesse procurando alguma saída, mas sabia que não tinha escolha. Verônica abriu a porta do carro e puxou Ana Clara pelo
braço, forçando-a a sair. A menina tropeçou, sentindo o chão de terra solta sob os pés, e olhou ao redor, tentando entender onde estava. "Você acha que pode me desafiar, menina? Pode continuar choramingando e me atrapalhando. Pois bem, vou te ensinar uma lição," Verônica disse enquanto ajeitava a alça da bolsa no ombro, como se o que estava fazendo fosse algo qualquer. Ana Clara tentou segurar o choro; já sabia que Verônica não gostava quando ela chorava, mas naquele momento era impossível. As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto enquanto ela olhava para o carro, percebendo que não tinha
para onde correr. Verônica entrou no carro, fechou a porta e ligou o motor. Antes de acelerar, abaixou o vidro e lançou um último olhar para Ana Clara. "Boa sorte, pequena. Vamos ver quanto tempo você dura sozinha," disse, com um sorriso frio. E então ela foi embora. O som do motor foi sumindo aos poucos até que tudo ficou em silêncio. Ana Clara ficou parada, sem saber o que fazer. O vento fazia o mato se mexer, criando sombras estranhas ao seu redor. abraçou o próprio corpo, tentando afastar o medo, mas ele parecia crescer a cada segundo. O
sol já estava começando a se pôr e o céu ficava cada vez mais escuro. Ana Clara olhou para a estrada, que parecia infinita; não havia carros, não havia ninguém, só ela sozinha no meio do nada. Sentiu o estômago embrulhar, mas não era só fome, era o medo, o pavor de não saber o que ia acontecer a seguir. Decidiu começar a andar; o chão era irregular e os pés doíam. Ela estava descalça, pois Verônica tinha tirado os seus sapatos dias antes, dizendo que ela não precisava deles. Onde estava cada pedrinha no caminho? Parecia um obstáculo gigante.
O vento gelado cortava sua pele e o barulho do mato a fazia olhar para os lados o tempo todo. Será que tinha animais por ali ou coisa pior? A cada som, Ana Clara se encolhia mais, como se pudesse desaparecer. Conforme a noite avançava, o cansaço começou a pesar; as pernas estavam fracas, os olhos ardiam de tanto chorar. A menina tropeçou e caiu, ralando o joelho na terra dura. Sentiu a dor subir pela perna, mas não gritou; apenas ficou ali, sentada no chão, tentando recuperar o fôlego. O céu estava cheio de estrelas, mas elas não pareciam
trazer conforto; pelo contrário, apenas mostravam o quão pequena e sozinha ela estava. Ana Clara pensou na mãe, tentou imaginar o que Mariana faria se estivesse ali; provavelmente a carregaria no colo, como fazia quando ela era menor e se machucava. A lembrança trouxe um aperto no peito tão forte que ela teve que fechar os olhos para segurar o choro, mas as lágrimas vieram de novo. "Mamãe, onde você tá?", ela sussurrou, com a voz rouca e baixa. Depois de um tempo, decidiu que precisava continuar andando; ficar parada não ia ajudar. Levantou-se devagar, limpando o rosto com as
mãos sujas de terra, e deu mais alguns passos. O mato alto ao lado da estrada parecia se fechar sobre ela e cada sombra era um monstro potencial, mas ela continuou, mesmo com o medo, mesmo com o corpo doendo. Foi então que viu algo ao longe, um ponto de luz fraco, mas suficiente para chamar sua atenção. Apertou os olhos, tentando entender o que era: um poste, uma casa? Não sabia, mas era o suficiente para lhe dar uma pontinha de esperança. Começou a andar mais rápido, ignorando a dor nos pés e o frio que fazia seus dentes
baterem. Conforme se aproximava, percebeu que era uma luz de carro; um veículo velho estava parado no acostamento, com os faróis ligados. O motor não estava ligado e não parecia haver ninguém por perto. Ana Clara hesitou, mas sabia que não tinha muitas opções. Aproximou-se devagar, com passos curtos e silenciosos, pronta para correr se fosse necessário. Ao chegar mais perto, percebeu que o carro estava vazio; as portas estavam fechadas, mas não trancadas. Dentro, havia uma garrafa de água e um pacote de bolachas aberto no banco do passageiro. Ana Clara sentiu o estômago roncar só de olhar; estava
com fome, com sede, mas não sabia se podia pegar e se fosse uma armadilha. Mas seu corpo estava no limite, não pensou muito antes de abrir a porta e pegar o pacote. Comeu rápido, engolindo quase sem mastigar, enquanto bebia água direto da garrafa, sentada no banco do carro. Um pouco de alívio; era a primeira vez em horas que estava abrigada do vento. Mas sabia que não podia ficar ali para sempre; precisava continuar. Não sabia onde, mas precisava tentar. O abandono na estrada era só mais uma prova de que, mesmo com medo, ela precisava ser forte.
E mesmo que fosse pequena e sozinha, no fundo, Ana Clara sabia que não ia desistir. Ana Clara nunca tinha se sentido tão cansada. Depois de horas caminhando sem rumo, com o corpo doendo e o estômago revirando de fome, finalmente avistou um prédio iluminado; era um hospital. As letras apagadas de uma placa velha balançavam com o vento, mas mesmo assim dava para ler "Pronto Atendimento Municipal". O lugar não parecia novo, mas para Ana Clara era um sinal de esperança. Talvez alguém ali pudesse ajudá-la. Com passos lentos, atravessou o portão enferrujado e subiu os poucos degraus da
entrada. Cada movimento parecia um esforço enorme, como se suas pernas fossem feitas de chumbo. Ao entrar, foi recebida pelo cheiro forte de desinfetante, que fez seu nariz arder, e pelo barulho baixo de uma televisão em uma das paredes. A recepção estava quase vazia, exceto por uma senhora cochilando em uma cadeira e uma enfermeira que parecia muito ocupada atrás do balcão. Ana Clara hesitou, olhando para a enfermeira; não sabia o que dizer, nem como pedir ajuda. Seus lábios estavam rachados e as palavras pareciam presas na garganta. Finalmente, decidiu dar um passo à frente, parando em frente
ao balcão. "Com licença," disse, a voz tão baixa que parecia sumir. A enfermeira, uma mulher de cabelo preso em um coque apressado, levantou os olhos por cima dos óculos e olhou para Ana Clara. Ela não parecia impressionada, suspirou como quem estava lidando com mais uma tarefa na lista interminável de coisas para fazer. "O que foi, menina? Tá machucada?" perguntou, sem nem se levantar. Ana Clara balançou a cabeça; tinha machucados nos pés, nos joelhos e até nos braços, mas o que mais doía não era algo que ela conseguia mostrar. "Eu não sei onde tá minha mãe,"
respondeu, com os olhos cheios de lágrimas, sua voz saiu entrecortada, um misto de cansaço e desespero. A enfermeira franziu a testa, parecendo incomodada. Ela olhou rapidamente para os lados, como se esperasse que alguém aparecesse para resolver aquilo por ela. Quando percebeu que não havia ninguém, soltou outro suspiro. "Você é menor de idade, tá sozinha?" perguntou, de forma quase automática, como se não se importasse. Ana Clara só conseguiu balançar a cabeça em negativa. Confirmação: a enfermeira bufou e pegou o telefone. "Vou chamar o assistente social, mas ele só vem de manhã. Até lá, espera aí", disse,
sem olhar para a menina novamente. Ana Clara não respondeu, apenas se virou e foi até uma cadeira no canto da sala de espera. Sentou-se, sentindo o corpo afundar no estofado rasgado. Ento estava gelado, com o ar-condicionado barulhento que parecia mais velho do que o hospital inteiro. Ela abraçou os próprios braços para tentar se aquecer, mas não adiantou; sentia frio não só por fora, mas por dentro também. Enquanto esperava, olhava ao redor. Havia algumas pessoas na recepção, mas ninguém parecia notar sua presença. Um homem tossia sem parar em um canto, e uma mulher com uma criança
no colo andava de um lado para o outro, como se o movimento pudesse resolver os problemas. A televisão, no alto da parede, mostrava um programa qualquer, mas o som estava baixo e ninguém prestava atenção. Ana Clara estava acostumada a se sentir sozinha, mas ali, no meio de tantas pessoas, a solidão parecia maior. Tentou não chorar, mas as lágrimas começaram a escorrer antes que ela pudesse segurá-las. Passou as mãos no rosto, limpando o máximo que conseguiu, sem querer chamar atenção. Depois de algum tempo, um médico finalmente apareceu. Ele era alto e magro, com um jaleco meio
amassado e um crachá pendurado no pescoço. Parecia cansado, como se estivesse ali há horas. Ele chamou Ana Clara com um gesto de cabeça e ela o seguiu até uma pequena sala de atendimento. O médico olhou para a ficha que a enfermeira tinha preenchido com pouca paciência. "Então, qual é o problema?" perguntou, sem nem olhar para ela; seus olhos estavam fixos no computador. Ana Clara abriu a boca para responder, mas não sabia o que dizer. Como explicar tudo o que tinha acontecido? Que tinha sido levada por uma mulher cruel, que tinha sido deixada sozinha no meio
de uma estrada e que agora nem sabia se a mãe ainda estava viva? As palavras se enrolaram na garganta e ela apenas apontou para os machucados nos joelhos e nos pés. "Só isso?" o médico perguntou, finalmente levantando o olhar. Ele parecia confuso, como se achasse que aquelas feridas não eram motivo para estar ali. "Eu estou sozinha, não tenho onde ir," Ana Clara disse, a voz quase sumindo de novo. O médico suspirou. Ele estava acostumado com casos complicados, mas também estava acostumado a ser frio; para ele, Ana Clara era só mais uma entre tantas pessoas que
passavam por ali todos os dias. "Olha, vou limpar esses machucados e pedir para a recepção cuidar do resto, tá bom?" disse, já se virando para pegar um kit de primeiros socorros. Enquanto ele limpava os cortes com algodão e antisséptico, Ana Clara ficou em silêncio. A dor era suportável, mas a indiferença dele era difícil de ignorar. Ela queria que alguém dissesse algo gentil, que a olhasse nos olhos e dissesse que tudo ia ficar bem. Mas isso não aconteceu. Quando ele terminou, a deixou sozinha na sala, dizendo que a recepção cuidaria dela. Ana Clara voltou para a
cadeira na recepção, sentindo-se ainda mais sozinha do que antes. O hospital era frio não só por causa do ar-condicionado, mas por causa das pessoas que pareciam tratar tudo como se não tivesse importância. Sentada ali, abraçada aos próprios braços, Ana Clara olhou para a porta de entrada. Queria correr para fora, mas não tinha para onde ir. Então, ficou esperando que algo mudasse, que alguém aparecesse e dissesse que ela não estava sozinha, mas o hospital continuava tão frio quanto antes. O frio do lugar continuava incomodando, mas o que mais doía era a indiferença de todos ao redor.
A cada minuto que passava, ela sentia o peso da solidão apertando mais o peito. Tentava segurar as lágrimas, mas elas escapavam de vez em quando, caindo silenciosamente. Ninguém notava; para todos, ela era apenas mais uma criança perdida. Do lado de fora do hospital, um carro estacionou de repente; o motor parou, mas as luzes continuaram acesas. Uma mulher desceu apressada com uma bolsa no ombro e uma expressão preocupada no rosto. Era Rebeca. Ela não era do tipo que ficava parada quando algo precisava ser feito. Tinha vindo ao hospital porque uma amiga enfermeira tinha ligado, pedindo ajuda.
Disse que havia uma menina sozinha, precisando de alguém que cuidasse dela, porque ninguém no hospital parecia estar interessado. Quando Rebeca entrou, o ar frio atingiu-a como uma rajada, mas ela não deu muita atenção. Olhou ao redor, seus olhos buscando a menina que a amiga tinha descrito. E então viu Ana Clara, encolhida em uma cadeira, com os joelhos dobrados e os braços ao redor do corpo. Rebeca parou por um momento, respirando fundo; algo naquela cena mexeu com ela. A garota parecia tão pequena, tão perdida. Mas, acima de tudo, parecia ter desistido de esperar por alguém. Rebeca
caminhou até Ana Clara, sem pressa, mas com passos firmes. Quando chegou perto, se abaixou, ficando na altura dos olhos da menina. Ana Clara sentiu movimento e levantou o rosto devagar, encontrando os olhos de Rebeca. Havia algo diferente neles; não eram frios ou indiferentes como os de tantas outras pessoas que ela tinha visto nas últimas horas. Eram calorosos, cuidadosos. "Oi, meu nome é Rebeca," ela disse, com um sorriso pequeno, mas sincero. "Você é a Ana Clara, certo?" Ana Clara ficou quieta por um instante; não sabia se deveria responder, mas algo na voz de Rebeca fez com
que se sentisse um pouco menos assustada. Então, balançou a cabeça devagar. "Tudo bem, Ana Clara. Eu vim aqui porque soube que você precisa de ajuda, tá tudo bem. Não precisa ter medo," Rebeca continuou, mantendo o tom de voz calmo e gentil. A menina abriu a boca para falar, mas as palavras não saíram; um nó na garganta, como se estivesse segurando o choro por tanto tempo que agora não conseguia soltar. Rebeca percebeu isso e estendeu a mão. "Colocando-a de leve sobre o ombro da menina, ela disse: 'Tá tudo bem, querida, você não precisa falar nada agora.
Só quero que saiba que não tá sozinha, tá bom?' Essa simples frase foi o suficiente para quebrar algo dentro de Ana Clara. As lágrimas começaram a cair de novo, mas dessa vez ela não tentou segurá-las; elas vieram de uma vez como uma enxurrada. Rebeca puxou-a para um abraço; foi um gesto instintivo, mas exatamente o que Ana Clara precisava naquele momento. Pela primeira vez em dias, ela se sentiu segura, como se alguém realmente se importasse. Rebeca deixou que a menina chorasse o quanto precisasse, não disse nada, apenas manteve-se firme. Quando Ana Clara finalmente começou a se
acalmar, Rebeca afastou-se um pouco, mas manteve as mãos nos ombros da menina, olhando diretamente para ela. 'Quer me contar o que aconteceu?' perguntou com cuidado. Ana Clara hesitou, ainda tinha medo de falar, mas algo na expressão de Rebeca lhe deu confiança. Então, começou a falar, a voz baixa e entrecortada; contou sobre Verônica, sobre como tinha sido levada, sobre o abandono na estrada. Quando terminou, Rebeca já estava com o coração apertado; não conseguia imaginar como uma criança tão pequena tinha sobrevivido a algo tão cruel. 'Você é muito corajosa, sabia?' Rebeca disse com um sorriso encorajador. 'Passar
por tudo isso e ainda estar aqui pedindo ajuda, isso mostra que você é uma guerreira.' Ana Clara não respondeu, mas o elogio fez seu coração ficar um pouco mais leve. Rebeca percebeu que a menina precisava de muito mais do que palavras naquele momento; precisava de ação decidida. Levantou-se e olhou ao redor, procurando alguém que pudesse dar informações sobre o que fazer a seguir. Foi até a recepção, onde a enfermeira de antes estava folheando papéis. 'Com licença', disse Rebeca com firmeza, 'eu quero saber o que vai ser feito pela menina que está ali. Ela não pode
ficar sozinha desse jeito.' A enfermeira deu de ombros, como se não fosse problema dela. 'Estamos esperando o assistente social, mas isso só vai ser resolvido amanhã', respondeu sem muito interesse. Rebeca respirou fundo, tentando conter a frustração; sabia que discutir não ia adiantar, então tomou sua própria decisão. 'Tá bom, eu cuido disso. Não vou deixar ela aqui sozinha.' Voltando para onde Ana Clara estava, Rebeca pegou a mão da menina com cuidado. 'Olha, você quer vir comigo? Posso cuidar de você enquanto a gente descobre como resolver tudo isso', disse, esperando não assustar a menina. Ana Clara olhou
para ela, ainda insegura, mas acabou assentindo. Não tinha ideia de quem era aquela mulher, mas sentia que podia confiar nela, e pela primeira vez em muito tempo, isso era suficiente. Rebeca levou Ana Clara para fora do hospital, segurando sua mão o tempo todo. Sabia que aquela jornada estava apenas começando, mas também sabia que não ia deixar a menina sozinha. Não enquanto pudesse fazer algo por ela. Rebeca não conseguiu dormir naquela noite. Depois de levar Ana Clara para casa, passou horas olhando para a menina que finalmente havia pegado no sono em um colchão improvisado na sala.
Era difícil acreditar que uma criança tão pequena tinha passado por tudo aquilo. Rebeca sentia uma mistura de revolta e determinação; não fazia ideia de como, mas sabia que precisava encontrar Mariana, a mãe de Ana Clara. A menina não falava muito sobre ela, mas o pouco que dizia deixava claro que Mariana era tudo para ela. Quando o sol começou a nascer, Rebeca já estava de pé, tomando café e planejando os próximos passos. Decidiu começar pelo hospital. Talvez os funcionários tivessem mais informações sobre Ana Clara ou sobre como ela tinha ido parar ali. Colocou um bilhete ao
lado da cama da menina, avisando que voltaria logo, e saiu. No hospital, a mesma enfermeira que parecia indiferente no dia anterior estava de plantão. 'Você voltou', disse, olhando para Rebeca com o mesmo desinteresse de sempre. 'Sim, quero saber se vocês têm alguma informação sobre a mãe da Ana Clara. Ela precisa encontrar a família', Rebeca respondeu, cruzando os braços e tentando manter a paciência. A enfermeira revirou os olhos e foi até o computador. 'Nome da mãe?' perguntou. 'Mariana', respondeu Rebeca, tentando ignorar o tom da mulher. Depois de alguns cliques, a enfermeira olhou para Rebeca com uma
expressão diferente, quase desconfortável. 'Parece que Mariana foi internada aqui há uns meses. Tá no sistema. Ela tinha uma doença grave, mas não aparece nada depois disso. Talvez já tenha tido alta ou não', disse a enfermeira, evitando contato visual. O coração de Rebeca acelerou. 'O que quer dizer com ou não?' perguntou, inclinando-se sobre o balcão. 'Não sei. Você vai ter que verificar nos arquivos. Aí já é com você', respondeu a mulher, levantando-se e saindo do balcão. Sem opção, Rebeca pediu ajuda para outra funcionária, que a direcionou para uma sala cheia de pastas antigas e arquivos esquecidos.
Passou horas procurando qualquer pista sobre Mariana, até que encontrou o que temia: uma ficha médica. Mariana tinha dado entrada no hospital meses antes com uma doença grave, não tinha saído. Rebeca ficou parada, encarando aquele pedaço de papel. A informação estava ali, clara como o dia: Mariana tinha falecido. Fechou os olhos, tentando absorver o choque; sentia um aperto no peito ao imaginar como Ana Clara reagiria. A menina ainda tinha esperança, ainda achava que sua mãe estava em algum lugar, esperando por ela. Rebeca sabia que aquela notícia destruiria a pequena. 'Como eu vou contar isso para ela?'
murmurou para si mesma, segurando a ficha com força. A verdade é que a saúde de Mariana já não era das melhores e, após o desaparecimento de Clara, piorou ainda mais. Rebeca decidiu que precisava ter mais certeza. Foi até a administração do hospital e pediu para falar com alguém responsável. Depois de muito insistir, conseguiu o número de um médico que havia tratado Mariana. Ele confirmou..." A história explicando que Mariana tinha passado semanas internada antes de não resistir à doença. Com a confirmação, Rebeca saiu do hospital sentindo o peso do mundo nas costas. Não era só a
tristeza pela morte de Mariana, mas também a responsabilidade de proteger Ana Clara, que agora parecia ainda maior. Voltou para casa devagar, sem saber como começar aquela conversa. Quando entrou, encontrou Ana Clara sentada no colchão, abraçando um travesseiro. Os olhos da menina brilharam ao ver Rebeca. — Você encontrou minha mãe? — perguntou, cheia de expectativa. A pergunta foi como um soco no estômago. Rebeca hesitou, sem saber o que responder. Sentou-se ao lado de Ana Clara e segurou suas mãos pequenas e frias. — Ana, eu... — começou, mas as palavras não saíam. — Ela tá bem, né?
Ela vai vir me buscar? — insistiu a menina, o sorriso começando a desaparecer. Rebeca respirou fundo e decidiu que não podia mentir. Não seria justo com Ana Clara. — Querida, eu fui ao hospital e eles me disseram que sua mãe ficou muito doente — disse com cuidado. O sorriso de Ana Clara sumiu completamente. — Ela não... não disse "não", Rebeca! Ela... Lou muito a... acabou não conseguindo... ela foi pro céu, Ana. A menina ficou em silêncio por alguns segundos, como se não tivesse entendido o que Rebeca tinha acabado de dizer. Mas então as lágrimas começaram
a cair, e ela soltou um grito de dor que parecia vir do fundo da alma. — Não, não! Você tá mentindo! Minha mãe não foi embora! — gritou, se afastando de Rebeca. Rebeca tentou segurá-la, mas Ana Clara se levantou e correu para a porta. — Ana, espera! — Rebeca chamou, mas a menina já estava na rua, correndo sem direção. Rebeca saiu atrás dela, gritando seu nome, mas Ana Clara parecia não ouvir. A dor da perda tinha tomado conta dela, e tudo o que conseguia fazer era fugir. Rebeca correu o mais rápido que pôde, sem perder
a menina de vista. Finalmente, conseguiu achá-la em um parque próximo. Ana Clara estava sentada no chão, chorando sem parar. Rebeca se ajoelhou ao lado dela e a abraçou com força. Dessa vez Ana Clara não resistiu; apenas chorou nos braços de Rebeca, deixando toda a dor sair. — Eu sei que dói, meu amor. Sei que parece que o mundo vai acabar, mas eu tô aqui, tá bom? Eu não vou sair do seu lado — disse, com lágrimas nos próprios olhos. Ana Clara não respondeu, mas o abraço de Rebeca foi o que ela precisava naquele momento. Elas
ficaram ali por um longo tempo, até que a menina finalmente adormeceu nos braços de Rebeca. Rebeca olhou para o céu, tentando encontrar forças para o que vinha a seguir. Sabia que a jornada seria difícil, mas também sabia que não ia desistir de Ana Clara, não agora e nunca. Rebeca sabia que não podia continuar sozinha. Cuidar de Ana Clara já era difícil, mas agora tinha outra missão pela frente: descobrir como desfazer o rastro de dor que Verônica havia deixado. Ela precisava proteger a menina, garantir que aquela mulher nunca mais tivesse a chance de machucar ninguém e,
talvez, até fazer justiça por Mariana. Só que o problema era grande demais para resolver sozinha, e Rebeca sabia disso. Naquela manhã, enquanto Ana Clara dormia, Rebeca decidiu procurar ajuda. Ela pegou o celular e começou a pensar em quem poderia confiar. Foi então que se lembrou de João Paulo. Ele era um conhecido de anos atrás, alguém que já tinha cruzado seu caminho em situações complicadas. Não era exatamente confiável, mas tinha os contatos e a experiência que Rebeca precisava. Além disso, sabia que ele tinha passado por coisas na vida que o faziam entender melhor a necessidade de
agir rápido. Com o coração acelerado, discou o número. João Paulo atendeu na terceira tentativa, com a voz rouca e cheia de preguiça. — Alô, quem é? — ele perguntou, como se ainda estivesse tentando acordar. — João, sou eu, Rebeca. Preciso de ajuda! — ela foi direta. Houve uma pausa do outro lado da linha. Era óbvio que ele estava surpreso. Eles não se falavam há anos, e a última vez que haviam se encontrado não tinha sido em boas circunstâncias, mas no fundo ele respeitava Rebeca, mesmo que nunca tivesse admitido. — Nossa, faz tempo. Que tipo de
ajuda? — respondeu, com a curiosidade evidente na voz. — É complicado. Tem uma menina envolvida. Ela tá em perigo e eu preciso de alguém que conheça os atalhos. Você entende o que quero dizer? — disse, esperando que ele pegasse a indireta. João Paulo soltou um suspiro do outro lado da linha. — Olha, eu tô fora desse tipo de coisa há um tempo. Tentei largar essa vida, sabe? Mas onde você tá? — perguntou, relutante, mas curioso. Rebeca sentiu um pequeno alívio. — Vou te passar um endereço. Só vem, João. É sério — disse antes de desligar.
Ela sabia que ele viria. João Paulo era do tipo que gostava de se fazer de difícil, mas sempre aparecia quando realmente importava. João Paulo mal havia saído da casa de Rebeca quando percebeu que aquele trabalho seria muito mais complicado do que pensava. Não era só sobre achar Verônica ou desmantelar os esquemas dela; o peso que sentiu ao olhar para Ana Clara continuava lá, cutucando-o por dentro. Algo naquela menina mexia com ele de um jeito que ele não entendia, mas preferiu ignorar. Afinal, estava ali para ajudar Rebeca, não para se envolver mais do que o necessário.
Nos dias que se seguiram, João Paulo usou todos os seus contatos para rastrear Verônica. Cada telefonema, cada visita a bares suspeitos ou galpões abandonados o aproximava mais da verdade. E ao mesmo tempo, algo dentro dele parecia querer puxá-lo para outro caminho. Ele não conseguia parar de pensar na ligação que Rebeca mencionou entre Mariana e Ana Clara. Quanto mais ouvia sobre a menina e a mãe dela, mais sentia uma conexão que não fazia sentido, ou talvez fizesse, mas ele ainda não estava pronto para admitir. Numa tarde quente... João Paulo estava em um bar da periferia. O
lugar era sujo, com cadeiras velhas e cheiro de cigarro no ar. Um antigo conhecido, Roberto, estava lá. Como Roberto era do tipo que sabia tudo o que acontecia, especialmente quando envolvia gente perigosa como Verônica. "E aí, João! Faz tempo que não aparece", disse Roberto, acendendo um cigarro. "Preciso de uma informação," respondeu João Paulo, direto. Roberto riu, soprando a fumaça. "Você sempre precisa de informação. O que é agora?" João Paulo respirou fundo. "Verônica. Preciso saber onde ela tá." Roberto franziu o cenho. "Verônica? Cara, você tá mexendo com coisa pesada. Essa mulher não é brincadeira." "Eu sei,
por isso tô aqui," disse João Paulo, firme. Depois de uma breve negociação, Roberto cedeu. "Ela tem um esquema em um armazém perto da rodovia, mas cuidado. João, ela é pior do que você imagina." João Paulo agradeceu e saiu do bar. Já tinha um novo destino: de volta à casa de Rebeca. As coisas também não estavam fáceis; Ana Clara continuava tendo pesadelos e Rebeca fazia o possível para mantê-la distraída. Mas quando João Paulo voltou naquela noite, Rebeca percebeu que ele estava diferente. "Oi, o que foi? Conseguiu alguma coisa?" perguntou enquanto ele jogava as chaves sobre a
mesa. João Paulo não respondeu de imediato; ele parecia distante, perdido em pensamentos. Finalmente, olhou para Rebeca. "Você disse que a mãe da menina era Mariana?" Rebeca franziu a testa, confusa. "Sim. Por quê?" Ele suspirou, passando a mão pelo rosto. "Eu conheci uma Mariana. A gente teve um passado, mas achei que nunca mais fosse ouvir falar dela." Rebeca percebeu que havia algo mais ali, mas esperou ele continuar. "Você acha que pode ser a mesma pessoa?" ela perguntou, cuidadosa. João Paulo olhou para Ana Clara, que estava no sofá desenhando em silêncio. "Não sei, mas tem alguma coisa
nessa menina. Ela me lembra alguém." Rebeca mordeu o lábio, pensativa. "João, você nunca pensou que talvez Ana Clara possa ser sua filha?" A pergunta ficou no ar como uma bomba prestes a explodir. João Paulo ficou paralisado, encarando Rebeca como se ela tivesse dito a coisa mais absurda do mundo. "Minha filha? Não, não pode ser!" "Por que não?" "Você mesmo disse que teve um passado com Mariana. Se for verdade, isso explicaria muita coisa." Rebeca insistiu. Ele balançou a cabeça, tentando afastar a ideia. Mas algo dentro dele dizia que ela estava certa. Na manhã seguinte, João Paulo
decidiu que precisava de respostas. Ele voltou ao apartamento onde Mariana morava antes de morrer, o mesmo que Rebeca mencionou. O lugar estava abandonado, mas ainda tinha algumas coisas que pareciam ter sido deixadas para trás. Entre caixas e papéis amarelados, ele encontrou algo que fez seu coração disparar: uma foto de Mariana com uma criança no colo. Ele encarou a foto por longos minutos; a menina na foto era Ana Clara, sem dúvidas. Mas o que realmente o atingiu foi o olhar dela; havia algo naquele olhar que ele reconhecia, algo que era inegavelmente dele. "Meu Deus," murmurou, com
a voz falhando. Ele continuou mexendo nas coisas até encontrar uma carta. Era uma de Mariana, escrita à mão, mas nunca enviada. Ela falava sobre os motivos pelos quais nunca contou a verdade para João Paulo, sobre o medo que tinha de ele rejeitá-la ou de não querer saber da filha. João Paulo leu a carta várias vezes, tentando absorver o que ela dizia. Cada palavra era como uma facada, misturando culpa, arrependimento e uma dor que ele não sabia como processar. Ele saiu do apartamento com a foto e a carta, decidido a fazer algo com aquilo. De volta
à casa de Rebeca, ele entrou sem bater. A expressão no rosto tão séria que Rebeca percebeu na hora que algo tinha mudado. "João, o que houve?" ela perguntou, preocupada. Ele colocou a foto e a carta sobre a mesa. "Ana Clara é minha filha." Rebeca arregalou os olhos, surpresa. "Tem certeza?" Ele assentiu, a voz rouca. "Tenho. Mariana deixou uma carta; ela sabia o tempo todo, mas nunca me contou." Rebeca olhou para a foto e depois para João Paulo. "O que você vai fazer agora?" João Paulo respirou fundo, olhando para Ana Clara, que brincava no canto da
sala. "Vou protegê-la. Vou fazer tudo o que não fiz antes." Naquele momento, João Paulo percebeu que sua vida tinha mudado para sempre. Pela primeira vez em anos, ele sabia exatamente o que precisava fazer. João Paulo não conseguiu dormir depois de descobrir que Ana Clara poderia ser sua filha. A imagem da menina não saía da cabeça dele, e a carta de Mariana só fazia o nó na garganta aumentar. Ele sabia que precisava de provas, algo concreto que confirmasse o que o coração já começava a aceitar. Na manhã seguinte, enquanto tomava um café amargo na mesa da
cozinha de Rebeca, ele decidiu que não podia mais adiar. "Rebeca, eu preciso saber a verdade. Não dá para continuar assim," disse, com os olhos fixos na xícara. Rebeca, que cuidava de Ana Clara no outro cômodo, sabia exatamente do que ele estava falando. "Você quer fazer o teste de DNA, não é?" perguntou, sentando-se em frente a ele. João Paulo assentiu, embora parecesse nervoso. "Quero. Eu preciso saber se ela é minha filha." Rebeca suspirou, olhando para a sala, onde Ana Clara estava distraída com seus desenhos. "E como você vai explicar isso para ela? Ela já passou por
tanta coisa, João. Não sei se tá pronta para mais essa confusão." João Paulo sabia que ela tinha razão, mas não tinha escolha. "Eu sei, Rebeca, mas eu tenho que fazer isso. Se ela for minha filha, eu preciso assumir minha responsabilidade." Depois de muita conversa, os dois concordaram que o melhor seria tentar falar com Ana Clara de forma simples. João Paulo nunca foi bom com crianças, e isso ficava ainda mais claro quando ele tentava se aproximar dela. A menina era desconfiada, retraída; era como se... Ela carregasse o peso de tudo que passou sozinha, sem deixar ninguém
chegar perto. “Ana Clara, posso falar com você um minutinho?” ele perguntou, tentando parecer calmo. Ela levantou os olhos do desenho, segurando o lápis com firmeza. Não respondeu, mas também não saiu correndo, o que já era um avanço. “Olha só,” ele começou, sentando no sofá ao lado dela. “Eu sei que você não me conhece muito bem, na verdade, a gente quase não conversou, mas eu queria te fazer uma pergunta.” Ana Clara continuou encarando o papel, mas deu um pequeno aceno com a cabeça, indicando que ele podia continuar. “Você sente falta da sua mãe, né?” A pergunta
pegou a menina de surpresa. Ela parou de desenhar e olhou diretamente para ele. “Sinto todo dia,” João Paulo engoliu em seco. Ele não queria piorar a dor dela, mas também precisava que ela entendesse. “Eu também perdi alguém muito importante, sabia? E agora tô descobrindo umas coisas sobre essa pessoa, coisas que podem me ligar a você.” Ana Clara franziu o rosto, confusa. “O que isso quer dizer?” João Paulo respirou fundo. “Quer dizer que a gente pode ser mais ligados do que você imagina. Talvez eu seja seu pai.” O silêncio que se seguiu foi desconfortável. Ana Clara
regalou os olhos, mas não disse nada. Rebeca, que estava observando tudo de longe, entrou na sala e se sentou ao lado da menina. “Ana Clara, o João só quer ter certeza de uma coisa que ele descobriu. Isso não vai mudar nada entre a gente, mas é importante para ele e para você também.” A menina olhou para os dois, como se estivesse tentando entender o que estava acontecendo. “E se você não for meu pai?” Ela perguntou, com a voz baixa. João Paulo sentiu o peito apertar. Ele não sabia como responder, mas tentou ser o mais honesto
possível. “Se eu não for, vou continuar aqui para te ajudar, prometo.” Ana Clara ficou em silêncio por alguns segundos e depois assentiu. “Tá bom.” No dia seguinte, João Paulo levou Ana Clara a uma clínica para fazer o teste de DNA. O ambiente era frio, com paredes brancas e um cheiro forte de álcool. Ana Clara segurava a mão de Rebeca com força enquanto João Paulo tentava esconder o nervosismo. “Vai doer?” Ana Clara perguntou, olhando para a enfermeira que preparava o material. “Só um pouquinho, como uma picada de mosquito,” respondeu a enfermeira, com um sorriso. A menina
fechou os olhos e estendeu o braço, apertando ainda mais a mão de Rebeca. João Paulo observava de perto, sentindo o coração apertado. Quando a coleta de sangue terminou, Ana Clara suspirou aliviada. “Pronto! Foi mais fácil do que eu disse,” ela tentou parecer corajosa. João Paulo sorriu de leve. “Você foi muito bem, garota.” O resultado do teste demoraria alguns dias para sair e aquele tempo parecia uma eternidade. João Paulo mal conseguia se concentrar em qualquer outra coisa. Ele passava horas sentado na cozinha de Rebeca, olhando para a carta de Mariana e tentando imaginar como seria se
o teste confirmasse que Ana Clara era sua filha. Finalmente, o dia do resultado chegou. João Paulo foi buscar o envelope na clínica sozinho. Quando saiu de lá, ficou parado no estacionamento por vários minutos, segurando o envelope fechado. Ele estava com medo de abrir, medo do que aquilo significava. De volta à casa de Rebeca, todos estavam esperando por ele. Ana Clara estava sentada no sofá, com as pernas balançando de leve, enquanto Rebeca tentava disfarçar a ansiedade. “E aí?” perguntou Rebeca assim que ele entrou. João Paulo respirou fundo, segurando o envelope com as mãos trêmulas. “Vou abrir
agora.” Ele se sentou e rasgou o lacre com cuidado. Quando leu as palavras no papel, sentiu o chão sumir debaixo dos pés. “Eu... eu sou o pai dela,” disse, quase sem acreditar. Rebeca sorriu emocionada, enquanto Ana Clara olhava para ele, sem saber como reagir. “Então você é mesmo meu pai?” perguntou a menina, com a voz baixa. João Paulo olhou para ela com os olhos marejados e assentiu. “Sou, Ana Clara. Sou seu pai.” A menina ficou em silêncio por um momento, processando a notícia, depois deu um pequeno sorriso tímido, mas sincero. “Isso é estranho, mas acho
que é bom.” João Paulo riu, emocionado, e abriu os braços. Ana Clara hesitou por um momento, mas acabou correndo para o abraço dele. Naquele momento, ele sabia que tinha encontrado algo que nem sabia que procurava: uma segunda chance de ser alguém melhor. Naquele mesmo dia, Ana Clara pediu para ir ao cemitério, onde sua mãe havia sido enterrada. João Paulo a olhou e concordou, mesmo sabendo que isso poderia doer ainda mais. Ele entendia que, para Ana Clara, esse era um direito que ela tinha. O sol estava começando a se pôr quando chegaram ao cemitério. Ana Clara
segurava firme a mão de Rebeca, enquanto João Paulo caminhava um passo atrás, respeitando o espaço da menina. O som das folhas secas sendo esmagadas sobre os pés era o único som que os acompanhava, enquanto eles seguiam pelo caminho de pedras até o túmulo. Ao chegarem, Ana Clara soltou a mão de Rebeca e ajoelhou-se diante da lápide. Com os dedos pequenos, tocou as letras gravadas na pedra: “Mariana Oliveira, amada mãe e amiga.” Ela respirou fundo, tentando conter as lágrimas, mas elas vieram de qualquer forma. João Paulo sentiu o coração apertar ao ver a dor no rosto
da menina. Ele se abaixou ao lado dela, sem saber ao certo o que dizer. Depois de alguns segundos de silêncio, falou com a voz baixa. “Sua mãe... ela era incrível. Foi uma das pessoas mais especiais que já conheci.” Ana Clara olhou para ele, surpresa, como se tentasse enxergar a verdade por trás daquelas palavras. “Você acha que ela gostaria que você fosse meu pai?” perguntou, com os olhos brilhando de curiosidade e insegurança. João Paulo engoliu em seco e olhou para Rebeca, que apenas assentiu, dando-lhe forças. Para continuar, eu acho que ela ia querer que você fosse
feliz, Clara, e se isso significar eu estar aqui para você, então acho que ela provaria. Ele estendeu a mão, hesitante, mas não forçou nada. Para sua surpresa, Ana Clara colocou a mão sobre a dele. Os três ficaram em silêncio por mais algum tempo, até que Ana Clara, ainda ajoelhada, começou a falar como se a mãe pudesse ouvi-la: "Mamãe, agora eu tenho um pai... É estranho, sabe? Mas acho que você ia gostar. Ele parece legal e prometeu que vai cuidar de mim." A voz dela tremia, mas as palavras saíam claras e honestas. João Paulo sentiu as
lágrimas escorrerem sem conseguir conter. Quando estavam saindo, Ana Clara parou e olhou para João Paulo: "Você vai prometer de novo que nunca vai me deixar?" Ele se abaixou até ficar na altura dela, olhou-a nos olhos e disse, com toda sinceridade: "Prometo." Ana Clara sempre. A noite começou tranquila. Rebeca estava na cozinha preparando um chá, enquanto Ana Clara estava no sofá da sala, rabiscando em seu caderno de desenhos. Desde que João Paulo apareceu com as revelações sobre ser seu pai, a casa tinha ficado mais cheia de emoções, mas a rotina ainda era calma. João Paulo estava
fora, resolvendo algumas questões relacionadas ao teste de DNA e a um possível novo plano para proteger a menina. Rebeca não sabia que estava sendo observada. Do lado de fora, um carro preto estava estacionado, com os vidros fechados e motor desligado. Dentro dele, Verônica olhava para a casa com uma expressão sombria, enquanto um dos seus capangas terminava de confirmar a informação no celular: "É aqui mesmo, Dona Verônica. A menina tá com essa tal de Rebeca." Ela apertou os dedos ao redor do volante, o rosto endurecendo. "Achavam que podiam me enganar, que podiam esconder a menina de
mim. Pois agora vão aprender que comigo ninguém brinca. Entrem lá e tragam ela." Dois homens saíram do carro com armas em mãos. O plano era rápido e brutal. Eles arrombaram a porta da frente sem hesitar. O barulho do impacto ecoou pela casa, fazendo Rebeca derrubar a xícara que segurava. "Quem tá aí?" gritou ela, já correndo para a sala. Antes que pudesse fazer algo, foi segurada por um dos capangas, que a jogou contra a parede. Enquanto o outro corria em direção a Ana Clara, a menina gritou desesperada, mas estava em defesa. O homem a segurou com
força, cobrindo sua boca com a mão para abafar os gritos. "Não solta! Tem ela!" berrou Rebeca, lutando contra o capanga que a segurava. Verônica entrou calmamente na casa, seus saltos fazendo eco no piso de madeira. "Olá, Rebeca, que pena que nosso primeiro encontro tenha que ser assim." Rebeca olhou com ódio nos olhos. "Você não vai levar ela." Verônica deu um sorriso frio. "Já estou levando. Você achou que podia me enganar, esconder essa menina de mim? Achou que eu não ia descobrir? Lamento te decepcionar." Ana Clara se debatia nos braços do capanga, mas era inútil. Rebeca
tentou se soltar novamente, mas Verônica fez um gesto e o homem aumentou a pressão contra ela. "Não me faça te machucar, Rebeca. Não é com você que eu quero problemas. Fique fora disso e vai ser melhor para todo mundo." Em poucos minutos, Verônica e seus capangas saíram da casa com Ana Clara. A menina foi jogada no banco de trás do carro, chorando em silêncio, enquanto o veículo arrancava em alta velocidade. Rebeca caiu no chão assim que o homem a soltou. Ela ficou ali por alguns segundos, tentando processar o que tinha acabado de acontecer, mas então
a determinação tomou conta dela. Ela pegou o telefone e ligou para João Paulo. "João, é a Verônica. Ela descobriu onde estamos e levou Ana Clara." Do outro lado da linha, João Paulo ficou em silêncio por um momento. Quando falou, sua voz estava firme, quase fria. "Me diga tudo. Onde você tá agora?" Rebeca contou o que aconteceu e João Paulo foi para a casa dela imediatamente. Quando chegou, encontrou a porta arrombada e Rebeca ainda tentando limpar o sangue de um pequeno corte no rosto. "A gente precisa trazê-la de volta", disse ele, sem rodeios. "Eu sei, João,
mas como? Verônica deve ter levado ela para um lugar que conhece bem e você sabe como ela é perigosa." João Paulo não perdeu tempo. Ele ligou para Zeca, o amigo que sempre tinha contatos importantes. Pouco tempo depois, os três estavam reunidos na casa de Rebeca, traçando um plano. "Verônica não é do tipo que esconde as coisas por muito tempo. Ela deve estar com Ana Clara em um dos esconderijos que usa para negócios", disse Zeca, estudando o mapa que João Paulo havia trazido. João Paulo assentiu. "Provavelmente, no armazém. É isolado e fácil de proteger." Rebeca olhou
para eles, nervosa. "E o que a gente vai fazer? Não podemos simplesmente invadir." João Paulo colocou a mão no ombro dela. "Não vai ser assim. A gente vai planejar cada passo. Não vou deixar Verônica machucar Ana Clara." Nas próximas horas, o trio trabalhou sem parar. Usaram o que sabiam sobre Verônica para prever seus movimentos. João Paulo fez ligações, Zeca conseguiu informações detalhadas sobre a segurança do local e Rebeca, mesmo com medo, se recusava a ficar de fora. "Eu vou com vocês. Não vou deixar vocês resolverem isso sozinhos", disse ela. "Não, Rebeca, é perigoso demais. Você
já arriscou muito", respondeu João Paulo. "Não adianta tentar me impedir. Ela é minha responsabilidade tanto quanto sua." João Paulo sabia que não ia conseguir convencê-la, então cedeu. Finalmente, o plano estava pronto. Eles fariam o resgate na madrugada, quando o número de capangas no armazém provavelmente seria menor. João Paulo e Zeca entrariam pelos fundos, enquanto Rebeca ficaria do lado de fora, pronta para ajudar no que fosse necessário. João Paulo sabia que o risco era enorme, mas não podia falhar. Ele prometeu a si mesmo que não. Deixaria Ana Clara sofrer mais? Quando tudo estava pronto, eles se
olharam pela última vez antes de partir. "Isso precisa dar certo", disse Rebeca, com os olhos cheios de preocupação. "Vai dar, porque eu não tenho outra opção", respondeu João Paulo, com uma determinação feroz, e com isso, eles seguiram para o armazém, prontos para enfrentar o pior e trazer Ana Clara de volta. A madrugada era silenciosa, com o som distante de grilos e o vento balançando algumas folhas ao redor do armazém velho e mal iluminado. João Paulo estacionou o carro a uma boa distância do local, desligando os faróis para não chamar a atenção. Ao seu lado, Zeca
checava a arma com as mãos, enquanto Rebeca, no banco de trás, respirava fundo, tentando acalmar o nervosismo. O lugar era sombrio, cercado por pilhas de entulho e mato alto; não era difícil imaginar que Verônica escolheria um lugar como aquele para fazer seus negócios. "Está todo mundo pronto?" João Paulo perguntou, em voz baixa, olhando para o grupo. Seus olhos mostravam firmeza, mas o suor na testa denunciava a tensão. Rebeca sentiu, apertando a lanterna que segurava. Zeca deu um último gole em sua garrafa de água e abriu a porta do carro. "Não temos tempo a perder", ele
disse, saindo sem olhar para trás. Os três se aproximaram do armazém, seguindo pelo lado menos visível, um corredor estreito que dava acesso aos fundos do prédio. João Paulo liderava o caminho, atento a cada som e movimento. Quando chegaram à porta traseira, Zeca parou, colocando o ouvido contra o metal enferrujado. "Tem dois guardando a entrada principal, mas não ouvi nada daqui de trás. Parece que é a nossa melhor chance", sussurrou ele, tirando uma ferramenta do bolso para abrir a fechadura. Enquanto Zeca trabalhava na porta, Rebeca se mantinha alerta, olhando para os arredores. Seu coração parecia que
ia sair pela boca, mas a imagem de Ana Clara assustada e sozinha lhe dava coragem para continuar. Quando a porta finalmente abriu, com um leve rangido, João Paulo fez um sinal para que os outros o seguissem. Eles entraram devagar, quase sem respirar. Lá dentro, o ar era pesado, com cheiro de óleo e ferrugem. O lugar era maior do que parecia por fora, cheio de caixas empilhadas, barris e corredores mal iluminados. "A sala onde Verônica deve estar fica do outro lado", disse Zeca, apontando para a direção. Eles avançaram, usando as sombras para se esconder. De repente,
o som de passos ecoou pelo lugar, vindo de um corredor lateral. João Paulo ergueu a mão, mandando todos pararem. Dois capangas apareceram, conversando baixo, e, por sorte, seguiram para a direção oposta. "Isso está começando a parecer fácil demais", sussurrou Rebeca, tentando controlar o tremor na voz. João Paulo não respondeu; ele sabia que aquilo era apenas o começo. Finalmente, chegaram à porta principal da sala onde Verônica estava. Zeca espiou pela fresta e voltou com o rosto fechado. "Ela está lá, tem mais dois com ela, mas Ana Clara também está." Rebeca cobriu a boca com a mão
para conter o choro. João Paulo apertou os punhos, fechando os olhos por um momento antes de encarar Zeca. "Vamos entrar." Zeca preparou a arma enquanto João empurrou a porta com força, fazendo-a bater contra a parede. O barulho foi suficiente para chamar a atenção de todos na sala. Verônica, que estava sentada em uma cadeira de frente para Ana Clara, se levantou devagar, surpresa no rosto. "Ora, ora! Olha quem veio brincar de herói", disse ela, cruzando os braços com um sorriso frio. Ana Clara estava amarrada em uma cadeira, com os olhos arregalados e lágrimas escorrendo pelo rosto.
Ao ver João Paulo e Rebeca, tentou falar algo, mas a mordaça abafou sua voz. "Solta ela, agora!", Verônica! João Paulo gritou, dando um passo à frente. "E por que eu faria isso?", respondeu Verônica, andando calmamente até ficar de frente para ele. "Você acha que pode simplesmente invadir aqui e me dar ordens?" "É exatamente isso que eu acho", rebateu ele, firme. Os dois capangas, que estavam ao lado de Verônica, sacaram as armas, mas, antes que pudessem fazer algo, Zeca disparou um tiro que acertou o teto, assustando a todos. "Mas o movimento… e eu não erro, próximo",
ele avisou, apontando a arma para eles. O clima ficou tenso. Verônica olhou para os homens, depois para João Paulo, e riu de forma sarcástica. "Você realmente acha que pode ganhar isso aqui? Que eu vou simplesmente entregar a menina e deixar vocês saírem?" João Paulo não respondeu; em vez disso, deu mais um passo, ficando cara a cara com ela. "Essa história termina hoje, Verônica, e não vai ser você quem vai vencer." De repente, um dos capangas tentou pegar Zeca de surpresa, mas ele foi mais rápido e deu uma coronhada no homem, que caiu no chão. O
outro, assustado, largou a arma e ergueu as mãos. Verônica perdeu o controle; ela correu até a cadeira onde Ana Clara estava e puxou uma faca, colocando-a contra o pescoço da menina. "Não dê mais um passo!", ela gritou, agora sem o tom sarcástico. Rebeca gritou de pavor, mas João Paulo manteve a calma. "Você não precisa fazer isso, Verônica. Solta ela e acaba com isso." "Agora você acha que pode mandar em mim? Nunca!", gritou ela, os olhos cheios de ódio. Foi nesse momento que Zeca, com um movimento rápido, atirou na mão de Verônica. Ela gritou de dor,
soltando a faca e deixando Ana Clara livre. João Paulo correu até a menina, tirando as cordas e a mordaça, enquanto Rebeca segurava Verônica no chão. "Acabou, Verônica, acabou para você", disse João Paulo, segurando Ana Clara nos braços. Zeca ainda disparou duas vezes contra os homens que estavam com Verônica. Isso deu tempo suficiente para que eles conseguissem entrar no carro e fugir. A noite seguia densa e pesada, com o ar carregado de tensão. Depois de conseguirem resgatar Ana Clara do armazém, João Paulo, Rebeca e Zeca estavam certos de que tudo tinha acabado. No entanto, Verônica, mesmo
ferida e humilhada, não desistiria tão fácil. O carro que levava Ana Clara parou na estrada para que eles se reorganizassem. Rebeca e Zeca discutiam no capô, enquanto João Paulo tentava acalmar Ana Clara no banco de trás. — Está tudo bem agora, pequena, você está segura — ele disse, passando a mão nos cabelos da menina, que ainda tremia de medo. — Mas e se ela vier atrás de mim de novo? — perguntou Ana Clara, com a voz embargada. João Paulo olhou para ela com uma mistura de ternura e determinação. — Eu não vou deixar acontecer, prometo.
Antes que pudesse dizer mais, Zeca voltou para o carro com o rosto preocupado. — Acho que tem um carro nos seguindo. Está apagando os faróis para não chamar atenção, mas não é difícil perceber. O coração de João Paulo acelerou. Ele olhou pelo retrovisor e conseguiu ver um vulto ao longe. Não tinha dúvidas: era Verônica. — Ela não vai desistir tão fácil — murmurou ele, olhando para Rebeca e Zeca. — A gente precisa tirá-la de vez do nosso caminho. Rebeca balançou a cabeça em negação. — João, não! Nós conseguimos salvar Ana Clara. Vamos pra delegacia agora,
é com a polícia. Mas João Paulo sabia que Verônica era esperta demais para ser pega pela polícia. Ela tinha contatos, influência, e não pensaria duas vezes antes de escapar e voltar para terminar o que começou. Ele apertou o volante com força, como se estivesse segurando sua própria raiva. — Rebeca, leva Ana Clara para um lugar seguro. Eu e o Zeca vamos resolver isso. — Não! Você não vai fazer isso! — gritou Rebeca, colocando a mão no braço dele. — Ela é perigosa. Não vale a pena. — Não é uma questão de valer a pena; é
sobre proteger Ana Clara! Ela nunca vai estar segura enquanto Verônica estiver solta. Zeca, que até então permanecia em silêncio, soltou um suspiro pesado. — Ele tem razão, Rebeca. Verônica não vai parar. Com relutância, Rebeca concordou, mas seus olhos estavam cheios de preocupação. — Prometa que vai voltar! Prometa, João! Ele não respondeu; apenas segurou a mão dela por um instante antes de virar o rosto para Ana Clara. — Eu volto — ele disse, com um sorriso pequeno que escondia a incerteza. João Paulo e Zeca entraram no carro e deram meia-volta, seguindo em direção ao carro que
vinha atrás. Eles não sabiam o que encontrar, mas estavam prontos para tudo. A perseguição os levou a uma estrada deserta, onde Verônica, irritada por ter sido descoberta, tentou despistá-los. Depois de alguns minutos de manobras arriscadas, ela parou bruscamente em frente a um velho galpão, e seus capangas saíram com armas em mãos. — É agora ou nunca — disse João Paulo, saindo do carro com a expressão séria. Zeca sentiu, sacando sua arma. Eles sabiam que não era um confronto justo, mas não podiam recuar. Verônica desceu do carro com uma calma assustadora, segurando uma pistola e olhando
diretamente para João Paulo. — Então você resolveu bancar o herói de novo, hein? — disse ela, com um sorriso frio. — Não é por mim; é por Ana Clara. Você não vai mais colocar as mãos nela — respondeu João Paulo, firme. Verônica riu, mas era um riso cheio de raiva. — Você acha que pode me impedir? Você não sabe com quem está lidando. Antes que ela pudesse dizer mais, Zeca disparou na direção de um dos capangas, acertando sua perna e fazendo-o cair. O som do tiro ecoou pelo lugar, e o caos começou. João Paulo correu
para se proteger atrás de uma pilha de caixas, enquanto Verônica atirava sem hesitar. Ele sabia que não tinha muito tempo. Zeca, do outro lado, tentava cobrir o amigo, mas os capangas de Verônica estavam bem armados. Em meio à confusão, João Paulo conseguiu se aproximar de Verônica. Ele a pegou de surpresa, derrubando a arma dela e a segurando pelo braço. — Acabou, Verônica! — mas ela não era do tipo que se rendia facilmente. Com um movimento rápido, puxou uma faca que tinha escondida e acertou João Paulo no abdômen. Ele soltou um gemido de dor, mas não
a soltou. — Você nunca vai ganhar de mim — disse ela, olhando diretamente nos olhos dele com o pouco de força que tinha. João Paulo, então, a empurrou com violência, fazendo-a cair e bater a cabeça. A faca caiu de suas mãos, e ela ficou atordoada no chão. Zeca correu até João Paulo, que agora estava ajoelhado, segurando o ferimento. — Caiu intensamente, cara, você está mal. Vamos sair daqui. João Paulo balançou a cabeça. — Não, Zeca, leve-a pra polícia. É agora a chance de acabar com isso e você... João Paulo tentou sorrir, mas a dor o
impediu. — Só faz o que estou pedindo. Zeca hesitou, mas sabia que não adiantava discutir. Ele pegou Verônica, que ainda estava desacordada, e colocou-a no carro, junto com os capangas neutralizados. Enquanto Zeca partia, João Paulo ficou ali sentado no chão frio, olhando para o céu escuro. Ele sabia que não tinha muito tempo. Fechou os olhos, pensando em Ana Clara. Ele fez tudo o que podia para protegê-la. Pouco tempo depois, Rebeca chegou desesperada e correu até ele. — João, o que você fez? Por que não veio com o Zeca? Ele abriu os olhos lentamente, com um
sorriso fraco. — Eu prometi que protegeria a Ana Clara, e foi isso que eu fiz. A noite estava carregada de um silêncio estranho, como se até o vento soubesse que algo ruim estava prestes a acontecer. João Paulo estava deitado no chão frio do galpão, respirando com dificuldade. Seu corpo estava pesado, e o sangue que escorria do ferimento em seu abdômen parecia um lembrete cruel de que seu tempo estava acabando. Rebeca estava ajoelhada ao lado dele, com as mãos sujas de sangue, enquanto tentava desesperadamente pressionar o ferimento para conter a hemorragia. — João, você tem que
aguentar! A ambulância está chegando! — ela disse, mas sua voz tremia. Ele abriu os olhos devagar e tentou dar um sorriso, embora fosse claro que a dor era imensa. Insuportável! Não, não adianta, Rebeca! — ele murmurou, a voz falhando. — Não fala isso, você vai sair daqui, vai ficar bem! — gritou ela, sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto. Ana Clara estava ao lado, em pé, paralisada pelo medo e pela tristeza. Ela queria se aproximar, mas não conseguia; as pernas pareciam feitas de pedra e tudo o que conseguia fazer era olhar para João Paulo, o homem
que tinha feito de tudo para protegê-la. — Ana! — chamou ele com a voz fraca, a menina. Finalmente, deu um passo à frente, hesitante; seus olhos estavam marejados e ela caiu de joelhos ao lado dele, segurando sua mão. — Eu tô aqui! — respondeu, chorando. João Paulo olhou para ela com os olhos cheios de ternura. Mesmo em meio à dor, ele levantou a mão livre, tocou o rosto dela, limpando uma lágrima que escorria. — Você é muito corajosa! Eu sempre soube que você era forte, mas hoje, hoje você foi incrível! — Não fala como se
fosse um adeus; você vai ficar bem, a ambulância já tá vindo! — Ana Clara respondeu, a voz embargada. Rebeca tentou falar algo, mas não conseguiu. Sabia que não tinha como salvar João Paulo; ele estava muito ferido e o tempo estava contra eles. Tudo o que podia fazer era estar ali ao lado dele para que ele não se sentisse sozinho. João Paulo respirou fundo, tentando encontrar forças para continuar. — Ana... — ele começou, olhando fixamente para a menina. — Eu sinto muito por não ter estado com você antes, por ter demorado tanto para aparecer na sua
vida. — Não importa! — ela disse, com a voz fraca. — Você tá aqui agora, é isso que importa! Ele sorriu novamente, dessa vez com os olhos brilhando de emoção. — Promete que vai ser feliz? Promete que vai viver uma vida boa? — Eu prometo! — respondeu ela, soluçando. João Paulo apertou a mão dela uma última vez antes de olhar para Rebeca. — Cuida dela como você sempre fez. Você é a melhor pessoa que ela poderia ter ao lado. Rebeca balançou a cabeça, segurando o choro. — Eu prometo, João, com toda a minha alma! A
respiração dele começou a ficar mais fraca e seus olhos começaram a se fechar, mas antes de partir, ele disse uma última coisa, olhando para Ana Clara. — Eu sempre vou estar com você, pequena, sempre. E então ele parou de respirar. Rebeca desabou, chorando alto, enquanto abraçava o corpo de João Paulo. Ana Clara se jogou sobre ele, agarrando com força, como se não quisesse deixá-lo ir. — Não, por favor, não vai embora! — gritou ela, mas não havia mais nada que pudesse ser feito. As sirenes da ambulância chegaram tarde demais. Quando os paramédicos entraram no galpão,
Rebeca já sabia que era tarde. Eles tentaram afastá-la, mas ela se recusava a soltar João Paulo. — Ele fez isso por nós! Ele salvou a gente! — disse, com a voz quebrada, enquanto olhava para Ana Clara. A menina estava sentada no chão, abraçando os joelhos; seu olhar estava perdido, como se a dor fosse tão grande que nem pudesse ser compreendida. O corpo de João Paulo foi levado e o silêncio voltou a tomar conta do lugar. Rebeca se aproximou de Ana Clara, se ajoelhando ao lado dela. — Ele nos amava muito, nunca esqueça disso! Ana Clara
olhou para ela e, mesmo com a tristeza, conseguiu balançar a cabeça. — Eu sei, eu nunca vou esquecer. As duas ficaram ali, abraçadas, enquanto a noite se tornava ainda mais fria. O sacrifício de João Paulo seria algo que elas levariam para sempre no coração, mas naquele momento, tudo o que podiam fazer era chorar e tentar encontrar forças para seguir em frente. Algumas semanas haviam se passado desde aquela noite terrível no galpão. A ausência de João Paulo era sentida em cada momento, como uma sombra que pairava sobre Ana Clara e Rebeca. As lembranças ainda estavam frescas
e a dor era um visitante constante que nunca ia embora. Ana Clara passava boa parte do tempo no quarto, segurando o caderno de desenhos onde costumava rabiscar quando tudo parecia pesado demais. Rebeca fazia o possível para dar força, mas também lutava com sua própria tristeza. João Paulo não era apenas alguém que elas amavam; ele era o motivo pelo qual ainda estavam vivas. Naquela manhã, enquanto Ana Clara estava na sala, olhando pela janela, Rebeca recebeu uma ligação inesperada. Do outro lado da linha, um advogado pediu que ambas comparecessem ao escritório dele para tratar de um assunto
importante relacionado a João Paulo. — O que ele quer? — perguntou Ana Clara, confusa, quando Rebeca desligou o telefone. — Ele disse que é sobre João Paulo, algo sobre um testamento — respondeu Rebeca, sem saber exatamente o que esperar. Ana Clara franziu a testa. — Testamento? Mas ele nunca falou sobre isso! — É melhor a gente ir e descobrir — disse Rebeca, tentando esconder a ansiedade que começava a tomar conta dela. O escritório do advogado era um lugar pequeno, mas bem organizado; livros de leis cobriam as estantes e havia uma mesa com pilhas de documentos
cuidadosamente empilhados. O advogado, um homem de meia-idade com óculos finos e expressão gentil, as recebeu com um aperto de mão e pediu que se sentassem. — Eu sinto muito pela perda de vocês — começou ele, com um tom sincero. — João Paulo era um homem admirável. Ele deixou instruções bem claras para o que deveria ser feito após sua partida. Ana Clara abaixou a cabeça, mexendo nos próprios dedos. Rebeca colocou a mão no ombro dela, como se dissesse, sem palavras, que estava ali para qualquer coisa. — O que ele deixou? — perguntou Rebeca, tentando quebrar o
silêncio que começava a incomodar. O advogado pegou um envelope grosso e o colocou sobre a mesa. — João Paulo deixou um testamento onde especifica que todos os bens dele, incluindo a casa, o carro e uma quantia significativa de dinheiro, sejam transferidos para Ana Clara. Ele também deixou uma carta que pediu para ser entregue a ela pessoalmente. Ana Clara arregalou os olhos, surpresa. — Para mim? — Sim, minha... Querida, disse o advogado, abrindo o envelope e retirando um pedaço de papel dobrado. Ele o entregou para Ana Clara, que o segurou com cuidado, como se estivesse lidando
com algo precioso. Rebeca olhou para ela, incentivando-a com um aceno de cabeça. "Leia, Ana. Ele escreveu isso para você." A menina respirou fundo e começou a abrir a carta. Suas mãos tremiam, mas ela reuniu coragem e começou a ler em voz alta: "Minha querida Ana Clara, se você está lendo isso, significa que não estou mais aí para te dar um abraço e dizer o quanto você é importante para mim. Mas quero que saiba que você foi o melhor presente que a vida poderia ter me dado. Por muitos anos, eu vivi sem saber que tinha uma
filha. Quando finalmente te encontrei, percebi que tinha uma segunda chance, não só de ser um pai, mas de ser alguém melhor. Você me ensinou o verdadeiro significado de coragem, amor e família, e eu nunca vou esquecer isso. Tudo o que tenho agora é seu. Use isso para seguir seus sonhos, para ser a pessoa incrível que eu sempre soube que você poderia ser. Mas, mais importante que isso, use para ajudar os outros. Assim como você trouxe luz para minha vida, traga luz para o mundo. E nunca se esqueça: mesmo que eu não esteja aí fisicamente, estarei
com você em cada passo que você der. Eu te amo, minha pequena, e sempre vou te amar, com todo o meu amor, João Paulo." Ana Clara terminou de ler a carta com lágrimas escorrendo pelo rosto. Rebeca, que estava ao lado dela, também chorava, mas tentou manter a calma para apoiar a menina. "Ele sabia o quanto você era especial, Ana," disse Rebeca, abraçando-a. O advogado limpou a garganta discretamente e continuou: "João Paulo também deixou um pedido especial. Ele queria que parte do dinheiro fosse usada para ajudar crianças que, como Ana Clara, passaram por momentos difíceis. Ele
acreditava que essa era a melhor forma de honrar o amor que sentia por vocês." Rebeca olhou para Ana Clara e, naquele momento, as duas souberam o que precisavam fazer. "Nós vamos fazer isso," disse Rebeca, com determinação. "Vamos criar algo que ele teria orgulho." Ana Clara sentiu, enxugando as lágrimas. "Eu quero que o mundo saiba o quanto ele foi incrível." Na saída do escritório, Ana Clara segurava a carta contra o peito. A dor pela perda de João Paulo ainda era forte, mas havia algo novo dentro dela agora: uma faísca de esperança, de propósito. Ela sabia que
ele não queria que ela vivesse presa ao passado, mas sim que transformasse sua dor em algo maior. Rebeca colocou o braço ao redor da menina enquanto caminhavam até o carro. "Vamos começar algo bonito, Ana, algo que vai mudar vidas como ele mudou a nossa." Ana Clara olhou para o céu, como se estivesse falando diretamente com João Paulo. "Eu prometo que vou fazer você se orgulhar, papai." Com isso, as duas partiram, prontas para dar início ao próximo capítulo de suas vidas, um capítulo que carregaria o legado de amor, coragem e sacrifício de João Paulo. Os dias
depois da leitura do testamento de João Paulo trouxeram um turbilhão de emoções para Ana Clara e Rebeca. A tristeza ainda as acompanhava, mas havia algo novo: uma sensação de dever, como se a missão de continuar o legado dele tivesse sido colocada em suas mãos. Na pequena sala da casa de Rebeca, um grande quadro branco estava cheio de rabiscos. Ideias, planos e anotações ocupavam cada espaço disponível. Elas passavam horas ali discutindo o que fazer com a herança e, mais importante, como transformar aquela perda em algo que pudesse ajudar outras pessoas. "Ele queria que ajudássemos crianças como
eu," disse Ana Clara, sentada no chão com seu caderno de desenhos no colo. "É isso que vamos fazer," respondeu Rebeca, determinada. "Mas precisamos pensar em como... uma casa, um lugar seguro onde ninguém nunca precise sentir o medo que eu senti," sugeriu Ana Clara, os olhos brilhando com uma mistura de tristeza e esperança. Rebeca sorriu. "É uma ideia incrível. Um abrigo. Mas não só isso! Vamos criar algo que possa dar oportunidades, educação, uma chance de recomeçar." Elas passaram semanas planejando tudo com a ajuda do advogado. Descobriram que a herança de João Paulo era maior do que
imaginavam. Ele não só havia deixado dinheiro suficiente para começar o projeto, mas também contatos que poderiam ajudar a expandir a ideia. O primeiro passo foi encontrar um lugar. Depois de visitar vários imóveis, Rebeca e Ana Clara finalmente encontraram uma casa grande, com um quintal espaçoso e muitas árvores. "É aqui!" exclamou Ana Clara, correndo pelo quintal. Rebeca olhou ao redor, sentindo uma paz que não sentia há muito tempo. "Sim, é perfeito!" A reforma começou no mês seguinte. O lugar estava desgastado, mas com cada tijolo novo, cada parede pintada, parecia ganhar vida. Ana Clara fazia questão de
ajudar, mesmo que fosse apenas segurando as ferramentas ou servindo água para os trabalhadores. "Quando ficar pronto, vai ser o lugar mais lindo do mundo," disse ela, com um sorriso tímido. O projeto não parava de crescer. Rebeca entrou em contato com ONGs, psicólogos e educadores: pessoas que também acreditavam em um futuro melhor para crianças vulneráveis. Começaram a se juntar à causa. Em pouco tempo, o abrigo deixou de ser apenas uma ideia no papel e se tornou realidade. No dia da inauguração, a casa estava cheia de pessoas. Crianças de várias idades corriam pelo quintal, brincando e rindo.
Ana Clara as observava de longe, encostada em uma das árvores. "Ele estaria orgulhoso," disse Rebeca, aproximando-se dela. "Eu espero que sim," respondeu Ana Clara, com os olhos cheios de lágrimas. Rebeca colocou a mão no ombro da menina e sorriu. "Ele está, tenho certeza disso." O abrigo recebeu o nome de Casa João Paulo e logo se tornou um lugar conhecido pela comunidade. Era mais do que... Um teto para as crianças gera um lar, um espaço onde elas podiam se sentir amadas, protegidas e valorizadas. Ana Clara fazia questão de participar de tudo. Apesar da pouca idade, ela
entendia a importância do trabalho que estavam fazendo. "Se alguém tivesse feito isso por mim antes, talvez eu não tivesse sofrido tanto", disse ela certa vez para Rebeca. "E agora você está fazendo isso por elas. É isso que importa", respondeu Rebeca. Com o tempo, a Casa João Paulo começou a expandir. Doações chegaram de todos os lados e novos projetos foram criados: oficinas de arte, programas de reforço escolar e até um pequeno espaço para ensino de música. Uma tarde, enquanto Ana Clara estava pintando uma parede com as outras crianças, uma menina mais nova se aproximou. "Você também
morava aqui antes?", perguntou ela, curiosa. Ana Clara sorriu. "Não, mas eu sei como é precisar de um lugar assim. Eu gosto daqui", disse a menina, segurando um pincel colorido. "É o lugar mais bonito que eu já vi." Ana Clara sentiu um calor no peito. "Eu também acho." Mesmo com todo o sucesso, Rebeca e Ana Clara nunca esqueceram de onde vieram. Elas mantinham a memória de João Paulo viva em cada decisão que tomavam, em cada criança que ajudavam. "Ele nos deu a chance de fazer algo maior", Ana disse a Rebeca uma noite, enquanto olhavam para as
luzes da casa. "E nós estamos fazendo isso porque ele acreditava na gente", completou Ana Clara. Elas ficaram em silêncio por um momento, apenas observando as crianças brincando no quintal, as risadas ecoando pelo ar. João Paulo não estava mais ali fisicamente, mas sua presença era sentida em cada canto daquele lugar, e isso dava a elas forças para continuar. Os anos passaram. Ana Clara, agora uma jovem adulta, cresceu com as marcas do que viveu, mas também com o aprendizado de como transformar a dor em força. A organização que ela e Rebeca criaram tinha se tornado algo muito
maior do que elas imaginavam. O que começou como uma pequena iniciativa para ajudar crianças vulneráveis agora era reconhecido por todo o país. Era um lugar que oferecia abrigo, educação e, acima de tudo, esperança para quem mais precisava. No dia em que tudo mudou, Ana Clara ainda lembrava do rosto de João Paulo, das palavras dele quando assegurou pela última vez: "Viva a sua vida com alegria. Você merece." Ele tinha dito isso enquanto o sangue manchava sua camisa. Aquela lembrança não a deixava triste; pelo contrário, era o que a fazia seguir em frente. Ela sabia que todo
aquele sacrifício tinha sido por ela, pela sua chance de ter um futuro melhor. Rebeca era como uma mãe para Ana Clara. Ela esteve presente em cada momento difícil, em cada conquista, sempre lembrando a jovem de quem ela era e do que podia alcançar. Com o tempo, Rebeca deixou claro que o amor não precisava ser de sangue para ser verdadeiro. O vínculo entre elas era mais forte do que qualquer coisa que Ana Clara tinha visto antes. Certa tarde, Ana Clara estava em seu escritório, com alguns papéis sobre a expansão da organização. As crianças que passavam pelas
portas do projeto saíam transformadas. Algumas voltavam anos depois para trabalhar como voluntárias, outras seguiam carreiras brilhantes e nunca esqueciam o impacto que o abrigo tinha tido em suas vidas. Para Ana Clara, esses momentos eram mais valiosos do que qualquer fortuna. No entanto, havia um sentimento que ela ainda carregava: a saudade de sua mãe. Algumas noites, ela sonhava com Mariana, ouvindo a voz suave que a confortava na infância: "Você é forte, minha menina", a voz dizia no sonho, e Ana acordava com lágrimas nos olhos. Mas essas lembranças também eram um lembrete de que, apesar de tudo,
ela nunca esteve realmente sozinha. A organização estava prestes a completar 10 anos. Rebeca insistiu em fazer um grande evento para comemorar, e Ana Clara aceitou, embora se sentisse um pouco desconfortável com tantas pessoas elogiando-a. Na noite da festa, o salão estava lotado; luzes penduradas no teto criavam uma atmosfera acolhedora e o som de risadas e conversas ecoava por todo o espaço. Havia fotos espalhadas pelas paredes, mostrando momentos importantes da história do projeto. Ana Clara caminhava pelo salão, cumprimentando as pessoas, quando seus olhos se fixaram em uma foto específica. Era uma imagem dela e João Paulo,
tirada pouco antes do confronto final com Verônica. Ele a abraçava com um sorriso tímido, e ela tinha o olhar de uma menina que finalmente sentia que estava segura. Ficou ali parada, olhando para a foto, até que Rebeca se aproximou e tocou seu ombro. "Ele estaria tão orgulhoso de você", disse Rebeca com um sorriso caloroso. Ana Clara olhou para ela e sorriu de volta. "Eu só espero estar honrando o que ele fez por mim." Rebeca pegou sua mão e apertou gentilmente. "Você está, todos os dias." Quando chegou a hora de fazer um discurso, Ana Clara subiu
ao pequeno palco montado no salão. Ela olhou para a plateia cheia de rostos conhecidos e desconhecidos e sentiu um misto de nervosismo e gratidão. Respirou fundo antes de começar a falar: "Quando tudo começou, eu nunca imaginei que estaríamos aqui hoje. Na infância, eu nem acreditava que um dia seria possível ter um futuro. Mas pessoas incríveis apareceram na minha vida. Minha mãe, mesmo enfrentando tantas dificuldades, me ensinou o que era amor verdadeiro. E Rebeca, que me mostrou que o amor também pode ser uma escolha. E João Paulo..." Ela fez uma pausa, sentindo a emoção tomar conta.
"João Paulo me deu mais do que eu poderia pedir. Ele me deu uma chance de viver." A plateia estava em silêncio absoluto; algumas pessoas enxugavam lágrimas. "O que construímos aqui não é só um abrigo, é uma promessa. Uma promessa de que ninguém precisa enfrentar a vida sozinho, que sempre haverá uma mão estendida pronta para ajudar. E é por isso que essa organização vai continuar." "Muitos anos, não por mim, não por Rebeca, mas por cada criança que precisa de um lugar seguro para chamar de lar." Ana Clara terminou o discurso, e, sob uma salva de palmas,
descendo do palco, ela sentiu algo dentro dela mudar. Não era tristeza, nem alegria; era uma sensação de completude. Ela sabia que, apesar de todas as perdas, a vida tinha encontrado uma maneira de florescer. Depois do evento, Ana Clara e Rebeca ficaram até tarde arrumando as coisas. Quando finalmente saíram do salão, o céu estava cheio de estrelas. Rebeca olhou para Ana Clara e disse: "Você está pronta para o que vem a seguir?" Ana Clara sorriu, olhando para o céu: "Sempre estive."